O segundo Governo de António Costa terá alegadamente manipulado um processo judicial de perda de mandato de Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Gaia, através do ex-secretário de Estado Jorge Botelho. E terá tentado alterar a lei para beneficiar a manutenção de Rodrigues como autarca, tendo tal tentativa esbarrado no veto do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa em agosto de 2021.
Esta é a base de um dos quatro crimes de prevaricação que são imputados ao líder gaiense, aos quais acrescem um crime de corrupção e outro de abuso de poder.
Além de Eduardo Vítor Rodrigues, que é o único arguido para já destes autos, há mais seis suspeitos, entre os quais Manuel Pizarro (ministro da Saúde), Jorge Botelho (atual deputado do PS e ex-secretário de Estado da Administração Local), Manuela Garrido (diretora municipal de Finanças e Património de Gaia) e Domingos Andrade (administrador da Global Media).
Como o Observador noticiou desde o início a Operação Babel é composta por três processos, sendo que Eduardo Vítor Rodrigues é o principal visado num deles.
Como o Governo Costa tentou manipular processo de perda de mandato
O problema terá nascido na aplicação do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), um instrumento do programa de ajustamento da troika que servia para o Estado conceder créditos às autarquias para estas regularizarem as dívidas que tinham em 90 dias. Como condição, as autarquias tinham de aumentar o IMI sobre os prédios urbanos.
Uma auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) detetou que a autarquia de Gaia, em concreto o seu presidente Eduardo Vítor Rodrigues, violou o contrato celebrado com o Estado, por não ter seguido em 2016 a obrigação de fixação da taxa máxima de IMI aos prédios urbanos.
Após o despacho respetivo de homologação do relatório da IGF por parte de Mário Centeno, ministro das Finanças, a ação administrativa para perda ao mandato deu entrada na Tribunal Administrativo do Porto.
O DIAP Regional de Porto e a PJ consideram que Eduardo Vítor Rodrigues, em alegado conluio com Jorge Botelho, à data secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local, pensou numa forma de impedir um segundo despacho de homologação que teria de ser dado por Botelho.
As autoridades judiciais consideram que terá sido o presidente da Câmara de Gaia que terá pensado numa estratégia para tentar “esvaziar juridicamente uma eventual sentença condenatória” que levasse à sua perda de mandato.
E que estratégia foi essa? Simples. Se o então secretário de Estado da Administração Local não emitisse um despacho formal sobre a auditoria da IGF, Eduardo Vítor Rodrigues alegaria na ação administrativa propriamente dita que a ausência de despacho de Botelho tornaria toda a ação inválida.
Estes factos levaram à realização de várias dezenas de buscas judiciais esta semana, sendo que a secretaria de Estado da Administração Local, hoje liderada pelo ex-autarca Carlos Miguel, foi visitada pela PJ para apreensão de documentação.
O MP e a PJ também consideram que existem indícios suficientes para concluir que o presidente da Câmara terá igualmente tentado influenciar o Parlamento a legislar uma nova lei — tentativa para a qual contou com a ajuda do economista Pedro Mota e Costa — que fizesse desaparecer a sanção da perda de mandato por não ter sido cumprido o contrato com o Estado.
O projeto lei foi mesmo proposto pelo PS e aprovado no Parlamento mas o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio a vetá-lo em agosto de 2021.
Entretanto, Eduardo Vítor Rodrigues foi reeleito para um terceiro mandato na Câmara de Gaia nas autárquicas de 2021 e a ação da perda de mandato acabou por perder efeito, visto que não se aplica a novos mandatos.
O presidente da Câmara de Gaia e o agora deputado Jorge Botelho são descritos pelo MP e pela PJ do Porto nos mandados de buscas como suspeitos. Eduardo Vítor Rodrigues já foi constituído arguido no momento das buscas mas ainda não foi interrogado sobre as imputações que lhe são feitas pelo MP, como o Observador avançou em primeira mão. Botelho também deverá ter o estatuto de arguido pelo mesmo alegado ilícito criminal: prevaricação.
Contactado pelo Observador, Jorge Botelho não quis prestar declarações. “Não conheço os factos e não quero prestar declarações. Se vierem a ocorrer diligências subsequentes que me envolvam, estou disponível para colaborar com as autoridades”.
A intervenção de Pizarro para que um boy do PS fosse contratado
Manuel Pizarro, o agora ministro da Saúde, está a ser investigado no mesmo processo. As suspeitas são anteriores à entrada de Pizarro no Governo, quando ainda era eurodeputado, e envolvem o pedido para que fosse contratado um ex-candidato do PS à Junta da freguesia da Vitoria no Porto e um dos mobilizadores de votos para as eleições locais internas dos socialistas.
Segundo a investigação do Ministério Público, terá existido uma solicitação de Manuel Pizarro, agora ministro da Saúde, a Eduardo Vítor Rodrigues, que levou a que a autarquia alterasse o seu mapa de pessoal, sem necessidade, e abrisse um concurso de forma a satisfazer um pedido de Pizarro.
A intenção terá sido colocar na autarquia, como técnico superior, António Fernando Silva Oliveira, que vinha da autarquia de Gondomar, onde não tinha essa categoria. Este foi o candidato derrotado do PS às eleições na Junta de Freguesia da Vitória, no Porto, sendo um apoiante de Pizarro e um dos seus maiores mobilizadores de votos na concelhia socialista do Porto.
Para tal, terá sido aberto um concurso que teve como júri o chefe de gabinete de Eduardo Vítor Rodrigues.
Estas são suspeitas da alegada prática dos crimes de prevaricação ou abuso de poder que são imputadas pelo MP a Eduardo Vítor Rodrigues e a Manuel Pizarro.
A assessoria de imprensa de Manuel Pizarro no Ministério da Saúde garante que o ministro “não foi contactado no âmbito do inquérito em causa e, assim sendo, desconhece as referidas imputações.”
Os contratos com a Global Notícias e concursos fictícios
Há ainda várias outros indícios recolhidos contra a atuação do presidente da Câmara de Gaia.
Eduardo Vítor Rodrigues, suspeita o Ministério Público, terá determinado, através da intervenção da chefe do gabinete de apoio à presidência, Susana Silva Pina, que os “serviços municipais fracionassem as requisições dos serviços de contratação pública” de modo a que “os contratos a celebrar fossem de valor inferior a 20 mil euros, para dessa forma adjudicar diretamente às empresas por si escolhidas”.
Por isso, segundo o MP, haverá um alegado “desvio da finalidade dos seus poderes funcionais, com a específica intenção de beneficiar as empresas Peopleevents e CTT”, que podem incorrer na prática dos “crimes de prevaricação e de abuso de poder”, lê-se nos mandados de busca.
Mas há mais. Eduardo Vítor Rodrigues terá determinado, por exemplo, a outorga pelo Conselho de Administração da GAIURB “de modo arbitrário”, “sem qualquer requisição de despesa, manifestação de necessidades ou proposta de contratação de serviços e/ou fornecimentos de bens emanadas pelos respetivos serviços”, contratos públicos com o Grupo Global Media.
O presidente da Câmara de Gaia terá pedido a Domingos Andrade, vogal do Conselho de Administração da empresa, que os meios de comunicação pertencentes a tal Grupo, nomeadamente o JN e a TSF, elaborassem notícias e cobrissem conferências promovendo a atuação da Câmara de Gaia e o seu Presidente, lê-se na documentação a que o Observador teve acesso.
Neste contexto, estão em causa alegados crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva e recebimento indevido de vantagem.
O Observador confrontou Domingos Andrade às 21h35m desta quinta-feira, dia 18 de maio, com esta imputação. O administrador da Global Media não quis prestar declarações.
Texto atualizado às 9h52 de 19 de maio