Chegou a ser considerado um super-gestor português, foi premiado e convidado a dar conferências e palestras. Mas o mito desvaneceu-se ainda antes de ser acusado de corrupção passiva, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação de documento na Operação Marquês. Aquelas seis horas de audição no dia 26 de fevereiro de 2015 na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do GES, onde Bava repetiu vezes sem conta “não me lembro”/ “não tenho memória”, marcaram a sua imagem para sempre. Viria a ser ouvido dois anos depois, já como arguido no processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, e com menos falhas de memória. Menos parco nas palavras, chegou a dizer que foi traído. Os poucos que lhe eram mais próximos afastaram-se e poucos sabem o que faz e onde. O ex-líder do outrora gigante Portugal Telecom (PT) vive agora em Londres, como confirma a morada que deu tribunal para ser notificado, e vai estar em Portugal esta quarta-feira perante o juiz Ivo Rosa para se defender.
Zeinal Bava vai deslocar-se ao Tribunal Central de Instrução Criminal, situado na rua Gomes Freire, em Lisboa, acompanhado do seu advogado José António Barreiros, a pedido do juiz que está a escrutinar a acusação do Ministério Público (MP) e a analisar os argumentos apresentados pelas defesas (como a de Bava) para perceber se há matéria para o caso seguir para julgamento. Bava podia ter recusado falar, mas aceitou responder às perguntas do juiz Ivo Rosa. No centro da inquirição estarão os 25,2 milhões de euros que recebeu entre 2007 e 2011 do Grupo Espírito Santo (GES) através de uma conta bancária em Singapura. E que acabou por devolver quase na totalidade, mas só cinco anos depois.
O ex-líder da PT diz que as transferências são legais, uma vez que tiveram por base um contrato verbal acordado com Ricardo Salgado em 2006 (e que foi passado a escrito em 2010), enquanto que o procurador Rosário Teixeira entende que existe prova indiciária de que tais pagamentos correspondem a contrapartidas por Zeinal Bava ter, alegadamente, favorecido o GES em diversos atos de gestão, primeiro como vice-presidente da PT e, mais tarde, como chief executive officer (CEO) daquela que foi a principal empresa portuguesa antes de ser contaminada pela derrocada do GES.
O que diz a acusação da Operação Marquês?
A tese da acusação do MP contra Zeinal Bava assenta nos 25,2 milhões de euros que o ex-presidente executivo da Portugal Telecom (PT) recebeu em três tranches, entre dezembro de 2007 e setembro de 2011, da sociedade offshore ES Enterprises por ordens de Ricardo Salgado — a quem foi imputado um crime de corrupção ativa por alegadamente corromper Bava. Henrique Granadeiro, ex-chairman e ex-CEO da PT, também foi acusado de corrupção passiva pelas mesmas razões que Bava, por ter recebido cerca de 20 milhões de euros do GES.
Qual a alegada motivação para estes pagamentos? De acordo com o MP, Bava terá recebido 25,2 milhões de euros para que Ricardo Salgado tivesse uma palavra-chave na gestão da PT. E porquê? Porque a PT era essencial para a obtenção de liquidez para o BES e para o GES. Entre dividendos (cerca de 634 milhões de euros entre 2002 e 2014), contratação de serviços financeiros ao BES e às suas subsidiárias (244,4 milhões de euros faturados entre 2006 e 2014), investimentos em títulos de dívida do GES e depósitos (1,2 mil milhões de euros em dívida + 927 milhões de euros em depósitos só em 2005), o grupo liderado, informalmente, por Ricardo Salgado terá recebido um total de cerca de 8,4 mil milhões de euros, o que perfaz cerca de 600 milhões de euros por ano.
Curiosamente, os investimentos em títulos de dívida do GES — como os 897 milhões de euros que foram investidos em papel comercial da Rio Forte e que vieram a estar na origem da derrocada da PT (por o GES não ter pago o reembolso) — começaram em 2001, “por decisão do arguido Zeinal Bava, à data chief financial officer da PT, SGPS”, lê-se no despacho de acusação.
É todo este autêntico ‘pote de ouro’ que Ricardo Salgado pretende defender quando alegadamente corrompe Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e também o então primeiro-ministro José Sócrates. Pelo menos, essa é a tese do MP sobre a motivação de Salgado e que agora será escrutinada de forma intensa pelo juiz Ivo Rosa, não só no interrogatório de Zeinal Bava como também no de Ricardo Salgado, que ocorrerá a 8 de julho.
A primeira transferência recebida por Bava verificou-se em dezembro de 2007. Foram 6,7 milhões de euros transferidos de uma das três contas que a ES Enterprises tinha no Banque Espírito Santo Privée, o banco suíço do GES, por ordens de de Ricardo Salgado. Destino? A conta da sociedade offshore Rownya Overseas, na UBS de Singapura, que tinha Zeinal Bava como beneficiário.
De acordo com a acusação da Operação do MP, essa transferência é um alegado pagamento ilícito por tudo o que Zeinal Bava fez no contra-ataque à OPA da Sonae anunciada a 6 de fevereiro de 2006. Se a OPA fosse bem sucedida, o BES de Ricardo Salgado perderia toda a influência que tinha na PT.
O contra-ataque começou a ser desenhado precisamente por Ricardo Salgado um mês depois. Por influência do então líder do BES, o maior acionista privado português da PT, foram feitas alterações fundamentais: Henrique Granadeiro foi nomeado presidente do Conselho de Administração da PT, acumulando com a liderança da Comissão Executiva até 2008, e Zeinal Bava assumiu a vice-presidência da PT. Foi esta dupla Granadeiro/Bava quem veio a colocar em ação o contra-ataque à Sonae: a distribuição de 5,3 mil milhões de euros em dividendos aos acionistas para o triénio 2006/2008. Mais tarde, e face a um aumento da proposta da Sonae para 10,5 euros por ação, a administração de Granadeiro/Bava subiu a parada: 6,2 mil milhões de euros de dividendos para que os acionistas não vendessem as suas ações à Sonae.
Grupo Espírito Santo predador ganhou 8,4 mil milhões de euros com a PT em 14 anos
O plano de Granadeiro/Bava resultou e a OPA da Sonae foi derrotada de forma clamorosa na Assembleia-Geral da PT a 2 de março de 2007. Era necessário dois terços dos votos para desblindar os estatutos, mas os votos a favor não passaram dos 48,52%.
De acordo com as contas do MP, o bloco anti-OPA promovido por Ricardo Salgado com o apoio do primeiro-ministro José Sócrates (através da Caixa Geral de Depósitos) tinha um peso de 81,78% nos votos do “não” com a participação do Grupo BES e os aliados que Salgado tinha entretanto conseguido: o milionário mexicano Carlos Slim, o empresário Joe Berardo e o grupo Ongoing — estes últimos financiados, direta e indiretamente, pelo BES.
O segundo grupo de transferências do GES para Bava
Já o segundo grupo de transferências do GES para Zeinal Bava tem, na perspetiva do MP, outras explicações.
As duas transferências realizadas pela ES Enterprises para a conta da Rownya na UBS de Singapura foram as seguintes:
- 8,5 milhões de euros a 19 de janeiro de 2011, depois de uma tentativa falhada a 21 de dezembro de 2010 por “dados insuficientes do beneficiário”.
- e 10 milhões de euros em setembro de 2011
O procurador Rosário Teixeira relaciona estas transferências com a operação que foi classificada por Zeinal Bava como a “maior operação financeira alguma vez realizada em Portugal”:
- A PT vende os 50% na Brasilcel (joint-venture da PT e da Telefónica que detinha a operadora brasileira Vivo) à Telefónica por 7,5 mil milhões de euros;
- E compra de uma participação económica direta e indireta de 22,38% noutra operadora brasileira chamada Oi por cerca de 3,7 mil milhões de euros, enquanto que a Oi adquire 10% do capital da PT — uma posição avaliada em 875 milhões de euros.
Todas as alegadas contrapartidas transferidas por Ricardo Salgado para Zeinal Bava (e para Henrique Granadeiro) foram igualmente relacionadas pela equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira com os investimentos que a PT fez em dívida do GES — o que faz com que os crimes de corrupção imputados aos três também tenham por base as alegadas irregularidades (por não respeitarem as próprias regras da PT) desses investimentos.
Como já vimos, só em títulos de dívida do GES, a PT chegou a ter um máximo de 1,2 mil milhões de euros em 2005, mas o ponto essencial para o MP são os investimentos realizados entre 2010 e 2013, numa fase em que o GES já atravessava terríveis dificuldades financeiras que terão levado Ricardo Salgado a dar ordens para a ocultação do passivo das holdings de controlo do GES, nomeadamente da Espírito Santo International (ESI).
Dessa forma, e entre 2010 e 2013, a PT investiu em dívida da ESI um total de cerca de 2,6 mil milhões de euros:
- 400 milhões de euros em 2011
- 550 milhões de euros em 2012
- 750 milhões de euros em 2013
- e 897 milhões de euros em 2014
Só em 2014, a administração liderada por Zeinal Bava decidiu investir cerca de 1,6 mil milhões de euros no GES, tanto em títulos de dívida como em depósitos, o que representava 98,3% dos recursos investidos pelo Grupo PT. Na prática, a PT só investiu no BES e no GES em 2014— um ano fatídico para Ricardo Salgado, que foi afastado da liderança do BES, e para o banco, que foi alvo de uma medida de resolução decretada pelo Banco de Portugal.
O final desta história é conhecido: a ESI não conseguiu pagar os 897 milhões de euros e entrou em processo de insolvência, enquanto os os brasileiros da Oi/Telemar aproveitaram a oportunidade para virar a relação de poder dentro da nova empresa que nasceria da fusão entre a PT e a Oi e obrigar os acionistas portugueses a baixarem a sua participação.
Mais veio-se a saber que a decisão de colocar os recursos da PT ao serviço do BES e do GES não foi aprovada em Comissão Executiva da PT. Pelo menos, a acreditar nos testemunhos que quatro ex-administradores executivos da PT (Manuel Rosa da Silva, Carlos Duarte, Alfredo Baptista e Pedro Leitão) deram, em separado, à Comissão de Auditoria da PT em 2014. O que não só desmente as explicações que Henrique Granadeiro e Luís Pacheco de Melo (ex-CFO da PT) deram oficialmente ao mercado aquando do não reembolso da Rio Forte, como reforça a convicção do MP. Um ponto que também não deverá escapar à atenção do juiz Ivo Rosa.
Como se (vai) defende(r) Zeinal Bava?
Nas mais de 300 páginas do requerimento de abertura de instrução, o advogado de Zeinal Bava, José António Barreiros, é muito claro nas razões que apresenta para que o seu cliente não seja levado a julgamento. E deverão ser nessas razões que irá basear as respostas ao juiz de instrução. Barreiros tenta a cada parágrafo não criticar a acusação, mas acaba por afirmar que a mesma “lavra em pressupostos factuais erróneos, que são fonte de equívoco e contaminam de modo relevante o raciocínio que fundamenta a imputação de responsabilidade criminal ao ora arguido”.
O primeiro deles é simples: os 25,2 milhões de euros não pertencem a Zeinal Bava, mas sim ao GES. As transferências, segundo a defesa, corresponderam a uma “alocação fiduciária”. Isto é, Bava apenas guardou o dinheiro — não é dono do mesmo.
Depois explica porquê. Quanto ao crime de corrupção, o advogado lembra que Zeinal Bava só tinha estatuto de titular de uma empresa concessionária de serviço público na PT Comunicações SA e não na PT, SGPS — e é em relação às funções que desempenhava nesta segunda empresa que está acusado. Por outro lado, os mais de 20 milhões de euros que recebeu, alega, “decorreram de um contrato válido de alocação fiduciária, com finalidade consignada e cláusula de reembolso com juros em caso de não aplicação”. Ou seja, o dinheiro foi dado a Bava para ser aplicado após a privatização da PT e devia voltar à origem caso tal não acontecesse. Assim, explica a defesa, não se tratou de uma “vantagem”, logo contraria o MP alegando que não houve corrupção.
Aliás, argumenta José António Barreiros, no próprio contrato estava definido que caso o valor não fosse aplicado, seria restituído (o que Bava acabou por fazer, pelo menos em parte). O advogado reconhece que a vigência do referido contrato, assinado a 20 de dezembro de 2010, foi prorrogada no tempo para momento em que o arguido já não desempenhava funções na PT, mas sim na empresa privada brasileira, Oi. Mas que mesmo assim Bava tentou devolver o dinheiro, só que só podia fazê-lo quando “houvesse segurança jurídica” sobre quem iria receber esse valor, uma vez que a empresa que lhe tinha transferido o dinheiro (ESI) estava em insolvência.
Zeinal Bava é também acusado de branqueamento de capitais, mas José António Barreiros lembra que a lei prevê este crime para “quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos”. Mas, alega, não terá sido isso que aconteceu. Contrariando a acusação, na ótica da defesa, o arguido não recebeu qualquer vantagem, mas uma verba com obrigação de devolução no caso de não aplicação. E a origem desta verba é “clara”: transferências a partir de uma conta bancária que a referida empresa detinha num banco com sede na Suíça, o Banque Privé Espírito Santo. O destino da verba foi igualmente claro, refuta, pois destinou-se a contas bancárias em nome do arguido e de uma empresa de que é beneficiário, facilmente localizáveis. “Não houve movimentação para contas de terceiros, nem partilha com terceiros, nem aplicação da verba em causa”, diz.
Interrogatório a Zeinal Bava. O gestor da PT mais premiado de sempre diz que foi “traído”
Barreiros recusa também que o seu cliente tenha falsificado qualquer documento, como lhe imputa o MP. Diz mesmo que o contrato “é verdadeiro” e que isso mesmo foi reconhecido pela pela justiça luxemburguesa quando emitiu o comprovativo do pagamento que fez para restituir a quase totalidade do valor. Resta saber se o juiz Ivo Rosa também faz esta leitura deste elemento de prova.
Em relação ao crime de fraude fiscal, a defesa alega que o dinheiro recebido não correspondia a um rendimento que teria que declarar em sede de IRS, e foi por isso que, segundo diz, não foram abrangidas na regularização tributária excecional a que o arguido aderiu — declarando o que tinha no estrangeiro — e que apenas abrangeram verbas efetivamente recebidas até 31 de Dezembro de 2010.
Barreiros termina o requerimento de abertura de instrução sem pedir que seja ouvida qualquer testemunha, como fizeram a maior parte dos arguidos do processo. Mas Ivo Rosa entendeu que, pelo menos, Zeinal Bava devia defender-se frente a frente dos crimes que lhe são imputados.
Portugal, Suíça e Luxemburgo. O “longo processo” da devolução do dinheiro
Um dos pontos que será certamente discutido entre o juiz Ivo Rosa e Zeinal Bava está relacionado com a devolução de uma parte dos 25,2 milhões de euros à massa falida da Espírito Santo International (ESI). Bava apenas devolveu 18,5 milhões em janeiro de 2016 — nove anos depois de ter recebido a primeira tranche de 6,7 milhões de euros e cinco anos depois de ter recebido a última tranche de 10 milhões de euros.
A defesa alega que o valor de 18,5 milhões não foi logo devolvido por razões diferentes. A primeira, por comum acordo em prorrogar o contrato, a segunda porque o arguido tentava devolver o dinheiro, mas dado o processo de insolvência da empresa que lhe transferira o dinheiro a questão complicava-se.
Segundo o requerimento de abertura de instrução, logo após a saída de Bava da PT, a 23 de junho de 2013, “ficou entendido que a substância do contratado se manteria agora a valer para um cenário de um projeto a efetivar no Brasil, em que o arguido se empenharia e para o qual mobilizaria uma equipa executiva”. Ou seja, apesar de o valor lhe ter sido entregue para, alegadamente, ser aplicado na PT após a sua privatização, entendia-se agora que, dada a sua mudança profissional para o Brasil, este valor poderia ser aplicado por lá.
Mais de um ano depois, no entanto, a 23 de outubro de 2014, Zeinal Bava termina a sua ligação à Oi. E “ante a situação complexa que vivia o GES e o próprio Ricardo Salgado”, cujo processo-crime era já do conhecimento público, a tentativa de devolver o dinheiro revelou-se infrutífera, diz a defesa. Seguiu-se então um “longo processo” que Barreiros descreve no seu requerimento de abertura de instrução. Primeiro, a empresa credora cessara a atividade e era preciso localizar quem a estava a representar — que mais tarde se concluiu tratarem-se de liquidatários. E só depois foi encetada uma espécie de negociação para perceber em que termos era devolvido o dinheiro, uma vez que era necessário perceber os juros e obter um recibo da entrega.
A própria localização da empresa, explica a defesa, foi por si só difícil. Barreiros garante que o arguido desconhecia que esta empresa estava fora do organograma do Grupo Espírito Santo e era preciso localizar o homem que firmara o contrato: Jean-Luc Schneider, com quem só foi possível Barreiros reunir em março de 2015, em Genève. Já em abril, Barreiros foi até ao Luxemburgo para falar com os liquidatário e, segundo conta, as conversações “não se afiguraram fáceis” e só em janeiro de 2016 conseguiram devolver os 18,5 milhões e obter um recibo dessa devolução.
Para provar esta tese, a defesa mostra documentos da Enterprises Management Services — o nome pelo qual a ES Enterprises passou a ser conhecida — e da massa insolvente que mostram que os 18,5 milhões e euros já restituídos estavam registados como um ativo da empresa. “Trata-se, pois, de crédito da empresa sobre o arguido, que os liquidatários, aliás, aceitaram como existente, e relativamente ao qual ameaçaram fazer uma recuperação coerciva e que, após a devolução, emitiram recibo de quitação deste montante”.
O advogado de Zeinal Bava reconhece, no entanto, que falta devolver 6,7 milhões de euros do valor que Bava diz apenas ter sido o fiduciário. Mas, alega a defesa, depois de os liquidatários terem tido conhecimento do contrato que Bava diz ter celebrado com Salgado, perceberam que na contabilidade da EMS apenas estavam registados 18,5 milhões.
Registe-se que, tendo em conta a tese da defesa — de que os 25,2 milhões de euros foi uma alocação fiduciária para que esse montante fosse investido na aquisição de ações da PT quando a operadora fosse totalmente privada —, Zeinal Bava apenas devolveu os 18,5 milhões de euros em 2016 quando as golden-shares que o Estado detinha cessaram em julho de 2011 e a Caixa Geral de Depósitos vendeu a sua participação em outubro de 2013. Uma questão que o juiz Ivo Rosa não deixará de colocar.
O que é feito do melhor CEO da “Europa e arredores”?
Não me lembro e não tenho memória são expressões que nos habituamos a ouvir em comissões parlamentares de inquérito a antigos responsáveis quando são chamados a explicar e a justificar os casos bicudos que, pelas funções que exerceram, deveriam conhecer melhor do que ninguém. A mais recente comissão de inquérito à Caixa não foi exceção, mas houve uma audição no passado recente, a comissão de inquérito ao BES, em 2015, que se tornou sinónimo da fraca memória dos decisores.
As respostas vagas e inconsequentes de Zeinal Bava foram um grande contraste com a imagem pública de gestor de excelência e levaram a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, a colocar uma pergunta que viria a tornar-se famosa.
— Não se lembra…. É um bocadinho de amadorismo para o melhor CEO (presidente executivo) da Europa e arredores?
Era uma referência irónica à carreira reconhecida internacionalmente do antigo presidente e administrador financeiro da PT que foi distinguido com vários prémios fora de Portugal e que é descrita neste capítulo do livro “A Implosão da PT”, que o Observador disponibilizou em pré-publicação.
No imenso colapso que foi a queda do BES, o capítulo da Portugal Telecom e do investimento ruinoso de 900 milhões de euros feito numa empresa do Grupo Espírito Santo, teve direito a um mini-inquérito parlamentar em que foram ouvidos Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Pacheco de Melo, antigos gestores chave da Portugal Telecom. E aliados de Ricardo Salgado na estratégia para a operadora, na fase final da vida da PT privatizada. Antes do duplo desastre que afundou a empresa.
“Não acreditamos que não tenha mais informação. Ficamos com a sensação de que havia um Zeinal Bava antes e um Zeinal Bava depois”. O desabafo foi feito por Duarte Marques, deputado do PSD, depois de várias horas de audição ao antigo presidente da Portugal Telecom e da Oi, Zeinal Bava, ouvido na comissão parlamentar de inquérito à resolução do Banco Espírito Santo.
https://observador.pt/2015/02/26/inquerito-ao-bes-o-super-gestor-zeinal-bava-na-hora-da-verdade/
Se do Zeinal Bava antes já havia relativamente pouca informação (a vida pública do gestor esteve sempre muito ligada às obrigações profissionais dos cargos que exerceu na PT, com exposição limitada fora disso) do Zeinal Bava depois ainda menos se sabe. Os que lhe eram próximos no lado profissional afastaram-se, sobretudo depois de terem começado a sair notícias sobre as transferências que terá recebido da ES Enterprise, o suposto saco azul do GES, por ordem de Ricardo Salgado. Bava manterá contactos, ainda que pontuais, com alguns funcionários ou antigos colaboradores da empresa onde trabalhou como gestor durante 15 anos, até porque alguns deles serão indicados como testemunhas nos processos de que é alvo.
Bava vive em Londres com a mulher. Num artigo publicado em junho de 2018, a revista Sábado conta, citando uma fonte próxima, que o antigo gestor passa uma parte importante da sua vida a preparar a resposta aos processos de que é alvo em Portugal. O artigo fala com detalhe da zona (uma das melhores de Londres) e da rua da capital britânica (Hyde Park Gate) onde fica o apartamento que o gestor terá alugado, incluindo uma estimativa do custo do aluguer mensal. Ao que o Observador apurou, no processo da Operação Marquês constam duas moradas para o notificar: uma em Londres, precisamente em Hyde Park Gate, e outra em Lisboa, na zona do Campo Pequeno. Ainda assim, algumas autoridades portuguesas têm sentido grande dificuldade em notificar Zeinal Bava no quadro dos vários processos que correm contra ele. A Sábado descreve ainda o património imobiliário valioso que o casal terá em Lisboa e algumas visitas esporádicas que fez a Portugal.
Em maio, Zeinal Bava teve um “encontro imediato”, neste caso imprevisto com alguns jornalistas portugueses no aeroporto de Heathrow e até teve a iniciativa de cumprimentar uma jornalista que conhecia dos tempos da Portugal Telecom. Mas pouco ou nada terá dito sobre a sua vida profissional em Londres. Informação recolhida pelo Observador, mas não confirmada, dava conta de que o gestor prestava consultoria na área das telecomunicações a fundos de investimento desde que saiu da Oi, ainda em 2014.
E foi mais ou menos por esta altura que o ainda reconhecido gestor recebeu um doutoramento honoris causa pela Universidade da Beira Interior, em outubro de 2014, que também assinalava a decisão da PT de investir muitos milhões num data center na Covilhã. A partir daqui a vida e o mundo de Zeinal Bava mudaram radicalmente.
A última aparição pública de Zeinal Bava foi para a ir à comissão de inquérito do BES em fevereiro de 2015. O gestor esteve seis horas a dar explicações sobre a política de gestão de tesouraria da Portugal Telecom e o investimento massivo dos substanciais recursos da PT, então uma das maiores empresas portuguesas, no Grupo Espírito Santo, então o principal acionista privado da operadora.
Mal preparado, ou mesmo totalmente despreparado, sem advogado e sem intervenção inicial, a inquirição a Bava foi o princípio do fim do mito do grande gestor para a opinião público. O gestor já tinha abandonado as funções na Oi, para onde se tinha mudado para concretizar a fusão entre a operadora brasileira e a PT, alegadamente com uma compensação de cinco milhões de euros que o próprio não confirmou.
Na altura, o que estava em causa era confirmar se Zeinal Bava sabia dos investimentos que a PT continuou a fazer no Grupo Espírito Santo depois de abandonar funções em 2013, e em particular da subscrição de papel comercial da Rioforte no valor de 900 milhões de euros, poucos meses antes do colapso do grupo.
Bava ainda admitiu a decisão de aplicar os generosos recursos financeiros da PT, cuja liquidez disparou depois da venda da Vivo em 2010, no GES, no quadro da “parceria estratégica” antiga com o acionista liderado por Ricardo Salgado. Mas sobre o que aconteceu em 2014, quando a PT aplicou 900 milhões na Rioforte, e sobre a operação que a antecedeu, o investimento de centenas de milhões de euros na Espírito Santo Internacional — a empresa que derrubou o universo Espírito Santo — Bava nada sabia, não tinha conhecimento, não tinha memória, não tinha que saber.
A reputação do antigo gestor da PT nunca mais foi a mesma. E desde então foi sempre em rota descendente. Em outubro 2015, a Pharol, sucessora da PT SGPS, avança com ações em tribunal a pedir indemnizações aos antigos gestores que estiveram envolvidos na decisão de investimento da empresa nas empresas do GES. Meses antes, a então PT SGPS já tinha revelado que ia suspender o pagamento de prémios diferidos no tempo que eram devidos aos antigos gestores.
Caso BES/GES. A “sã consciência do eng. Zeinal Bava” e a descoberta da verdade
A ação cível, onde é pedida uma indemnização superior a mil milhões de euros com juros, deu entrada na secção do comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Os visados — Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Pacheco de Melo — já apresentaram a sua versão dos factos que lhe são imputados pela empresa e o juiz terá agora de decidir o que será objeto da sua avaliação.
Em julho 2016, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) acusou os antigos gestores da PT e a empresa de terem prestado ao mercado informação sobre as contas e situação financeira do grupo que era não verdadeira, não era clara e não era lícita. Em causa estava, uma vez mais, a aplicação de quase 900 milhões de euros feita em 2014 pela empresa na Rioforte, e as muitas centenas de milhões de euros investidos no passado pela PT em empresas do Grupo Espírito Santo. Estas operações nunca foram sinalizadas nas contas da empresa, contrariando as regras de reporte de transações com partes relacionadas, neste caso um dos maiores acionistas, e a sua aprovação dentro da própria PT não respeitou os princípios de boa gestão e defesa dos acionistas.
Estas acusações já tiveram o exercício do contraditório por parte dos visados, com a audição de um número elevado de testemunhas apresentadas pelos próprios, aguardando-se agora a decisão final da CMVM que pode aplicar multas até cinco milhões de euros,
2016 não é apenas um ano mau para os antigos gestores da PT. Acionistas e investidores em dívida também sofrem os efeitos colaterais do colapso do BES/GES. Um ano depois de ter sido concretizada a venda da PT Portugal à Altice por 5,7 mil milhões de euros — um valor engordado pelo facto de a Oi ter ficado com toda a dívida da antiga PT — a operadora brasileira entra em incumprimento e pede proteção de credores a um mês de reembolsar milhares de investidores de retalho portugueses.
E é também em 2016, uns meses depois, que os antigos gestores da Portugal Telecom são alvo de buscas no quadro da investigação criminal da Operação Marquês, sendo constituídos arguidos já em 2017. A acusação do mega-processo conhecida em outubro de 2017 confirma a presença de Zeinal Bava na longa lista de acusados por causa de decisões que tomaram na Portugal Telecom quando José Sócrates estava no poder.