As últimas semanas deixaram marcas no Governo e obrigaram o primeiro-ministro a criar um instrumento de fiscalização intermédia dos nomes que forem escolhidos para intergrarem o seu elenco de ministros e secretários de Estado. O resultado foi um questionário que as pessoas designadas para exercer essas funções têm de preencher, para além do compromisso de honra que passarão a ter de assinar.

O primeiro a passar pelo teste será o nome indicado para a Secretaria de Estado da Agricultura, que ficou sem responsável a semana passada depois de mais uma polémica. Mas, afinal, a que 36 perguntas (inicialmente eram 34) terão de responder os futuros governantes?

O questionário a que os futuros membros do Governo terão de responder

  1. Exerce atualmente atividades profissionais, e/ou integra corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas?
  2. Integrou, nos últimos três anos, corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas?
  3. Presta, ou desenvolveu nos últimos três anos, atividade de qualquer natureza, com ou sem carácter remunerado ou de permanência, suscetível de gerar conflitos de interesses, reais, aparentes ou meramente potenciais com o cargo a que é proposta/o?
  4. Detém, ou deteve nos últimos três anos, por si, ou conjuntamente com um membro do seu agregado familiar, capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas?
  5. Detém, ou deteve nos últimos três anos, por si, ou conjuntamente com um membro do seu agregado familiar, capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  6. Algum membro do seu agregado familiar detém capital, ou participação em capital, em sociedades ou empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  7. Detém, ou deteve, nos últimos três anos, por si, ou conjuntamente com um membro do seu agregado familiar, alguma empresa, ou participação em alguma empresa, que tenha celebrado contratos públicos com entidades abrangidas pelo Código dos Contratos Públicos e que vão ser diretamente tuteladas pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  8. Algum membro do seu agregado familiar detém alguma empresa, ou participação em alguma empresa, que tenha celebrado contratos públicos com entidades abrangidas pelo Código dos Contratos Públicos e que vão ser diretamente tuteladas pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  9. Exerce, ou exerceu nos últimos três anos, funções de gestão em sociedades e/ou em empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  10. Algum membro do seu agregado familiar exerce(m) funções de gestão em sociedades e/ou e empresas que prosseguem atividades no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  11. Exerce, ou exerceu nos últimos três anos, atividades públicas ou privadas no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  12. Algum membro do seu agregado familiar exerce(m) atividades públicas ou privadas no setor diretamente tutelado pela área governativa do cargo a que é proposta/o?
  13. Exerceu, nos últimos três anos, funções em entidades públicas ou em que o Estado tenha posição relevante?
  14. Nos últimos três anos foi beneficiário de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
  15. Algum membro do seu agregado familiar exerce, ou exerceu, nos últimos três anos, funções em entidades públicas ou em que o Estado tenha posição relevante?
  16. Algum membro do seu agregado familiar foi, nos últimos três anos, beneficiário de qualquer tipo de incentivo financeiro ou fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
  17. Alguma empresa detida por si, ou conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, ou em que exerce cargos sociais, foi beneficiária de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
  18. Alguma empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes exerçam cargos sociais, foi beneficiária de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia?
  19. Atenta a função para que foi convidada/o, existe qualquer situação particular de conflito de interesses e/ou impedimento que recomende a avocação, pelo primeiro-ministro, de alguma das competências inerentes à função do cargo que irá ocupar, e respetiva delegação em outro membro do Governo?
  20. Rendimentos de origem nacional (sim ou não): rendimento do trabalho dependente; rendimento do trabalho independente; rendimentos comerciais e industriais; rendimentos agrícolas; rendimentos de capitais; rendimentos prediais; mais-valias; pensões; outros rendimentos
  21. Tem rendimentos de origem estrangeira?
  22. É titular de património e/ou contas bancárias sediadas no estrangeiro?
  23. Tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
  24. A sociedade ou empresa detida, por si, ou conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, ou em que detém capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerça cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
  25. A sociedade ou empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes detenham capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerçam cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)?
  26. Tem a situação contributiva regularizada junto da Segurança Social (SS)?
  27. A sociedade ou empresa detida, por si, ou conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, ou em que detém capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerça cargo social, tem a situação contributiva regularizada junto da Segurança Social (SS)?
  28. A sociedade ou empresa detida por algum membro do seu agregado familiar, ou em que estes detenham capital, ou participação em capital, ou em que, ainda, exerçam cargo social, tem a situação fiscal regularizada junto da Segurança Social (SS)?
  29. Alguma vez foi condenado por qualquer infração penal ou contraordenacional?
  30. Alguma vez a pessoa coletiva, cujos corpos sociais integra ou integrou, foi condenada por qualquer infração penal ou contraordenacional?
  31. Alguma vez a sociedade e/ou empresa de que é gestor, ou cujo capital é detido por si, ou em que detém participação em capital, conjuntamente com algum membro do seu agregado familiar, foi condenada por qualquer infração penal ou contraordenacional?
  32. Tem qualquer tipo de processo judicial, contraordenacional ou disciplinar pendente em que esteja direta ou indiretamente (envolvendo algum dos membros do seu agregado familiar) envolvida/o?
  33. Tem conhecimento de que seja objeto de investigação criminal qualquer situação em que, direta ou indiretamente, tenha estado envolvido?
  34. Está insolvente?
  35. Alguma empresa na qual deteve capital social e/ou foi administrador nos últimos três anos está insolvente?
  36. Tem conhecimento de qualquer outro facto não identificado em cima e que seja suscetível de afetar as condições isenção, imparcialidade e probidade para o exercício do cargo para que está proposto, ainda que ocorrido há mais de três anos?

As respostas às outras perguntas

Afinal, como é que vai funcionar este novo mecanismo?
A pessoa que for convidada para entrar no Governo ficará, assim, responsável por responder a essas questões e por assinar uma declaração de compromisso de honra, responsabilizando-se pela veracidade das declarações que prestar. O mecanismo será uma ferramenta de “avaliação política”, para uso “interno”, deitando para já por terra as ambições de alguns partidos que pediam que os novos membros do Governo passassem por um processo de audições parlamentares antes de tomarem posse.

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Se o designado mentir no questionário, tem de se demitir?
Depende. A ministra da Presidência explicou que o compromisso de honra que terá de ser assinado “compromete o próprio”. Mas se alguma informação não for verdadeira, “as consequências são diferentes, depende da informação que não é verdadeira. Não existe ninguém que nunca tenha falhado numa destas informações, mas elas também não são todas de igual valor”. Ou seja, a punição para uma falha no preenchimento depende daquilo em que existir um erro.

As respostas serão públicas?
Não. Como a ministra recordou várias vezes, o Governo considera que esta informação é para consumo interno e portanto não vai publicitar as respostas. Mesmo assim, parte deles já constará de outros documentos (por exemplo, do site da Assembleia da República ou dos arquivos do Tribunal Constitucional) se a pessoa passar esta ‘prova’ e for considerada idónea para assumir funções no Executivo.

O questionário também terá de ser entregue no Tribunal Constitucional?
Não, é um questionário informativo para o primeiro-ministro e responsabilizador de quem o preenche. Serve para “antecipar problemas”, segundo explicou a ministra da Presidência e não para substituir ou alterar as obrigações declarativas e que já existem. Atualmente, os titulares de cargos políticos e equiparados e os titulares de altos cargos públicos têm de apresentar junto do Tribunal Constitucional, no prazo de 60 dias contado a partir da data de início do exercício de funções, declaração dos seus rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos.

Quem fiscaliza?
O Governo vai implementar este questionário, mas vinca que não se trata de “um processo de investigação nem de confirmação”, serve sim para “responsabilizar o próprio, o primeiro-ministro e os ministros”. As respostas serão avaliadas pelo primeiro-ministro e os ministros que as receberem. “É uma avaliação política”, disse Mariana Vieira da Silva. A avaliação não será feita pelo Tribunal Constitucional, com as outras declarações obrigatórias.

E quem é que avalia se a pessoa pode ser proposta ao Presidente da República ou não?
Na mesma lógica, uma vez que o processo é “político”, quem avaliará as respostas será “quem convidou” cada pessoa do Governo. Ou seja, no caso das pessoas indicadas para ocupar cargos de ministros será o primeiro-ministro e o respetivo gabinete; no caso dos secretários de Estado, a avaliação ficará a cargo do respetivo ministro.

Onde é que fica Marcelo no meio deste processo?
Segundo a ministra, a informação será partilhada dentro do Governo, por ministros e primeiro-ministro, mas também poderá ser enviada ao Presidente da República — “e esse é o objetivo”, adiantou Mariana Vieira da Silva. Isto apesar de a ideia ser que, quando os nomes chegarem a Belém, já tenham passado pelo teste do questionário e sido aprovados no seio do Governo.

O Presidente já tinha adiantado que estaria mais de acordo com esta “longa” lista de exigências, como a classificou publicamente esta quinta-feira, depois de ter mandado para trás uma primeira versão — e a ministra rejeitou agora revelar quais seriam os moldes dessa primeira proposta de António Costa, frisando que o mais importante é que esta “seja uma decisão que seja do agrado destes dois órgãos de soberania”.

Mas o Presidente ganha um poder adicional?
Formalmente, não. O Presidente da República já tem, segundo a Constituição, o poder de nomear os governantes, sob proposta do primeiro-ministro e isso não é acrescentado. O poder de nomeação do primeiro-ministro é mesmo um dos principais poderes presidenciais.

O veto de nomes para cargos em ministérios já foi, aliás, exercido mais ou menos publicamente por vários chefes de Estado no passado — o próprio primeiro-ministro lembrou esta quarta-feira o caso de Fernando Nogueira, do PSD, que Mário Soares não aceitou nomear vice-primeiro-ministro. No entanto, o atual Presidente tem mostrado, nos último dias, uma interpretação mais restritiva deste poder, dizendo que “só não aceita nomes propostos pelo primeiro-ministro se houver objeções de fundo legais, jurídicas, constitucionais”.

A ministra da Presidência já tinha dito que Marcelo “pode discutir” as informações que vierem do questionário com o primeiro-ministro. Mas na verdade já o podia questionar, agora fá-lo-á com base em informações certificadas pelos próprios designados.

Este novo questionário vale para qualquer Governo?
Por agora fica inscrito numa resolução de Conselho de Ministros, sendo uma decisão deste Governo e aplicada a este tempo. A expectativa é que possa ser incorporada daqui para a frente, com a ministra da Presidência a dar mesmo o exemplo do que aconteceu com o Código de Conduta do Governo que foi criado em 2019 e aplicado nos dois governos seguintes.

Quando é que entra em vigor?
O processo já se aplicará à pessoa que for escolhida para ocupar o lugar deixado vago na semana passada na Secretaria de Estado da Agricultura, desde que Carla Alves se demitiu, precisamente depois de se ter sabido que tinha as contas arrestadas e que era co-titular de contas onde passou dinheiro não declarado pelo marido.