Nos últimos meses, André Ventura colocou-se fora das negociações para o Orçamento do Estado para 2025, disse que o Governo escolheu o PS e colocou o Chega de fora. Agora, no dia da entrega do documento, o líder do Chega foi à televisão dizer que esteve em negociações secretas com Luís Montenegro e que lhe foi proposto um acordo para este ano e até uma integração no Executivo num futuro próximo. O primeiro-ministro negou o acordo e recusou-se a falar mais sobre o assunto.

Que reuniões houve entre o Governo e o Chega?

15 de julho: reunião revelada por Ventura e não confirmada por Montenegro

Segundo a informação divulgada esta sexta-feira, dia 11 de outubro, por André Ventura , através da rede social X, já tinha havido uma reunião antes desse arranque oficial de negociações. “No dia 15 de julho, pelas 10h da manhã, tive um encontro não divulgado à imprensa com o primeiro-ministro na sua residência oficial, a pedido do próprio. Foi aqui que pela primeira vez um acordo específico esteve em cima da mesa”, escreveu o presidente do Chega, dando continuidade à narrativa iniciada durante a entrevista à TVI/CNN, onde revelou que Luís Montenegro propôs um acordo ao partido que lidera. Esta reunião não foi, até agora, confirmada ou desmentida por pelo Governo.

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19 de julho: reunião oficial do Governo com partidos

O Governo, no dia 19 de julho, deu início ao processo de negociações para o Orçamento do Estado e reuniu com todos os partidos com assento parlamentar para falar sobre o documento. Ao contrário do que estava inicialmente previsto, Luís Montenegro não esteve presente nessa reunião por motivos de saúde. Esse imprevisto levou Pedro Nuno Santos a enviar apenas representantes, mas André Ventura fez parte da comitiva do Chega que foi a São Bento reunir-se com os ministros de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, da Presidência, António Leitão Amaro, e dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte.

Mês de agosto: reuniões entre Ventura e Montenegro

Sem precisar as datas, várias fontes do Chega asseguram ao Observador que houve mais duas reuniões entre André Ventura e Luís Montenegro no mês de agosto. Na entrevista ao Now, André Ventura esclarece que foram cinco reuniões. Mais uma vez, a informação não merece comentários por parte do primeiro-ministro.

11 de setembro: reunião do Governo com comitiva do Chega (depois de receber os restantes partidos)

Em termos oficiais houve mais uma ronda de reuniões do Governo com os partidos no dia 10 de setembro. Nessa altura, depois de Ventura ter acusado o Executivo de “agressão democrática” e de “provocação” por ter convocado os partidos para o dia das jornadas parlamentares do Chega, o Governo alterou a data (para 11 de setembro) e Ventura enviou uma comitiva da qual não fez parte. Segundo o líder do partido, a presença prendia-se com respeito, já que nessa altura o partido tinha cortado a possibilidade de negociações com o Governo, justificando as conversas com o PS.

23 de setembro: Montenegro recebeu Ventura em São Bento

No dia 23 de setembro, a CNN noticiou uma reunião entre Ventura e Montenegro em São Bento. Após a notícia, o gabinete do chefe de Governo veio rejeitar a ideia de que estivessem a decorrer “reuniões secretas” para o OE2025 e esclareceu que “há encontros com entidades e personalidades de várias áreas, incluindo líderes políticos, sobre temas de interesse nacional, que ocorrem muitas vezes com discrição e sem a presença da comunicação social”. Pouco depois o gabinete de Montenegro confirmaria a vários órgãos, inclusive o Observador, que tinha reunido com os líderes do Chega e da Iniciativs Liberal.

“Primeiro-ministro mentiu.” Ventura acusa Montenegro de ter oferecido acordo ao Chega em troca de voto no Orçamento do Estado

Sobre o que falaram nessas reuniões?

As versões são contraditórias. Ou melhor, só há uma versão e um desmentido. André Ventura, numa entrevista na TVI/CNN em pleno horário nobre, deixou cair uma bomba política ao acusar o primeiro-ministro de mentir depois de ter oferecido um acordo ao Chega. “O primeiro-ministro mentiu. Estou a dizer que mentiu ao povo português. E mentiu porque eu estava lá quando ele quis chegar a um acordo neste ano de Orçamento do Estado”, disse, acrescentando que Montenegro abriu a porta à possibilidade de o Chega poder vir a integrar o Governo “mais para a frente, num contexto político diferente”.

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“O primeiro-ministro optou por esconder o Chega, dizer que ‘com o Chega nunca na vida’, mas ficar à espera da viabilização do Chega e, ao mesmo tempo, andar a dizer ao PS que ‘com o Chega nunca’ e que queriam estar com o PS. A nós diziam-nos que nunca queriam contar com o PS, mas em público estava-se a dizer que se queria contar com o PS. Isto tem um nome: é mentira e fraude”, acusou o presidente do Chega, com a leitura de que o primeiro-ministro ficaria numa “posição política pública difícil ao voltar atrás” e falar com o Chega e “também percebeu que Pedro Nuno Santos e o PS não seriam o PS muleta que ele imaginou”.

Poucos minutos depois do fim da entrevista a André Ventura, Luís Montenegro apressou-se a reagir na rede social X, antigo Twitter, desmentindo o líder do Chega: “Nunca o Governo propôs um acordo ao Chega. O que acaba de ser dito pelo Presidente desse partido é simplesmente MENTIRA. É grave mas não passa de mentira e desespero.”

No dia seguinte, esta sexta-feira, Luís Montenegro foi questionado por jornalistas — já depois de André Ventura ter revelado a data daquela que diz ter sido a primeira reunião — e recusou comentar as últimas informações: “Já disse tudo o aquilo que tinha para dizer. O que o país espera é que nos foquemos no problema das pessoas. A minha missão é esta”, afirmou o primeiro-ministro. A estratégia de Montenegro foi deixar Ventura a falar sozinho e não alimentar mais o tema com desmentidos.

Luís Montenegro só reuniu com Ventura?

Não, Luís Montenegro reuniu-se com outros líderes de partidos. Com Pedro Nuno Santos fê-lo, pelo menos, em duas reuniões anunciadas publicamente nos dias 27 de setembro e 3 de outubro. E houve, sabe o Observador, mais reuniões que não foram públicas que se realizaram em São Bento entre os líderes do PS e PSD. O primeiro-ministro, noticiou na altura o Observador, também se reuniu com Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal, a 23 de setembro, no mesmo dia em que Montenegro recebeu Ventura. E o mesmo aconteceu no dia 15 de julho, segundo apurou o Observador. Tendo em conta as datas, Montenegro convocou Ventura e Rocha em duas ocasiões diferentes para o mesmo dia.

O que disse Ventura durante o Verão sobre o OE2025?

16 de julho, um dia após aquela que Ventura diz ser a primeira reunião

“É impossível ter um Orçamento que agrade ao Chega e ao PS. Ou o Governo opta por ir ao encontro das satisfações do PS, e isto significa impostos elevados, subsídios elevados, mais despesa e a contração da economia, em troca de uma subsidiação dessa economia ou um modelo mais próximo do Chega, com menos impostos, um investimento público específico e selecionado e a promoção do crescimento económico, aliviando as famílias e as empresas da carga fiscal brutal”, afirmou Ventura, alegadamente no dia a seguir à primeira reunião com Montenegro e antes da primeira ronda oficial. Nessa altura, o líder do Chega referiu que “o Governo deu sinais aos partidos de que estava realmente interessado em ouvir e construir a base da política orçamental dos próximos anos e é nesse sentido que o Chega aceitou participar nesta ronda de negociações”.

19 de julho, após a reunião com membros do Governo

“A atitude do Governo pareceu-nos honestamente positiva, a nossa atitude foi positiva. Se o Governo tiver esta atitude, eu penso que temos caminho para andar. Se voltar à atitude parlamentar que tem tido, então não teremos caminho para andar”, disse o presidente do Chega à saída de uma reunião com três ministros (à qual Montenegro faltou por motivos de saúde).

20 de agosto, proposta de referendo à imigração

André Ventura anunciou que ia fazer chegar ao Governo uma proposta de referendo à imigração para realizar no início do próximo ano, considerando-a uma “proposta incontornável” no processo de negociações para o Orçamento do Estado. Ainda que a tenha considerado fundamental, explicou que a aceitação do referendo não se refletiria diretamente num voto a favor no Orçamento do Estado — mas ajudaria. A resposta veio poucos dias depois, com Hugo Soares a dizer que a proposta é “desenquadrada daquilo que têm sido as opções políticas que foram sufragadas pelos portugueses e que estão no programa do Governo”.

26 de agosto, Ventura acusa Governo de falta de proatividade e de estar a ceder ao PS

“Da nossa parte os dados estão em cima da mesa, da parte do Governo não tem existido nenhuma atitude de proatividade na negociação. Isto pode significar que ou já há um acordo com o PS ou o Governo não está empenhado em ter o Orçamento do Estado aprovado porque quer provocar eleições e uma crise política”, sugeriu o presidente do Chega, que considerou que “um acordo com o PS significa que o Governo vai ceder à lógica fiscal e orçamental do PS”.

30 de agosto, André Ventura anuncia que o Chega está fora das negociações

O presidente do Chega chamou os jornalistas à sede do partido e anunciou que se retirou das negociações para o Orçamento do Estado para 2025 e que “com toda a probabilidade votará contra” o documento. Ventura indicou que a retirada das negociações “é irrevogável” e instou o Governo a negociar com o PS: “O Chega foi traído pelo primeiro-ministro”, atirou, acusando o primeiro-ministro de estar em negociações com o PS “há meses”. Em causa estavam as alegadas cartas secretas trocadas por Montenegro e Pedro Nuno Santos, que ambos negaram.

2 de setembro, Ventura envia carta a Montenegro

André Ventura fez saber que tinha enviado uma carta a Luís Montenegro. Em causa estavam acusações de “negociações secretas” entre o PS e o PSD para aprovação do Orçamento e classificadas como uma “traição ao eleitorado de direita”. “Como o senhor primeiro-ministro bem sabe, tínhamos o compromisso de uma negociação séria e bilateral, construtiva à direita, que o seu Governo colocou irrevogavelmente em causa ao preferir a negociação secreta com os socialistas”, escreveu o líder do Chega.

9 de setembro, Ventura assumiu que era possível voltar às negociações, mas o Governo teria de voltar atrás

“O Chega já deixou claro que não negoceia com partidos que estão a negociar com o PS as medidas do PS. Era preciso que o Governo voltasse tudo atrás e dissesse ‘Afinal, não queremos negociar medidas do PS e vamos aceitar negociar medidas à direita contra a corrupção, a imigração, pela descida de impostos’”, disse o líder do Chega nas jornadas parlamentares. No discurso para os deputados, Ventura disse que o Chega foi “espezinhado, humilhado e ostracizado” e que só servia para apoiar o Governo “vergando-se”. Acrescentou ainda que o Governo tem uma “preferência quase patológica pelo PS”. “Nós não podemos aceitar isso. E quem disser que podemos aceitar é porque não compreende o ADN de que foi feito este partido.”

10 de setembro, Ventura usou o irrevogável para o voto contra

Nas jornadas parlamentares do partido, questionado sobre se o voto contra já era irrevogável, Ventura foi perentório: “O partido está neste momento a caminhar para ser o líder da oposição, como o entendimento é entre o Governo e o PS, eu diria que sim, é irrevogável.” O presidente do Chega realçava que as negociações para o Orçamento começavam com “o país à espera do que fará o PS” e na expectativa de perceber “se o PS chegará a entendimento”, Ventura entende que isso “implicará que o Governo mudará muitas das suas medidas nomeadamente em sede fiscal”, mas também admitiu que se o documento não for aprovado “não é bom para o país”.

23 de setembro, dia da reunião com Montenegro

O Governo “nunca teve interesse nenhum em fazer nenhuma negociação” orçamental e que quer “provocar eleições para sair delas mais forte e sem precisar de negociar com a oposição”, referiu o líder do Chega no mesmo dia em que esteve reunido com Montenegro em São Bento. Terá sido este um dos dias que, na versão de Ventura, Montenegro sugeriu um acordo. Mas o que o líder do Chega disse à saída foi precisamente o contrário.

24 de setembro, Ventura considera que Governo escolheu o parceiro

Ventura voltou a falar sobre o Orçamento do Estado e como o Governo teria escolhido os socialistas: “O Governo escolheu o PS como parceiro para aprovar o Orçamento. Agora, sentem que o PS já não está aí. Nós avisámos. Percebemos que estávamos fora da negociação e o Governo continua a remar na senda do PS. Como é que podem viabilizar um Orçamento de direita com medidas que são estruturalmente de esquerda?”

30 de setembro, Ventura assegura que sempre esteve disponível para acordo

André Ventura disse, no Parlamento, que está “como sempre, disponível para um acordo” e voltou a desafiar Luís Montenegro a formar um Governo de direita, mas ao mesmo tempo acusou-o de mentir, dizendo que o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, “confirmou que havia um acordo com o PS” nas declarações nas jornadas parlamentares.

10 de outubro, dia da entrega do Orçamento do Estado

“O primeiro-ministro mentiu. Estou a dizer que mentiu ao povo português. E mentiu porque eu estava lá quando ele quis chegar a um acordo neste ano de Orçamento do Estado”, disse André Ventura durante a entrevista à TVI/CNN. “O primeiro-ministro optou por esconder o Chega, dizer que ‘com o Chega nunca na vida’, mas ficar à espera da viabilização do Chega e, ao mesmo tempo, andar a dizer ao PS que ‘com o Chega nunca’ e que queriam estar com o PS. A nós diziam-nos que nunca queriam contar com o PS, mas em público estava-se a dizer que se queria contar com o PS. Isto tem um nome: é mentira e fraude”, acusou o líder do Chega que deu conta de que Montenegro também lhe ofereceu a possibilidade de integração no Governo no futuro.

11 de outubro, Ventura garante ter provas da existência das reuniões

André Ventura esclareceu que participou nessas reuniões com o Governo porque achou que estava a contribuir para uma “solução de maioria à direita” e referiu que Luís Montenegro lhe disse que “no PS não se pode confiar e que Pedro Nuno Santos não é de confiança”. Disse que teve cinco reuniões com Montenegro, contou que o Governo lhe pediu para manter a reunião secreta e acreditou que estava a “construir uma solução que dignificasse o país à direita”. Garantiu ainda que tem forma de provar que as reuniões existiram — algo que o primeiro-ministro nunca desmentiu, mas sim o relato que Ventura faz das mesmas –, mas deixa para o futuro a possibilidade de comprovar o conteúdo das mesmas.