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A banca em Portugal dá lucro?

Banqueiros criticam o aumento da taxa extraordinária sobre o setor, advogando que os bancos portugueses, em Portugal, ganham muito pouco dinheiro. Ou, então, têm prejuízo. É assim?

O aumento da contribuição extraordinária sobre o setor bancário, prevista no Orçamento do Estado para 2015, não caiu bem junto dos presidentes de alguns dos principais bancos nacionais. Fernando Ulrich, do BPI, e António Vieira Monteiro, do Santander Totta, criticaram a medida, dizendo que são reduzidos os lucros da banca e que, portanto, a taxa é “mal direcionada ou mal justificada”. Os principais bancos já apresentaram os resultados dos primeiros nove meses do ano. Como está, afinal, o negócio da banca em Portugal?

22 de outubro, sete dias depois da apresentação da proposta de Orçamento para 2015. Fernando Ulrich diz aos jornalistas após uma conferência no Centro Cultural de Belém que “é, no mínimo, irónico que o Governo diga no texto da proposta que procurou fazer incidir sobre os setores que têm mais poder contributivo e depois faz isso, só, sobre a banca”. E porquê “irónico”? Porque “a maior parte dos bancos que operam em Portugal, em Portugal ou têm prejuízo ou ganham muito pouco dinheiro”, afirma o presidente-executivo do BPI. “Parece-me que a medida está, no mínimo, mal dirigida ou mal justificada”, remata.

5 de novembro, apresentação de resultados no Santander Totta. Fala António Vieira Monteiro, presidente do banco: “acho estranho, no momento em que o sistema bancário não está a ganhar dinheiro, se venha aumentar os impostos sobre o sistema bancário”. E porquê “estranho”? Porque “há imensas empresas em Portugal, em certos e determinados setores, que ganham imenso e que não têm essas sobretaxas. Não compreendo esta diferenciação”, sublinha. Ainda assim, garante António Vieira Monteiro, “cá estaremos para pagar” a contribuição extraordinária.

Além de Fernando Ulrich, do BPI, também António Vieira Monteiro, presidente-executivo do Santander Totta criticou o aumento da contribuição extraordinária imposta à banca.

Estas foram as reações dos líderes de dois dos principais bancos a operar em Portugal ao aumento da contribuição extraordinária previsto na proposta de Orçamento do Estado para 2015. O Governo, que deverá receber, em 2014, 170 milhões de euros graças a esta taxa criada em 2011, prevê um aumento “marginal” desta receita em 2015, a rondar os 31 milhões de euros. E porquê a taxa? “Para assegurar que todos os agentes económicos, e em particular aqueles com maior capacidade contributiva, são chamados a participar no esforço de ajustamento”, pode ler-se na proposta de Orçamento do Estado para 2015.

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O Governo, que deverá receber em 2014 170 milhões de euros graças a esta taxa criada em 2011, prevê um aumento "marginal" desta receita em 2015, a rondar os 31 milhões de euros.

“A vida não está nada fácil”

Além de Fernando Ulrich e de António Vieira Monteiro, há ainda Luís Mira Amaral, presidente do BIC. No final de outubro, acusou o Governo de “tentar sacar dinheiro onde lhe for possível“. Numa crítica à contribuição extraordinária imposta à banca, Mira Amaral disse que “isto é uma carga pesadíssima sobre os bancos, a vida dos bancos hoje não está nada fácil”, afirmou o banqueiro.

Como está, afinal, a vida dos bancos nacionais nesta altura? Uma análise aos resultados dos primeiros nove meses de 2014 mostra que, de um modo geral, “os bancos portugueses evidenciam algumas tendências positivas nas operações no mercado doméstico” – era, em especial, a essas que Fernando Ulrich se referia – “mas a falta de um crescimento económico mais robusto faz com que, apesar de alguma recuperação nas receitas, os bancos estejam longe de garantir uma tendência de rentabilidades positivas”, diz ao Observador um analista do setor.

A contribuição extraordinária "é uma carga pesadíssima sobre os bancos, a vida dos bancos hoje não está nada fácil”, disse Luís Mira Amaral.

Jose Sena Goulao/LUSA

O banco liderado por Fernando Ulrich, o BPI, fechou os primeiros nove meses de 2014 com um prejuízo de 114,3 milhões de euros. A atividade internacional viu os lucros crescerem 33%, para 83,2 milhões, mas a operação em Portugal deu um prejuízo de 197,5 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano. Os resultados ainda foram penalizados pela menos-valia de mais de 100 milhões registada no primeiro trimestre com a venda de parte da carteira de dívida pública de Itália e Portugal. O terceiro trimestre do BPI até contou com alguns indicadores positivos – e os analistas esperavam um trimestre lucrativo – mas o banco gastou 26 milhões de euros em reformas antecipadas de colaboradores, pelo que houve um prejuízo de 7,7 milhões de euros.

A margem financeira, um dos indicadores mais importantes para os resultados dos bancos, desceu quase 8% no caso da atividade doméstica do BPI. No entanto, o indicador, que mede a capacidade do banco de ganhar com a diferença entre os custos a que obtém financiamento (banco central, depósitos etc.) e os ganhos dos investimentos que faz (crédito concedido, aplicações financeiras etc.), disparou mais de 30% na atividade internacional. No global, a margem financeira subiu 6,3%. Ou seja, a atividade subjacente do banco está a tornar-se mais lucrativa, mas “os resultados do trimestre voltaram a destacar a importância das áreas internacionais para o resultado total dos bancos, tendo em conta que a rentabilidade doméstica continua a estar deprimida”, diz ao Observador Albino Oliveira, analista da Fincor.

"Os resultados do trimestre voltaram a destacar a importância das áreas internacionais para o resultado total dos bancos, tendo em conta que a rentabilidade doméstica continua a estar deprimida".
Albino Oliveira, analista da Fincor

A margem financeira do BCP também subiu de forma acentuada nos primeiros nove meses do ano – quase 29% – para 791 milhões de euros. Foi um fator decisivo para que o banco tenha reduzido os prejuízos do período para 98,3 milhões de euros, contra os quase 600 milhões dos primeiros nove meses de 2013. No BCP, passou-se o inverso em relação ao BPI: a margem financeira subiu 42% na atividade doméstica e cerca de 20% nas operações internacionais.

Também a Caixa Geral de Depósitos teve razões para sorrir quando apresentou, no passado dia 31 de outubro, uma subida de 32,9% na margem financeira, para 743 milhões de euros. A par da venda da seguradora Fidelidade e dos 213 milhões de euros ganhos com operações financeiras (essencialmente mais-valias com a venda de dívida pública portuguesa no mercado, a preços mais altos do que haviam comprado), o banco do Estado apresentou um lucro de 55,5 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano. Um lucro que só não foi maior devido àquilo que o banco chamou “um agravamento verificado ao nível da imparidade do crédito em consequência de fatores conjunturais de caráter não recorrente”, ou seja, imparidades relacionadas com a exposição a dívida de empresas do Grupo Espírito Santo (GES).

A Caixa Geral de Depósitos, liderada por José de Matos, teve lucros de 55,5 milhões de euros até setembro. O resultado teria sido melhor não fosse as imparidades relacionadas com exposição ao GES.

MIGUEL A. LOPES/LUSA

E como é que os bancos estão a conseguir aumentar a margem financeira desta forma? Por várias razões, entre as quais o facto de que aqueles que receberam empréstimos do Estado para ajudar ao esforço de recapitalização estarem a devolver esses empréstimos. O BPI, por exemplo, já devolveu todas as obrigações de capital contingente (CoCo’s, na gíria) e ao BCP faltam pagar 750 milhões dos três mil milhões de euros recebidos. Por esses recursos, os bancos pagam juros crescentes e elevados (quase 9%), pelo que são um custo elevado que penalizava a margem financeira. Por outro lado, os bancos estão a obter financiamento cada vez mais barato no mercado e junto do Banco Central Europeu (BCE), e a pagar juros cada vez mais baixos pelos depósitos. No caso do BCP, um analista explica que a taxa média recente está nos 1,7% e o banco pretende chegar aos 1,5%, bem abaixo dos 2% com que o banco remunera, em média, os depósitos que tem em carteira.

E, por falar em depósitos, esse foi outro ponto positivo dos resultados que os bancos apresentaram nas últimas semanas. BCP, BPI, Caixa Geral de Depósitos e Santander Totta viram aumentar os depósitos num montante de cerca de 5,5 mil milhões de euros no terceiro trimestre de 2014, período que ficou marcado pelo colapso do Banco Espírito Santo (BES). Assumindo que estes novos depósitos serão remunerados com as taxas mais baixas que se pagam atualmente, estará aqui mais um fator que deverá beneficiar a margem financeira dos bancos.

BCP, BPI, Caixa Geral de Depósitos e Santander Totta viram aumentar os depósitos num montante de cerca de 5,5 mil milhões de euros no terceiro trimestre de 2014, período que ficou marcado pelo colapso do Banco Espírito Santo (BES).

O Santander Totta também viu a margem financeira crescer 5,3%, para 404 milhões de euros, nos primeiros nove meses do ano. Um período em que os lucros do banco quase duplicaram para 118,8 milhões de euros, anunciou o presidente, António Vieira Monteiro, na mesma conferência de imprensa em que criticou a contribuição extraordinária imposta sobre a banca pelo Orçamento do Estado. Para estes lucros não contribuíram as comissões, já que estas caíram mais de 19% no Santander Totta em comparação com os primeiros nove meses de 2013. Também no BCP e no BPI as comissões caíram, 3,2% e 10,9%, respetivamente, na atividade doméstica. “Encaro a queda das comissões bancárias com preocupação, visto que o potencial de corte nos custos operacionais está a esgotar-se e os investidores querem ver crescimento nas receitas”, afirma Steven Santos, gestor da corretora XTB Portugal, em comentários enviados ao Observador. 

Valham-nos as (menores) provisões

Além da subida da margem financeira, houve um outro fator a contribuir para a rentabilidade dos bancos ou, na maioria dos casos, no caminho de recuperação dessa rentabilidade: a diminuição das provisões, ou seja, o dinheiro que é posto de parte para cobrir eventuais perdas com crédito malparado ou outros fatores. Aqui, a exceção foi o BCP, já que em antecipação aos resultados da avaliação à qualidade dos ativos do BCE, o BCP optou por assumir uma provisão de cerca de 313 milhões de euros no trimestre, o que para um analista ouvido pelo Observador “foi uma tentativa do banco de enviar um sinal de força, optando por aprovisionar imediatamente aquilo que considerou adequado”.

De resto, as provisões assumidas pelos principais bancos, e que dão uma “dentada” nos lucros, foram menores nos primeiros nove meses do ano. No Santander Totta, o total de imparidades e provisões desceu 20,9%, para 165,4 milhões de euros, no BPI as provisões e imparidades para crédito na atividade doméstica caíram 47,5%, para 128 milhões de euros. Já na Caixa Geral de Depósitos, os custos com provisões e imparidades caíram mais de 13% na comparação homóloga, e teriam caído mais não fosse a exposição à dívida de empresas do GES.

A descida das provisões, a manter-se, será um fator crucial para que os bancos se tornem mais rentáveis. E é essa a expectativa de Albino Oliveira, da Fincor. As provisões “deverão provavelmente continuar a diminuir gradualmente nos próximos trimestres, o que deverá revelar-se importante para a melhoria da rentabilidade na atividade doméstica de BCP e BPI”. Steven Santos, da XTB Portugal, concorda que “a diminuição das provisões constituídas pelos bancos será uma das tendências mais positivas nos próximos trimestres, devido ao abrandamento do crédito malparado”.

"A diminuição das provisões constituídas pelos bancos será uma das tendências mais positivas nos próximos trimestres, devido ao abrandamento do crédito malparado".
Steven Santos, gestor da XTB Portugal

Regresso aos lucros no horizonte?

Nos primeiros nove meses do ano, o Santander Totta e a CGD tiveram resultados positivos, enquanto que BPI e BCP continuaram no “vermelho”. Mas “não me espantaria que também estes dois bancos regressem aos lucros no quarto trimestre ou, no mínimo, no início de 2015”, diz um analista do setor que prefere não ser identificado. Nuno Amado, presidente-executivo do BCP, passou uma mensagem de otimismo moderado de que 2015 poderá ser, efetivamente, o ano do regresso aos lucros para o BCP. Ainda assim, “embora os rácios de capital tenham sido reforçados e os modelos de negócio simplificados, os bancos continuam a ter dificuldades em ser rentáveis num contexto de baixo crescimento económico”, nota Steven Santos, da XTB Portugal.

Nuno Amado, presidente-executivo do BCP, passou uma mensagem de otimismo moderado de que 2015 poderá ser, efetivamente, o ano do regresso aos lucros para o BCP.

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O especialista da XTB Portugal reconhece que “devido à crise instalada num dos seus maiores concorrentes e ao menor provisionamento, os bancos nacionais apresentaram contas animadoras”. Mas agora é preciso “manter a evolução positiva”. E, aí, “para recuperar a rentabilidade numa economia ainda anémica, poderá ser necessário fundir bancos, de modo a aumentar a quota de mercado e a obter poupanças”. Como explica um outro especialista ao Observador, é um facto que há tendências positivas em vários aspetos do desempenho operacional dos bancos, mas falta o chamado “efeito volume”. “Sem que a economia saia do marasmo e haja maior procura e concessão de crédito será muito difícil fazer com que os bancos consigam acentuar o ímpeto positivo e transformar tendências positivas em resultados positivos com escala e sustentabilidade”, afirma o analista.

Investir nas ações?

O destino dos bancos – e das suas ações na bolsa – depende cada vez mais do desempenho das atividades internacionais. Mas é justificável algum otimismo para quem quiser investir em ações dos bancos nacionais nesta altura, confiante na recuperação da atividade doméstica. É certo que “a resolução do BES abriu um precedente que muitos investidores portugueses receiam que se possa repetir, o que reduz a apetência pelos títulos da banca”, diz Steven Santos. Mas pode haver valorizações caso a economia nacional supere as expectativas, dizem os analistas.

Podem as ações da banca subir na bolsa? “Dependerá provavelmente da expectativa dos investidores relativamente à recuperação dos níveis de rentabilidade associados à atividade bancária doméstica de BCP e BPI”, diz Albino Oliveira. Essa recuperação dos níveis de rentabilidade de que fala o especialista da Fincor seria uma “consequência da contínua da redução das provisões constituídas para crédito em incumprimento e do impacto positivo dos cortes de custos e processos de reestruturação implementados nos últimos anos na atividade doméstica de ambos os bancos”.

E pode haver aqui um elemento surpresa, dizem os analistas, com um possível efeito positivo para as ações do BPI. “Se o BPI avançasse com uma oferta pelo Novo Banco, as ações do BPI tenderiam a subir, com os investidores a antecipar a emergência de um novo gigante na banca nacional, capaz de destronar o BCP”, antecipa Steven Santos, da corretora XTB Portugal. É que, como explica Albino Oliveira, da Fincor, “através de uma eventual aquisição do Novo Banco, o BPI conseguiria reforçar a sua quota de mercado no setor bancário português, existindo provavelmente lugar para o aproveitamento de sinergias resultantes da combinação dos negócios dos dois bancos”.

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