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Christine Lagarde vai, esta quinta-feira, presidir a mais uma reunião do Conselho do BCE, a primeira de 2024

Bloomberg via Getty Images

Christine Lagarde vai, esta quinta-feira, presidir a mais uma reunião do Conselho do BCE, a primeira de 2024

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BCE prepara inversão de marcha, com inflação a cair. Era (mesmo) preciso ter subido tanto as taxas de juro?

Criticada por reconhecer tarde o surto inflacionista, em 2021, Lagarde está agora a ver a inflação a recuar. Foi mérito do BCE? Ou os preços teriam caído mesmo sem uma subida dos juros tão agressiva?

A subida da inflação, que começou ainda em 2021 e acelerou em 2022 com a invasão da Ucrânia, poderá ter sido, afinal, apenas “temporária” – mesmo sendo um período “temporário” invulgarmente longo. O ritmo de subida dos preços baixou, a inflação está perto da meta, e o BCE já está a preparar uma primeira descida das taxas. Olhando para trás, economistas dizem que o surto inflacionista foi causado, sobretudo, por um choque na oferta – ou seja, dificuldades no fornecimento de bens e serviços – e nessas situações, em teoria, não é subindo agressivamente os juros que deve atacar o problema. Terão o BCE e outros bancos centrais ido longe demais, sem necessidade, com a maior subida de sempre nas taxas de juro?

Christine Lagarde vai, esta quinta-feira, presidir a mais uma reunião do Conselho do BCE, a primeira de 2024. Mário Centeno não vai ter direito de voto nesta reunião, devido ao sistema rotativo do Banco Central Europeu (BCE). Mas o ponto de partida para a reunião já foi marcado pela entrevista que a presidente do BCE deu à agência Bloomberg na quarta-feira, à margem dos encontros de Davos: “Quando alguns dizem que é provável [que os juros comecem a descer no verão] eu também acho que é provável“.

É “provável” que o BCE corte as taxas de juro no verão, diz Christine Lagarde

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Apesar de a declaração falar em descidas de juros (algo que os mercados financeiros costumam ver com bons olhos), o comentário de Lagarde acabou por não ser bem recebido nas bolsas porque nas semanas anteriores se tinham intensificado as expectativas de que o primeiro corte da taxa de juro na zona euro até podia chegar mais cedo, em março. Mas seja em março, em junho ou noutro momento, o que parece ser evidente aos olhos dos investidores é que a inversão de marcha está em curso – não só na zona euro como, também, nos EUA.

E é sobretudo nos EUA que alguns defendem que o facto de os bancos centrais já estarem a preparar descidas nas taxas de juro, tão pouco tempo depois de as terem subido, é um sinal de que podem ter ido longe demais – porque as pressões inflacionistas podem mesmo ter sido, defendem alguns economistas, apenas transitórias. Um deles é Paul Krugman, laureado com o Prémio Nobel da Economia de 2008.

“Os economistas que defenderam que o surto inflacionista de 2021-22 era apenas transitório, causado pelas perturbações associadas à pandemia de Covid-19 e à invasão russa da Ucrânia, parecem ter acertado“, escreveu Paul Krugman, Nobel da Economia na sua coluna de opinião no The New York Times. Krugman esteve sempre ao lado daqueles que consideraram que o fenómeno era apenas transitório – “a questão é que essas perturbações revelaram ser maiores e mais duradouras do que se acreditava, o que fez com que ‘transitório’ acabasse por significar anos, em vez de meses“.

Primeira reunião do ano. BCE deve manter os juros inalterados

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A expectativa consensual entre os analistas é que, nesta quinta-feira, o Conselho do BCE não irá fazer quaisquer mexidas nas principais ferramentas de política monetária, como as taxas de juro. “Esperamos que a reunião de política monetária de quinta-feira confirme a posição prudente do BCE”, diz Franck Dixmier, diretor global de investimentos em obrigações do Allianz GI.

“O BCE deve reiterar que só iniciará um ciclo de redução das taxas quando estiver completamente confiante de que a inflação vai regressar ao seu objetivo de estabilidade de preços de 2% numa base sustentável”, diz o especialista, acrescentando que essa “confiança completa” ainda não existe hoje.

Nos mercados financeiros, os investidores dividem-se entre aqueles que acham que a primeira redução virá em junho e os que acham que vai ser mais cedo, em março. A confirmar-se este último cenário isso significará que a taxa de juro na zona euro terá ficado no “pico” durante seis meses – já que a última subida, para os atuais 4%, aconteceu em setembro de 2023.

O que levou, afinal, a inflação a cair?

Para Krugman, “o que aconteceu em 2023 foi que a economia finalmente resolveu as suas irregularidades pós-pandémicas” e foram atenuados os problemas relacionados com as cadeias de abastecimento – os mesmos problemas que contribuíram para o tal choque de oferta que alguns economistas dizem, hoje, ter sido a principal razão por detrás do surto inflacionista.

Mike Konczal, diretor da área de investigação macroeconómica do Roosevelt Institute, analisou a desinflação que existiu nos últimos meses e concluiu que ela foi sobretudo conseguida graças a uma expansão do lado da oferta (de bens e serviços, o que os tornou mais acessíveis).

Em termos simples, uma subida dos preços pode desacelerar quando acontece pelo menos uma de duas coisas: quando aumenta a quantidade e/ou a acessibilidade dos bens ou serviços ou, em alternativa, quando existe uma procura menor (que obriga os fabricantes de bens e prestadores de serviços a comprimir as suas margens e baixar os preços). Para Mike Konczal, embora os dois fenómenos tenham ocorrido, foi muito mais importante o primeiro.

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Mário Centeno faz parte do Conselho do BCE mas não terá direito de voto na decisão final, devido ao sistema de rotação que existe no banco central.

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Na conclusão do seu estudo, Konczal diz que embora continuem a existir riscos, “até ao momento, a história da inflação é exatamente a de uma ‘aterragem suave‘”, o melhor cenário possível após um período em que as taxas de inflação não só chegaram a níveis elevados como pareciam ser difíceis de domar sem causar uma recessão grave na economia.

Foram resolvidos os choques de oferta“, isto é, aqueles que foram provocados pela guerra, pela pandemia e pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento, “e verificou-se uma redução [apenas] leve da procura“, destaca Mike Konczal, tentando explicar por que razões é que a inflação “caiu de forma dramática, sem que isso tenha envolvido um impacto para o nível de emprego”.

Nos EUA e na Europa, as taxas de desemprego não subiram como se poderia prever, tendo em conta que os juros elevados estão, deliberadamente, a restringir a procura económica. A taxa de desemprego nos EUA mantém-se num nível historicamente baixo – 3,7% – e também não subiu de forma expressiva na zona euro (6,4% em novembro). É neste contexto aparentemente benigno que Mike Konczal recomenda aos responsáveis políticos que, nesta fase, “tenham uma atitude paciente e deem tempo para que saiam mais dados económicos”.

Paul Krugman é um pouco mais acintoso. “As mesmas pessoas que estiveram erradamente pessimistas em relação à inflação são as mesmas que, agora, avisam a Reserva Federal [o banco central dos EUA] de que não deve cortar as taxas de juro demasiado cedo”, afirma o Nobel da Economia, rematando: “A recessão parece-me ser um risco maior do que um novo aumento da inflação. E receio que esse risco (de recessão) irá tornar-se ainda maior se os responsáveis políticos derem ouvidos àqueles que não querem admitir que erraram na análise do surto inflacionista”.

“Se o BCE tivesse parado em 2%, a inflação não estaria controlada”

A ideia de que a resolução “natural” dos problemas na oferta de bens e serviços foi muito mais importante para baixar a inflação do que as subidas agressivas dos juros não é, porém, totalmente consensual. Ricardo Reis, economista e professor da London School of Economics, tem uma posição diferente: “Certamente que sim, as melhorias do lado da oferta ajudaram a baixar a inflação, mas sugerir que a resposta que foi dada pela política monetária não teve um contributo importante vai contra toda e qualquer ciência económica que eu conheço”.

Mas seria necessário levar as taxas de juro até níveis tão elevados, tão rapidamente? Será que, como parecem sugerir os economistas norte-americanos, os bancos centrais podiam ter subido menos os juros e teríamos obtido uma descida da inflação semelhante à que temos? Ricardo Reis tem muitas dúvidas: “tentar responder a estas perguntas é difícil” mas a sua “visão pessoal” é que “se o BCE tivesse parado as subidas dos juros em 2%“, por exemplo, “considero que hoje a inflação subjacente não estaria controlada e estaria acima de 5%“.

A referência de Ricardo Reis à “inflação subjacente” está relacionada com o cálculo da inflação que exclui os elementos mais voláteis como os preços dos bens energéticos e os alimentos não processados. É a este indicador que o BCE presta mais atenção porque reflete melhor até que ponto as pressões inflacionistas se estão a alastrar na economia, nomeadamente através de exigências salariais mais “desligadas” do crescimento da produtividade. A inflação (global) na zona euro subiu em dezembro para 2,9% mas a inflação excluindo esses itens mais voláteis foi medida em 3,9%.

Saudades de Draghi. Funcionários do BCE reprovam liderança de Christine Lagarde

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“Mario Draghi estava cá para servir o BCE e, agora, o BCE parece estar cá para servir Christine Lagarde“, escreveu um funcionário do banco central numa sondagem anónima que é feita anualmente em Frankfurt e cujas conclusões foram noticiadas esta semana pelo jornal Politico.eu.

O estilo de liderança de Christine Lagarde, que lidera o BCE desde 2019, não é muito apreciado pelos milhares de funcionários do banco central, de um modo geral. Essa é a conclusão desta sondagem que é promovida por um sindicato de trabalhadores do BCE, com respostas de 1.159 pessoas (num universo de cerca de 4.500).

A vasta maioria não considera que Lagarde seja a pessoa certa para o cargo, com 50,6% dos inquiridos a considerar o seu trabalho “fraco” ou “muito fraco”. Em contraste, quando Mario Draghi saiu do BCE a mesma sondagem indicava que estas classificações negativas eram dadas por menos de 20% dos inquiridos.

Por outro lado, 28,8% dos inquiridos consideravam a liderança do italiano “extraordinária“, mais 25,7% “muito boa” e 21% “boa”. Já Lagarde tem pouco mais de 20% que consideram a sua liderança “boa”, “muito boa” ou “extraordinária”. A perceção prevalecente é que a ex-ministra das Finanças francesa poderá estar no BCE com o objetivo de regressar à política.

“Christine Lagarde é descrita, globalmente, como uma líder autocrática que nem sempre age de acordo com os valores que proclama”, escreve o sindicato no resumo das conclusões do estudo. Os níveis de stress e excesso de trabalho terão subido sob a liderança de Lagarde, com alguns trabalhadores a criticarem também o que dizem ser uma aversão ao teletrabalho e pouca transparência nos processos de contratação.

O economista-chefe do BCE, Philip Lane, estimou há cerca de um ano que por cada subida de um ponto percentual na taxa de juro promove-se, em média, uma descida de 0,3 pontos percentuais na taxa de inflação. Assim, a fazer fé neste exercício teórico do BCE, Martin Wolburg, da Generali Asset Management, afirma que “se o BCE tivesse parado de subir os juros a meio caminho, ficando-se pelo 2%, então a inflação seria pelo menos meio ponto percentual mais elevada” – ou seja, a inflação (subjacente) poderia estar acima de 4,5%.

Nesse cenário, muito menos tranquilizador do que aquele que existe na realidade atual, “provavelmente estaria bem distante qualquer debate sobre cortes da taxa de juro“, diz Martin Wolburg, acrescentando que “os riscos de segunda ordem seriam muito mais perigosos”. “Riscos de segunda ordem” são aquilo que os economistas definem como a espiral inflacionista que se gera quando a subida dos preços alimenta mais subida dos preços, designadamente pelo efeito das negociações salariais que procuram ser compensadas pela inflação e podem acabar por alimentá-la ainda mais.

É à luz da incerteza sobre essas negociações salariais que Martin Wolburg diz que “o problema da inflação ainda não está resolvido“. “Embora seja razoável prever que as pressões inflacionistas subjacentes continuem a atenuar-se, ainda existem muitos fatores de incerteza, e se as negociações salariais para 2024 resultarem em grandes aumentos então isso pode impedir que a inflação subjacente continue a cair e a aproximar-se do objetivo”, diz o analista. As tensões no Médio Oriente também “vão fazer com que o BCE seja mais cauteloso”, no que a eventuais cortes de taxa de juro diz respeito, acrescenta.

Também Ricardo Reis avisa, num contraste com Krugman, que a inflação continua a ser um risco para as economias ocidentais: “o problema da inflação está resolvido no sentido em que já se corrigiram os erros cometidos no passado. Mas é importante não cometer novos erros, como reduzir as taxas de juro demasiado cedo e correr o risco de gerar um novo problema inflacionista – algo que, tendo em conta o que se passou nos últimos dois anos, seria muito nocivo”.

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