Um luta para entrar, outro para não sair. A bipolarização entre PS e PSD, em 2019, atirou o Bloco de Esquerda para fora do parlamento regional e a CDU, apenas com mais 88 votos, conseguiu manter a representação com o seu rosto mais conhecido no arquipélago, o antigo padre vermelho Edgar Silva. As sondagens apontam agora para um crescimento do BE nas eleições de domingo (que até pode eleger um grupo parlamentar) e para a hipótese da CDU sair do hemiciclo. Ambos os partidos garantem ao Observador que não são adversários diretos, mas nesta história há rostos nacionais e até oligarcas russos ao barulho.
Uma leitura de resultados mostra que o PCP ficou sempre à frente do Bloco de Esquerda em eleições regionais, mas aconteceu um fenómeno paralelo: desde 2005, o Bloco tem sempre excelentes resultados na região para as legislativas nacionais, fica sempre à frente do PCP na região e até elegeu um deputado à Assembleia da República pelo círculo da Madeira em 2019.
Isto significa que os madeirenses gostam das lideranças nacionais do Bloco de Esquerda e isso levou a que estrategicamente Catarina Martins já esteja pela segunda vez na Madeira a fazer campanha no espaço de uma semana. O mesmo acontece com a líder Mariana Mortágua, que foi a Lisboa participar no debate da moção de censura, mas vai voltar à região para fazer combate político. São trunfos eleitorais, na leitura bloquista (“Numa campanha difícil, ajuda muito”, reconhece o candidato do BE, Roberto Almada).
O Dubai da Madeira e os oligarcas russos
Em Câmara de Lobos, na principal ação em que a líder participou, Mariana Mortágua, atacou, sobretudo, o governo regional do PSD, definindo como principal objetivo eleitoral bloquistas “estar no Parlamento regional a fazer oposição a Miguel Albuquerque.”
A coordenadora do Bloco de Esquerda acusou Miguel Albuquerque de ser um “promotor imobiliário para estrangeiros ricos” e fez uma espécie de name-dropping de projetos de habitação de luxo em construção, com a mira apontada ao grupo Pestana, ao grupo Savoy e a CR7. E, de imediato, questionou a sala: “Alguém tem dinheiro para viver nas casas?” E a sala responde: “Não”.
Mas o aspeto mais particular da declaração de Mariana Mortágua foi quando atacava a defesa dos vistos gold por parte de Miguel Alburquerque. Apesar das sanções internacionais, a líder do BE diz que este instrumento promove a corrupção e ajuda a esconder o “dinheiro sujo dos oligarcas russos“. E colocou ênfase na palavra “russos“.
Ora, a expressão pode ser lida como um ataque à CDU (já que o PCP tem uma posição mais alinhada com a Rússia na Guerra da Ucrânia), mas o candidato do Bloco de Esquerda, Roberto Almada, garante ao Observador que não era nenhuma indireta para os comunistas. “Não era de maneira nenhuma [um ataque ao PCP]. Era mesmo para os oligarcas russos que compraram hotéis na Madeira. E por o PSD estar a criar um Dubai da Madeira.”
No dia seguinte, questionado pelo Observador, o candidato da CDU disse não perceber a referência de Mariana Mortágua. “Não faço ideia do que ela esteja a falar.” E questionava com alguma indignação: “O que é que nós temos a ver com os russos?”
Apesar de ser a primeira eleição em que os comunistas vão a votos após a Guerra na Ucrânia, Edgar Silva desvaloriza qualquer perda de eleitores na região relacionada com a posição do PCP no conflito. Enquanto olha para o recorte das montanhas que cercam o Curral das Freiras, Edgar Silva garante ao Observador: “No meio destas montanhas, as pessoas querem saber é se há saneamento básico, se têm transporte, se têm uma intervenção capaz de combater a precariedade do trabalho. Aqui as pessoas querem saber as questões concretas.”
Quanto à pequena liga entre ambos, se Edgar Silva diz não se sentir ameaçado pelo Bloco de Esquerda (“só nos preocupamos em recuperar o voto útil”), Roberto Almada também não alimenta uma competição: “A CDU tem a sua estrutura, o seu trabalho, é também importante para a democracia. Não temos qualquer animosidade com esse partido.”
Coligação de esquerda tão provável como um “foguetão para ir à Lua”
PCP e BE foram fortemente prejudicados pela ideia, em 2019, de que Paulo Cafôfo podia afastar o PSD do Governo. Edgar Silva lembra ao Observador que há quatro anos os comunistas enfrentaram “o ato eleitoral mais complicado de que há memória porque, de facto, a bipolarização foi muito forte” e houve uma “dramatização do voto para a ideia que foi criada de que o PS iria representar a mudança”.
É também por isso, por ainda estar a viver o trauma de 2019, que a esquerda não quer alimentar muito a conversa de coligações pós-eleitorais, mas como a política tem surpresas também não as descarta. O candidato do BE, Roberto Almada, é mais claro e começa por definir uma linha vermelha: “Nunca nos coligaremos ou faremos acordos ou entendimentos com partidos de direita.” E concretiza mesmo: “Se, no dia das eleições, PS e PSD tiverem votação mais equilibrada [que permita à esquerda ter uma solução de Governo], o BE não faltará a essa discussão.”
Já o PCP é mais cauteloso: não rejeita integrar uma solução dessas, mas só se pronuncia com dados concretos em cima da mesa. “A intervenção política não é uma variante da astrologia”, diz Edgar Silva. Que ainda complementa: “Na política não há se’s, ou há ou não. É como dizer, se conseguir um foguetão para ir à Lua…”
Para ambicionarem ser Governo precisam, claro, de votos. As sondagens dizem que a CDU terá dificuldade em eleger, mas que o Bloco de Esquerda está confortável e pode chegar aos dois eleitos. Isso seria uma nova realidade no histórico das eleições regionais: nunca o BE ficou à frente do PCP. Roberto Almada diz que “é melhor ter boas sondagens do que más sondagens”, mas deixa o aviso de que “é melhor ter os pés bem assentes no chão.”
Na estratégia para chegar lá, em termos de mensagem, o Bloco tem-se centrado na habitação e na proposta de um teto máximo para as rendas na Madeira. No caso da CDU, a ideia é mesmo vincar junto do eleitorado que os trabalhadores só têm uma voz no parlamento regional se votarem em Edgar Silva.
Difícil será fazerem pior do que em 2019, quando estes dois partidos apenas conseguiram 5.066 votos (2577 da CDU, 2489 do BE) contra 11.910 que tinham tido em 2015 (7.060 da CDU, 4.850 do BE). Ou seja: ambos perderam 6.844 votos: o PCP perdeu 4.483 votos e o Bloco de Esquerda 2361. Ao mesmo tempo, o PS cresceu 36.633 votos nessas eleições, em parte à custa de eleitorado tradicional destes dois partidos.