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ILUSTRAÇÃO: ANA MARTINGO/OBSERVADOR

ILUSTRAÇÃO: ANA MARTINGO/OBSERVADOR

"As pessoas que me fizeram isto não deveriam escapar”. Como Britney Spears perdeu o controlo sobre a vida e a carreira

Recebe 2 mil dólares à semana apesar da fortuna de 60 milhões e desde 2008 que não tem controlo sobre a própria vida. Quase com 40 anos, Britney ainda não se conseguiu "libertar" do pai "controlador".

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Na sala do tribunal, um advogado que representava a tutela de Britney Spears pedia à juíza Brenda Penny para que todos os presentes saíssem e para que fosse selada a transcrição do depoimento daquela que já foi a maior estrela pop do planeta. Sem efeito. Talvez por acumular anos de silêncio, naquele dia 23 de junho, a pop star falou durante 24 minutos de forma lúcida e furiosa, encadeando as frases com tanta urgência que chegou a ser interrompida mais do que uma vez. Era preciso abrandar para registar palavra a palavra:

“Alguém fez um ótimo trabalho a explorar a minha vida. As pessoas que me fizeram isto não deveriam escapar”.

Na noite anterior, de acordo com uma fonte próxima consultada pela The New Yorker, a cantora ligou para o número de emergência 911 (equivalente ao 112 em Portugal), uma chamada onde alegou ser vítima de abuso por parte da tutela imposta em 2008 e que, desde então, lhe controla a vida na íntegra. O telefonema foi o suficiente para deixar membros da equipa da cantora com os nervos em franja, a trocarem freneticamente mensagens entre uns e outros. A dúvida pairava no ar: o que diria Spears no dia seguinte?

O depoimento que entretanto desencadeou uma série de consequências, com vários protagonistas a quererem sair de cena como peças de dominó tombadas no tabuleiro, foi explosivo. Nele, Spears disse ser medicada contra a sua vontade, forçada a trabalhar, impedida de engravidar, explorada financeira e emocionalmente. “Estou traumatizada. Não estou feliz, não consigo dormir. Estou tão zangada, é de doidos. E estou deprimida”, disse perante a juíza. “Não estou aqui para ser escrava de ninguém.” Esta “escravidão”, de acordo com a cantora, começou há vários anos. Na verdade, é preciso recuar muitos anos, é necessário voltar às origens de Britney Spears para perceber como tamanho sucesso teve origens complexas e consequências ainda mais difíceis de gerir.

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Britney Spears Portrait Sessions

A cantora estreou-se em 1999, aos 16 anos (WireImage)

A criança prodígio a caminho do reinado da pop

Quando Jamie Spears tinha 13 anos a mãe cometeu suicídio na campa de um filho que tinha morrido oito anos antes, com apenas três dias de vida. Agora com 68 anos, Jamie foi uma estrela do basquetebol e do futebol no liceu. Mais tarde, haveria de trabalhar enquanto soldador e cozinheiro. Na vida adulta enfrentou problemas de alcoolismo que afetaram também o casamento atribulado com a mãe de Britney, com quem cresceu em Kentwood, Louisiana. Jamie e Lynne fugiram para casar quando ela tinha apenas 21 anos. Papéis do divórcio posteriormente retirados em 1980 mostram que dois anos antes do nascimento da cantora, Lynne acusou o companheiro de traição no dia de Natal, de acordo com a New Yorker.

Britney nasceu em dezembro de 1981 e desde o início que a família ajudou na perseguição do estrelato. Antes dos hits que fizeram dela uma estrela do mundo da pop, dava os primeiros passos em ginástica e dança, participando desde cedo em competições de talentos locais, mas também em recitais. Em 1999, a artista contou à Variety como costumava gastar uma hora de viagem, ainda em criança, para ter aulas de dança. Os dotes vocais também foram descobertos na infância: se aos dois anos uma pequena Britney fazia da escova de cabelo um microfone improvisado, aos cinco estreava-se numa atuação no jardim de infância. No ano seguinte, venceria o primeiro concurso de talentos. À Rolling Stone, comentou: “Descobri o que era suposta fazer muito cedo”. Não eram raras as vezes em que a família fazia esforços financeiros para a levar a audições, tanto em Lafayette como em Nova Orleans, por vezes pedindo dinheiro emprestado aos amigos para a gasolina.

Ainda antes do álbum de estreia, “Baby One More Time”, em 1999, Britney conseguiu um papel de substituição na Broadway e fez furor no programa infantil “The All New Mickey Mouse Club”, do Disney Channel — onde partilhou o palco com outros nomes da sua geração, como Christina Aguilera, Justin Timberlake e até Ryan Gosling — e chegou a fazer parte da girl band Innosense, mas as aspirações por uma carreira a solo levaram-na por outros caminhos e voos mais altos. Aos 16 anos assina um acordo com a Jive Records e com o já mencionado hit de estreia torna-se numa das artistas mais bem-sucedidas do globo. Curiosamente, de acordo com a MTV, a música que a lançou era para ter sido pertença do grupo TLC que a rejeitou. O videoclip, mostrando a artista num uniforme colegial, ajudou a criar um ícone da cultura pop desde o dia zero. E a este tema muitos outros se seguiram, permitindo à cantora construir um império sobre o qual hoje já não tem controlo.

2000 MTV Video Music Awards

A artista a atuar em 2000

Scott Gries/ImageDirect

A depressão pós-parto e queda de uma estrela

À medida que a fama foi crescendo, também a atenção mediática escalou ao ponto de se tornar numa presença constantemente intrusiva. 2007 foi o ano do colapso mental. Não só Britney rapou dramaticamente o cabelo, como atacou um grupo de paparazzi usando um guarda-chuva e acabou por passar por mais do que uma clínica de reabilitação. Mais difícil foi perder a guarda dos filhos para o ex-marido, Kevin Federline. Nesse mesmo ano, seria ainda ridicularizada pela sua performance na abertura dos MTV Music Video Awards, onde aparentou estar em baixo de forma.

No livro “Through the Storm: A Real Story of Fame and Family in a Tabloid World”, a mãe recorda o episódio em que Britney rapa o cabelo: “Era a Britney e ela estava a rapar o seu lindo cabelo. Tudo o que conseguia pensar era: ‘Como é que isto pode estar a acontecer? Ela costumava ser a rapariga mais feliz do mundo”. Ao Daily Mail, Lynne chegou a comentar que a vida da filha vista de fora parecia “um sucesso” e como sentia que ela não precisava da mãe. À medida que os acontecimentos negativos foram acontecendo em espiral na vida da artista, Lynne continuou a observar à distância. “Porque outras pessoas — dançarinos, agentes — estavam próximos dela, estavam com ela dia e noite.” Foi precisamente durante este caos que a família conseguiu chegar-se à frente.

De acordo com a New Yorker, muitas pessoas próximas de Britney nos primeiros anos de carreira suspeitavam que ela estivesse a atravessar um período negro marcado pela depressão pós-parto — no entanto, alguns desses testemunhos também apontam para problemas com álcool e drogas. A relação pouco acarinhada pelo público entre Britney e Federline — sobretudo depois do namoro com o também cantor Justin Timberlake, entre 1999 e 2002 — foi curta, intensa e resultou em dois filhos. Conheceram-se na primavera de 2004 e seis meses depois estavam casados. O primeiro filho, Sean Preston, chegou ao fim de 10 meses de casamento, numa altura em que Spears tentava contornar os desafios da maternidade à medida que os paparazzi procuravam cada vez mais monetizar os seus erros. Jayden James, o segundo filho, nasceu em setembro de 2006 e, três semanas depois, Federline viajou de jato privado para Las Vegas para se divertir com os amigos. A cantora pediria o divórcio em novembro desse ano.

Depois de várias tentativas fracassadas de reabilitação, Britney perdeu a custódia dos filhos — em 2007, o juiz concedeu-lhe quatro dias de visitas por semana mediante supervisão. Em janeiro de 2008, a artista opta por barricar-se durante três horas na casa de banho com o filho mais novo, recusando entregá-lo ao guarda-costas de Federline. Segundo o relato de Sam Lutfi à New Yorker — o autoproclamado agente da cantora sobre quem o pai de Britney viria depois a avançar com uma ordem de restrição — , o advogado de Federline chamou a polícia e os bombeiros que, por sua vez, chamaram uma ambulância. O cenário em casa da cantora parecia, naquele dia, “o de um homicídio”, envolvendo polícia, jornalistas plantados no exterior da casa a fazerem diretos e helicópteros a sobrevoar a propriedade. “Afastei toda a gente e abri a porta da casa de banho — era ridículo; as fechaduras naquela porta nem trabalhavam — e lá estava ela, em pé, a andar de um lado para o outro, a segurar o bebé adormecido. Ela estava vestida como se fosse sair à noite, com Louboutins. Britney estaria prestes a entregar o filho quando os bombeiros entraram. A cantora foi carregada uma maca e detida (em causa estava o código “5150” que, no estado da Califórnia, prevê a detenção psiquiátrica involuntária). À data, Federline recebeu a custódia imediata dos dois filhos e os direitos de visita de Spears foram suspensos.

Tanto Lutfi como uma empregada que trabalhou para a cantora asseguraram que ela era uma boa mãe e que nunca colocou os filhos em perigo. Também Robin Johnson, responsável nomeada pelo tribunal para supervisionar as visitas parentais da cantora, sublinhou o mesmo: “Nada disto foi culpa dela. (…) Havia tantas pessoas envolvidas na sua vida que causaram toda esta loucura. Não tenho nada depreciativo a dizer sobre ela… Foi provavelmente um dos casos mais tristes que já fiz em toda a minha vida”.

Britney Spears And Sons Visit Dodgers Stadium - April 17, 2013

A cantora com os dois filhos em 2011

Jon SooHoo/LA Dodgers via Getty Images

Dez minutos para criar uma tutela de 13 anos

Da segunda vez que Britney deu entrada na ala psiquiátrica de um hospital, o pai tentou convencê-la a deixá-lo assumir o controlo da sua vida. Foi precisamente em 2008 que Jamie e o advogado Andrew Walter pediram a tutela legal da cantora, fazendo deles os responsáveis pela supervisão das finanças da artista e também da sua vida pessoal. Num artigo de 2008 da Rolling Stone lia-se: “Hoje, Britney tem quase tantos direitos legais como quando estava no Mickey Mouse Club”, numa alusão ao programa infantil em que participou quando em criança.

Em fevereiro 2008, um relatório médico levou o tribunal de Los Angeles a declará-la incapaz de tomar decisões e a acionar um mecanismo de supervisão e controlo da sua vida pessoal, com implicações também na esfera financeira. A tutela seria temporária: à data, os pais emitiram uma declaração descrevendo Britney como “uma criança adulta a meio de uma crise de saúde mental”. A 28 de outubro desse ano, os advogados conseguiram que a mesma fosse permanente, podendo ficar efetiva até à morte de Jamie Spears. Sob a tutela, Britney perdeu o direito de contratar o seu próprio advogado. Desde a criação do regime, Britney, que tem uma fortuna avaliada em cerca de 60 milhões de dólares, gravou quatro álbuns originais, foi jurada de um concurso de televisão, protagonizou duas digressões mundiais e assinou um contrato milionário para uma residência em Las Vegas — o pai pediu ao tribunal para receber 1,5% dos lucros, o qual foi aceite.

A tutela criada é, por norma, aplicada a pessoas que não conseguem tomar conta de si próprias. É habitualmente usada para proteger os mais velhos ou pessoas mentalmente incapazes ou extremamente doentes. O acordo implica que Britney não possa tomar decisões sem a aprovação dos tutores e isso inclui escolhas tão simples como conduzir um carro. Curiosamente, no bombástico depoimento do dia 23 de junho, uma cantora arreliada comentou como só queria ser capaz de receber boleia do namorado, o ator e modelo Sam Asghari, de 27 anos. Atualmente, Jamie Spears está a cargo dos bens financeiros e Jodi Montegomery dos assuntos pessoais, função que até 2019 foi também ela desempenhada pelo pai da artista. Na altura, afastou-se temporariamente para focar-se na sua saúde. Antes, Kevin Federline pedira uma ordem de restrição contra ele, alegando que Jamie agredira um dos netos.

As limitações a que a artista está sujeita ficaram mais a descoberto depois de o The New York Times ter tido acesso a documentos legais confidenciais que mostram o controlo exercido sobretudo pelo pai, anos antes de o movimento #FreeBritney empolar o caso, anos antes do NYT dedicar um documentário à queda da artista. Desde o círculo de amigos à cor dos armários da cozinha, todas as decisões da artista eram (e talvez ainda sejam) escrutinadas, com Britney a alegar que o pai estava “obcecado” com o controlo.

Ainda de acordo com estes documentos, Britney estava limitada a uma semanada 2 mil dólares — Spears paga pelo advogado que não escolheu (os custos com Samuel Ingham III foram, em 2019, superiores às suas despesas pessoais e a fortuna para a qual trabalhou cobre ainda os honorários daqueles que administram a tutela e desejam que o acordo continue).

Britney Spears at Planet Hollywood, Las Vegas Party

Britney na companhia dos pais, em Las Vegas

Denise Truscello/WireImage

Entre os documentos consultados, está ainda um relatório de 2016 elaborado por um investigador do tribunal, onde assinalou os sentimentos de Britney e como esta achava que a tutela se tinha transformado, ao longo dos anos,  “numa ferramenta opressora e de controlo”, assegurando que queria o fim do acordo o mais depressa possível. “Ela disse que é ela quem trabalha e ganha o dinheiro, mas todos à sua volta estão na folha de pagamento”, chegou a escrever. A investigação determinou que a tutela continuaria a ser uma alternativa positiva devido às finanças complexas, à suscetibilidade de Britney a influências indevidas e aos problemas “intermitentes” com drogas, ainda que o caminho fosse no sentido da “independência e eventual término da tutela”. Os documentos já citados mostram ainda que Britney questionou a aptidão do pai mais do que uma vez. Em 2014, numa audiência fechada ao público, o advogado da artista, nomeado pelo tribunal, falou em retirar o poder a Jamie alegando problemas com o álcool, entre outras objeções. Em 2020, Samuel Ingham III afirmou ainda que a sua cliente “tinha medo do pai”.

A imprensa norte-americana tem mergulhado a fundo no complexo tema que é a tutela daquela que foi uma estrela teen do mundo da pop. Uma investigação mais recente, assinada pela The New Yorker, revela dados insólitos que ajudam a definir os contornos desta história, incluindo o facto de a audiência que determinou a criação da tão polémica tutela ter durado apenas 10 minutos. Jacqueline Butcher — uma antiga amiga da família cujo testemunho do qual agora se arrepende contribuiu para o processo — contou que na audiência decisiva ninguém prestou depoimentos e que não foram colocadas quaisquer questões. “A tutela foi concedida sem nunca se falar com ela [Britney]. (…) Não deveriam ter esperado uma semana e depois entrevistá-la? Ela nunca teve uma hipótese.” À data, a cantora estava no hospital. As alegações são negadas pela juíza Reva Goetz, que aprovou o início do processo, garantindo à publicação citada que houve longas discussões confidenciais sobre a saúde da cantora e que não é correto afirmar que esta não foi avaliada de forma significativa.

Uma cena descrita por Jacqueline Butcher dá ainda conta de como, pouco após a tutela estar a funcionar, o pai dirige-se à filha, sentada no chão da casa juntamente com a mãe e com Butcher, e diz: “Querida, estás gorda. O papá vai colocar-te numa dieta e dar-te um PT e vais ficar outra vez em forma. (…) Vês aquela televisão? Sabes o que vai dizer daqui a oito semanas? Vais ser tu na televisão e eles vão dizer ‘Ela está de volta’”. A reportagem citada dá ainda a entender que a cooperação de Britney face à tutela pode estar relacionada com os direitos de visita dos filhos.

No documentário “Britney: For the Record”, de novembro de 2008, a cantora fez um raro comentário sobre a tutela: “Não há entusiasmo, não há paixão. Mesmo quando vamos para a prisão, sabemos que há uma altura em que vamos ser libertados. Mas esta situação é interminável. A estrela da pop diz ainda: “Se não estivesse sob estas restrições, sentir-me-ia tão livre”.

Britney Spears: Piece of Me Remixed. Reimagined. Still iconic. At Planet Hollywood Hotel & Casino

Britney canta "Piece of Me" em 2016, em Las Vegas

Denise Truscello/BSLV/Getty Images for Brandcasting, Inc

De #FreeBritney a “Framing Britney Spears”

Na origem do movimento #FreeBritney estará a campanha criada por um site de fãs como resposta à tutela decretada pelas autoridades. Mas para a sua projeção contou o podcast Britney’s Gram, criado por Tess Barker e Barbara Gray em novembro de 2017. O que começou por ser uma rubrica dedicada ao curioso — e por vezes insólito — conteúdo do Instagram da estrela da pop ganhou outras proporções e acabou por popularizar a hashtag #FreeBritney nas diferentes redes sociais. Sobretudo depois de, num dos episódios, ter sido divulgada uma mensagem de voz de uma fonte anónima, alegadamente alguém anteriormente envolvido na tutela de Spears, afirmando que esta havia sido internada numa clínica psiquiátrica contra a própria vontade — a data coincidia com o cancelamento da residência em Las Vegas, em janeiro de 2019. A partir daí, as imagens de apoiantes às portas do tribunal de Los Angeles tornaram-se cada vez mais comuns e alguns membros deste movimento organizado ganharam o direito de assistir às audiências, o que também aconteceu no passado dia 23 de junho.

Mas para a projeção do movimento — que no verão de 2020 alcançou toda uma outra dimensão — contou também o facto de a mãe da cantora, divorciada do pai desde 2002, ter começado a “gostar” de várias publicações escritas sempre no sentido de “libertar” a artista. Antes, em maio de 2019, durante um concerto e enquanto interpretava a música “Party in the USA”, cuja letra faz referências a Britney Spears, Miley Cyrus gritava para quem a conseguisse ouvir: “Free Britney!”.

O certo é que muitos dos fãs ganharam o hábito de navegar pela conta de Instagram da artista à procura de sinais, de fotografias ou legendas com mensagens crípticas. Para a teoria da conspiração contribuiu um comentário deixado na conta de TikTok de Britney, no qual se lia “Se precisares de ajuda usa amarelo no próximo vídeo”. O que aconteceu depois foi isto: Spears publicou um vídeo no Instagram a usar o que ela disse ser “a minha camisola amarela favorita”. Num repente, hits musicais como “I’m a slave for you”, “Overprotected” ou “Piece of me” ganharam um outro sentido, com os fãs a prestarem uma atenção redobrada às letras. Um membro da equipa de Britney confirmou, entretanto, à New Yorker que, com exceção de 1% dos posts, a cantora tem “controlo total” sobre as redes sociais.

O documentário “Framing Britney Spears” não só chegou em momento oportuno, como veio com a chancela do The New York Times. E entre os muitos tópicos abordados, houve um que chocou mais do que outros, com a artista a ser retratada de forma crua à luz de valores que, em 2020, ano de rodagem, parecem já não fazer sentido. Uma das muitas reflexões feitas no documentário incide precisamente sobre isso: “Ninguém falava de saúde mental quando a Britney Spears estava a passar por aquilo tudo em público. A conversa era muito mais: o que há de errado com ela?”. Tanto que, no rescaldo da divulgação deste trabalho, uma pergunta ecoou mais do que as outras: quem deve um pedido de desculpas a Britney? O julgamento, por vezes feroz, do público de caráter misógino levou-a a ser questionada, mais do que uma vez, sobre as roupas que usava, o seu corpo, o fim das suas relações e a sua própria vida sexual. O documentário mostra alguns exemplos disso, como daquela vez que um entrevistador dos Países Baixos, um homem mais velho, comentou: “Há um tema que ainda não discutimos. Estão todos a falar sobre isso. Bem… os seus seios”, referindo-se aos rumores de que a artista teria colocado implantes mamários. Britney tinha 17 anos.

A entrevista de 2003 conduzida por Diana Sawyer é outra referência, com a jornalista norte-americana a fazer perguntas íntimas sobre a vida sexual de Britney, tinha ela 21 anos, incluindo o fim do namoro com Justin Timberlake, que no mesmo documentário é, de certa forma, acusado de ter lucrado com o término da relação — mais não seja pelo videoclip “Cry Me a River” e também pela entrevista onde entusiasticamente admite ter tido sexo com a cantora, ajudando a destruir a sua reputação. Timberlake pediu efetivamente desculpa: “Lamento profundamente pelos momentos na minha vida em que as minhas ações contribuíram para o problema”, escreveu no Twitter. “Sei que este pedido de desculpas é um primeiro passo e não absolve o passado. Quero assumir a responsabilidade pelos meus erros nisto tudo, bem como fazer parte de um mundo que eleva e apoia”, disse ainda. “Preocupo-me profundamente com o bem-estar das pessoas que amo e que amei. Posso fazer melhor e farei melhor.”

MTV Music Video Awards 2000

Britney e Justin Timberlake namoraram entre 1999 e 2002

Getty Images

E depois do depoimento bombástico?

“Acredito realmente que esta tutela é abusiva. Não sinto que posso viver uma vida plena”, disse a cantora perante o tribunal numa videochamada, durante a qual pediu a sua vida de volta e fez uma série de acusações bombásticas. O pai e todas as pessoas envolvidas “deviam estar na prisão”, reclamou. A última vez que falou com a juíza sentiu-se “como se estivesse morta” por ser ignorada, defendeu. “Só quero a minha vida de volta. É o suficiente”, repetiu, pedindo o fim da tutela sem que fosse avaliada por profissionais de saúde (surgiram entretanto relatos de que o pedido em particular advém do facto de a cantora não confiar na equipa que já antes fez avaliações médicas). Apesar destas afirmações — alegando ainda ter sido obrigada a tomar lítio contra a sua vontade depois de anunciar publicamente que faria uma pausa das performances ao vivo —, o advogado esclareceu à data que a cantora ainda não o tinha instruído a formalizar o pedido e, assim, dar início ao fim da tutela. É importante esclarecer que, apesar de ter pedido o fim da tutela, Britney não formalizou uma petição nesse sentido. Já Vivian Lee Thoreen, advogada do pai da cantora, limitou-se a ler um curto comunicado em resposta: “Ele [Jaime Spears] lamenta ver a filha a sofrer e em tanta dor. O Sr. Spears ama a filha e sente muito a sua falta”.

Andrew Gallery, fotógrafo que trabalhou com a artista em 2008, esteve presente na audiência e à The New Yorker recorda como as polémicas afirmações terão soado familiares a quem está envolvido na criação e funcionamento da tutela. “À medida que ela falava, eu tive vontade de gritar. Que porra está a acontecer? Mas os advogados [presentes na videochamada] não tiveram qualquer reação. Eles apenas estavam ali sentados.”

O depoimento de 23 de junho era há muito aguardado. Jornais, televisões e fãs estavam a postos. No dia da audiência, mais de uma centena de apoiantes da cantora reuniram-se no exterior do tribunal em Los Angeles para ouvir as palavras de Britney, que foram transmitidas via altifalante. Quando a cantora afirmou que não devia nada à equipa e que esta deveria ser relembrada para quem trabalhava, a multidão aplaudiu. Lá dentro, a conta de Twitter #FreeBritney Live partilhou algumas das declarações em direto (entretanto eliminadas) e, desde então, continua a seguir o caso de forma dedicada, ao ponto de receber ameaças de morte.

#FreeBritney Rally In Los Angeles During Conservatorship Hearing

Mais de uma centena de fãs da cantora esperou no exterior do tribunal, em Los Angeles, no dia do polémico depoimento

Rich Fury/Getty Images

Nos dias que se seguiram ao testemunho da cantora de 39 anos (completa 40 em dezembro), o tema não arrefeceu e ganhou, até, mais destaque do que nunca pelas consequências que surgiram em cadeia. Primeiro, foi a empresa Bessemer Trust, a quem cabia partilhar a gestão do património de Britney com o pai desta, pedir a renúncia do acordo devido a uma “mudança de circunstâncias”, numa clara alusão ao polémico depoimento, um pedido que foi prontamente aceite pela juíza Brenda Penny — a empresa alegou que fora informada de que a tutela de Spears era voluntária e que a artista havia consentido a sua participação. Depois foi Larry Rudolph, o seu agente de há 25 anos, que apresentou a demissão, alegando ainda que a cantora terá mostrado “vontade em aposentar-se oficialmente”, pelo que os seus serviços “deixaram de ser necessários”. Foi Rudolph que, a trabalhar com a cantora desde os anos 90, ajudou-a a garantir o seu primeiro contrato de gravação e foi ele quem, ao The Washington Post, chegou a dizer que a tutela “não era uma prisão”. Como se isto não bastasse, também o advogado de Britney, nomeado pelo tribunal, pediu a demissão — Samuel Ingham III representava a artista desde 2008, quando tudo começou.

Talvez ainda escaldado com o documentário do The New York Times, quase imediatamente após o depoimento, o ex-namorado e também artista Justin Timberlake reagiu no Twitter, apoiando publicamente a cantora: “Independentemente do nosso passado, do bom e do mau, e de há quanto tempo foi… O que está a acontecer com ela não está certo. Nenhuma mulher deve ser impedida de tomar decisões sobre o seu próprio corpo”. Quem lhe seguiu as pisadas foi Christina Aguilera, que numa série de tweets escreveu que é inaceitável que uma mulher, um ser humano, não possa viver a vida como o desejado. “Todas as mulheres devem ter o direito ao seu próprio corpo, sistema reprodutivo, privacidade, espaço, cura e felicidade”, assinalou, reconhecendo que, mesmo não sabendo o que se passa nos bastidores, está sensibilizada com a situação. “A convicção e o desespero deste apelo por liberdade levam-me a acreditar que a pessoa que conheci viveu sem compaixão ou decência por parte daqueles que estão no controlo”, afirmou.

O mais recente apoio público vem de Madonna: “A escravidão foi abolida há muito tempo! Morte ao patriarcado ganancioso que tem feito isto com as mulheres desde há séculos. Isto é uma violação dos direitos humanos! Britney, estamos a chegar para te tirar desta prisão!”. A próxima audiência referente à tutela acontece já no dia 14 de julho.

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