Passaram-se dois anos e dois dias. A 6 de janeiro de 2021, apoiantes de Donald Trump invadiram o Capitólio, a sede do Congresso norte-americano, o principal órgão legislativo do sistema político dos Estados Unidos. A 8 de janeiro de 2023, foi a vez dos apoiantes de Jair Bolsonaro invadirem a Praça dos Três Poderes, onde estão concentrados a sede do poder executivo (Palácio da Alvorada), legislativo (Congresso) e judicial do Brasil (Supremo Tribunal Federal).
Os dois momentos representam o culminar de duas eleições presidenciais marcadas por uma intensa e violenta campanha eleitoral — em que os dois candidatos de direita que procuravam a reeleição falharam no seu objetivo. Em vez de aceitarem os resultados, os dois líderes alegaram fraude eleitoral e chegaram a tentar impugnar o ato eleitoral, deixando no ar a possibilidade de um golpe de Estado com a finalidade de derrubar o seu adversário político.
Ainda assim, apesar de a cena política brasileira e norte-americana apresentarem semelhanças, há diferenças no tiro de partida que originou as manifestações. E até no próprio timing: é que, no momento do assalto ao Capitólio, Donald Trump ainda era Presidente. Em contrapartida, Jair Bolsonaro já não é chefe de Estado e está mesmo fora do país.
As semelhanças
Derrotados de direita e retórica agressiva
À direita do espetro político, Donald Trump e Jair Bolsonaro estão ideologicamente alinhados. Não é, no entanto, apenas uma questão meramente ideológica; relaciona-se também com a utilização de uma retórica agressiva que resvalava certas vezes para um ataque cerrado às instituições democráticas. Durante os mandatos dos dois líderes, ambos criticaram a atuação do Supremo Tribunal e mantiveram um antagonismo com o principal órgão do poder judicial.
Redes sociais como megafone da discórdia
Esta retórica criava um terreno fértil para uma bipolarização da cena política, que se tornou mais óbvia durante a campanha eleitoral. Conhecidos por tiradas contra aquilo a que chamam o politicamente correto, Bolsonaro e Trump atacaram os adversários, colaram-nos ao comunismo e transmitiram uma imagem de confiança na vitória, apesar da tendência de derrota que as sondagens indiciavam. Os dois candidatos promoviam também uma forte presença nas redes sociais e criavam canais específicos para comunicar com os apoiantes.
Apesar de acreditarem na reeleição, Bolsonaro e Trump acabaram derrotados nas urnas, mas nunca lidaram com o assunto de maneira comum. O ex-Presidente brasileiro passou mais de dois dias em silêncio antes de assumir a derrota e nem sequer esteve na tomada de posse de Lula da Silva; já o ex-chefe de Estado norte-americano só assumiu que havia perdido as eleições dois anos depois da sua realização.
Mensagem pacificadora no momento da vitória
Conscientes do estado de bipolarização política, os discursos das vitórias de Joe Biden e de Lula da Silva tentaram incentivar um discurso pacificador e almejaram terminar com o estado de conflito permanente que marcou as duas campanhas eleitorais. Mas isso não foi o suficiente para serenar os ânimos, já que a consequência foi idêntica nos dois casos.
A invasão e a (ausência) da repressão policial
Replicando o estilo dos seus políticos de eleição, os apoiantes de Trump e Bolsonaro organizaram-se em grupos nas redes sociais e partiram para uma invasão aos principais órgãos políticos como sinal de insatisfação com os resultados eleitorais. As imagens de destruição do Capitólio e de organismos como o Congresso ou o Palácio da Alvorada mostram que o método utilizado para expressarem a revolta foi também ele idêntico.
Como nota a Globo, a intervenção da polícia em ambos os casos deixou a desejar e não se revelou suficiente para conseguir travar os manifestantes e a destruição causada. No Brasil, circulam imagens em que as autoridades são vistas, passivamente, a tirar fotografias aos protestos. Lula da Silva chegou a descrever a atuação da polícia como “incompetente” e com “má vontade”.
As diferenças
Um Presidente em funções, outro fora do país (na Flórida)
Os dois episódios podem ter tido como base os mesmos motivos, mas também revelam algumas diferenças. Para começar, Jair Bolsonaro já não é o Presidente do Brasil, tendo havido uma transição do poder. No caso norte-americano, Donald Trump ainda era chefe de Estado, já que Joe Biden apenas assumia funções a 20 de janeiro de 2021.
Além disso, Donald Trump estava no seu país natal. Aliás, momentos antes do ataque ao Capitólio, o ainda Presidente convocou um comício e fez um discurso inflamado. “Vão lutar como se estivéssemos no inferno. E se não lutarem como se estivessem no inferno, não vão ter mais um país”, disse na altura, convencendo os seus apoiantes a arranjarem pessoas e “lutar”.
Por sua vez, Jair Bolsonaro não esteve este domingo em Brasília, mas sim nos Estados Unidos, em Miami, para onde viajou a 30 de dezembro. A reação surgiu, portanto, longe do Brasil, durante a noite, e através de um tweet. A última vez que tinha falado em público foi precisamente antes de ir para os EUA, garantindo que o “Brasil não iria acabar a 1 de janeiro”. “Não há tudo ou nada. Nada está perdido”, assinalou, ressalvando, no entanto, que havia um sentimento “palpável” de vitória que acabou por ser defraudado.
Pedidos para desmobilizar vs um silêncio prolongado
No entanto, a reação dos líderes durante os protestos foi diferente. Se Donald Trump (que na altura ainda era Presidente) chegou a publicar um vídeo nas redes sociais a exortar para que os seus apoiantes cessassem com a ocupação do Capitólio, Jair Bolsonaro manteve-se em silêncio durante os ataques, tendo apenas reagido horas depois.
A condenação dos ataques foi tímida. Bolsonaro demarcou-se e disse repudiar as “acusações sem provas” de ter incitado aos distúrbios feitas por Lula da Silva. “Repudio as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do atual chefe do executivo do Brasil”, escreveu.
Mas comparou as “depredações e invasões de prédios públicos” de domingo com os atos “praticados pela esquerda em 2013 e 2017” — tudo episódios que, diz, “fogem à regra”. E assegurou ter sempre cumprido a lei durante o seu mandato: “Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade.”
– Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) January 9, 2023
Danos e feridos (e mortos) nas invasões
Diferente foi também a escala dos danos, que no Brasil foi maior. Contudo, na invasão ao Capitólio, o desfecho acabou por ser mais negativo, nomeadamente com o registo de cinco vítimas mortais, um dos quais um polícia.