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Casca de salgueiro para aliviar dores de parto
Não se sabe ao certo quando terá a humanidade descoberto as maravilhosas propriedades da casca de salgueiro (alguns documentos apontam para 5.000 anos), mas um dos mais antigos documentos médicos – “Eber Papyrus” – já lhe fazia referência. Esta compilação de textos médicos, datada de cerca de 1550 A.C., continha ainda “700 fórmulas mágicas e remédios populares destinadas a curar males que iam de mordidas de crocodilo a dores na unha do pé e a livrar a casa de pragas como moscas, ratazanas e escorpiões”, como pode ler-se na Encyclopaedia Britannica.
Há ainda registos do uso do salgueiro na Suméria, Babilónia, Grécia e Roma antiga. Com uma distribuição tão ampla das variedades de salgueiro, é provável que a casca do salgueiro ou as suas folhas fossem moídas e misturadas com um líquido para serem usadas como analgésico ou anti-inflamatório.
As propriedades da casca do salgueiro-branco (Salix alba) não passaram despercebidas ao grego Hipócrates (460-370 A.C.), o pai da Medicina, que a recomendava às mulheres durante o parto para o alívio da dor. Mais tarde, em 30 D.C., era o médico romano Celsus que usava extratos da folha do salgueiro para tratar a inflamação.
Da casca do salgueiro à Aspirina
Um dos primeiros ensaios clínicos conhecidos, foi realizado em 1763, por Edward Stone. O capelão britânico mostrou que o extrato da casca de salgueiro era eficaz no tratamento de um conjunto de sintomas como dor, fadiga e febre intermitente. O ensaio com 50 doentes foi publicado pela Royal Society of London.
Em 1828, Johann Buchner, professor de Farmácia na Universidade de Munique (Alemanha), isolou a salicina, um anti-inflamatório cujo nome foi inspirado no nome científico da árvore (Salix). Dez anos depois, Raffaele Piria conseguiu extrair da casca do salgueiro o ácido salicílico. No final do século XIX era claro o potencial da salicina, ácido salicílico e salicilato de sódio para reduzir a inflamação, dor e febre.
Os efeitos benéficos eram reconhecidos, mas o sabor amargo do medicamento era pouco aliciante para os doentes. Além disso, era também cada vez mais claro que existiam efeitos adversos, como a irritação do estômago.
No final dos anos 1890, a empresa Friedrich Bayer & Company, inicialmente mais dedicada a corantes, decidiu investir na produção de ácido acetilsalicílico. O sucesso foi tão grande que a Aspirina depressa passou a ser a sua imagem de marca.
Quem “descobriu” a Aspirina?
O Gabinete de Patentes nos Estados Unidos patenteou a Aspirina, em 1899, tendo Felix Hoffmann como seu inventor. E é esta a versão oficial da Bayer.
O pai de Felix Hoffmann tomava salicilato de sódio para aliviar as dores reumáticas, mas queixava-se dos efeitos adversos e do gosto amargo. Em 1897, Hoffmann conseguiu juntar um grupo acetil ao ácido salicílico e criou uma forma pura e estável de ácido acetilsalicílico – que viria a ser chamado de Aspirina.
Mais de 50 anos depois, Arthur Eichengrün, antigo colega de Hoffmann, veio reclamar a autoria da criação da Aspirina dizendo que tinha sido ele a dar a ideia a Hoffmann, mas a Bayer não aceita esta versão.
Outros documentos apontam que a primeira síntese do ácido acetilsalicílico é anterior a 1987. O francês Charles Gerhardt já tinha sintetizado o ácido acetilsalicílico em 1853, misturando salicilato de sódio com cloreto de acetilo. Os procedimentos eram, no entanto, tão complexos que se viu obrigado a abandonar a experiência. Em 1838, Raffaele Piria sintetizou uma forma mais pura e, em 1869, Johann Kraut produziu a forma mais pura. Em 1897, o ácido acetilsalicílico já seria produzido na fábrica do químico Fabrik von Heyden, mas ainda sem nome comercial.
A Aspirina cura tudo?
Pouco depois do ácido salicílico ter sido sintetizado no século XIX tornou-se uma panaceia, um medicamento capaz de tratar todos os males – escarlatina, difteria, sarampo, cólera, raiva e antrax.
“Se pensarmos que uma das principais queixas que leva os doentes a uma farmácia ou a uma consulta médica é precisamente a dor (independentemente da origem), percebemos porque motivo se difundiu tanto o uso da Aspirina, numa altura em que não havia muitas opções terapêuticas”, explica Bruno Sepodes, professor de Farmacologia e Farmacoterapia na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
As campanhas de marketing na altura ajudaram a difundir a ideia de que a Aspirina serviria para quase tudo. “[A Aspirina] representou muito provavelmente o início do chamado marketing farmacêutico, com algumas das mais agressivas campanhas publicitárias de que há memória, campanhas estas que são uma referência histórica importante no que respeita à aproximação da indústria farmacêutica à sociedade”, refere o professor.
Do paliativo ao tratamento da doença
Desde os egípcios que o uso dos salicilatos e seus derivados tinham sobretudo um efeito paliativo, para aliviar as dores, a febre ou um mal-estar geral. Mas a partir de meados do século XX, a Aspirina mostrou um novo potencial: podia prevenir ataques cardíacos em doentes com doença coronária.
Tendo em conta que o ácido acetilsalicílico inibia a coagulação, Lawrence L. Craven decidiu, nos anos 1940, realizar uma experiência: aconselhava aos seus doentes homens, com idades entre os 40 e os 65 anos – cerca de 8.000 em oito anos -, que tomassem uma aspirina todos os dias para prevenir a formação de coágulos nas artérias do coração, que leva à trombose coronária. O resultado é que é que poucos destes doentes sofreram de ataques cardíacos ou enfartes.
No entanto, foram precisos vários anos, e muitos ensaios clínicos, para que a Aspirina começasse a ser usada na prevenção de acidentes cardiovasculares, porque um dos efeitos indesejáveis é que aumenta o risco de hemorragias. Mas no caso dos doentes que já tiveram um acidente vascular cerebral (AVC), um enfarte do miocárdio ou que apresentam um risco aumentado de um evento deste tipo, os benefícios da prevenção compensam o risco dos efeitos indesejáveis.
Mais recentemente a Aspirina tem mostrado efeitos positivos na prevenção do cancro colorretal, mas este uso ainda não está aprovado nem na Europa, nem nos Estados Unidos, conta ao Observador Isabel Fonseca Santos, diretora médica da Bayer Portugal. Em estudo está a potencial utilização na prevenção de outros cancros, como o cancro da próstata, e na prevenção cardiovascular quando usada em simultâneo com outros medicamentos, indica a médica.
Mas a Aspirina não serve para todas as pessoas. Para quem já teve úlceras ou hemorragias digestivas ou para quem é alérgico a algum dos componentes da Aspirina, o uso é completamente desaconselhado.
7 curiosidades sobre a Aspirina
1. De onde vem o nome aspirina (a + spir + in)?
O ácido salicílico pode ser extraído da casca do salgueiro e da planta Filipendula ulmaria (no século XIX chamada de Spirea ulmaria). Foi esta planta que deu o nome alemão ao composto – “spirsaure” para ácido salicílico – e foi neste que se baseou o nome aspirina (ácido acetilsalicílico). O “a” refere-se ao grupo “acetil” adicionado ao “spirsaure”, daí o “spir”. Já o “in” era uma forma comum de terminar os nomes dos medicamentos na altura.
2. O primeiro comprimido
A Aspirina foi sintetizada por Felix Hoffmann em 1897. Em 1899 , começou a ser comercializada em pó, como era norma. Em 1900, a Aspirina tornou-se o primeiro medicamento a ser comercializado sob a forma de comprimidos. Ainda hoje a Bayer aposta na apresentação de várias formulações para o mesmo princípio ativo: com vitamina C para as constipações, efervescente para atuar mais rápido ou em saquetas para tomar sem água.
Em 1906, a marca é registada internacionalmente, sendo então apelidada de “The Wonder Drug” (A Droga Maravilha).
3. Perder a Aspirina na guerra
Depois da I Guerra Mundial, a Bayer perdeu a patente da Aspirina e o direito a usar o nome desde medicamento. Estes direitos foram confiscados como “propriedade inimiga”. Só em 1994, a Bayer voltou a ganhar os direitos sobre a marca Aspirina nos Estados Unidos, depois de comprar a empresa que tinha ficado com eles depois da guerra.
A Bayer não foi a única empresa alemã a ver a sua propriedade e direitos confiscados nos Estados Unidos. E o problema não se resumiu à I Guerra Mundial, também aconteceu depois a II Grande Guerra.
4. E o recorde vai para… a Aspirina
Em 1950, a Aspirina entrou para o Livro do Guiness como o analgésico mais popular do mundo. O ácido acetilsalicílico continuava (segundo uma publicação de 2009) a ser o medicamento mais usado em termos de volume, número de pacientes e produção. Em 2007 e 2008, a Bayer conseguiu mil milhões de dólares em cada ano com as vendas da Aspirina, segundo a Global Arthritis Market.
5. Prefere uma aspirina ou um computador?
O Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, realizou um inquérito em 1966 para perceber que invenção as pessoas não estavam disposta a abdicar. O estudo mostrou que a aspirina foi escolhida pelo dobro das pessoas que escolheram o computador pessoal.
6. A aspirina já foi à Lua
Em 1969, as aspirinas da Bayer foram incluídas no kit de automedicação que os astronautas da missão Apollo 11 levaram para a Lua.
7. Um Nobel graças à Aspirina
Em 1971, John Vane, professor de Farmacologia na Universidade de Londres, publica, na Nature New Biology, os mecanismos de ação da Aspirina. O investigador descobriu que o fármaco inibia a síntese de prostaglandinas, moléculas envolvidas nos processos inflamatórios e na formação de coágulos.
Em 1982, John Vane, juntamente com Bengt Samuelsson e Sune Bergström, ganhou o prémio Nobel pelas descobertas relacionadas prostaglandinas e com outras substâncias biológicas relacionadas.