Das 66 autarquias que mudaram de cor política depois das eleições autárquicas, mais de metade não se inibiram de celebrar contratos e assumir vários compromissos a longo prazo mesmo sabendo que iam deixar os gabinetes no dia da tomada de posse dos novos executivos. Há quem se tenha preocupado em mobilar as instalações do município, quem encomendasse planos a longo prazo ou quem remodelasse os Paços do Concelho, deixando-os pintados de fresco para os novos autarcas.

No total foram 36 os autarcas que fizeram ajustes diretos e gastaram mais de cinco milhões de euros em contratos. Se dessa contabilidade forem retirados os 13 concursos públicos, o valor total de ajustes (publicados até à data de publicação deste artigo) o valor desce para os 2 milhões e 700 mil euros em ajustes diretos e consultas prévias entre o dia seguinte às eleições e a tomada de posse dos novos autarcas.

Do leque de 36 autarcas que fecharam negócio antes de passar a pasta o comunista Rui Garcia, na Moita, foi um dos mais ocupados. Assinou 16 contratos entre o dia 27 de setembro e 19 de outubro. Quando o socialista Carlos Albino tomou posse, as viaturas para os próximos três anos já estavam escolhidas. Em resultado de um concurso público aberto a 25 de junho a autarquia da Moita comprometeu-se com o pagamento de 174.353,76 euros à Lease Plan que ganhou o concurso. O contrato foi assinado por Rui Garcia a 30 de setembro, mas não foi o único. No mesmo dia o autarca fez um ajuste direto com a empresa Riberalves para “aquisição de bacalhau” num total de 12.715 euros e com a Traços Hábeis para a impressão do livro “Tratado do Cante” com um prazo de execução de 30 dias, num total de 8.400 euros.

Mas antes de deixar o gabinete ainda havia contas por fechar. Nos dias antes do início oficial da campanha eleitoral os munícipes da Moita puderam assistir aos concertos de Syro e de Paulo Flores nas festas em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem. Os contratos para os espetáculos, bem como os serviços de fogo de artifício e montagem do arraial, foram assinados já depois dos concertos e publicados antes da saída do executivo. No total, com esses dois concertos (que não foram os únicos), montagem de arraial e fogo de artifício a autarquia gastou mais de 52 mil euros.

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A longo prazo, Rui Garcia comprometeu ainda o futuro executivo com o pagamento da elaboração de planos municipais. No caso do Plano Municipal para a Igualdade e a Não Discriminação o executivo fez um ajuste direto à Associação Mulheres sem Fronteiras por 14.220 euros. O contrato prevê um ano para a realização do projeto e foi assinado a cinco dias da tomada de posse do novo executivo.

Já a revisão e atualização do Plano Municipal da Defesa da Floresta contra Incêndios, cujo contrato foi assinado a 7 de outubro com a empresa Memória Temática — também em regime de ajuste direto –, o município definiu um prazo de 150 dias para a apresentação do plano. Este ajuste teve um custo de quase 10 mil euros. No total, só em ajustes diretos, nessas três semanas foram assinados contratos no valor de 161 mil euros, um concurso público de 174 mil e mais 34.500 euros em consultas prévias.

Outro dos autarcas que esteve ativo na contratação foi o socialista Manuel Machado. Em Coimbra, o socialista quis garantir que as novas instalações do município estavam devidamente mobiladas. Em resultado de uma consulta prévia realizada a duas empresas, a Fluxograma foi a escolha de Manuel Machado para a “aquisição de mobiliário e equipamento para as novas instalações do município de Coimbra”.

Machado investiu 38 mil euros da autarquia no mobiliário e equipamento que deixará ao sucessor. Com um prazo de execução de 38 dias e tendo sido assinado a 7 de outubro, José Manuel Silva da coligação Juntos Somos Coimbra deverá nos primeiros dias ver chegar o mobiliário e equipamento escolhido por Manuel Machado.

Na cultura, o Misty Fest acontece durante o mês de novembro e passa pela cidade do centro. Num contrato que foi assinado a 6 de outubro o município que em breve deixaria de ser liderado por Manuel Machado pagou 53.500 euros à Uguru II Produções para a 12.ª Edição do festival.

Ali perto, o também socialista Carlos Monteiro teve duas semanas atarefadas a fechar contratos na Figueira da Foz. Um dos ajustes diretos prevê a produção de uma obra de arte de Bordalo II, num total de 12 mil euros. Uma obra de arte que se insere no âmbito da candidatura “O Mar que nos Une, que tem um fundo total aprovado de 292.750 euros.

Antes da tomada de posse de Santana Lopes a 17 de outubro, Monteiro quis garantir a “produção musical do documentário ‘Claridade’, do escritor Figueirense Gonçalo Cadilhe”. Fechou contrato no dia 7 de outubro, com um prazo de execução de apenas 7 dias e pagou 7 mil euros.

Iluminação de Natal, reabilitação de lagos e os Paços de Concelho de cara lavada

Em outubro pensar no Natal parece precoce, mas em Montemor-o-Novo a comunista Hortênsia Menino fez uma consulta prévia a três empresas para aquilo que aparece definido como “Iluminação Decorativa – Feira da Luz/Expomor e Natal 2021 – Lote 2”. Ora, considerando que o evento Feira da Luz/Expomor 2021 foi cancelado em julho deste ano, os cerca de 32 mil euros adjudicados a 13 de outubro deverão destinar-se à iluminação de Natal no município de Montemor-o-Novo.

O novo presidente da câmara, Olímpio Galvão, que tomou posse a 17 de outubro contará também com a empresa MECH- Consultores, Arquitetura e Engenharia, para em 45 dias (a contar a partir de dia 4 de outubro) lhe apresentarem um “projeto de alterações e atualização do projeto de execução da remodelação/requalificação do cineteatro Curvo Semedo”. A decisão foi, claro, do anterior executivo do município, que pagou 18.200 euros pelo contrato.

Já em Mortágua, Júlio Norte — que depois de ter sido apresentado por Rio como recandidato à autarquia recusou avançar — teve especial preocupação em preparar as instalações dos Paços do Concelho para executivo o socialista Ricardo Pardal. Vejamos: para a pintura e reabilitação de paredes do salão nobre do edifício dos Paços do Concelho, Júlio Norte pagou 76.320 euros. Sendo que o investimento na reabilitação das paredes do salão nobre do edifício foi mais modesto: 9.385 euros.

As duas obras ficaram a cargo da empresa Edibest e tiveram um prazo curto o suficiente para garantir que estavam terminadas antes da tomada de posse do novo Executivo. Contratos assinados a 28 de setembro e 15 dias para execução. Trabalho terminado dois dias antes da instalação dos novos órgãos do município no dia 15 de outubro com um custo total de mais de 85 mil euros.

Na capital, Fernando Medina fez questão de pagar para que a Arquijardim fizesse um projeto de reabilitação dos quatro lagos do Jardim Afonso de Albuquerque em Belém. O contrato foi assinado no último dia de setembro e custou 7.500 euros. Até ao final do ano Moedas deverá receber o resultado do projeto encomendado por Medina. Numa zona mais central da cidade, também a rega do jardim Mário Soares, no Campo Grande, mereceu a atenção dos gabinetes da autarquia nos últimos dias de mandato.

Para instalar um sistema de “controlo de admissão de água no sistema de rega” Medina pagou 7.030 euros à Rigger e definiu um prazo de 60 dias. A obra deverá estar concluída nos primeiros dias de dezembro.

Medina fechou mais um contrato com Linklaters antes de deixar município

Ainda no que diz respeito ao caso Parque Mayer, Medina fez mais um ajuste direto — logo no dia seguinte a ter perdido as eleições — com a sociedade Linklaters. A Linklaters, onde o ministro Siza Vieira exerceu durante vários anos, já tinha no início de junho sido contratada “no âmbito do contencioso emergente do recurso jurisdicional interposto pela sociedade P. Mayer, Investimentos Imobiliários, SA” pela autarquia lisboeta.

A 7 de junho através do recurso a um ajuste direto, com um custo de 47.500 euros, Medina tinha contratado a Linklaters para um período de 1.080 dias. Esse vínculo terminará a 1 de junho de 2024, mas a este contrato no dia 27 de setembro foi somado mais um com a duração de um ano, até 2022. São mais 17.500 euros que a sociedade de advogados receberá do município sem que o atual presidente, Carlos Moedas, tenha decidido nesse sentido. Desde 2014 que a câmara de Lisboa conta com a Linklaters no processo relativo ao Parque Mayer somando-se agora mais um contrato já depois do resultado que passou a autarquia para as mãos de Carlos Moedas.