Lá fora, no fim da reunião, o Presidente da República destacou a “unanimidade” do Conselho de Estado em condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Dentro de portas, no entanto, a opinião dos conselheiros foi mais longe. O primeiro-ministro, segundo relataram várias fontes presentes ao Observador, com o otimismo que o caracteriza, disse acreditar que a Rússia “nunca atacará nenhum país na NATO”. Para António Costa, Vladimir Putin terá esta “linha vermelha” e, mesmo que ataque outro Estado além da Ucrânia, nunca será um membro da aliança atlântica.

O primeiro-ministro revelou ainda, na reunião do Conselho de Estado, que no Orçamento do Estado para 2022 a previsão de crescimento do PIB vai ser revista em baixa. O Governo previa que o crescimento fosse 5,8%, mas António Costa revelou que a previsão vai descer 0,8 pontos percentuais, com a previsão a ficar nos 5% de crescimento do PIB em 2022.

António Costa também faria uma observação curiosa sobre o presidente russo, Vladimir Putin. O primeiro-ministro disse que “não se pode considerar” que Putin é doido porque isso ajuda a justificar e desculpabilizar as suas ações. Para Costa a ação do presidente russo é “mais grave” precisamente por Putin saber “muito bem o que está a fazer”, naquilo que considera ser uma açãopremeditada“.

Os conselheiros de Estado foram duros com o regime de Vladimir Putin e com o próprio presidente russo. O ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, foi, segundo relataram as fontes presentes ao Observador,  dos “mais duros” com Putin, a quem terá mesmo chamado ditador durante a intervenção. Embora com “termos diferentes”, o fundador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, “foi igualmente duro”. “Louçã carregou nas tintas com Putin, tal como o Cavaco”, disse um dos conselheiros ao Observador.

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Na sua intervenção, Francisco Louçã criticou ainda a gestão de Angela Merkel nos últimos anos por ter permitindo um aumento da dependência energética da Alemanha (e da Europa) relativamente à Rússia, o que ajudou Putin a ganhar força.

No final do reunião, ao contrário do habitual, Marcelo e Costa fizeram intervenções ainda com alguma dimensão. O primeiro-ministro falou sobre o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia. Costa explicou que já “há um acordo de associação entre a Ucrânia e a UE” que permite, por exemplo, enquadrar um apoio dos Estados-membros à recuperação do país no pós-Guerra.

Marcelo fala em condenação “unânime” à Rússia entre os conselheiros

À saída da reunião, Marcelo Rebelo de Sousa revelou que a condenação da agressão russa — que já era a posição de Portugal muito antes de outros países — foi “unânime” na reunião do Conselho de Estado. Para esta unanimidade, acreditam vários conselheiros ouvidos pelo Observador, terá contribuído o facto de Domingos Abrantes, o conselheiro indicado pelo PCP, ter sido forçado a faltar à reunião.

O chefe de Estado alertou também que, para a condenação ser “consequente”, os refugiados devem ser acolhidos sem “discriminações ou privilégios”. Portugal, acrescentou Marcelo, deve defender “o contrário de uma guerra generalizada”. E deixou um aviso: “Não nos iludimos quanto aos tempos muito difíceis que aí vêm”.

Marcelo Rebelo de Sousa destacou a “quase unanimidade na condenação à agressão russa, só com quatro votos contra na ONU”. Isto, segundo o chefe de Estado, mostra que a agressão russa é “chocante no tempo” e na “legitimidade”. E acrescentou: “Não há como negar que a comunidade internacional rejeitou o que considera intolerável”.

O Presidente da República destacou ainda que há um “apelo generalizado” ao “abreviar da guerra”, tendo em conta as mortes e outros custos desta guerra. “Não há como negar que é dramaticamente urgente encurtar a guerra, com serenidade e não com expedientes negociais concebidos apenas para ganhar tempo e paralisar a resistência”, disse o chefe de Estado.

Marcelo alertou, no entanto, que a guerra chegará sempre, nem que seja indiretamente ou em efeitos económicos a Portugal: “Não há como fazer de conta que não cairão de uma forma ou de outra nas nossas vidas”.

Doença afasta Rio e Domingos Abrantes da reunião

As ausências desta reunião do Conselho de Estado também contam uma história. O líder da oposição e presidente do PSD, Rui Rio, testou positivo à Covid-19 e não conseguiu participar sequer por videoconferência, como já fez noutras ocasiões. Rio faltará também a compromissos internos, como o Conselho Nacional do PSD para convocação de diretas e Congresso, que se realiza esta segunda-feira à noite.

O membro indicado pelo PCP, o histórico Domingos Abrantes, também não marcou presença no Conselho de Estado igualmente devido a doença. A mulher de Domingos Abrantes confirmou ao Observador, por chamada telefónica, que o histórico comunista está com uma infeção pulmonar e de cama e que, por isso, não conseguiu marcar presença.

A posição de Domingos Abrantes neste Conselho de Estado — por ser, por norma, a posição oficial do PCP — era das mais aguardadas. Os comunistas têm sido atacados por não condenarem de forma veemente a invasão russa da Ucrânia e por responsabilizarem mais vezes (e de forma mais enfática) a NATO, os EUA e a União Europeia pelo escalar do conflito do que o próprio regime de Vladimir Putin (mesmo que a espaços e timidamente o critiquem).

Já o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, encontra-se de férias e fora do arquipélago. O Observador não conseguiu apurar a razão da ausência do presidente do PS, Carlos César.