Eleito em dezembro, à segunda volta, Luís Menezes Leitão toma posse esta terça-feira como bastonário da Ordem dos Advogados. Substitui Guilherme Figueiredo e ainda antes de se ligarem os microfones para o programa Sob Escuta, da Rádio Observador, aponta logo uma diferença entre os dois: acha que já deu mais entrevistas desde que foi escolhido para liderar mais de 30 mil advogados do que o seu antecessor durante todo o seu mandato. Na entrevista, também fala de uma diferença em relação a um outro bastonário, no caso Marinho Pinto, com quem chegou a perder a corrida ao cargo que agora ganhou: vai abdicar do seu salário enquanto bastonário porque quer continuar a trabalhar no seu escritório e ter contactos com os tribunais. Esta é, segundo defende, a melhor forma de saber como está a Justiça.
Foi sobretudo sobre o estado da Justiça que falou nesta entrevista, atirando ao pacote de medidas contra a corrupção, recentemente anunciado — que conta com a delação premiada e os tribunais especializadas — e ao próprio primeiro-ministro António Costa, que critica por ter vindo a público falar de casos de justiça ainda abertos, como o BES, para justificar uma reforma. Também não poupou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que considera que devia confiar mais fiscalizações de constitucionalidades das leis ao Tribunal Constitucional, em vez de ser ele a decidir se uma lei viola ou não a Constituição.
Menezes Leitão aproveitou também, no arranque deste mandato, para lembrar à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que os problemas, como o combate à corrupção, não se resolvem com novas leis, e que as que já existem têm que ser executadas. É o caso, por exemplo, daquela que veio estabelecer um aumento no salários dos advogados e que ainda não saiu do papel. Dos advogados fala nas dificuldades financeiras que alguns enfrentam, assim como nas barreiras na prática da advocacia. De números diz que tem que olhar para as contas da Ordem, mas que nunca viu sequer o resultado da auditoria pedida pelo seu antecessor à gestão de Elina Fraga, apesar de essa auditoria ser pública.
Da entrevista sobra ainda a crítica feroz aos julgados de paz, os tribunais arbitrais a quem o governo quer entregar questões como a regulação do poder paternal. Segundo o bastonário, os julgados de paz não se recomendam a ninguém.
[O melhor da entrevista ao bastonário da Ordem dos Advogados:]
Na abertura do ano judicial, criticou o pacote de medidas contra a corrupção recentemente anunciadas pelo governo, entre elas a delação premiada. Acha que esse era o momento ideal para o fazer?
Acho, porque na abertura do ano judicial nós devemos falar dos problemas que se podem suscitar na Justiça no próximo ano e, na verdade, tinha sido essa uma das situações anunciadas — e correspondia a uma reforma com bastante impacto no âmbito do nosso processo penal anunciada, a meu ver, de uma forma um bocado precipitada. Portanto, avisámos desde logo qual iria ser a posição da Ordem dos Advogados sobre o anúncio que foi feito relativamente a essa reforma, que ainda não sabemos qual é, mas cujo anúncio me deixou bastante preocupado.
Exato, ainda não sabemos bem em que termos será essa reforma. No entanto diz logo que algumas medidas são inconstitucionais. Porque é que uma medida, como a delação premiada, que envolve todos os atores do sistema judicial, como o arguido, defesa, Ministério Público e juiz vai contra a Constituição?
Não temos a certeza do que vai ocorrer, mas o primeiro anúncio que apareceu foi de que nós iríamos ter um sistema de delação premiada em que o arguido poderia confessar e, portanto, denunciar outros, num acordo com o Ministério Público. E, portanto, neste caso, no acordo com o Ministério Público, nós veríamos que o arguido podia negociar assim a pena. Ou seja, isto é um sistema parecido com os plea bargaining americanos, onde, de facto, o Ministério Público tem a possibilidade de discutir a pena com os arguidos levando a que o próprio Supremo Tribunal Americano já tenha dito que o processo penal americano, neste momento, é um processo de acordo e não um processo de julgamentos.
Sem nunca chegar ao conhecimento de um juiz, é isso?
Exatamente, sem nunca chegar ao conhecimento do juiz. Faz o acordo, confessa, acaba por chegar lá, mas no próprio processo faz a condenação, confessa-se culpado e o Ministério Público faz aquela pena. O que é que sucede no nosso sistema? Nós baseamo-nos no princípio da legalidade, que significa que o Ministério Público tem sempre que exercer a ação penal, não pode estar a discutir acordos nem discutir a ação penal a seu próprio prazer e precisamente por isso a nossa Constituição exige, de facto, que o processo penal funcione nesses termos…
Mas o senhor está a supor…
Estou a supor, mas estou a supor com base no que foi anunciado, porque efetivamente eu não sei o que é que está a ser proposto. Acho que isso ainda ninguém sabe, mas o que foi anunciado deixou-nos preocupados.
Mas, nesse sentido, não foi precipitado?
Não, o que surgiu relativamente aos anúncios… e designadamente também me preocupou muito a declaração do primeiro-ministro, porque ele logo a seguir fez uma comparação com a eficácia de um processo penal na América [Madoff] e com, no entender dele, a ineficácia de um processo penal em Portugal [processo BES]. Ou seja, o que nos levou logo a pensar: isso foi a justificação que apareceu para as medidas que iriam ser propostas. Por esse motivo, naturalmente, a ideia que passou para a opinião pública, e não foi diferente do que nós entendemos, é que estaríamos a tentar importar uma solução do sistema do processo penal americano, o que me pareceu de facto bastante preocupante, neste âmbito, que tenha aparecido, não só porque não é muito comum vermos um primeiro-ministro a falar da falta de acusações em processos — isso é uma matéria que entre nós o Ministério Público tem autonomia, é ele que gere a ação penal, não é o governo — como também apareceu a referir um certo fascínio sobre o sistema processual penal americano que tem imensas deficiências.
Houve ali uma ingerência?
Pelo menos não achei isso muito saudável, porque estamos a falar de um processo penal concreto. A política da justiça cabe ao Ministério da Justiça, outra coisa é estar a falar do exercício de uma ação penal. Em particular de um processo que está em curso e que está entregue a magistrados. Não é muito normal vermos um governo a falar disso.
É uma forma de pressão?
… Não interpreto como uma forma de pressão porque acho que os senhores magistrados do Ministério Público são autónomos e não saberão entendê-la assim, mas confesso que não me parece desejável que o governo foque processos penais em curso.
Estas medidas, a serem aprovadas, acha que Marcelo Rebelo de Sousa pode pedir que sejam fiscalizadas em termos constitucionais?
Acho que pode e deve. Quanto à delação premiada, nós podemos ter alguma discussão. Agora quanto, por exemplo, aos tribunais especializados, relativamente à corrupção, eles são expressamente proibidos pelo texto constitucional. O artigo 209 n.º4 da Constituição proíbe a existência de tribunais com competência específica para julgar certo tipo de crimes e, neste âmbito, parece que se quer tentar tornear isso, dizendo que isto não é um tribunal especial, mas um juízo especial. O resultado vai ser exatamente o mesmo. E nós corremos um sério risco, se não for feita uma fiscalização abstrata da constitucionalidade, em que se atribua a competência para este julgamento a um tribunal especial, e que depois esse tribunal especial venha a ser julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no caso da fiscalização concreta. E isso podia anular todas as condenações que fossem feitas por esse tribunal. Portanto, nós temos assistido ultimamente a uma menor fiscalização por parte do atual do Presidente da República do que relativamente a Presidentes da República anteriores. Eu devo dizer que eu, pessoalmente, já tenho tido ocasião de criticar isso, não me parece que seja desejável, acho que, designadamente, o que se viu com a lei dos metadados — que o senhor Presidente da República promulgou dizendo que havia um grande consenso jurídico sobre a matéria e, depois, o que se verificou é que no tribunal constitucional só apareceram opiniões divergentes –, a lei foi declarada inconstitucional. E até houve uma renúncia de uma juíza do Tribunal Constitucional porque não a deixaram escrever no acórdão aquilo que ia dizer, como se soube. Parece-me que é bastante prejudicial nós não estarmos a ter uma fiscalização preventiva da constitucionalidade com a frequência com que anteriores presidentes da república tinham. E precisamente por isso parece-me que, nesse caso, se estas medidas vieram para frente, é de todo o interesse que sejam adequadamente fiscalizadas em termos constitucionais.
Mas essa é uma falha do Presidente? Acha que ele não tem essa apetência, ou simplesmente não tem tido a opinião de que era necessário?
Não, o que me tem sido explicado é que o senhor Presidente da República, como professor de Direito — aliás, foi meu colega lá na Faculdade de Direito –, se sente habilitado para avaliar se a situação é constitucional ou não. O problema é que todos nós podemos ter uma opinião sobre a constitucionalidade, mas a opinião que prevalece é sempre a do Tribunal Constitucional. A meu ver, parece-me desejável que o Tribunal Constitucional tenha, de facto, a possibilidade de fiscalizar a título preventivo estas medidas se vierem a surgir. Acho que este aviso é importante: se um tribunal especial for aprovado sem qualquer indicação ao Tribunal Constitucional, corre-se o sério risco de todas as condenações que esse tribunal vier a proferir serem anuladas por inconstitucionalidade. E isso parece-me que é um risco muito grande na perseguição aos criminosos no nosso sistema de justiça, estarmos a enveredar por medidas dessas sem termos a segurança jurídica adequada.
Então que medidas concretas é que deviam estar neste plano para resolver um problema grave que é o da corrupção em Portugal?
Eu acho que nós temos um problema seríssimo em termos de corrupção, mas parece-me que nós também temos um defeito muito grande, que é considerarmos que as questões se resolvem com alterações à lei, quando não nos preocupamos em executar as leis que temos. O grande problema que existe é este: muitas vezes, no nosso país, temos um problema e criamos leis. Designadamente, [se tivermos] uma grande incidência num crime, criamos um tribunal especial. Não é nada disto que vai resolver as acusações e os problemas que existem em termos de política criminal.
Então o que é que vai?
O que vai é a existência de meios para fiscalizar este tipo de atividade. Porque hoje em dia, ao contrário do que sucedia há uns anos, é muito mais fácil perseguir a corrupção, porque nós temos a possibilidade de rastrear as contas bancárias, as contas para o estrangeiro, temos a possibilidade de verificar os gastos, ou seja, possibilidades tecnológicas de controlar o crime de corrupção não faltam, se houver condições para serem estabelecidas. O que acontece, e isso foi dito pela Procuradora-Geral da República [Lucília Gago] na sessão de abertura do ano judicial, é que, de facto, não existem meios, não há possibilidade de fazer as perícias técnico-financeiras, que implicam a existência de funcionários qualificados. E, por isso, muitas vezes esta situação falha. O que me parece é que muitas vezes quer-se de dar à opinião pública a ideia que nós vamos resolver um seríssimo problema de política criminal, pura e simplesmente alterando a lei, substituindo a investigação criminal por confissões de arrependidos — que é, no fundo, o que está a ser proposto para esta situação — e dizem que isto vai resolver em termos de eficácia alguma coisa.
A sua solução era contratar pessoas?
Exatamente.
Não só para o Ministério Público… O presidente do Supremo falou na falta de assessores para os juízes…
E também está a haver uma deficiente gestão — neste caso, isso tem de se dizer — relativamente à questão dos megaprocessos. Mais uma vez, o que se viu foi isto: ‘Não, nós vamos acabar com os megaprocessos, mas como é que vamos acabar? Alterando a lei’. Ora, eu leio o Código do Processo Penal e, a meu ver, acho que, se o Ministério Público quiser, pura e simplesmente separa os processos. A lei dá-lhe essa faculdade. Ou seja, não há motivo nenhum para se apresentar um megaprocesso, em que se pretende acusar o arguido de todos os crimes e mais alguns, quando já pode haver provas, por exemplo, de algum tipo de crime em que ele possa ser condenado imediatamente.
Assim não poderão ser condenados, por exemplo, por associação criminosa.
Isso é uma questão que se coloca, porque já o facto de haver uma punição por um crime que o arguido praticou em termos céleres é muito mais adequada à sociedade do que nós estarmos a tentar condenar por todos os crimes e mais alguns. Já que se fala tanto no sistema americano, o Al Capone, que foi um dos maiores criminosos que existia, e foi preso apenas por fraude fiscal. Mas isso serviu para o tirar da circulação.
Isso significa não fazer a justiça toda para fazer alguma justiça?
Não, significa que, pura e simplesmente, nós fazemos justiça relativamente a um crime de que o arguido é acusado e se pode defender, não precisamos é de estar a somar todos os crimes, como tem sido aqui praticado. E mesmo os próprios responsáveis pelo Ministério Público acham que isso é desadequado. Eu lembro-me de que o anterior Procurador Geral da República [Pinto Monteiro] disse uma vez que os megaprocessos eram mega-absolvições porque, de facto, se estamos a acusar o arguido de tudo e mais alguma coisa, é muito difícil.
Mas é o próprio Ministério Público que acusa.
Sim, é o Ministério Público que decide a acusação. Por isso, talvez deva haver uma maior separação de processos, mas isso já o nosso Código do Processo Penal permite. O que me parece é que, mais uma vez, temos a ideia tradicional de que estamos sempre a mudar as leis e não estamos a executá-las. E depois estamos sempre a dizer que o problema é porque a lei não é boa. Não, a lei tem que ser executada e, para ser executada e perseguir criminalmente a corrupção, há uma regra que é “não se fazem omeletes sem ovos”. Ou seja, se nós não tivermos quaisquer meios para combater a corrupção, podemos ter a melhor lei do mundo. Daí que eu, até na abertura do ano judicial, citei a frase de Montesquieu: “Quando vou a um país, quero ver é se essas leis são executadas, porque boas leis há em toda a parte”. Por isso é que me parece de facto que nós continuamos em Portugal a ter uma perspetiva de que mudando as leis resolvemos algum problema e não resolvemos problema nenhum assim.
A propósito dessas medidas, e especificamente a propósito da delação premiada, seja que modelo tiver e que nome lhe for dado, disse numa entrevista à TSF e ao Diário de Notícias que só poderia dar a sua opinião. É isso que vai fazer em relação a todas as outras questões que afetam os advogados? Limitar-se a dar a sua opinião?
Com certeza que não, vamos tentar negociar, vamos tentar resolver todas os problemas que afetam, e há muitos, os advogados. Gostaria que a Ordem tivesse poderes de controlo da constitucionalidade, que é algo que existe no Brasil, por exemplo, em que a Ordem dos Advogados pode suscitar a questão da inconstitucionalidades das leis. Infelizmente, não temos esse poder. Há muitas entidades que têm fiscalizado a constitucionalidade das leis e que, infelizmente, não têm muitas vezes exercido esse poder de fiscalização da constitucionalidade. Se a Ordem tivesse esse poder, com certeza que o exerceria com bastante mais frequência. Enquanto a Ordem não tiver poderes da fiscalização da constitucionalidade das leis, sobre qualquer lei, nós podemos é dar a nossa opinião. Chamar a atenção para o que está mal e procurar resolver por essa via, porque não temos poder de iniciativa legislativa nem poder de controlo das leis. Isso é algo que existe relativamente a este ponto. Quanto às outras questões que se colocam, relativamente aos outros advogados, há questões que nós podemos resolver, há outras que também precisam de alteração legislativa. Nós procuraremos tentar convencer quem tem poderes de iniciativa legislativa, que são, designadamente, os grupos parlamentares e o governo, a corrigir o que está mal — e muita coisa está mal relativamente à advocacia.
Um dos problemas que tem estado muito no seu discurso tem a ver o sistema de previdência dos advogados e insegurança financeira. Como bastonário, o que vai fazer para que os advogados tenham, por exemplo, direito a licenças de paternidade e maternidade?
Vou tentar ver se consigo, em primeiro lugar, negociar com a CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores] a possibilidade de estabelecer um seguro de baixa médica. Neste âmbito parece-me algo bastante importante relativamente aos nosso sistema. A nossa instituição funciona em termos previdenciais para pagamento de pensões e não assegura funções que, hoje em dia, são asseguradas, regra geral, pela Segurança Social, relativamente a certas eventualidades como a baixa médica e a situação de maternidade.Vamos tentar com a CPAS um seguro que cubra essas eventualidades e ver se conseguimos ter uma solução que não passe por esta situação que temos, e que não existe em sítio nenhum, que é a dos advogados terem a pagar obrigatoriamente contribuições para a CPAS, mesmo em meses que não tem qualquer rendimento. O que parece uma situação de bastante injustiça. A meu ver, os descontos para a previdência são descontos, portanto devem ser sobre um rendimento que efetivamente as pessoas auferem. Deve-se dizer que, mal, já se estabeleceu na Segurança Social a ideia de que todos os meses é preciso descontar com rendimento ou sem ele, isto já existe para os trabalhadores independentes, mas é um desconto de 20 euros. Nós, neste momento, devido ao facto de se ter procurado subir os valores dos descontos, temos um desconto obrigatório mensal a partir do 5.º ano de atividade de 251,31 euros, que é um valor, a meu ver, absolutamente astronómico. Muitos colegas não estão a conseguir ter o rendimento necessário para o suportar. Está, neste momento, a ocorrer uma enorme subida de contribuições que, a meu ver, talvez devesse ser melhor explicada. Porque, devo dizer, ainda continuo sem perceber a justificação por que se aumentou no ano passado as contribuições dos advogados para a CPAS em 9%, em termos de contribuição mínima. Isso foi decidido pelo último Conselho Geral da CPAS onde eu estive. Avisei que isto não fazia qualquer sentido, um aumento de 9% num ano em que não houve inflação. Tivemos uma manifestação de advogados em protesto por isso e eu quero ver se esses problemas conseguem ser resolvidos.
Um dos problemas que a Ordem enfrenta é a falta de pagamento das quotas de cerca de 14 mil advogados. É por falta de dinheiro?
Não sei as razões porque é, tem que se verificar. No caso concreto, nós estamos a ter dificuldades bastante grandes em relação a muitos colegas, no âmbito do exercício da advocacia.
Há advogados a passarem dificuldades económicas?
Sim, infelizmente isso está a passar-se, até porque estamos a verificar a entrada de outros profissionais a exercer sem a qualificação os atos próprios dos advogados.
Como os solicitadores?
Não, os solicitadores têm atos próprios e têm uma indicação respetiva quanto a isso, mas podemos falar de contabilistas e outros prestadores de serviços que, muitas vezes, aparecem a exercer atos próprios da advocacia. O que está a ocorrer é que não só não está a ser controlado como devia, como, pelo contrário, ainda se quer mais liberalizar porque o governo colocou nas suas Grandes Opções do Plano a ideia de que iria seguir as propostas, da autoridade da concorrência e da OCDE, de limitar imenso as profissões reguladas e permitir que qualquer profissional exercesse a atividade, bastando-lhe a aprovar um código de conduta. Nós achamos que isso seria péssimo para a advocacia e para os cidadãos em geral, que estariam a ser confrontados com profissionais a praticar atos próprios de advogados sem ter a especialização e a deontologia que é exigida no âmbito da profissão de advogado.
Acusou o governo de não cumprir a lei quanto à atualização das remunerações dos advogados, mas a ministra diz que o governo não tem falhado com as suas obrigações.
Então, eu gostava de saber onde é que estão as duas portarias que, a meu ver, deviam ter sido publicadas desde 2018. Temos a lei 40/2018, que está lá para qualquer pessoa ver, que diz que o governo tem de atualizar as remunerações dos advogados no apoio judiciário até 31 de dezembro de cada ano. Essa lei entrou em vigor em agosto de 2018. Passou 31 de dezembro de 2018 e 31 de dezembro de 2019, não vejo nenhum das duas portarias publicadas. Estamos em 13 de janeiro de 2020, portanto acho que é dever do governo executar as leis que o parlamento aplica. Como eu disse, se fosse deputado, estaria preocupado se eu publicasse uma lei e depois visse que não era executada.
Na legislatura anterior assistimos a aumentos e atualizações salariais noutras classes profissionais. Não vimos isto com os advogados. Os advogados sentem-se, em relação a este governo, o parente pobre da justiça?
Eu devo dizer que me parece que está a haver um diferente tratamento relativamente aos advogados quanto aos outros operadores judiciários, que nos merecem todo o respeito. E devo dizer que eu não contesto a atualização [dos magistrados]. Acho que os senhores magistrados são profissionais que, ainda por cima, têm de trabalhar em exclusividade e com funções de altíssima responsabilidade e, por isso, devem ser dignamente pagos. Portanto, a atualização das remunerações dos senhores magistrados é algo que só pode merecer o meu apoio. O que não me parece possível — e isso eu acho que foi muito desagradável — é termos assistido a isto: primeiro, o governo falou que iria aumentar as remunerações dos magistrados judiciais; depois, verificou-se que os magistrados do Ministério Público disseram que não podiam ficar de fora e o governo cedeu e decidiu também aumentar na mesma medida os magistrados do MP; e depois, relativamente aos advogados, que têm remunerações para atualizar há 15 anos, uma situação bastante grave — são os únicos profissionais que estão obrigados a praticar preços de há 15 anos —, não foi feito absolutamente nada. Foi o próprio parlamento que, através de uma lei, mandou o governo fazer essa atualização e o governo nada fez, pura e simplesmente. No fundo, isto é uma diferença de tratamento que me parece extremamente desagradável e que, de facto, deveria ser imediatamente corrigida. Eu acho que a mínima coisa que se podia esperar, antes de discutir as novas tabelas e a reforma da lei do apoio judiciário, era, pelo menos, proceder imediatamente à atualização que é obrigatória pela lei 40/2018. Não estou a ver que esteja a ser executada neste âmbito e é preocupante ter leis do parlamento que não sejam aplicadas.
O senhor bastonário esteve inscrito no apoio judiciário ao longo da sua carreira?
Nunca estive inscrito no apoio judiciário porque não vi necessidade disso.
Os advogados inscrevem-se no apoio judiciário por necessidade?
Alguns inscrevem-se porque, de facto, têm uma remuneração lá, outros inscrevem-se porque têm interesse em aprender, como muitos me disseram, algumas atividades no âmbito do apoio judiciária e continuar a praticar. Eu trabalhei no apoio judiciário quando era advogado estagiário. Nessa altura, de facto, o apoio judiciário estava entregue aos advogados estagiários — mal, a meu ver, porque os advogados estagiários não têm a adequada preparação para defender os cidadãos nesse âmbito. Mas depois a minha atividade evoluiu de outra maneira e não vi, de facto, da minha parte, que tivesse interesse em inscrever-me no apoio judiciário.
O programa de governo traz algumas novidades no sistema penal. Além dos tribunais especializados, fala em passar para os julgados de paz alguns litígios, como é o caso da regulação do poder paternal. Como é que olha para esta medida?
Olho também com bastante desagrado porque, de facto, o que nós estamos a verificar é que o governo, em vez de investir nos tribunais judiciais — e deve dizer-se que era uma medida que, a meu ver, já devia ter sido tomada, que era reverter a extinção dos tribunais judiciais que foi realizada no tempo da troika. Nós temos um parque judiciário que continua a ter características excelentes e está completamente ao abandono. E colocamos comunidades a centenas de quilómetros de um tribunal. Parece-me inaceitável que os Estado desapareça do território nacional, que o interior não tenha um tribunal e que tenhamos situações perfeitamente absurdas. Por exemplo, se uma pessoa é atropelada na Figueira da Foz, e tem de pedir uma indemnização acima de 50 mil euros, tem de deslocar-se a Coimbra para instaurar o respetivo processo. Nada disto faz sentido, a meu ver, e o que me choca é que nós tenhamos um parque judiciário excelente — algum dele herdado, inclusivamente, do Estado Novo — e que tenha sido encerrado, que os tribunais estejam, neste momento, ao abandono, e, em vez de serem recuperados e realizados os julgamentos, estejamos a abandonar esses recursos que temos, quando podiam ser perfeitamente aproveitados. Não estamos aqui a falar em construir um novo aeroporto, é perfeitamente possível pegar no parque judiciário que temos e voltar a colocar os tribunais lá, que hoje em dia até os funcionários estão colocados nos tribunais nas capitais de distrito, em situações muito defeituosas, quando poderiam estar perfeitamente nos tribunais que foram encerrados. O que é que o governo está a fazer? É precisamente o contrário, é dizer ‘nós queremos é julgados de paz’. Os julgados de paz fornecem uma justiça muito pior. Os julgados de paz não são tribunais judiciais, são tribunais não judiciais e, precisamente por isso, inclusivamente nem sequer é necessário a presença de um advogados nos julgados de paz. Fornecerão sempre uma justiça de muito menor qualidade do que a que existe nos tribunais judiciais. Quando se vai colocar matérias com a dignidade e com a capacidade de litígio que nós vemos, que são das situações que mais existem de litígios entre duas pessoas e com dramas pessoais brutais, como é a situação da regulação do poder paternal. Quando um casal discute o destino dos seus filhos e coloca o problema de estar afastado de um filho ou ter a possibilidade de ter contacto com o filho, isto é algo que não pode ser tratado com a ligeireza com que é tratado num julgado de paz, isto tem de ter um julgamento através de um juiz e, precisamente por isso, preocupa-me que este tipo de medidas apareça com esta situação e que nós vejamos isto aparecer em propostas do governo. Isso parece-me que, de facto, estamos afastados completamente do paradigma do que deve ser a justiça e que deve ser assegurada por tribunais e não por julgados de paz. Eu tenho alguma experiência de trabalhar nos julgados de paz e garanto que as condições de um julgado de paz são completamente diferentes das condições de um julgamento num tribunal. E, precisamente por isso, eu não recomendo os julgados de paz a ninguém. E por esse motivo também me parece que matérias com a complexidade que tem a regulação do poder paternal não podem estar nos julgados de paz.
Não recomenda os julgados de paz a ninguém em nenhum caso? Deviam acabar os julgados de paz?
Pequeníssimas questões podem ser tratadas lá. Agora, neste momento os julgados de paz já têm competência para litígios até 15 mil euros. Devo dizer que isso parece-me excessivo. É a minha opinião.
Mas as pessoas que lá trabalham não fazem um trabalho sério e dedicado?
Fazem, com certeza que sim, mas não me parece que, de facto, deva ser que nós tenhamos um sistema de justiça constituído por julgados de paz e não por tribunais. Porque, de facto, os julgados de paz devem existir para pequenos litígios, questões de vizinhança, questões de condomínio, como existem aqui, mas são pequenos. Ora quando já temos litígios até 15 mil euros nos julgados de paz, acho que já são litígios que já têm uma dimensão bastante grande para estar num julgado de paz. Dizermos que todo o esquema judicial é para os julgados de paz e até a regulação familiar já está nos julgados de paz, parece-me um erro.
O tema da lentidão da justiça é muito recorrente e, muitas vezes, os advogados também são apontados como culpados dessa lentidão, por causa de algumas manobras dilatórias que promovem nos julgamentos. Admite que alguns dos seus colegas possam fazer isso, pelo menos em processos mais mediáticos?
Não admito. Para já, os advogados são os únicos que têm de cumprir efetivamente os prazos que lhes dão. Porque, se não cumprirem os prazos que lhes dão, perdem a possibilidade de praticar o ato e sofrem responsabilidade civil em consequência disso. Todos os outros operadores podem adiar o processo, dizer que o processo é complexo, pedir adiamento de prazos. Portanto, quanto aos advogados, estão completamente inocentes desta situação. Se me questiona se os advogados devem ou não exercer os direitos de defesa, eu acho que com certeza que devem, que é para isso que lá estão. Não se espere que um advogado esteja lá, pura e simplesmente, num processo, a fazer figura de corpo presente e que não exerça os seus direitos. Não é para isso que os advogados são contratados e não é isso que os clientes esperam dos advogados. E, precisamente por isso, querer passar para os advogados a culpa da lentidão da justiça é, de facto, mudar completamente a perspetiva, porque são os únicos que têm de cumprir os prazos que lhes são atribuídos. Mesmo os direitos que podem exercer — e alguns direitos exercem — são direitos que estão previstos na lei, em termos de instrumentos processuais, e compete aos advogados exercer se acharem que têm justificação para isso. Inclusivamente, a lei até sanciona — e de forma gravosa — a chamada litigância temerária e, portanto, não vejo qualquer razão para estar a atribuir esse tipo de acusações, também é mais uma forma de desviarmos a situação dos graves problemas que existem na justiça.
É verdade que esses expedientes estão na lei, mas a questão tem mais a ver sobre se a lei devia permitir tantos. Essa discussão não é nova. A ministra Paula Teixeira da Cruz era particularmente crítica da utilização de alguns desses expedientes e defensora da necessidade os limitar. Acha que eles devem ser limitados na lei?
Não, pelo contrário, acho que a lei tem de permitir às pessoas exercerem os seus instrumentos de defesa. Nós não queremos ter um país em que a pessoa vá para um processo e não tenha nenhuma forma de se defender, que tenha acusação e não haja possibilidade de apresentar recursos, não haja possibilidade de suscitar a questão perante um tribunal superior. É óbvio que este tipo de perspetiva, de dizer que os direitos da defesa devem estar limitados, é muito prejudicial aos cidadãos. E devo dizer que esse tipo de discurso político é um discurso com o qual os cidadãos se devem preocupar. Porque isto é a forma de, um dia, um cidadão ser apanhado num processo, quando muitas vezes está inocente, e pode estar atado de pés e mãos atados porque alguém resolveu retirar os direitos de defesa. E por isso é que a Ordem deve, nessa perspetiva, estar sempre preparada para avisar o que está em causa se forem tomadas iniciativas dessas.
Nos últimos anos, entre os processos mais mediáticos a que assistimos, tivemos alguns que envolviam magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e, depois, várias polémicas relacionadas com o exercício de funções dessas mesmas pessoas nos tribunais, apesar de os processos continuarem ou ainda não terem transitado em julgados. O que é que o senhor acha de advogados que, num dia, estão sentados no banco dos réus como arguidos num determinado processo, e no outro podem, simplesmente, estar sentados do lado da defesa a representar os seus clientes.
Eu sobre processos concretos não falo. Os processos estão entregues aos meus colegas que exercem a sua representação e o bastonário não se ingere relativamente a processos concretos. Se me está a colocar a questão relativamente ao exercício da jurisdição disciplinar da Ordem, o que eu digo é o seguinte: quando um advogado é objeto de um processo crime, a Ordem é avisada relativamente a esse processo, porque existe esse dever na lei de o Departamento de Investigação e Ação Penal participar à Ordem que tem um processo crime contra um advogado. Quando isso sucede, a Ordem imediatamente abre um processo disciplinar relativamente às questões que existem. E, das duas, uma: ou tem a possibilidade de, imediatamente, aplicar uma infração disciplinar; ou tem de esperar que o processo seja concluído, porque nós também temos o direito à presunção de inocência. Pode também ocorrer, se for uma situação mais grave, haver situações de suspensão preventiva, mas, como se disse, isto é algo que cabe à jurisdição disciplinar da Ordem.
Mas não deveria haver uma regra?
Não porque nós temos de ter um princípio de presunção de inocência e a regra que está na nossa Constituição — é essa que temos de respeitar — é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença que o condenou. E deve-se dizer que, relativamente à situação de magistrados, o que se verificou foi que colocou-se o exercício da jurisdição disciplinar, porque só através de um processo disciplinar é que é possível, de facto, retirar a função. Nós continuamos a ter de respeitar as competências disciplinares dos órgãos que têm a função de aplicar a justiça disciplinar.
Mas não têm um registo muito elevado de suspensões preventivas…
Não, nestes casos, muitas vezes, coloca-se essa situação, mas o correto é fazer o julgamento neste âmbito.
Um dos seus antecessores, creio que em 2010, fez, por exemplo, declarações públicas sobre o processo Freeport, colocando-se do lado do antigo primeiro-ministro, José Sócrates, ao dizer que o poder judicial estava a querer derrubar um primeiro-ministro naquela altura. O senhor assume estas funções quando temos a Operação Marquês a decorrer, um antigo ministro da Defesa também acusado num processo. Vai tomar posições públicas sobre estes casos, como fizeram alguns dos seus antecessores?
Claro que não. Eu não tomo posições sobre processos em curso.
E acha que os advogados deviam?
Acho que não porque o que sucede é que o processo está entregue a um colega e o colega sabe conduzir a defesa da forma que entende ser mais adequada e nós temos de respeitar a forma como esse colega está a exercer essa função. E, precisamente por isso, aconselha que as pessoas evitem pronunciar-se. O próprio estatuto da Ordem proíbe o advogado de estar a contribuir para a questão pública de questões profissionais. Eu não acho que seja desejável — e espero que isso não ocorra — estar a discutir processos que estão em curso, principalmente quando não são processos dos próprios. Isso perturba muito o exercício da defesa por parte de quem está encarregado desse processo.
Mas é uma coisa muito comum, vermos os órgãos de comunicação social recorrerem a outros advogados, eventualmente não envolvidos naquele processo, para comentarem algumas das questões, e é praticamente impossível que não toque no processo propriamente dito, que fique restrito a uma discussão teórica.
O que eu tenho visto é, de facto, haver muitas vezes o cuidado de procurar o assunto numa discussão teórica, embora acabe por aproximar-se desse processo. Como disse, não acho que seja desejável que haja comentário relativamente a processos em curso. Devo dizer que, às vezes, vejo perguntarem a um advogado se a estratégia da defesa está a ser correta, quando isso está a ser tratado por um colega dele e o colega dele é que sabe qual é a estratégia que ele está a apresentar para a defesa. O que também temos visto muitas vezes é que, para a comunicação social, passa a ideia de que um processo já estar decidido e que as questões estão resolvidas e, muitas vezes, o que vemos no julgamento é que se passa exatamente o contrário, que o arguido sai de lá absolvido quando toda a gente já o condenou na praça pública. E eu costumo dizer que isto é como o futebol: não é nas claques que os jogos se resolvem, é nas quatro linhas. É sempre no julgamento que os processos são decididos. Devo dizer que, como bastonário, nunca o farei, comentar um processo concreto. Respeitarei sempre a autonomia que o meu colega que esteja a conduzir esse processo tem e entendo que se deve evitar esse tipo de comentários por parte de advogados. Para já não são adequados neste âmbito e, em segundo lugar, muitas vezes nem sequer são esclarecedores, porque o que nós verificamos é que quem está a falar do assunto não tem ideia de quais são as provas que existem em julgamento, não tem ideia de quais são as situações que foram produzidas. Portanto, se o próprio colega — e tem essa possibilidade, se quiser referir alguma coisa — não toma posição, não vejo porque é que outros advogados devem tomar.
Ao contrário de outras empresas, as sociedade de advogados entregam as suas contas à Ordem dos Advogados. Numa altura em que as empresas públicas têm de divulgar as suas contas, em que facilmente podemos obter relatórios de contas de outras empresas, não acha que este trancar das contas das sociedades de advogados na Ordem releva um certo obscurantismo da classe?
Isso é uma questão que está prevista em termos legais, que tem vindo a ser verificada.
Se eu quiser fazer um trabalho jornalístico sobre as contas das sociedade de advogados, quanto faturam por ano, posso aceder a essas contas?
Tenho de verificar quais são os dados que existem aqui, não posso responder em concreto a essa questão, tenho de ver o que existe nestes termos e quais são os dados que estão protegidos e não estão. Nós, hoje em dia, temos uma forte regra de proteção de dados, como sabe, devido ao Regulamento Europeu de Proteção de Dados.
E também temos uma sociedade que exige maior transparência.
Pois temos, mas temos de aplicar as leis, independentemente dos apelos que existem na sociedade.
Mas acha que está errada a lei que permite que as contas sejam prestadas à Ordem mas não sejam reveladas? Isso já acontecia antes da lei da proteção de dados.
Existe essa lei, nós temos de verificar a situação, mas, enquanto existir uma lei, nós temos de a cumprir. Como disse, a Ordem não tem poder para alterar as leis.
Quando o seu antecessor, Guilherme Figueiredo, chegou ao lugar de bastonário, mandou fazer uma série de auditorias à Ordem. Numa delas foram encontradas irregularidades na contratação de advogados para representar a Ordem na impugnação de processos disciplinares durante o mandato de Elina Fraga. Conhecem o resultado dessas auditorias? E também vai fazer auditorias?
Com certeza que pretendemos averiguar a situação do estado das contas da Ordem. Não estou com suspeita absolutamente de nada, mas justifica-se que nós verifiquemos, antes de tomarmos posse, qual é o estado em que as contas estão, o que é que foi feito e procuraremos ter a informação adequada, mas nada mais do que isso. Não tenho nenhuma questão, neste momento a colocar.
Mas não tem nenhum dado sobre a auditoria que foi feita no mandato anterior?
Eu sei que foi feita uma auditoria, que foi publicada, e não sei os resultados dela. Como sabe, eu não tinha funções executivas na Ordem e ainda nem sequer tomei posse, por isso não tenho qualquer informação.
Anunciou que vai abdicar do salário da bastonário. Vai mesmo fazê-lo, abdicar do salário e continuar a ser professor e advogado?
Exatamente.
E também vai continuar a ser presidente da Associação Lisbonense de Proprietários?
Por enquanto penso que sim, mas é algo que, mais tarde, poderei reponderar, se verificar que há alguma questão. Mas, neste momento, tenciono continuar.
Não vê nenhuma incompatibilidade?
Não vejo nenhuma.
E vai conseguir gerir mais de 30 mil advogados e acumular com os outros cargos?
Eu não tenho assim tantos cargos. Dou umas aulas na faculdade, tenho alguns clientes no meu escritório, que é um escritório familiar, e presido a uma associação e também sou membro de outras associações, mas nessas sem funções executivas. Não acho que isso impeça o meu trabalho na Ordem e fazer como todos os colegas que, antes do Dr. Marinho Pinto, exerciam, de facto, advocacia e continuavam a trabalhar. Porque o princípio que há na Ordem é que todo o trabalho para a Ordem deve ser gratuito. Eu vou presidir a um conselho geral de 21 membros. Todos os membros do conselho geral vão trabalhar gratuitamente para a Ordem. Eu acho que, como bastonário, não devo ficar excluído desse tipo de situação. E, por outro lado, também não quero estar a desaparecer durante três anos da atividade, não fazer a mínima ideia do que se passa nos tribunais. Eu ainda ontem fui fazer a conclusão de um julgamento e posso verificar o estado em que está o Palácio da Justiça. Eu gostaria mais de continuar a saber disso do que propriamente estar fechado no largo de S. Domingos e estar completamente distante dessa atividade. Se eu, de facto, abdicasse de exercer as minhas atividades, o que sucederia neste caso era que, ao fim de três anos, dizia: agora, todos os meus clientes desapareceram, porque não pude trabalhar no meu escritório, e a Ordem ainda teria de me pagar, como está previsto, um subsídio de reintegração, para que eu me reintegrasse na atividade profissional de advogado. Não concordo com este sistema, já na altura fui contra — porque eu concorri contra o Dr. Marinho Pinto em 2007 e foi ele o primeiro a lançar essa posição — e devo dizer que continuo a ser. Não mudei de opinião. O que não quer dizer que outros colegas não tenham outra. Todos os meus candidatos adversários queriam exercer o cargo em exclusividade, deixar de ser advogado e ficar a trabalhar para a Ordem. Os colegas escolheram-me a mim, por isso vai ser essa a opção que vou tomar.
[A entrevista na íntegra ao bastonário da Ordem dos Advogados:]