A 12 de fevereiro de 2020, Maria Reis, que tinha acabado de editar Chove na Sala, Água nos Olhos (2019), o seu segundo disco a solo (depois de Maria, 2017), apresentou essas canções na Culturgest, em Lisboa. Para muitos, foi o último concerto antes de entrarmos em confinamento. Nesta sexta-feira, 6 de maio de 2022, edita Benefício da Dúvida, álbum que sai agora em digital e sairá em vinil dentro de algumas semanas, com apresentação ao vivo marcada para a Culturgest a 25 de maio, à qual se seguem várias datas nas semanas seguintes por Portugal. A mesma sala, sempre sem máscara, antes da pandemia e depois do seu período mais crítico. E para uma artista que faz música sem artifícios, isto não é apenas “lógica”, é até uma forma de justiça poética.
Entre Chove na Sala, Água nos Olhos e este Benefício da Dúvida houve A Flor da Urtiga, produzido por Noah Lennox (Panda Bear), em 2021. Benefício da Dúvida foi o resultado de uma residência no Teatro Viriato em Viseu, gravado posteriormente entre Braga e Lisboa. Maria Reis não gosta que se fale de um regresso às origens, porque para ela há uma continuidade. Por exemplo, a dado momento na entrevista diz-nos “Pega Monstro é só o nome. O que estamos a fazer agora é Pega Monstro. Tudo o que fiz até agora é Pega Monstro.” Conhecendo Maria Reis, as Pega Monstro (dupla que é sua e da irmã, Júlia) e a Cafetra Records, é um pensamento sólido — afinal, tudo isto nasceu de um grupo de miúdos que quiseram fazer aquilo que não encontravam à sua volta.
A Cafetra foi o início de uma cena independente em Lisboa – com paralelos noutras localidades do país – que surgiu como muitos destes fenómenos noutros locais: não havia nada e este coletivo precisava de palcos. Também precisavam de gente que os ouvisse. E foram conseguindo. Embora falte escala a Portugal, o peso que têm junto da respetiva geração – mas não só – é significativo. Representam também um estatuto de independência que não só é raro, como é um movimento de resistência e de prova de que é possível. Basta querer. Muito.
Maria Reis gravou Benefício da Dúvida de uma forma muito direta, sem grande produção, remetendo para a sensação grunge/punk rock do primeiro álbum das Pega Monstro (2012). Isso é o som, depois há as palavras, o facto de só estarem ela e a irmã a tocarem torna tudo muito mais claro. Mas não é um regresso, porque não se pode regressar daquilo de que nunca se saiu. Essa constância brilhante de Maria Reis, na sua música, na sua carreira, nas suas relações e na forma como escreve, é a razão pela qual voltamos a ela e saímos sempre encantados. E porque continua a encantar e a comunicar tão diretamente com tantos jovens por aqui e por aí. Com ela sabemos que estamos a ouvir música da verdade. Falar com Maria Reis tem o mesmo efeito, sentimos que estamos a falar “de facto” com uma pessoa, por mais que Maria Reis fale em algo “performático”.
[ouça “Benefício da Dúvida” na íntegra através do Spotify:]
Ao longo do último ano a tua irmã [Júlia Reis] voltou a tocar contigo e agora surge em “Benefício da Dúvida”. A que se deveu esse regresso?
Algures no ano passado a Júlia arranjou um pandeiro. Viu um brasileiro a tocar e ficou com aquela vontade de experimentar. Comprou um, começou a trocar mensagens com ele, a aprender e começou a perceber que aquilo ficava bem com as coisas que eu faço e com o que poderia ser um novo disco. Fiz uma residência em Viseu – a minha irmã agora vive lá – e juntei as duas coisas. E foi muito fácil… porque realmente a campaniça, a guitarra que uso agora…
Que era do B. Fachada, certo?
Ele emprestou-me há imenso tempo e já está naquela fase desconfortável, aquela de “temos de falar sobre isso”. Já estou a assumir que é minha, mas é dele. Digo a “minha viola”, mas não, é dele. Quando ele me emprestou, há alguns anos, demorei tempo a pegar nela porque sempre que tocava era algo artificial, ficava muito tradicional. Não estava a conseguir a sacar um som que fosse meu, que soasse a algo que me estimulasse para continuar.
E porque insististe?
Fui percebendo que tocado à minha maneira encaixa bem com o meu timbre de voz. Há notas a que acabo por ir e aquilo harmonicamente faz sentido com a minha voz. Além disso, é um instrumento pequenino e fácil de soar bem – são cordas duplas, de afinação aberta. É limitado por ser pequeno, mas rico por causa disso, obriga-me a fazer combinações, é um processo de combinações. E voltei também à guitarra normal…
Não consigo imaginar a tua música sem ela.
Foi o instrumento com que descobri que conseguia fazer música. Quando era miúda, o meu irmão tinha uma viola, estava aborrecida e deprimida em casa e foi… foi a primeira coisa que comecei a fazer para a qual senti que tinha jeito, nunca fui brilhante na escola, nem popular. Foi com a guitarra e a música que me tornei uma pessoa confiante. Senti-me especial, de repente. Algo que não tinha sentido até aí. Nesse sentido, a guitarra salvou-me.
Quando foi isso?
Aos 13, 14. E pedi uma ao meu pai, ele disse-me que só comprava uma se eu tivesse aulas. E eu pensei: “Eish, que lame…” Mas foi a única forma. Comprou-me uma Squier… e eu digo, a todos os pais, não comprem Squier aos filhos. Comprem uma no Olx mais estranha… até porque as lojas de música vendem aquilo muito caro e não tem qualidade nenhuma. Não vale a pena. Fiquei dois anos a ter aulas de guitarra, aprendia Led Zeppelin, Red Hot e a dada altura percebi que não estava a aprender nada, já fazia as minhas canções e saí.
A Júlia já tocava bateria?
Não, ela começou quando eu comecei a tocar com o Éme, o Pedro Saraiva e o João Dória n’Os Passos Em Volta e a Júlia disse que queria tocar bateria. Foi um pouco depois de começar a tocar guitarra. Depois arranjámos uma boa bateria, barata, ela levou para casa e começámos a tocar as duas. Quando eu tinha 15, 16 anos.
Antes de conversarmos, estava a ver as datas e o vosso primeiro álbum já foi lançado há 10 anos e o EP…
Foi em 2010, em janeiro. Há 12 anos… 12?! Estou velha…
Que idade tens?
28.
Foram e são uma geração importante…
Não só porque éramos novos quando começámos, mas também por termos continuado, por não termos parado, é isso que dá alguma luz no túnel de merda que a realidade nacional é. E termo-nos mantido independentes, isso estruturalmente é rico para nós e para o futuro que possa existir. Não nos termos vendido em coisas pequenas, mas que fazem diferença. Não só em termos formais… podes pisar palcos institucionais e manter-te independente, isso dá uma liberdade do caraças para toda a gente. Para mim dá imensa. Mas haver essa diferença, essa representação, permite que as pessoas pensem que conseguem fazer isso, desde que tenham algum jeito. É preciso trabalhar, ter algum talento. Mas não é preciso fazer cenas de merda, coisas que não te representam a ti, que te falsificam, não é preciso uma performance. Bem, performance é sempre, isto de uma entrevista é meio performático, eu tento que não seja, mas acaba por ser um exercício performático. É bom haver exemplos, referências, desta independência. Se não, ninguém faz nada. Sinto falta de ter companheiros, pessoas novas, descobrir a música nova de alguém, que pertence ao nosso contexto, é muito estimulante. Não há nada igual a isso, é importante que isso exista. O Zeca [Afonso] é que dizia que não queria ir para um sítio tocar, queria ir para um sítio onde estivesse alguém a tocar. Senão não há revolução cultural.
Como foi crescer sem nada à volta?
A nossa motivação era isso, precisamente.
Estudou no Liceu Camões?
Sim
Eu também, mas no meu tempo não aconteciam concertos como os que vocês organizavam.
E quando os fazíamos, éramos os maluquinhos. O pessoal curtia, mas não tinha fãs. Éramos sempre os freaks. Eu, a Júlia, o Lourenço [Crespo], que é meu primo, e o João Dória, que se lembra de mim desde que eu não sabia andar… fazíamos espectáculos em casa, na passagem de ano, o meu pai montava um palco em casa e recitávamos poemas ou cantávamos uma canção. Aquelas coisas… performance [risos]. Esse estímulo de criar e de fazer coisas só por fazer, sem agenda, sem propósito, é uma cena que desenvolvemos desde muito cedo e quando começámos a perceber que não havia nada… havia muito pouco e pegávamos no pouco que havia e delirávamos. Era a potência daquilo, perceber que podias tocar num sítio, levar o teu amplificador, montar a tua cena, vender bilhetes à porta. Isso tudo fazia parte do processo e era fixe. A possibilidade de, de repente, ser alguém com uma banda. Era mais fazer parte daquilo do que ser famoso. Nunca foi isso.
Lembro-me de um dos primeiros concertos d’Os Passos em Volta na Groovie Records [loja de discos em Lisboa]…
De Pega Monstro deve ter sido o segundo, o primeiro foi no Camões. Kimo Ameba também tocaram, devem ter sido o terceiro ou quarto concerto deles – o primeiro foi na ETIC, o segundo num concurso de bandas em Carcavelos, num sítio inacreditável. Mas foi dos nossos primeiros concertos, sim, foi o Pedro Saraiva que foi lá e perguntou se dava para tocar lá. Ele, mais velho que nós, ia falar com a malta toda para tocar. Ele queria tocar mais do que nós. A Björk diz que há uma motivação que vem do ódio, a tua urgência de fazer coisas pode vir do ódio. É bastante juvenil, mas acaba por acontecer, aconteceu connosco: desafiar porque acreditávamos que o que estávamos a fazer era muito mais especial do que qualquer outra coisa que existia.
E na altura editavam contracorrente. O primeiro EP de Pega Monstro é em CDR quando já ninguém editava em CDRs…
Nós nem pensávamos nisso.
Faziam música para a vossa geração num formato que a vossa geração já não comprava.
Ninguém comprava, mesmo. Fazíamos CDs porque era assim, gravávamos em casa, metíamos no computador, burn. As cassetes também fazíamos assim. Não pensávamos… ainda hoje, não sei, é difícil perceber onde é que tu estás, quando estás… E das primeiras coisas que fizemos com Os Passos em Volta e com Kimo Ameba, gravávamos trinta cópias, cada capa era diferente e depois eram ofertas. Não tenho cópias de nada…
[Maria Reis ao vivo no Pinehouse Concert:]
Muitas raparigas, sobretudo, da tua idade e mais novas, ouviam as tuas músicas e reconheciam-se. Como foi viver com isso?
Acho que só agora, passados dez anos [das Pega Monstro] é que as pessoas vêm falar comigo e dizem que foi muito importante. Na altura, sentia que havia… talvez até ódio. Hoje já não é a mesma coisa. Diziam-nos coisas horríveis, por sermos mulheres, cenas explicitamente de ódio, ódio por mulheres. Nunca tinha sentido isso em miúda, nunca me tinham impedido de ser quem era, por ser mulher. Mas quando começámos a ter fama, quando começámos a aparecer em capas de jornais… “Era matá-las, essas cabras”, não sei quê… Hoje isso seria automaticamente denunciado e as pessoas têm mais pudor em ser abertamente e livremente machistas e imbecis. Pessoas… enfim, homens ressabiados.
De onde veio isso? No vosso caso?
Uma espécie de “mas que audácia é esta?”. Como se fossemos nós a decidir ser capa ou não, eu por mim estava na boa não ser. “Que audácia, como é possível neste país, esta banda só tem um disco, eu estou aqui há dez anos com a minha banda de covers e ninguém faz um artigo sobre mim”. As pessoas não se sentem confortáveis ao ver uma coisa nova. Por causa da insegurança, a reação é julgar. Insultar. E não suportam a ideia de ver duas raparigas a serem agentes de si próprias, do seu corpo, da sua cabeça. Acham que é uma lata descomunal.
És um pouco agente de ti própria, na carreira, mas também nas redes sociais. Fazes isso como Maria Reis ou como performer?
Nunca pensei muito sobre isso…
Então é porque és tu própria. Será?
Sim… acho que sou um bocado agarrada a isto [aponta para o telemóvel]. Sou uma vítima, como vejo toda a gente a ser. E tenho dias em que sinto que é muito tóxico, que me ocupa muito a cabeça, o scroll infinito. E há dias em que nem sequer ligo. Não procuro aprovação no conteúdo que publico, mas gosto de partilhar e ter o meu input visual e criativo nessa parte. Não gostava que fosse outra pessoa a decidir por mim. Só se fosse muito especial, se vivesse comigo.
E tens Tik Tok? Sinto que há uma realidade paralela a acontecer e que por vezes é voluntariamente ignorada.
Eu também, não tenho porque não quero ter mais. Não preciso nem quero experimentar, já sei que aquilo é viciante. Há uma liberdade diferente no Tik Tok, mais pessoas a fazer, mas é tudo a mesma coisa: dás conteúdos grátis a uma empresa. Mas pronto, o Instagram é igual. E há o abuso constante das imagens, a toda a hora. A capitalização da imagem, é banal, estás sempre a ser violentado por estímulos visuais. E o Tik Tok tem ainda a música, basta teres dez segundos de um banger para explodir no Tik Tok. E é assim que se faz, a canção tem três minutos, mas basta ter 10 segundos catchy, porque é isso que dá aquela dancinha. Antes havia os discos, depois o single, com o vídeo, agora bastam 10 segundos. Mas as pessoas ainda são pessoas, são afetadas pelas coisas, relacionam-se… pelo menos quando toco ao vivo tenho essa noção. As pessoas mais novas estão mais interessadas em esquecer isto. A geração dos 30/40 está mais agarrada a isto do que os miúdos de 18, 19. Eles já sabem que o mundo é o que é, querem outras coisas.
[ouça as canções de “A Flor da Urtiga”, editado em 2021, através do YouTube:]
Não seguiste a faculdade, desististe da escola para te dedicares à música. Sentes que tomaste a decisão certa?
O meu pai, volta e meia, ainda me pergunta “porque não tiras um cursinho?”. Para o meu pai, a escola salvou-o, o contexto era esse: ou ias para a fábrica ou para a escola. E para muita gente, as pessoas só vão para a faculdade porque é o passo óbvio. Mas às vezes tenho abismos… se fico sem voz, o que é que eu faço? Tento não pensar nisso. Se isto correr mal, acho que consigo fazer outra coisa, compor só, bandas-sonoras para filmes ou trabalhar em peças de teatro. Não consigo fazer planos para muito tempo.
Mas já fazes essas coisas?
Já piquei coisinhas, mas nunca fiz bem. Acho que nunca vou conseguir sair da música.
Este é o segundo álbum com canções gravadas após o início da pandemia. Como foram estes dois últimos anos?
No primeiro confinamento eu estava naquele modo “o que é que estou a fazer, qual a relevância do que estou a fazer?”. Parecia um capricho. Então decidi não fazer nada. Não tive aquela coisa de ficar criativa. Cozinhei imenso, para passar tempo e abafar qualquer tipo de angústia. Mas após o meu primeiro concerto, na Gulbenkian, fiquei mais motivada e compus o A Flor da Urtiga todo em agosto.
Antes da pandemia, deu um concerto na Culturgest. Deve ter sido o último concerto de muita gente antes de entrarmos em confinamento.
E depois ir para a Gulbenkian e estar toda a gente de máscara… ainda bem que já acabaram as máscaras nos auditórios. Não me apetecia nada voltar com toda a gente de máscara. Mas sim, fiz o A Flor da Urtiga em Agosto de 2020. E depois de o lançar, em abril de 2021, comecei a tocar imenso. E conheci uma pessoa no Porto, viajava muito entre Lisboa e Porto, tocava muito… e quanto mais toco, mais eficiente fico a compor, está tudo mais oleado. É mais fácil compor quando estás a tocar muito. E quando fiz a residência em Viseu [Teatro Viriato] compus tudo. Depois fui para Braga [gnration] gravar.
Escreves muito sobre ti e sobre outro alguém.
Por defeito. E quando falo de mim falo de forma negativa. Sinto que há mais conteúdo negativo… tenho mais pano para mangas. Há mais lírica no pensamento negativo do que na felicidade ou no contentamento. O A Flor da Urtiga tinha mais a ver com êxtase de família, bebés, vida. Este [Benefício da Dúvida] é mais grunge.
Porquê? Até a nível sonoro está mais próximo do grunge. De onde veio isso?
Há a guitarra. E também decidi gravar a voz e guitarra ao mesmo tempo. Quando assim é, tenho de ficar satisfeita, não posso mudar nada. Isso dá o seu toque grunge. Não sei se foi consciente ou não, mas queria mostrar a vulnerabilidade no que faço. Que é algo que sempre fiz, mas queria evidenciar isso, as falhas, as palavras, e permitir às pessoas ouvirem aquilo que eu fiz sem grande produção.
Querias voltar ao que fizeram no primeiro álbum das Pega Monstro?
Não foi uma coisa de voltar às raízes. Estive a tocar sozinha este tempo todo, em casa ou na casa de outra pessoa, não estava a ouvir outros arranjos. E parecia que estava bom, não precisava de fazer mais. Queria aceitar e realçar isso.
E a tua irmã, como entra aqui?
Eu estava à espera… Foi ela que veio ter comigo. Decidi que ela só volta quando quer, quero que ela volte a tocar por vontade. Eu sabia que ela ia voltar, mas não há contrato. É a minha irmã. Tocar com ela… quando voltámos a tocar, o primeiro concerto aconteceu em Viseu, eu nem queria acreditar. É muito emocionante, tocar com ela é muito fácil, eu descobri-me a tocar com ela.
Conseguirias voltar às Pega Monstro?
Pega Monstro é só o nome. O que estamos a fazer agora é Pega Monstro. Tudo o que eu fiz até agora é Pega Monstro. Se calhar formalmente não é a mesma coisa, o pessoal pode pensar que não sou punk rock, porque formalmente não estou ali, mas nunca vou deixar de ser punk rock. Mesmo que tente, punk rock vai sempre ser a cena. O que eu faço é Pega Monstro, o que não faço também é. E acho perversa a ideia de fazer o regresso dez anos depois do início. Isso é muito pequeno para aquilo que é a nossa prática. Isto é maior do que uma carreira, é a nossa vida. Não dá para fazer aqueles números de aniversário, dez anos de disco, é brincar com a malta, é brincar com a nostalgia, capitalizar a nostalgia. Que descredibiliza o processo, estás a descredibilizar o facto de não teres parado. Não é como se tivesse parado e agora voltei a tocar.
Voltando à questão da “outra pessoa” nas tuas canções, não te sentes desconfortável por cantar sobre esse “outro alguém”? E esse “outro alguém”, não se sente desconfortável?
A pergunta é se as pessoas se sentem desconfortáveis?
Há pouco perguntava sobre o que fazes nas redes, se és a Maria Reis ou a Maria Reis artista. E aqui nas canções, na escrita, é a mesma coisa: tens consciência do que estás a fazer?
Sim… é sempre o meu ponto de vista. Começa por ser em relação a alguém, mas desenvolve-se para uma coisa que não é sobre alguém ou mim. Claro que os rapazes podem sentir-se desconfortáveis, mas do que é que vou falar?
Já tiveste problemas?
Não bem problemas, mas já me disseram “mais uma sobre mim”. Mas temos pena, acho que é um elogio, és tão importante para mim que o meu inconsciente foi para aí. Só quero perceber o que é. Por vezes é um bocado moralista, mas isso é uma cena minha. Nunca tenho as respostas, quando estou a compor, estou a descobrir.
No fim, ajuda a perceber?
Sim, sou mais perspicaz emocionalmente nas canções do que na vida real. Por isso é que me lixo mais na vida pessoal do que na poesia.
Tens tornado mais musical o que escreves, mas o conteúdo continua a ser entregue da mesma forma. Há pouco falaste de como aprendeste a tocar guitarra. E a escrita? Como percebeste que sentido dar à tua escrita?
Não sei bem… quando comecei a escrever, percebi que vale mais dizer menos do que dizer coisas a mais. Essa economia acompanha-me até agora, economia nas palavras, não repetir coisas. E foi ficando mais aprimorado. Mais vale cantar menos, mas cantar mesmo bem o que é preciso. Ainda bem que descobri essa economia, é punk rock, é simples e direto.