Não havia na família uma “tradição empresarial”, uma linhagem que levasse a crer que o jovem Armindo Monteiro iria dedicar a vida às empresas, sempre por conta própria e nunca a trabalhar para outros. Esse percurso corporativo misturou-se com frequência com o associativo, a que nunca se dedicou em exclusivo. Quando, na quarta-feira, tomar posse como o sexto presidente da Confederação Empresarial de Portugal, a CIP, essa tradição não chegará ao fim: vai manter-se como o empresário que é desde os 22 anos, quando, ainda antes de sair da Universidade de Évora, criou a primeira empresa.
Mas há outras atividades que o cargo, exigente pela responsabilidade e pela exposição mediática — “o presidente da CIP deve ser das pessoas mais insultadas neste país”, constata um colega do mundo empresarial —, o obrigará a deixar de fazer, pelo menos com a frequência a que estava habituado: viajar em trabalho pelo mundo. Nos últimos anos, já com o Grupo Levon em mãos, fundado em conjunto com o irmão, passou “mais tempo nos aviões do que em Portugal”, brinca, em conversa com o Observador.
“Cheguei a ter daqueles cartões de passageiro frequente em três companhias aéreas (TAP, Lufthansa e Air France), tantas eram as viagens que fiz nos últimos dez anos.” A partir de agora, com a sucessão a António Saraiva, que esteve 13 anos à frente dos destinos da CIP, passará a ter de delegar mais nos “country managers” que o Grupo foi fixando em várias geografias. Mas sem tirar os pés do corporativismo: não é agora que o empresário que sempre o foi vai deixar de o ser. “Não pretendo deixar de ser empresário. Apesar de estar ligado ao associativismo nunca fui profissional do associativismo. A minha natureza é empresarial.”
Os dois percursos fizeram-se em paralelo. Primeiro na ANJE, a Associação Nacional de Jovens Empresários, a que se juntou quando ainda vivia e estudava em Évora. Torna-se diretor regional e chega depois a presidente nacional, cargo que preencheu durante dois mandatos, de 2003 a 2009. Era a altura das aceleradoras, dos fundos de capital de risco, dos “business angels“. E de uma “geração de ouro” do empreendedorismo nacional, nas palavras do também empresário António Souza-Cardoso, que foi diretor-geral da ANJE quando Armindo Monteiro era presidente.
Trabalhei muito com ele numa geração, diria, de ouro, com Diogo Vasconcelos, com João Vasconcelos, que já cá não estão, mas que foram porta-bandeiras do empreendedorismo em Portugal. Aprendemos todos muito uns com os outros”, conta Souza-Cardoso ao Observador.
Armindo Monteiro acompanha o lançamento da chamada “academia de empreendedores” e dos “roadshows” que a ANJE ia fazendo junto das universidades, numa altura em que só 2% dos jovens admitiam ser empresários à saída do sistema escolar (e a maioria desses eram filhos de empresários). “As novas gerações não estavam vocacionadas para a criação de empresas”, refere António Souza-Cardoso. O mesmo sentiu Monteiro nos primeiros anos em que se lança por conta própria: “Nunca fomos formados para ser empresários”, chegou a afirmar.
Com Monteiro na presidência na Associação, “houve uma certa regeneração”. “A ANJE foi fundada nos anos 80 e [no início do século XXI] já estava numa segunda geração, de pessoas mais novas, com outras ideias”, retrata, por sua vez, Francisco Maria Balsemão, que trabalhou com Armindo Monteiro na ANJE e na Compta. A amizade manteve-se ao longo dos anos. “A ANJE tinha várias incubadoras, mas virámos o foco para a tecnologia. O perfil de empreendedor, até essa altura, era mais dos serviços e do comércio.” A tecnologia, sempre a tecnologia, vai manter-se como a “base” do percurso de Armindo Monteiro (foi, também, presidente da Associação Nacional das Empresas das Tecnologias de Informação e Eletrónica, entre 2010 e 2013).
Uma empresa aos 22 anos
Os últimos anos foram passados quase sempre em viagem, entre Portugal, África e a América Latina, onde o grupo Levon também tem atividade. Esse destino internacional já lhe estava traçado à nascença. Armindo Lourenço Monteiro nasceu em Paris, França, em 1967 e só se mudaria para Portugal após a Revolução de Abril, primeiro fixando-se com os pais, os dois administrativos de profissão, na Guarda, depois em Lisboa. “Como para muitas pessoas, era uma altura em que já se podia pensar em projetos de vida em Portugal“, conta.
Fez a faculdade em Évora, onde estudou gestão de empresas, e criou, aos 22 anos, a primeira empresa, em conjunto com o irmão. É com naturalidade que diz que foram apoiados financeiramente pelos “3 F’s — Friends, Family and Fools“, uma expressão usada na gíria do empreendedorismo para referir um impulso inicial que alguns empreendedores conseguem junto de familiares e amigos. O aspirante a gestor juntava, assim, forças com o irmão, um “craque” da programação que tinha conquistado um prémio nacional na área.
“Havia duas alternativas: ou começava a enviar currículos para trabalhar por conta de outrem — e normalmente era para auditoras e bancos — ou, como eu fiz e muitos fizeram, tentava lançar o meu próprio negócio. Esta ideia do espírito empreendedor, de criar coisas, creio que sempre esteve vincada na minha maneira de ser“, descreve. Num país que “era sobretudo de função pública e de trabalho por conta de outrem no privado, porque não este desafio? Porque não criar uma empresa?” É assim que nasce a Softline, uma empresa de software de gestão que chegou a ter na carteira de clientes a Autoridade Tributária — e à frente da qual chegou a ser notícia em Cabo Verde por tentar levar consigo num voo milhares de cartões de eleitor físicos produzidos pela tecnológica para que chegassem em segurança a tempo do processo eleitoral do país.
O empreendedorismo fez parte do léxico do empresário desde cedo, uma prioridade que levou para a ANJE quando a liderou. Numa entrevista ao Expresso em 2003, quatro meses depois de assumir a liderança da associação, Monteiro defendia que o empreendedorismo era uma “força” que “contraria toda a inércia de um país e onde os valores da ética e da consciência social são sagrados”. Mas lamentava que a palavra transparecesse “a ideia de que ser empresário é um mar de rosas e que está é a forma mais fácil de enriquecer”, o que é “mentira”.
“É urgente contrariar a ideia do empresário a quem ‘tudo é devido’, que só exige proveitos e não comporta custos”, defendia, na altura. Para ser empreendedor é preciso um “grande investimento pessoal”, dizia o empresário, que lamentava a falta de “ousadia” em Portugal e o facto de as universidades portuguesas não preparem “empresários”, mas “funcionários”.
A Sofltine, que hoje não terá mais do que três trabalhadores, é atualmente gerida pelo irmão e integra o Grupo Levon, que trabalha numa miríade de áreas, desde a engenharia, à construção, às tecnologias ou imobiliário, e que tem atividade em várias geografias, de Portugal à Namíbia, passando pela Bolívia, pelo Peru ou Brasil. É esse grupo que tem levado o gestor a passar os últimos anos mais tempo fora do que dentro do país — no Grupo Levon, cerca de 95% da atividade da empresa faz-se no estrangeiro.
O maior “fracasso” empresarial de que se lembra está, precisamente, ligado ao grupo: uma tentativa não conseguida de construir em Omã, na Península Arábica, “o maior porto daquela zona”. Mas a proposta que tinha para oferecer não era “suficientemente competitiva” num país onde a Levon concorria com empresas não ocidentais que tinham propostas mais apelativas pelos baixos custos laborais.
Como o caos na colocação de professores abriu caminho à compra da Compta
No percurso de Armindo Monteiro, que nunca trabalhou por conta de outrem, há outras protagonistas. A Compta, uma das mais antigas tecnológicas portuguesas, é uma delas. Francisco Maria Balsemão, que foi sócio de Monteiro nessa ocasião, descreve a compra da Compta como a sua “primeira aventura empreendedora”. É Armindo Monteiro quem o convence a pegar numa empresa “de pantanas” e a dar-lhe novo fôlego.
“O Armindo era já um empresário estabelecido, eu nem por isso. Mas como sou da área da engenharia, tecnologia e telecomunicações, achei por bem arriscar. E o Armindo, com a sua veia empreendedora, também achou que havia oportunidade de melhorar a empresa“, refere Francisco Maria Balsemão, ao Observador.
A Compta é comprada pelos dois numa altura particularmente difícil, no meio de um turbilhão político. Em 2004, o governo de Santana Lopes culpa a tecnológica pelo desastre no processo de colocação de professores desse ano (tinha sido a Compta a fornecer o software) e a reputação vai por água abaixo. Foi a gota de água para a empresa. Como contava o Dinheiro Vivo há 11 anos, as receitas tombaram, de 45 para 11 milhões de euros, e pelo mesmo caminho foram as ações.
Hoje, os dois ex-sócios olham para a Compta como uma espécie de “bode expiatório” do governo de então, uma empresa deixada à mercê de uma indefinição governativa dos algoritmos que orientassem o seu trabalho. “Não era tanto um problema de tecnologia, de algoritmo, era mais um problema de definição política do procedimento. As orientações estavam sempre a mudar. E a Compta achou por bem, na altura, antes de nós aparecermos, não levantar muitas ondas. Foi um bocado um bode expiatório daquela situação, mas sem ter grande culpa porque todos os dias havia uma especificação diferente do que era pretendido”, conta Francisco Maria Balsemão.
Para Monteiro e Balsemão, os problemas de uns foram a oportunidade de outros. Compraram a empresa e transformaram-na radicalmente. Balsemão fala de um “passivo considerável” que era preciso controlar. A estratégia passou pela redução do número de empresas — aquelas que “não fazia sentido” manter, por estarem focadas em tecnologias obsoletas que perdiam relevância a cada dia. Como o antigo serviço televisivo de teletexto. “Foi uma das empresas que, naturalmente, foi descontinuada. Estávamos no advento da internet”, exemplifica Armindo Monteiro.
Nesse processo de transformação, saíram muitos trabalhadores, mas “entraram três vezes mais”, garante o gestor. Chegaram a ser 220. A faturação foi crescendo e tocou os 30 milhões “em quatro ou cinco anos” de mão de Monteiro e Balsemão. Com eles, a Compta passou também a disponibilizar produtos próprios, o que lhes deu “mais margem”. Armindo Monteiro lembra um “envolvimento” coletivo dos trabalhadores para que a Compta desse a volta.
Mas os dois viriam a vender a empresa mais tarde, em 2020. A Compta, dizem, precisava de um novo ímpeto de internacionalização que consideraram não ser capazes de lhe dar. “Tendo feito essa transformação, percebemos que a Compta precisava de escalar, de estar nos mercados internacional. E esse tinha sido um ponto que não tínhamos conseguido fazer“, lamenta Monteiro.
A Compta ganha visibilidade quando recebe um prémio internacional por uma aplicação que permitia detetar incêndios precocemente. Essa aplicação valeu-lhes contactos vindos dos Estados Unidos (Califórnia) à Austrália, dois países fustigados, habitualmente, por incêndios florestais. “Percebemos claramente que precisávamos de parceiros que nos permitissem abordar esse mercado internacional. Percebemos que para irmos mais longe não podíamos ir sozinhos.”
Monteiro e Balsemão sentiram que era uma mudança de ciclo, tempo de se dedicarem aos outros projetos que iam tendo pelo caminho. “O comprador tinha uma visão interessante, que era juntar a engenharia tradicional com a tecnologia que a Compta disponibilizava, nomeadamente os produtos próprios. E nós achámos que tínhamos 15 anos de projeto. O Armindo depois começou a ter outros negócios e eu também. Achámos que não era má ideia termos um parceiro estratégico com essa visão. As empresas, tal como as pessoas, têm ciclos”, resume Francisco Maria Balsemão. A venda viria a acontecer ao grupo português de engenharia Future, mas dois anos depois, a tecnológica foi declarada insolvente. Um desfecho que surpreendeu os gestores, mas não os fez arrepender do passo tomado em 2020. “Fizemos o que entendemos que devia ser feito”, atira Balsemão.
O empresário “que procura consensos” vai liderar a CIP
Foi sem oposição que Armindo Monteiro concorreu à sucessão de Saraiva na CIP, numa corrida — que a confederação diz ter tido a “maior participação de sempre” — em que obteve 87% dos votos. Mas, à Rádio Observador, chegou a dizer que preferia ter tido concorrentes. “Gosto de marcar uma posição, um rumo, e por isso gostaria, porventura, que esse rumo tivesse sido discutido.”
Sem ligações partidárias, Monteiro promete uma defesa forte da iniciativa privada e já apontou a mira à chamada “agenda do trabalho digna”, um conjunto de alterações à lei laboral aprovadas pelo PS com a abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e votos contra do BE, PCP e IL. E que, em parte, têm tido a oposição das confederações patronais, que consideraram algumas medidas inconstitucionais.
“Preocupa-me a posição quer da maioria quer da minoria, da oposição ao Governo. Porque não houve nenhuma força política que tenha ousado ter uma posição de defesa, de preocupação com a situação das empresas em Portugal. E isto é muito perigoso: quando nenhuma força política entende que rende votos colocar-se ao lado da iniciativa privada, de quem cria emprego em Portugal. Deve fazer-nos refletir a todos na sociedade”, afirmou, no programa Explicador.
Habitação. Novo presidente da CIP fala em “delírio da legislativa governamental”
Quem o conhece do mundo associativo fala num empresário que procura consensos, que não se inibe de dizer o que pensa — não foram poucas as vezes que discordou de António Saraiva nas reuniões da cúpula da CIP. Mas que procura convergências. Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), conhece-o do contexto associativo, como vice-presidente da CIP, e salienta a assertividade. “Tem uma capacidade de ver as situações de uma forma clara mesmo quando são complexas”, indica, ao Observador.
Luís Miguel Ribeiro, da Associação Empresarial de Portugal (AEP), já o conhecia antes, da ANJE, e fala numa “pessoa com visão”. “É muito leal no trato e com a preocupação de criar condições, pontes, consensos, o que é fundamental para quem se propõe a um cargo como este.”
Armindo Monteiro foi-se afirmando como um sucessor natural de António Saraiva nos últimos anos, constatam os empresários da CIP com que o Observador falou. Pela experiência, o percurso, as características reconhecidas pelos pares. Mas não é pela proximidade a Saraiva que antecipam uma liderança igual à do presidente cessante. “Cada um tem o seu estilo próprio, até porque são pessoas de gerações, idades e perfis diferentes. Terá uma liderança que será a sua, com a sua marca”, atira Luís Miguel Ribeiro, que acredita que Monteiro poderá vir a ser “mais assertivo nalguns pontos”.
Digo isto tendo em conta aquilo que conheço de reuniões que tivemos, de conversas que fomos estabelecendo. E atendendo à conjuntura do país. Penso que ele irá ter esse tom e essa forma de intervir, sem perder naturalmente o foco naquilo que é o papel social de uma instituição como a CIP”, afirma.
Casado, com duas filhas, Armindo Monteiro assume-se como um melómano e um benfiquista ferrenho — “mas não fanático”. Tem interesse no que conhece e não conhece, do céu — tem um telescópio em casa, diz o amigo António Souza-Cardoso — ao fundo dos oceanos. É no mergulho que tem um dos seus hobbies preferidos. E onde encontra uma metáfora para a vida: a da necessidade do equilíbrio constante para a sobrevivência.
“Quando se mergulha, não podemos fazê-lo muito depressa sob o risco de criar embolias. Tem de se ir adaptando à medida que vai descendo, fazendo paragens intermédias. E quando se sobe também. Na vida, há uma posição de equilíbrio que precisamos de procurar. Procuro não me deslumbrar muito com o sucesso, mas também não ir muito abaixo com os fracassos.” Um equilíbrio que procurará levar para os próximos três anos de liderança na CIP.