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As suspeitas de tráfico de pessoas na academia Bsports, em Riba de Ave, já levaram Mário Costa, presidente da Assembleia Geral da Liga de Futebol, a renunciar ao cargo esta quarta-feira. No início da semana foram encontrados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) 85 jovens jogadores que chegaram a Portugal com o sonho de jogar à bola, mas pelo menos 47 terão acabado sem os seus documentos de identificação e impedidos de regressar a casa. Agora, os menores vão poder voltar para os seus países e aqueles que têm mais de 18 anos vão poder escolher se querem ficar em Portugal ou regressar.
O que levou às buscas do SEF?
Tudo começou com uma denúncia anónima enviada para o SEF, que indicava existirem suspeitas de tráfico de pessoas. Segundo apurou o Observador junto de fonte deste organismo, depois da denúncia anónima, as informações recolhidas foram enviadas para o Ministério Público para ponderação de investigação. Neste momento, o caso continua nas mãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, como órgão de polícia criminal,e está em segredo de justiça, havendo, por isso, poucos detalhes públicos sobre o caso.
Cerca de 50 inspetores do SEF fizeram buscas esta segunda-feira nas instalações da academia de futebol Bsport, sediada em Riba de Ave, concelho de Famalicão, e encontraram 85 jogadores vindos da América Latina, África e Ásia. Muitos estavam em situação irregular — os vistos que usaram para entrar no país já tinham caducado e não existiam sequer pedidos para renovação. No total, foram encontrados 47 jogadores vítimas de tráfico de pessoas, segundo informou o SEF em comunicado ao final da tarde. Dos 47, 36 são menores. Além da academia, as buscas foram também feitas ao presidente da Bsports e presidente da Assembleia da Liga Portuguesa, Mário Costa.
O que é a Bsports Academy?
A Bsports Academy é gerida por dois empresários da zona e funciona exclusivamente na formação de atletas, que depois deverão seguir para clubes de futebol. Nas redes sociais, esta academia de formação desportiva promove com frequência os seus jovens jogadores, mostra os campos onde treinam e as condições do complexo desportivo através de vários vídeos.
“Este é o maior projeto de formação de futebol do planeta que espelha as grandes conquistas desportivas”, lê-se no documento de apresentação da academia, disponível no site. E são feitas várias referências a jogadores e treinadores portugueses: “A nossa metodologia já provou ser uma das mais bem sucedidas do mundo, trazendo nos últimos anos, alguns dos melhores jogadores mundiais como Cristiano Ronaldo, um dos jogadores mais premiados de sempre”.
O Observador tentou entrar em contacto com a Bsports, mas o número que consta na sua página não está disponível. No mesmo site, esta academia tem ainda referências ao Ministério do Trabalho e à DGERT – Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, e refere que “disponibiliza o primeiro curso profissional de alta performance desportiva para um jogador de futebol”.
Como é que os jovens vinham para Portugal? E o que lhes era prometido?
Ao Observador, um antigo trabalhador da Bsports contou que a academia tinha representantes em vários países e que, frequentemente, dois membros se deslocavam ao estrangeiro para fazer as captações e trazer jovens jogadores para Portugal. As promessas eram aliciantes: deixar o seu país, vir para Portugal, receber formação desportiva na Bsports e saltar para um bom clube português.
A academia ganhava alguma coisa com a chegada dos jogadores?
Sim, segundo uma notícia avançada pela RTP, esta academia de futebol receberia uma mensalidade por cada jogador que recebia formação. À estação de televisão, a mãe de um dos jogadores que diz ter conseguido fugir das instalações explicou que assinou um contrato com a Bsports, válido por 11 meses, que previa o pagamento total de 11 mil euros — mil euros por mês à academia. Antes da assinatura do contrato, ainda na Colômbia, a mulher terá pago 500 euros a um representante, responsável por fazer a ponte com a academia portuguesa. A mensalidade incluía formação desportiva, alojamento, alimentação e aulas.
Segundo a mesma notícia, o valor pago não seria sempre o mesmo e os contratos variavam entre os 600 e os 2.000 euros por mês.
E quando queriam ir embora, o que acontecia?
O menor colombiano de 16 anos que acabou por fugir quis ir embora e regressar ao seu país pouco tempo depois de ter chegado a Riba de Ave e de ter percebido que, afinal, as promessas de ir jogar para um clube poderiam nunca transformar-se em realidade. Mas quando tomou essa decisão percebeu também que o seu passaporte lhe tinha sido retirado. A mãe diz ter tentado entrar em contacto com a academia, mas recebeu sempre a mesma resposta: teria de pagar a totalidade do valor que constava no contrato. Depois de insistir várias vezes, dizendo que o filho estava doente e que temia pela sua vida, e de não obter qualquer resposta, o menor acabou por descobrir onde estava o documento de identificação, tirou-o, fugiu da academia e apanhou um voo de regresso a casa.
As regras dentro da academia teriam como base a vigilância: além das várias câmaras instaladas no espaço montado em Riba de Ave, os jovens — com idades entre os 13 e os 22 anos — ficariam trancados nos quartos durante a noite, saltavam, alegadamente, os muros da academia para ir às compras e, muitas vezes, quando regressavam, os produtos que compravam acabariam por ser retirados pelos seguranças.
O que vai acontecer aos jovens identificados pelo SEF?
Depende da idade dos jovens e das conclusões da investigação. Primeiro, em relação às idades, sempre que existem situações de irregularidade, os jogadores com menos de 18 anos ficam à guarda do Estado, como explicou fonte do SEF ao Observador. Foi o que aconteceu então aos menores encontrados na academia Bsports, que estão neste momento em instituições de acolhimento. A confirmação foi feita esta tarde pela Procuradoria-Geral Regional do Porto: “Após intervenção articulada das entidades competentes e por se encontrarem em situação de perigo, foram retirados e encaminhados para diversas instituições de acolhimento sitas na região Norte trinta e três jovens menores de idade”. Os jovens deverão depois viajar para os respetivos países, para junto das famílias.
Em relação aos jogadores que têm mais de 18 anos, a Procuradoria esclareceu que alguns “foram também encaminhados para diferentes unidades de abrigo”. Neste caso, uma vez que têm já poder de decisão, os jogadores poderão escolher o que fazer — sair ou ficar em Portugal — e, como explicou fonte do SEF ao Observador, caso se confirme que foram vítimas de tráfico, terão direito ao visto de residência.
E Mário Costa, presidente da AG da Liga de Futebol, que ligações tem a este caso?
Além de ser presidente da mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, cargo que desempenha desde 2016 — e que chegou esta quarta-feira ao fim –, Mário Costa é também presidente da Bsports Portugal, a academia alvo de buscas pelo SEF e onde foram encontrados os jovens em situação irregular.
As investigações feitas pelo SEF, que surgiram de uma denúncia anónima, levaram os inspetores a fazer buscas na casa deste dirigente esta segunda-feira. Mário Costa foi depois constituído arguido no processo por suspeitas de tráfico de pessoas e, de acordo com o Expresso, estaria a tentar convencer “investidores” a aplicar o modelo de negócio utilizado na Bsports de recrutamento de jovens jogadores estrangeiros, que pagariam pela sua formação em Portugal.
Presidente da AG da Liga confia que se provará que não cometeu nenhum ilícito
Além de Mário Costa, também o seu pai faz parte da academia. Segundo apurou o Observador, os contratos dos trabalhadores da Bsports eram feitos através da empresa do pai de Mário Costa.
Depois das buscas a sua casa, o dirigente negou qualquer envolvimento em crimes de tráfico de pessoas. “Aguardo serenamente o desenrolar das investigações, certo e confiante de que se apurará a verdade dos factos que revelará que nenhum ilícito criminal foi praticado”, disse em comunicado, acrescentando que prestou “toda a colaboração às entidades competentes”.
Há também ligações com a Liga de Futebol?
Não, pelo menos não foi avançada pelas autoridades qualquer ligação entre a investigação sobre tráfico de pessoas e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Aliás, no dia em que decorreram as buscas do SEF, a Liga quis afastar-se das suspeitas, dizendo estar “surpreendida pelas notícias veiculadas”. E quis esclarecer que, “embora os factos relatados em nada estejam relacionados com cargo exercido por Mário Costa na Liga Portugal, está a acompanhar a evolução das diligências, aguardando por mais dados”.
Mas apenas um dia depois do primeiro comunicado, Pedro Proença, recém-eleito presidente da Liga, convocou uma “reunião de urgência” para esta quarta-feira. “Será avaliado o impacto das notícias mais recentes relacionadas com o presidente da mesa da AG, Mário Costa, na estabilidade da Liga Portugal“, lê-se numa nova nota de imprensa.
Mário Costa vai continuar na Liga?
Ao final da tarde desta quarta-feira, e depois da reunião marcada com caráter de urgência na Liga, o cenário mudou e Mário Costa acabou por renunciar ao cargo, deixando assim as suas funções neste organismo desportivo.
Num dos comunicados divulgados antes da reunião, a Liga sublinhou “o principio da presunção de inocência”, mas a pressão acabou por ser feita pelo Governo, que não concordou com a posição assumida pela Liga. João Paulo Correia, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, referiu que deveriam ser tomadas medidas, apesar do direito à presunção de inocência, e pediu a demissão de Mário Costa. “Considero que é inaceitável, chocante e condenável a situação que o SEF nos deu a conhecer publicamente, através de uma operação de tráfico de seres humanos numa academia”, disse à Lusa momentos antes da reunião de urgência.