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São Lourenço do Barrocal acolheu a primeira edição do festival de música em nome próprio nos dias 24 e 25 de junho
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São Lourenço do Barrocal acolheu a primeira edição do festival de música em nome próprio nos dias 24 e 25 de junho

ricardo bravo

São Lourenço do Barrocal acolheu a primeira edição do festival de música em nome próprio nos dias 24 e 25 de junho

ricardo bravo

Barrocal Sound: o que acontece num festival de verão numa herdade de cinco estrelas?

Lugar para todos, casas de banho extra, as fotos, as bebidas, os temas e o "outfit". E um valor acrescentado sobretudo nos bilhetes. Fomos ao Barrocal Sound à procura de luxo num festival de verão.

Num dos espaços exteriores dos quartos do São Lourenço do Barrocal ouve-se um barulho ora intrigante, ora perturbador. Uma orquestra que não muda a nota. É constante e o som, matematicamente, aumenta com a proximidade. São abelhas, enamoradas por plantas colocadas ao alto. Não fazem caso se algum hóspede as circundar. Afinal, há 200 anos que habitam este montado em Monsaraz, antigos terrenos de caça da família real, um território que atravessou oito gerações. Exploração agrícola, criação de gado, vinhas, mel, olaria, lagares de azeite, e, por fim, hotelaria de luxo. Suspeita-se, porém, que o barulho das abelhas nunca tenha mudado. A polinização a isso obriga. Nem mesmo o Barrocal Sound, o primeiro festival de música deste alojamento rural, que decorreu entre 24 e 25 de junho, perturbou a sua função.

E é preciso reforçar este pequeno grande detalhe: no antigo colmeal, espaço circular rodeado por um muro onde estiveram reunidas outras famílias abelhudas, o zum-zum constante deste inseto foi substituído por DJ sets de gente como o produtor Michael Meyer ou de Carlita. Mas esses concertos ficaram reservados para a noite.

Vamos ao sol. Nos primeiros dias de qualquer festival, a imagem principal são as filas. Filas de gente para entrar. Filas de gente para comer. Filas de gente nas casas de banho. Filas de gente atrás de filas de gente. No Barrocal Sound, onde estava prevista a presença de cerca de 400 pessoas com o passe de dois dias (cada um foi vendido a 280 euros e não incluía estadia), a dinâmica é bem diferente. Buggies recebem os primeiros “festivaleiros”. Transportam-nos do ponto de chegada até ao quarto. Tudo esgotado. Não é um tratamento VIP ou um extra, é um serviço incluído na fatura. Aliás, é uma grande ajuda para quem tem de percorrer parte dos 780 hectares em linha reta.

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Burning Man, Lily Cole e uma sala de estar ao ar livre

Veem-se corpos elegantes, média-alta sociedade, todos felizes por estarem presentes. Viajantes que passaram pelo neo-hippie Burning Man, americanos, espanhóis, holandeses. O empresário português Diogo Pereira Coutinho vestido como se fosse para um safari no continente africano. A atriz Sara Salgado, sua mulher, vestida como se os “Morangos com Açúcar” fossem uma memória já lá bem distante. Ou uma modelo e atriz, Lily Cole, “Lovey” para os amantes de Star Wars. O que é que estão aqui a fazer? Afinal, no Alentejo não há só estrelas no céu. Nas stories publicadas nas redes sociais, a atriz conta que, agora que está mais velha, preferiu “um festival de adultos” em vez de Glastonbury. Não há, de facto, crianças à vista. Levam-se as malas a quem conseguiu uma vaga no alojamento, num vaivém de buggies. Os Porches e os Bentleys à vista ficam estacionados na terra batida. Entra genérico o de “Sucession”. Não, não. Logan Roy não teria o espírito certo. O helicóptero poluiria o ambiente. Talvez Kendall Roy — mas sem o hip-hop à mistura.

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A organização do evento, que ficou a cargo do São Lourenço do Barrocal, não tem estruturas como as de Álvaro Covões ou Roberta Medina. Não que precise. Os funcionários ajustam-se, espalhando-se pelos verdes hectares: pelas zonas de comes e bebes, de toldos e mesas brancas; na receção do hotel; nas acreditações à porta do restaurante; a tomar conta dos artistas, do check-in ao camarim improvisado nas salas do spa. Não estamos num casamento, um dos eventos para o qual o São Lourenço do Barrocal é muitas vezes requisitado, mas a mesma filosofia pode ser aqui aplicada — e com sucesso.

Foram quatro meses a preparar um evento que deveria ter sido lançado em 2020. E tudo parece estar em marcha, fora os nervosismos habituais que obrigam a resolver, sem se dar conta, pequenos problemas. Como opor exemplo, tratar de quem não foi convidado para a festa. “Alguém que ligue ao senhor Amid para avisar que ele não pode estar aqui”, pede uma das funcionárias. O “ele” podia ser um senhor de robe que saiu do Spa, mas não, esse estaria pouco tempo depois dentro do festival. Era um amigo de quatro patas, que só mereceu direito a entrar no segundo dia. Todos os bichos têm certificação no montado. E o cachorro em causa precisa de um estatuto que não possui.

"Aqui não é preciso fazer nada", ouve-se. É deixar levar. De coroa de flores na cabeça, sempre que possível. Se o silêncio aborrece, dá-se dois dedos de conversa sobre standardizar hospitais na Índia. Ou sobre uma comunicação de um novo hotel de cinco estrelas numa vila balnear do oeste português. Se os tópicos sérios não motivarem a dinâmica que o momento exige, fale-se das férias em Ibiza, que estamos quase em agosto.

Com o sol já a merecer descanso, o melhor é meditar. Num festival “normal”, o ruído é omnipresente. Cola-se nos ouvidos, não nos larga, e mesmo quando se aterra na cama o zumbido continua a ecoar. No Barrocal, acontece o contrário. Basta uma flauta, uma cítara e costas direitas, olhos fechados, respirar fundo e lá vamos nós. Não estamos no Boom, nada disso, mas para quem quer desligar, ou para quem é dado às práticas espirituais, bem entregue ficou.

Terreno pronto para os turcos Islandman, que se definem como “uma personagem fictícia”,  convidarem os primeiros festivaleiros a retirarem-se do conforto dos fardos de palha. Está na hora de entrar numa onda exótica, eletrónica, onde se largam as boas maneiras (até certo ponto, claro). E os chapéus chiques, outfits extravagantes, gliters e casacos com padrão de leopardo. Ninguém os tirou completamente, até porque o calor alentejano foi-se substituindo por uma noite mais fria, mas ganharam nova vida além da fotografia para as redes sociais. Se há quem use o cliché, agora mais internacional do que nacional, do “in Alentejo time stops” (no Alentejo o tempo pára), no São Lourenço do Barrocal, por estes dias, fabricou-se um novo slogan: “la vita è bella” (a vida é bela). E se é bela em todas as línguas, mesmo que tenda a aparecer em português apenas entre parêntesis, porque não explorar a beleza com música?

As duas frases ajustam-se ao momento. A primeira até foi dita por Duarte Uva, um dos principais rostos do São Lourenço do Barrocal e o homem que ficou a cargo de meter tudo isto de pé e de dar o maior número de abraços nesta primeira edição. Está feliz. Só podia. O irmão, José António Uva, administrador executivo, é a cara do hotel. A parceria, até ver, funciona muito bem. Mande-se vir uma flute de champanhe, é tempo de celebrar.  Não há encore para os Islandman, ficam os gestos de agradecimento. Quanto à segunda frase, foi dita por um estrangeiro que conseguiu um quarto e ficaria os dois dias. E não há muito mais a escrever, porque este parece ser grande objetivo dos estrangeiros no Barrocal: vêm atrás do sítio onde a vida é sempre bela.

ricardo bravo

Cada dia de festival teve direito a três concertos. E a uma pausa para jantar. É aí que o Barrocal Sound, sem música ambiente, se transforma em sala de estar ao ar livre, bem mais composta do que no início da tarde. Os mais atrevidos podiam ter tido a tentação de visitar o segundo maior menir da Península Ibérica que ali mora, mas o acesso durante o festival foi proibido, bem como outras zonas. Só mesmo durante o dia. É que todo o hotel abriu há seis anos e demorou 14 anos a montar. São as fotografias de família espalhadas por vários lugares que dão o mote: um local comunitário auto-sustentável que resistiu ao tempo e à memória. Foi Eduardo Souto de Moura quem desenhou o projeto. Nada foi construído de novo, tudo reaproveitado. Quanto ao menir, conta-se que um dia toda a gente se reuniu naquela aldeia para o levantar. Chamaram-se as pessoas da terra, imprensa, tudo e tudo. Um grande evento. Falharam. Foi preciso trazer uma máquina pesada no dia seguinte. Ali ficou.

“O melhor sumo de laranja”, casas de banho descartáveis como deve ser e um Joep Beving na mouche

Silêncio. Fez-se pausa na música. Noutro evento do género, a ausência de estímulo sonoro podia dar para o torto. Neste local, existem outros sons: os passarinhos, o caminho até à casa de banho, a relva não cortada que “ajuda a movimentar o corpo”. Ali, fora um ou outro cliente, ninguém se queixou de tal ausência. Até porque “aqui não é preciso fazer nada”. É deixar levar. De coroa de flores na cabeça, sempre que possível. Se o silêncio aborrece, dá-se dois dedos de conversa sobre standardizar hospitais na Índia. Ou sobre uma comunicação de um novo hotel de cinco estrelas na Ericeira. Se os tópicos sérios não motivarem a dinâmica que o momento exige, fale-se das férias em Ibiza, que estamos quase em agosto. Ou ligue-se para o amigo que se perdeu de vista com a pergunta: “estás onde?”. Esta não é necessária, fica para os parques da cidade. Afinal, estamos num montado de luxo. Não há cá tendas ou stands de marcas. Muitos dos presentes já se conhecem, por aqui há um certo tom de reunião de amigos.

O segundo concerto de sexta-feira, ficou entregue a Silvia Perez Cruz & Farsa Circus Band, que levou o seu flamenco pop ao Barrocal. Covers, músicas originais, parte da família a assistir. Perez Cruz tem sempre a voz no sítio certo, mas o mood não era o ideal. Baixou-se a temperatura, foi preciso ir buscar as mantas e os ponchos. É que a seguir vinha a dança no Colmeal, portanto não teria sido má ideia, no alinhamento do festival, ter trocado estes espanhóis pelos turcos para alinhar devidamente os chacras musicais.

O público está disposto a atingir uma espécie de nirvana, com os pássaros ao longe, como intrusos amigáveis que encaixaram neste puzzle. Se noutros concertos o público não conseguiu evitar as conversas da treta, os risos e a excitação, com Beving, o silêncio foi total. Olhos fechados, cabeças pensantes a fixar a mente numa retrospetiva de vida que podia ter sido filmada por Paolo Sorrentino. "Deixem-se levar", pediu o pianista. E assim foi

Agora é a vez da estrela maior: o Colmeal. Luzes a rodear o muro ajudam os funcionários que estiveram no outro palco a servir os resistentes. A DJ espanhola Carlita não trouxe abelhas, mas conseguiu voltar a aquecer o festival para fechar bem a noite. Para quem, como ela, começou na música pelo violino, não se safou nada mal a direcionar as mãos para os pratos. Foi a atuação menos erudita, mais comercial com muito mais Sound do que Barrocal. E isto não é necessariamente mau. Antes pelo contrário. Foi até um tributo às colmeias: samples repetidos, faltou o pólen no ar. No final de contas, só se fecha em beleza com música eletrónica.

Antes de qualquer fecho, e para averiguar verdadeiramente das infraestruturas festivaleiras, faça-se uma visita às casas de banho descartáveis. O ato de lavar as mãos, tão esquecido por tão boa gente na pressa de perder o seu artista predileto, é levado a sério no montado. O sabonete entrega-se automaticamente. É só estender a mão e, zás, cá vai disto. Não é preciso carregar no botão mil vezes, enervar-se, dar uma cotovelada no copo de cerveja, partir o recipiente, acabar todo encharcado, arranjar confusão com os responsáveis pelas limpezas que já nem nos podem ver à frente. Minutos mais tarde, volta-se a repetir o trajeto, e lá está a maquineta à nossa espera. Estender a mão. Sabonete em espuma. Uma maravilha. Já não se quer outra coisa.

ricardo bravo

Talvez por isto, ou porque quem esteve no Barrocal Sound vinha com a intenção de só, e tão só, relaxar, o segundo dia começou com um dos pontos mais altos: conversas corriqueiras ao pequeno-almoço sobre “Nine Perfect Strangers”, série da Prime Video protagonizada por Nicole Kidman, onde nove pessoas endinheiradas recorrem a um retiro espiritual para resolver os seus problemas de primeiro mundo. Isto não pode ser só sobre negócios da Índia. Narrativas cruzadas, com um repasto para restabelecer os níveis de potássio em baixo e “o melhor sumo de laranja de sempre”. Quem ficou até ao fim, resolve recuperar-se à beira da piscina. Quem não quis só vir ao festival, foi dar uma volta por Reguengos e arredores, há uma tarde de sol para aproveitar.

Joep Beving veio contrariar o tal ponto alto ao final da tarde de sábado. Anouar Brahem e Michael Mayer surgiram a seguir. Mas este concerto foi outra coisa. Há momentos na vida onde tudo está perfeitamente alinhado. O pianista autodidata holandês, de barbas e cabelos longos, é um ser involuntariamente cómico. “Há muito tempo que não via um público só com óculos de sol”, disse. Pediu gentilmente para se evitarem os aplausos. O público respeita, mostra boa educação e tem prazer nisso. Estão dispostos a atingir uma espécie de nirvana, com os pássaros ao longe, como intrusos amigáveis que encaixaram neste puzzle. Se noutros concertos o público não conseguiu evitar as conversas da treta, os risos e a excitação, com Beving, o silêncio foi total. Olhos fechados, cabeças pensantes a fixar a mente numa retrospetiva de vida que podia ter sido filmada por Paolo Sorrentino. “Deixem-se levar”, pediu o pianista. E assim foi. Porque há momentos na vida em que, por mais ou menos dinheiro que se tenha, o tempo pára. Só faltou perguntar às abelhas se, no seu loop laboral, também atingiram o tal estado de paz. Mereciam um descanso. Fica para a próxima edição.

Fotografias de Ricardo Bravo

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