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São milhares de quilómetros percorridos, horas mal dormidas e o cansaço levado ao limite. Todos os dias chegam aos portugueses horas de peças televisivas, outros tantos de peças de rádio e milhares de caracteres de textos em papel e online sobre a campanha. Mas nem tudo cabe aí. Há uma outra campanha por detrás do que é mediático e imediato e histórias infinitas — que só quem está na estrada pode contar. António Costa não dispensa a presença da mulher, com quem se chega a isolar só para comer sandes no jardim, levou parte do gabinete com ele (forçado a umas férias pouco paradisíacas), trata de assuntos de governação a partir do hotel e ouve sinfonias de Beethoven nos headphones enquanto lê telegramas diplomáticos num avião. Já Rui Rio tem uma mulher toda poderosa na comunicação que lhe tolha acesso a outros Zé Albinos, segue num “Domingão” ambulante pelo país com toques de Parque Mayer e ligou o modo de português suave.
Mas as histórias não acabam na piscina dos grandes Rio-Costa. Os bastidores contam muito sobre as nove campanhas de partidos que conseguiram a eleição em 2019. Catarina Martins dispensa momentos folclóricos, por oposição ao Emanuel que anima o PSD ou ao Nel Monteiro que anima o PS de Costa e Pedro Nuno em Aveiro. A comitiva do Bloco testa-se diariamente e faz análises fora de horas da cobertura jornalística da sua campanha (e das outras) já no recato dos quartos de hotel.
O PCP mantém a estrutura de sempre, mas a troika de cabeças de campanha (Oliveira, Ferreira, Jerónimo) tira horas de sono aos motoristas, os “camaradas ao volante” que — forçados pelas circunstâncias — tiveram de fazer piscinas entre várias zonas do país. Já no CDS, é o luso-búlgaro Alekzandar que comanda as tropas que não cessam de gritar que Portugal-é-Jota-Pê. Na comitiva do PAN, saltam à vista os carros híbridos e a dificuldade que existe em encontrar restaurantes vegan fora das zonas urbanas (onde o PAN pára pouco).
Por falar em referências animalescas, o staff do Chega utiliza animais como nome de código enquanto comunica fazendo uso de auriculares e a preocupação com a segurança do líder é permanente. A campanha tem sempre, ironia das ironias, Mercedes à porta (é essa a marca dos carros da comitiva). A Iniciativa Liberal tem, por oposição, um autocarro, a que chamou de votocarro, embora o núcleo duro caiba numa simples van. O partido de Cotrim Figueiredo preparou os debates numa sala alugada só durante a campanha, onde se realizam simulações de debate com a ajuda de um quadro branco magnético. Spoiler alert: daqui a uns parágrafos há piadas sobre “Rio e Chicão”.
Rui Tavares, do Livre, não anda muito pelas ruas, e prefere recorrer às redes sociais para espalhar a mensagem. Faz essa aposta não só no Twitter, Facebook e Instagram, mas também no Tik Tok, onde conseguiu tornar viral um vídeo do debate com Ventura. Eis os bastidores de uma campanha antecipada.
PS. O candidato, a mulher e algum Beethoven
A saída de um comício é sempre algo apoteótica. Em Braga, depois de António Costa ter discursado no imponente Theatro Circo, não foi diferente: Nessun Dorma, de Puccini, bem alto, bandeiras e punhos levantados e o líder sai pela coxia central no meio da euforia total até à porta. Anda uns metros na rua ainda nas despedidas finais, mas depois é só ele e Fernanda Tadeu, a sua mulher, a caminho do carro de mão dada.
António Costa tem uma vasta equipa à volta nesta caravana nacional do PS, mas há um elemento que não tem dispensado ter ao lado na estrada eleitoral, a mulher. Em arruadas intensas é frequente vê-lo à procura de Fernanda: “Tenho de encontrar a minha mulher?”; “Viram a minha mulher?”; “Nanda!”. Fernanda Tadeu, educadora de infância reformada, tem sido presença constante neste período de campanha oficial, mesmo nas arruadas mais intensas, e isso não foi fruto de qualquer aconselhamento de imagem, segundo conta um dos membros da sua equipa. Foi uma opção do próprio, de “conforto mútuo” num período de especial intensidade e pressão na vida de um político de primeira linha, descreve a mesma fonte.
Foram raras as vezes em que não esteve nas ações do líder socialista desde que este começou a somar quilómetros pelas estradas do país. Não foi à Madeira nem aos Açores e também dispensou a arruada de Coimbra ou de Santa Catarina, no Porto. De resto, pouco saltou. Costa não gosta que a mulher fique de lado nestas situações, mas Fernanda Tadeu é reservada e tenta, sempre que pode, ficar fora dos holofotes. Em Évora, em pleno arranque de obra do Hospital Central do Alentejo, o socialista preparava-se para falar aos jornalistas sobre a palavra honrada ali no distrito, quando olhou em volta e fez, discretamente, um sinal à mulher para que se aproximasse dele, que estava junto ao microfone. Fernanda não quis, deu a volta e foi para a última fila, quase atrás do cartaz que fazia de cenário.
No carro, Fernanda foi a sua companhia e, por diversas vezes, furaram a caravana para se afastarem para um almoço ou jantar a dois. Por exemplo, quando no meio de um intenso fim de semana a norte nem houve tempo para parar para almoçar, entre a arruada das Caxinas e a de Guimarães, o Citroen ds 7 híbrido em que Costa se desloca parou num jardim local e os dois estiveram a comer sandes.
Numa campanha que passa à margem do famoso roteiro da carne assada, sem almoços ou jantares-comício, o candidato que também é primeiro-ministro tem menos momentos de contacto profundo com o aparelho. A caravana acaba por saltar de terra em terra, comício em comício, com Costa mais do que numa bolha. Vai essencialmente no carro com a sua mulher, o motorista e um segurança. Num carro atrás seguem mais elementos do destacamento de Segurança Pessoal do primeiro-ministro e outros já foram à frente para passar a pente fino o local da iniciativa seguinte.
Os assessores, secretária pessoal e restante equipa vão noutro carro, bem como o diretor de campanha Duarte Cordeiro. A agenda foi programada antes de a caravana sair para a estrada, mas há acertos ao longo do percurso — na mensagem política nem se fala, sempre pressionada por aquilo que Costa vai encontrando na rua mas também pelas sondagens . No início da segunda semana, Cordeiro explica que aligeirou a agenda do secretário-geral. Além de estar o candidato na estrada também está o primeiro-ministro e, ainda nesta quinta-feira de manhã, depois de uma arruada em Fafe, o socialista voltou ao Porto para despachar assuntos do Governo a partir do hotel em que esteve hospedado nesses dias, o Sheraton.
Quando regressou dos Açores, onde escolheu arrancar a campanha no dia 16 de janeiro, Costa veio num voo da SATA (para lá tinha ido na companhia low cost Ryanair), na primeira fila da classe económica, de headphones postos, a tocar uma sinfonia de Beethoven, concentrado em faxes de embaixadores que tinha para ler. Ao seu lado, Duarte Cordeiro e Mariana Vieira da Silva, que o acompanharam nestes dias, vinham também de computadores ligados a trabalhar. Nem mesmo quando o piloto informou que faltavam poucos minutos para a aterragem e era preciso começar a desligar os aparelhos eletrónicos Costa se moveu um milímetro. Estava absolutamente concentrado. Quando o avião aterrou foi o primeiro a sair para a pista onde já o aguardava uma carrinha que o transportou até à gare escoltada pela PSP.
Para a Madeira, dois dias depois, viajou na TAP, ida e volta, e foi a ler jornais. Inaugurou um hábito nesta campanha que passa por fotografar os sítios onde vai, com os líderes partidários locais, enviando as imagens para um grupo de Whatasapp que tem com todos os cabeças de lista nestas legislativas. Quando aterra na Madeira, apesar de uma aterragem apenas à segunda tentativa, António Costa vai distraído a fotografar as nuvens densas e o desenho da ilha que já se vê lá em baixo, através da janelinha do avião.
As reuniões de acerto de estratégia acontecem sobretudo quando dorme fora, com a equipa no hotel onde está hospedado. É nessas altura que Duarte Cordeiro aproveita para passar a agenda em revista com o líder, conferir oradores, afinar paragens. A estratégia passou por “ir em crescendo”, tentando dar a ideia de uma onda de mobilização ao deixar para a segunda metade da campanha os distritos mais populosos. Na primeira semana, quando Costa ainda teve debates e entrevistas, a caravana socialista passou pelo Sul do país e, mais perto do fim de semana do meio da campanha subiu para o Norte com arruadas fortes e o PS a apostar em localidades onde tem o poder — em duas delas até o poder absoluto que Costa gostaria de ter no Parlamento, caso de Vila Nova de Gaia e Matosinhos, onde a presidente de Câmara Luísa Salgueiro foi até acusada pelo PSD de mobilizar serviços municipais para encher o mercado onde esteve Costa num contacto com a população muito significativo.
Depois há também os momentos de acerto da mensagem política que se quer passar. Nesta campanha foi visível uma viragem. Costa arrancou apostado na maioria absoluta e num instante as sondagens tudo mudaram. Passou antes a promover a sua capacidade de diálogo. A todo o momento, a caravana foi conhecendo e comentando de forma mais privada os números das sondagens que iam saindo. Em Reguengos, a meio da primeira semana, foi quando recebeu a notícia de uma sondagem que a RTP ia divulgar e que mostrava um empate técnico e foi visível a preocupação em alguns elementos da comitiva de Costa. Consigo tem, além de Cordeiro e Vieira da Silva, a presença constante de Tiago Antunes que é, no Governo, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.
Já o líder socialista mantém-se impávido e o susto das sondagens vê-se sobretudo no empenho na rua — que não é o seu palco forte. No fim de semana teve mesmo de se pôr em campo, sobretudo porque estava a ombrear com Rio não só nas sondagens, mas também nos distritos percorridos naqueles dias. O socialista, que não tem a melhor das famas de ser eficaz em campanha, até subiu ao capot do carro, mal chegou a Guimarães, para acenar à multidão que o esperava e que o PS sabia que seria comparada à que horas antes tinha estado ali, na mesma cidade, a apoiar o líder social-democrata. Em Viana do Castelo até deu uns passos de vira e no dia seguinte, em Matosinhos, outra vez uns saltinhos no folclore. Mas esse não é o estilo de Costa, que já confessou não morrer de amores por abordar as pessoas na rua, temendo essa invasão. Há uma timidez que era mais visível, ainda assim, em 2015, quando enfrentou umas legislativas na linha da frente pela primeira vez.
Nesse tempo quase pedia licença para cumprimentar as pessoas na rua, ia a medo. Agora, o estatuto é outro, como já era em 2019, não há quem não reconheça. Ainda que Maria de Fátima, que em Matosinhos deu com os bombos quando ia apenas comprar nabiças, confidencie ao Observador que Costa “é mais gordinho do que na televisão, tem a cara mais larguinha”. Em tempo de máscaras, o sorriso vê-se no franzir dos olhos e Costa é tudo o que vai fazendo pelas ruas, amuralhado por seguranças e jornalistas que tenta furar aqui e ali para chegar ao pé de alguém que quer cumprimentar. É um dos pontos que mais o aflige nas arruadas, que esse muro esteja tão em cima. Vai sempre pedindo espaço para poder circular à vontade, mas a tarefa é muitas vezes inglória e mais facilmente é abordado por quem se aventura a furar a corrente e chegar ao líder socialista.
Para quem consegue, Costa tem uma tirada-base: “Então? Tudo bem? Muito bem!” Outras vezes o contacto passa do simples cumprimento e da selfie. Há quem aproveite para deixar queixas ao primeiro-ministro, afinal não é todos os dias que passa à porta, e aí Costa ouve e tenta sempre responder com a sua ladainha de argumentos a favor do voto no PS. Há também momentos em que tem de ter outra conversa — esta inteiramente nova em campanha para o líder — que é avisar as pessoas sobre o correto uso da máscara. “Puxe mais para cima”, vai dizendo a quem se entusiasma quando o encontra e fica de nariz desprotegido a falar com ele. Nos caso em que alguém tenta aproximar-se sem máscara, os próprios seguranças dão esse toque.
O factor-Covid vira do avesso estes dias e, no caso de Costa, isolou-o consigo mesmo. Já tem a terceira dose da vacina, mas os tempos são o que são. Se na última campanha andou muitas vezes numa carrinha onde, além da mulher, chegaram também a seguir os filhos e outros membros do staff, desta vez foi só mesmo com Fernanda Tadeu.
Mas não foi só Covid. Há uma parte que é opção. A campanha foi totalmente centrada em António Costa, sem figuras socialistas de proa. Apareceram dirigentes e autarcas locais, nos distritos por onde passou, e governantes que são cabeças de lista. Só mesmo no final é que vai juntar à campanha Manuel Alegre, Sampaio da Nóvoa e também Francisco Assis, num raide final que não espelha nada do que foram os 15 dias. A campanha mais disputada das últimas que fez é aquela em que circulou mais solitário. A vitória ou a derrota, uma delas será apenas e só sua.
PSD. A campanha baunilha em modo português suave
“Já não consigo ouvir mais falar de gatos, credo”, exaspera Florbela Guedes, assessora, mulher na sombra de Rui Rio e uma das figuras mais poderosas do rioísmo. Manhã tranquila em Beja, o líder social-democrata está a chegar ao fim do passeio pelo centro histórico, cruza-se com um veterinário com quatro gatinhos na montra. Os repórteres de imagem posicionam-se estrategicamente para apanhar o dono do Zé Albino a espreitar outros espécimes. Florbela não quer, Rio não pára, o momento não existiu. Uma campanha com gatinhos, mas nem tanto.
As referências ao gato Zé Albino começaram por resultar de um improviso de Rio, desprovido de qualquer sentido estratégico. Um dos altos dirigentes do partido encolhe os ombros em conversa com o Observador. “Não procuremos explicação política para tudo”, diverte-se. Ainda assim, se um marciano aterrasse na campanha eleitoral, ficaria convencido de que as legislativas estavam resumidas a um concurso de beleza para animais.
Não estavam e o que nasceu como improviso tornou-se rapidamente uma arma política para compor a estratégia: fazer desta uma campanha baunilha, simples, confortável, sem aventuras, que não chateia nem hostiliza ninguém, que não assusta, pensada para seduzir o eleitorado moderado e para dar a Rio um brilho mais popular, de homem do e pelo povo.
Tudo começou ainda antes do período oficial de campanha. A maratona de debates foi preparada com esse mesmo racional: à exceção do frente a frente com André Ventura (que correu assumidamente mal), em todos os outros o objetivo foi não atacar ninguém e preparar o terreno até ao duelo decisivo com António Costa. O empurrão da vitória surpreendente nas diretas contra Paulo Rangel e o desempenho positivo no frente a frente com o socialista, foram o início e fim do ciclo. Os homens de Rui Rio começaram a acreditar aí que a vitória estava mais perto do que nunca.
“Sabíamos que era importante chegarmos ao debate com António Costa sem queimar a nossa imagem. A partir daí, tudo o resto foi para compor o boneco”, concede um dos estrategas de Rui Rio, referindo-se ao carnaval da campanha, com as bandeiras, bombos, concertinas, megafones e arruadas da praxe, mais o camião gigante, as rábulas humorísticas, o músico Emanuel e as suas quatro bailarinas de lantejoulas. Rui Rio fez desta campanha um “domingão” ambulante pelo país à espera de ter um domingão eleitoral a 30 de janeiro.
O que nunca acreditaram, nem mesmo os mais otimistas dos conselheiros do líder social-democrata, foi que António Costa cometesse “tantos erros” e que as sondagens virassem tão cedo. “Achávamos que só na segunda metade da segunda semana da campanha é que isto ia virar”, diz, com alguma surpresa à mistura, um dos operacionais de Rio. O facto de ter chegado mais cedo ajudou a alimentar a perceção política e mediática de que os ares do tempo tinham mudado, a reforçar a narrativa que Rio quis impor (António Costa estava tão “desesperado” que desatou a “jogar feio”) e a acentuar o discurso de vitimização.
“A história do ‘nazizinho’ fez-nos um favor enorme”, regozija-se um dos altos dirigentes do partido. A tirada de Rosa Mota, numa ação organizada pelo PS, caiu dos céus e Rio nem teve de se esforçar muito para explorar o embaraço socialista – poucas horas depois, António Costa demarcava-se de forma envergonhada das declarações da antiga atleta. O líder social-democrata nunca mais falou no assunto.
Em muitos momentos, aliás, a estratégia foi assistir de cadeirinha aos acidentes de percurso que ia sofrendo António Costa. Os apelos à maioria que não era absoluta até passar a ser e deixar de ser outra vez, o lavar de roupa suja à esquerda que passou rapidamente a novo namoro, o tom permanentemente hostil do socialista, tudo contribuiu para reconfortar os sociais-democratas.
“A nossa grande dúvida era saber se o cansaço em relação a António Costa era já suficiente para inverter o ciclo. Com a campanha que está a ter, fez-nos um grande favor”, ironiza outro estratega de Rio. Nunca a expressão “fingir-se de morto” teve tanto sentido aplicado a uma campanha eleitoral.
No círculo mais próximo de Rio, aliás, conta-se uma história que ilustra bem o pensamento do líder social-democrata sobre como se ganha um combate eleitoral: num dos grupos de WhatsApp do PSD em que Rio participa, certa vez fez partilhou um vídeo de dois jogadores a jogarem damas; o primeiro, captura quase todas as peças do adversário, deixando apenas uma; o segundo, depois de assistir ao que seria para quase todos um golpe fatal, toma a iniciativa e, com apenas uma peça, derrota sem apelo nem agravo o oponente.
Rio seguiu o guião à risca. Se já em 2019 a campanha tinha sido quase minimal, desta vez o risco foi quase zero. O líder social-democrata teve sempre duas ou três ações por dia – um par de arruadas e uma sessão de esclarecimento temática –, falava aos jornalistas de manhã para abrir os telejornais da hora de almoço, acabava as tais “Conversas Centrais” nunca antes das sete da tarde, a tempo de entrar nas peças dos telejornais da noite, sempre pinceladas pelos magotes de gente que o seguiam, os cafés onde entrava, as lojas, as ervanárias, a conversa de circunstância, o abraço à senhora anónima, o aperto de mão ao senhor anónimo, a festa ao cão anónimo e a fotografia da praxe com gente anónima. A campanha do português suave.
Por trás de tudo isto esteve sempre uma máquina profissional. Houve investimento (o gigantesco camião fazia as vezes de outdoor ambulante e de palco multifunções), a equipa avançada preparava competentemente o terreno para a chegada do líder, Alexandre Rodrigues, o grande operacional de Salvador Malheiro, era um grande dinamizador das arruadas, os jotas mobilizaram-se (Alexandre Poço, líder da JSD, fez toda a volta do líder).
Houve um esforço concertado para compor a mancha humana – Guimarães, naquela que foi até agora a maior enchente da campanha de Rio, as estruturas locais do partido encheram militantes de vários pontos do distrito (Famalicão, Cabeceiras de Basto, Vieira do Minho…) para se juntarem à festa. Esse esforço repetiu-se em vários pontos do país e será ainda mais evidente quando a campanha rumar ao Porto (quinta) e a Lisboa (sexta-feira).
Quando a multidão falhava — Rio teve sempre boas casas, mas nem sempre com lotação cheia — dois seguranças cumpriam o seu papel nesta coreografia: apertavam, agitavam, empurravam para tornar tudo aparentemente mais claustrofóbico, em ruas estreitas o suficiente para afunilar ainda mais o cordão humano. A confusão costuma ser tal que nos contactos com a população a população costuma ser a menos contactada. E também esse efeito é fabricado deliberadamente. A equipa de Rio evita que existam clareiras, gente estranha à bolha mediática e partidária a furar o cordão e demonstrações espontâneas de apoio. O líder agradece: não é exatamente um às a interagir com o povo e dispensa grandes conversas.
Além de Florbela Guedes, a única com o privilégio de partilhar com Rui Rio o Lexus cinzento que guiou o líder social-democrata nos mais de 3000 quilómetros já percorridos, só José Silvano, secretário-geral do partido, nunca arredou pé. Discreto, fumador compulsivo, ia sempre um par de metros à frente da bolha. Sempre à frente do cortejo, atento a tudo, João Montenegro, ex-adjunto de Pedro Passos Coelho, ex-diretor da campanha interna de Santana Lopes, atual secretário-geral adjunto e peça cada vez mais influente no rioísmo, esteve sempre na estrada a controlar os cortejos.
Salvador Malheiro, vice-presidente do PSD e kingmaker com três vitórias no currículo, juntou-se sobretudo a Norte do país, atento a tudo, cumprimentado por todos – importa agradar ao homem mais poderoso do aparelho social-democrata. David Justino, igualmente vice do partido e um dos ideólogos do rioísmo, também apareceu um par de dias. Joaquim Miranda Sarmento, presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD e o mais do que provável ministro das Finanças de Rio, também se viu apertado, empurrado e pisado numas quantas arruadas onde parecia claramente um corpo estranho.
Numa campanha centrada quase única e exclusivamente na figura de Rio, os figurantes mais importantes do universo rioísta foram-se juntando ao longo dos dias. Carlos Eduardo Reis, André Coelho Lima, Graça Carvalho, Cláudia André, Hugo Carvalho, Mónica Quintela, Manuel Pinto de Abreu, Arlindo Cunha, Paulo Mota Pinto ou Ricardo Baptista Leite, todos eles ministeriáveis, apareceram para ajudar Rio a explicar o programa do partido e, sobretudo, para exaltar as qualidades do “próximo primeiro-ministro” de Portugal.
Os adversários internos, mais antigos ou mais recentes, cumpriram religiosamente o “caminho da penitência“, como lhe chegou a chamar um dos membros da comitiva. Paulo Rangel, Luís Montenegro e Carlos Moedas, claro, mas também José Manuel Fernandes (Braga), Bruno Vitorino (Setúbal), Carlos Peixoto (Guarda), Pedro Alves (Viseu), Paulo Leitão (Coimbra), Luís Campos Ferreira (Viana do Castelo), Cristóvão Norte (Faro) e António Leitão Amaro (Leiria), ninguém faltou ao beija mão.
A par do rosto visível da campanha, Rio manteve sempre uma agenda paralela que não era partilhada com a comunicação social. No sábado, dia 22 de janeiro, por exemplo, saiu de Guimarães e, antes de ir almoçar à “Casa Outeirinho”, em Famalicão, com presidentes de Câmara do distrito e candidatos a deputados, fez uma paragem estratégica em Vizela para marcar território – António Costa estaria lá nessa tarde e era preciso neutralizar o adversário. Não foi só sorrir, acenar e fingir de morto. Trabalhou-se muito na sombra. Dia 30 logo se verá com que sucesso.
Bloco. Uma campanha sem segurança mas com uma líder a furar a bolha
O momento repete-se praticamente sempre que os jornalistas se organizam, numa espécie de coreografia diária, em círculo para recolherem as declarações de Catarina Martins. Assim que deteta uma janela de poucos segundos, entre a montagem dos tripés e o tempo de ligar os gravadores, Catarina corre para fora da bolha para conversar com mais calma – e menos foco mediático – com quem estiver na feira que calha visitar nesse dia. E se as pessoas tiverem de esperar que acabe de falar com os jornalistas, pede-lhes desculpa. Se nas outras campanhas se vê Costa a dançar o vira ou Rio a apreciar um concerto de Emanuel, aqui o ritmo é só mesmo o das declarações repetidas quase palavra por palavra, para a mensagem passar melhor, sobre a necessidade de a esquerda se unir e fazer um acordo escrito, ou sobre o “programa escondido” da direita. Não há momentos folclóricos, conversas sobre animais domésticos nem outras “provocações e respostas vazias”. Palavra de Catarina Martins.
Foi numa dessas declarações à imprensa, na segunda-feira, quando abandonava a feira de Espinho, que Catarina foi questionada sobre a entrevista de António Costa à Renascença – aquela em que “mudava a agulha”, como a líder do Bloco pedira, e parava de falar em maioria absoluta para admitir diálogos pós-eleições. Não tinha ouvido a entrevista, nem tal seria possível: à hora a que entrava na feira, ainda não estava publicada. No entanto, assim que a declaração aos jornalistas acabou, a comitiva foi ouvir Costa e registou com satisfação que aquele que considera o dia mais determinante da campanha – domingo, o dia em que Catarina convidou publicamente Costa para uma reunião a 31 de janeiro – surtira mesmo efeito.
A tal comitiva segue dividida em dois carros: uma carrinha onde viaja sempre a líder, acompanhada pelos assessores de imprensa, João Curvêlo e Catarina Oliveira; a responsável pelos conteúdos nas redes sociais, Andreia Reis; o motorista Luís Costa (que também dá apoio logístico); Jorge Costa, o influente dirigente que saiu das listas de deputados para se dedicar a fortalecer o aparelho do partido; e Mariana Mortágua, cabeça de lista por Lisboa, mas presença constante em praticamente todas as visitas de campanha. A direção só se revezou nas idas aos debates televisivos, onde também acompanharam a líder Pedro Filipe Soares e Fabian Figueiredo.
No outro carro, o primeiro a chegar a cada ação e a desbravar caminho pelos corredores das bancas de frutas e legumes, seguem o diretor de campanha, Adriano Campos, e o fotógrafo, Pedro Gomes Almeida. E não há seguranças, pelo que é entre os assessores, o diretor de campanha e Jorge Costa que se definem caminhos e, por vezes, se tenta acalmar algum interlocutor mais exaltado que queira abordar a líder, além de se ouvirem avisos: “A Catarina está sozinha”, “temos de nos manter mais perto dela”.
É também este grupo que está sempre ligado ao Whatsapp, nos grupos de direção do Bloco, e pelo caminho às notícias que vão saindo – a intensidade da campanha é muita e Catarina precisa de reagir a declarações de Costa ou de Rio em quase cada conversa com os jornalistas. Mas esse trabalho também é feito noite dentro: é habitual encontrar a equipa reunida à noite, nos hotéis em que fica hospedada, a ver as peças de telejornal e a comentar o que se passa nas campanhas do lado. Isto enquanto percorre o país sempre com o mesmo modelo de agenda – uma ação cedo, a rondar as 9h ou 10h, numa feira; uma ação ou arruada curta a meio da tarde; e um comício pelas 21h, que costuma resvalar para as 21h30 – pelos maiores distritos (Lisboa e Porto são onde passa mais tempo) mas também por aqueles em que se quer assegurar que mantém a representação por ser o único partido à esquerda do PS que elege lá (casos de Braga, Coimbra, Leiria ou Faro).
Além de todo o trabalho de preparação da mensagem e a aposta na capacidade de reação, acrescenta-se o trabalho logístico que a pandemia veio trazer às mãos dos responsáveis do Bloco. O núcleo que anda com Catarina Martins pelo país testa-se quase diariamente e faz questão de não trocar de carros, embora seja essa a bolha que rodeia a líder e com quem almoça e janta diariamente (não há jantares-comício nem qualquer ação que envolva refeições). Pelo meio, a líder vai picando frutos secos no carro, enquanto acompanha as notícias ou reúne tópicos genéricos para os discursos – é mais raro tê-los escritos e desta vez aconteceu apenas em dois comícios. De resto, Catarina Martins aposta numa dose de improviso.
CDU. A organização exímia que não muda para que a força fique na mesma
Uma carrinha, um carro de apoio, os mesmos motoristas há vários anos. Há equipas de apoio, equipas que fazem de ponte e quem em tempos tivesse entre funções a de assegurar que, entre outros, havia à disposição dos jornalistas uma impressora e papel para o que fosse sendo necessário.
Parece uma visão do século passado, mas a maior parte das funções mantêm-se. Agora, no lugar da impressora com papel há um grupo de Whatsapp onde os ficheiros necessários são partilhados. As mudanças nos hábitos e rotinas não foi no entanto suficiente para alterar a máquina da caravana comunista.
Se há motoristas que “há mais de 10 anos” conduzem o secretário-geral — e nesta campanha os dois substitutos — ou os cabeças de lista pelos vários distritos, também há uma cara nova aqui e ali. Mas as caras novas não implicam mudanças de procedimentos. Se aos olhos dos comunistas tudo corre bem, para quê mudar? Afinal, bem vistas as coisas, o único contratempo que nas últimas campanhas aconteceu chamou-se saúde e nem isso alterou o que quer que seja.
Não está Jerónimo de Sousa? Entra João Ferreira. Não está João Ferreira? Venha João Oliveira. O resto da comitiva na caravana mantém-se e as ações agendadas há vários meses também. Os ajustes aqui e ali nem sequer se devem à troca de personagem principal, diz ao Observador António Rodrigues, também ele já há décadas e décadas um dos homens chave nas caravanas comunistas.
Na sombra do secretário-geral (ou do candidato presidencial que foi João Ferreira) há sempre um homem-chave. Um grilo falante discreto, mas essencial para a coordenação entre o partido e o secretário-geral. Em 2019 Jerónimo de Sousa tinha Jaime Rocha, em 2021 João Ferreira nas presidenciais tinha Francisco Araújo, agora entrou em cena (mas nos bastidores, que o palco nunca é dele) Pedro Massano.
Pedro Massano é assessor do PCP no Parlamento. Vem da área da economia e teve um trabalho mais exigente que os anteriores homens-chave já que teve que se adaptar não só a Jerónimo de Sousa, mas também a João Ferreira e a João Oliveira. Com qualquer um deles surge discreto, em pequenas trocas de palavras com os assessores que fazem a ligação com a imprensa e a passar para as mãos dos candidatos os papéis dos discursos. No caso de João Oliveira esse trabalho foi-lhe poupado já que o cabeça de lista por Évora usou sempre um tablet com uns tópicos para as intervenções. Para compensar, é dos três aquele que mais precisa de beber água durante as intervenções e ninguém faltou nessa tarefa. Nem mesmo em Faro, quando precisou do refill.
No meio de tantas trocas e baldrocas, quem teve a tarefa mais dificultada desta vez foram mesmo os motoristas da caravana. Em deslocações maiores (contando o ponto de partida como Lisboa) além da carrinha de trabalho que transporta o candidato segue também um segundo carro de apoio que pode ajudar na hora de deslocações pontuais ou trocas de motoristas.
Com João Oliveira a dormir em Azeitão, João Ferreira em Lisboa e Jerónimo em Pirescoxe e o ponto de encontro dos motoristas regra geral a ser a sede do partido na Soeiro Pereira Gomes, as horas de sono em algumas noites ficaram diminuídas. Toda a gente sabe que na caravana da CDU não há atrasos. “É sempre preferível chegar cedo e esperar ou dar umas voltas que chegar tarde. Está sempre tudo muito contado, a agenda é exigente”, confirma António Rodrigues.
Além das viagens, aos “camaradas do volante” cabe também assegurar que a carrinha escritório se mantém devidamente limpa e higienizada. Um desses momentos aconteceu enquanto João Oliveira se preparava para a arruada da juventude da CDU. Um dos homens do partido aproveitou o tempo de espera para fazer a desinfeção da carrinha ali perto, na zona da feira da ladra.
Nestes motoristas, os mais antigos são funcionários do partido, habituados às visitas dos comunistas aos vários pontos de contacto por onde passam. Depois, em épocas de campanha eleitoral oficial já nem precisam de GPS para chegar ao destino. Enquanto na parte de trás se vai trabalhando e preparando as ações, quem vai à frente conta só mais uma ronda pelo país. Sempre com deslocações exigentes, só nesta campanha serão mais de 10 mil quilómetros em viagens de e para as ações de campanha divididos pelos “camaradas do volante”.
CDS. Como os ‘jotas’ dão corpo à campanha de Rodrigues dos Santos
Malta, agitem as bandeiras!
Malta, a juntar, a juntar!
É Alekzandar Rodrigues, 27 anos, natural da Bulgária, mas desde os 7 em Portugal (e dos 14 no CDS), quem dá as ‘ordens’ aos colegas da Juventude Popular. E é ele quem, regra geral, segura bem alto o altifalante que toca o hino do partido, cantado por Dina com letra de Rosa Lobato Faria. “Para a voz de Portugal ser maior junta a tua voz à nossa voz… e vamos cantando”, ouve-se uma, outra e outra vez. Tem sido assim todos os dias, com repetições múltiplas (fica quase impossível não trautear involuntariamente).
Alekzandar, dirigente do partido, distingue-se dos colegas da JP. Desde logo pela altura, mas também pela postura. Orienta, diz-lhes como se posicionarem, dá o primeiro grito quando vê que é altura de mostrar apoio (sonoro) ao presidente do partido. Estes jovens têm dado corpo às ações de campanha do CDS, formando uma mancha azul com uma, duas dezenas de apoiantes, dependendo do dia. Chegam antes de Rodrigues dos Santos aos locais, vociferam pelo CDS assim que o líder centrista aparece (já aconteceu com uma hora de atraso). Destes, cerca de quatro (Alekzandar incluído) não arredam pé — têm estado presentes em todas as ações de campanha desde o início. Os restantes vão-se revezando consoante o distrito e a disponibilidade de cada um. São mobilizados pelas diferentes estruturas locais e alguns conhecem-se ali pela primeira vez.
Com um emprego no setor da regulação de mercados energéticos e financeiros, Alekzandar tirou duas semanas de férias só para ali estar. Ao Observador, diz que o faz por gosto, sem qualquer pretensão política. Conta que já passou por várias “gerações” da JP e agora, com 27 anos, já se sente quase como o “mentor” dos mais novos. É também ele quem conduz a carrinha em que viaja o grupo de jovens que acompanha “Chicão” — e que já conta cerca de 5.000 quilómetros feitos.
Os jovens da Juventude Popular são quase como a sombra de Rodrigues dos Santos: almoçam e dormem nos mesmos restaurantes e hotéis, rodeiam-no quando fala aos jornalistas. Nas feiras, nos mercados e nas ruas lá estão os gritos, as bandeiras no ar, a voz de Dina.
A comitiva da JP está em constante sintonia com a direção da campanha, liderada por João Pinto de Campelos, secretário geral-adjunto do CDS, que também marca presença nas ações. Assim como João Paulo Mendes, ex-jornalista que está no CDS desde os tempos de Paulo Portas (entrou em 2009) — e que, nesta campanha, acumula as funções de chefe de gabinete de Rodrigues dos Santos com a de assessor de imprensa.
As tarefas estão bem delineadas: João Pinto de Campelos fica com as mais burocráticas (por exemplo, garantir pagamentos dos jantares); a João Paulo cabe delinear o percurso da caravana e o contacto com os jornalistas. “A lógica foi ir a todo o país, a todos os distritos do continente, quer tivéssemos estruturas locais ou não”, explica ao Observador. Mas há decisões que são tomadas em conjunto. “Reunimo-nos todos os dias, muitas vezes até para cancelar ações, fazer alterações.” Também são eles que recomendam a Rodrigues dos Santos sobre o que falar em cada dia, embora quem tenha a palavra final seja “o presidente”.
Mas Francisco Rodrigues dos Santos parece levar em conta o que lhe dizem: numa ação no mercado da Braga, quando João Paulo Mendes lhe pergunta se as declarações aos jornalistas podem ser feitas naquele momento, o presidente do CDS anui e pergunta: “Falo sobre o quê?”
Quando há imprevistos, João Paulo Mendes e João Pinto coordenam entre si. Aconteceu com uma ação de campanha que estava marcada para esta quarta-feira em Oliveira do Hospital, mas foi cancelada na véspera e substituída por uma visita à feira dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia. Oliveira do Hospital ‘caiu’ da agenda devido a um surto de Covid-19 entre os cerca de 30 elementos da estrutura local que iria receber Francisco Rodrigues dos Santos (alguns positivos, outros em isolamento).
Outra alteração que trocou as voltas dos jornalistas foi um encontro marcado, também na véspera, para Braga com a Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, dias depois de André Ventura ter-se reunido com ex-combatentes — e prometido uma pensão de 200 euros. Coincidência? João Paulo Mendes diz que sim. Até porque Rodrigues dos Santos já se tinha encontrado com a mesma associação de Braga dias antes de Ventura — o encontro é que não foi público. “Ele quis dar visibilidade ao tema e regressar lá. Foi uma coincidência [com o encontro de Ventura]. Entendeu que devia voltar e dar voz a essas reivindicações e propostas.” Coincidência ou não, certo é que o CDS saiu da reunião a defender um “complemento vitalício de dignidade e de gratidão de pensão” de 300 euros mensais.
Os imprevistos não ficaram por aqui. Para esta quinta-feira à tarde, o CDS tinha marcada uma arruada na baixa do Porto, mas o plano mudou (mais uma vez, na véspera): Rodrigues dos Santos vai antes visitar a empresa J&J Teixeira, em Vila Nova de Gaia, porque “o presidente daquela empresa quer muito reunir com ele”. A arruada do Porto não foi cancelada porque o PSD também tem uma marcada para a tarde de quinta-feira? Não, assegura. Embora tenha existido um “contacto informal” para que as caravanas se cumprimentassem. “Houve um contacto informal de alguém da caravana do PSD a sugerir um encontro das duas caravanas porque íamos ter ações de rua”, explica João Paulo. E recusaram? “Foi só um contacto informal, nem chegámos a esse ponto porque entretanto marcámos a visita à empresa.”
A Covid-19 ainda só trocou as voltas no evento em Oliveira do Hospital, diz João Paulo Mendes. De resto, e tendo em conta os beijinhos que tem dado nas feiras, nos mercados, nas ruas ou nos jantares-comício, muitas vezes sem máscara, Rodrigues dos Santos faz teste rápido todos os dias, assim como a comitiva (o motorista do assessor chega até a fazer dois).
É nos jantares-comício que o presidente do partido tem mais tempo para falar com os apoiantes ou simpatizantes — num deles, em Viseu, os avós marcaram presença e emocionaram-se ao ver o neto a discursar. Geralmente antes de jantar, Rodrigues dos Santos vai de mesa em mesa cumprimentar quem ali se encontra — desde os jornalistas aos apoiantes. Estes últimos são mobilizados pelas estruturas locais. Mas há alguns sítios onde o CDS já sabe que será mais difícil conseguir uma grande mobilização devido à “oposição interna” ao líder do CDS. A Guarda é disso exemplo — e no distrito não foi organizado nenhum jantar.
PAN. Dos carros híbridos à preocupação em arranjar restaurantes vegan durante a campanha
É um círculo de mulheres aquele que apoia a porta-voz do PAN nesta volta pelo país. Sempre coladas ao telemóvel, a confirmar que está tudo a postos e a pensar também sempre no dia seguinte. Uma correria para que nada corra mal e em que todos os dias é gasta uma carga inteira das respetivas power-bank, que têm sido ferramentas fundamentais para a equipa de comunicação de Inês Sousa Real. Aliás, tem sido um claro contraste com a própria líder, que raras vezes tira o telemóvel do bolso.
A líder do PAN tem optado por ir seguindo as indicações da assessoria para poder focar-se sobretudo nas ações de campanha e conversar com quem a recebe nas várias visitas pelo país. Mas também se preocupa com a agenda: “A Mónica e a Maria vão ter um chelique. Estamos com meia hora de atraso”, lamentou num destes dias Inês Sousa Real num comentário com um dos elementos da caravana.
A candidata chega sempre a bordo de um carro híbrido – são dois ao todo os que transportam o núcleo mais próximo de Sousa Real. Dois carros que têm sido conduzidos sempre pelos mesmos dois motoristas e que só “não são elétricos” porque não seria viável a nível logístico de viagens pelo país, conta fonte da assessoria ao Observador.
São quatro a cinco as assessoras que têm acompanhado Inês Sousa Real – também à distância. Há sempre pelo menos dois elementos no terreno a dar apoio às redes sociais do partido e à comunicação social e os restantes vão fazendo trabalho de backoffice e de organização de agenda.
Não só há trabalho de agenda e terreno, mas também foi sendo uma luta constante conseguir reservar restaurantes para que a caravana do PAN não passe fome nesta campanha para as legislativas. É um dos pontos centrais para a comitiva, que é vegana e que nem sempre tem opções de alimentação nas cidades que visita, acabando também isso por influenciar como é construída a agenda de campanha. Exemplo disso foi a ação na Covilhã, em que, finda a iniciativa, Inês Sousa Real seguiu logo para a Guarda, onde, aí sim, já haveria um restaurante vegan para almoçar.
Essa tem sido uma das principais lutas práticas desta campanha, sendo que as marcações têm de ser feitas com antecedência para garantir refeições para todos na comitiva do PAN. Ainda assim, a equipa conta com a ajuda das distritais do partido, que muitas vezes “recomendam espaços vegan para almoçar ou jantar”.
E num partido ambientalista, como o PAN, há uma tentativa de seguir a coerência no que toca à propaganda entregue aos eleitores nas ruas. A comitiva tem optado por distribuir flyers que contêm o programa eleitoral, uma fotografia de Sousa Real junto do respetivo cabeça de lista do distrito que visitam e até um gráfico com várias propostas do PAN que foram votadas na Assembleia da República com as respetivas votações dos restantes partidos.
De acordo com fonte da campanha, os flyers foram impressos em papel certificado e com tintas ecológicas. Já os sacos com o slogan do partido para esta campanha (“Agir já”), e que fizeram muito sucesso nas ruas, são de algodão 100% biológico e com tintas ecológicas.
À noite, quando chega ao hotel, Inês Sousa Real procura inteirar-se das notícias e do que se vai passando na atualidade, mas não esquece uma chamada telefónica para casa, para ir sabendo se está tudo bem com a família, mas também com os dois animais de estimação, dois cães – o Micas e a Luna.
Iniciativa Liberal. Uma campanha sem multidões nas ruas, a tentar falar com 10 milhões
É segunda-feira, 17 de janeiro, faltam 12 dias para as eleições e João Cotrim Figueiredo está sentado numa sala do sétimo piso de um prédio da Avenida da República, em Lisboa. A campanha oficial do partido no distrito de Lisboa está em fase de arranque mas não é nas arruadas que naquele momento se pensa. Até porque faltam quatro horas para o único debate televisivo em sinal aberto que junta os líderes dos partidos com assento parlamentar.
A sala foi alugada apenas para o período de campanha eleitoral e com João Cotrim Figueiredo estão outros três elementos do núcleo mais restrito da campanha, que passaram as duas semanas com o presidente da Iniciativa Liberal na estrada.
Um deles é Rodrigo Saraiva, consultor de comunicação, fundador da IL, antigo secretário-geral da JSD e ex-vereador na Câmara de Lisboa, que tem hipóteses de ser eleito deputado já que surge em terceiro lugar nas listas por Lisboa. Outro é Nuno Roby Amorim, também ele consultor de comunicação — e antigo jornalista, profissão que exerceu por muitos anos, tendo-se encarregado nesta campanha da assessoria de imprensa e tendo colaborado na estratégia de comunicação da IL para estas legislativas.
Last but not the least, está também presente Bernardo Blanco, um dos nomes em maior ascensão do partido. Colunista do blogue “O Insurgente”, com apenas 26 anos já faz parte da comissão executiva, tem um papel preponderante na comunicação do líder e do partido via redes sociais (sobretudo através do Twitter, onde é especialmente interventivo) e acaba por fazer muitas vezes a ponte entre a Iniciativa Liberal e entidades externas, como outros partidos internacionais de inspiração liberal.
A importância de Bernardo Blanco na máquina liberal é notória na estrada: está sempre perto de Cotrim Figueiredo, que não dispensa a sua presença. Num almoço que antecedeu a preparação do debate televisivo, que juntou a equipa de campanha à Comissão de Honra da Iniciativa Liberal nestas eleições, Cotrim chegou a referir-se a ele como alguém que “um dia ainda vai ser presidente da Iniciativa Liberal”. E, ao Observador, o cabeça de lista do partido por Aveiro, Cristiano Santos, confessava até que a sua adesão à IL aconteceu por ter recebido um convite de Blanco, que o recrutou depois de ter reparado no que o enfermeiro especialista em Saúde Mental e Psiquiatria escrevia nas redes sociais.
Cotrim, Saraiva, Amorim e Blanco estão os quatro sentados, cada um com um computador à frente e com copos de água sobre a mesa. Há papéis espalhados pela mesa e num dos cantos da sala está um quadro com alguns tópicos centrais de preparação. No canto superior aparecem os moldes previstos do debate, “Scheme debate RTP”. Sabe-se que terá “2 horas”, que estarão oito em estúdio e portanto (calcula-se) deverão existir quatro a cinco rondas por candidato, presumindo-se portanto que cada um deverá ter entre 10 a 15 minutos para falar.
Ainda no quadro, surgem no canto superior direito algumas ideias-chave que João Cotrim Figueiredo não poderá deixar de expressar: a ideia de que “liberalismo funciona (faz falta)” e de que “não são ideias bizarras (outros países)”. Na metade superior aparecem temas-macro que devem entrar no debate e três estão sublinhados porque é para eles que estrategicamente se desejava canalizar o debate: “SNS”, TAP e “Impostos/fiscal — crescimento”.
Nos três temas a Iniciativa Liberal sabe que pode captar votos que lhe permitem aumentar o seu eleitorado. Fora da base liberal e mais ideologicamente definida que já elegeu um deputado para a IL em 2019, estas propostas (menos impostos, menos dinheiros públicos para a companhia aérea, menos listas de espera e insatisfação dos portugueses com o SNS que os leva a recorrer a seguros de saúde privados) podem ser o combustível para a IL aumentar o número de votos e o eleitorado. Mesmo que o programa seja abrangente e multi-temático, tendo 600 páginas no total.
No canto inferior direito do quadro aparecem os temas que é provável que outros candidatos invoquem no debate e onde poderá ser necessário responder e rebater: “prisão perpétua”, “RSI/etc”, “coligações” (da IL com o Chega, que os liberais juram que nunca acontecerá). Sobre o PS, pretendia-se denunciar o que os liberais consideram ser um discurso de “medo” — o de que vem aí a extrema-direita se não ficarem em primeiro nas eleições. E ainda havia uma secção “Qtier1”, referente a “munições visuais” temáticas (como slides e gráficos) para mostrar às câmaras durante o debate se este o pedir.
Entre os quatros debate-se, por exemplo, as declarações de “Costa ontem nos Açores”, que sugeriu (diz-se) que Rio estava a preparar-se para se coligar com os muito extremistas e com os muito modernos. Um dos quatro, que não João Cotrim Figueiredo, faz a piada: “O Costa e o Chicão nisto estão concertados”.
Na conversa ponderam-se algumas hipóteses. E se Cotrim fizesse um “número” como o do papiro, como o papel interminável que mostrou às câmaras durante o debate com o secretário-geral do PS para falar do que António Costa já prometeu? “Podia dizer algo estilo: não vou fazer isto porque não quero gastar papel, mas podia ter impresso oito páginas destas com mentiras poligrafadas”.
Um dos temas do dia, e que seria capitalizado durante a campanha, era um ranking do site de fact-checking Polígrafo, que fez um ranking das alegações que escrutinou durante os debates individuais e colocou António Costa como o segundo que mais disse falsidades ou expressou ideias enganadoras (contabilizadas pelo site). O tema leva até o quarteto a percorrer algumas das alegações falsas ou enganadoras de Costa nos debates: “A do Neeleman também é muito boa. E esta do Hospital da Luz. Ou a de o salário médio ter subido 25%”.
Preocupado com a sua própria credibilidade, Cotrim pergunta a Rodrigo Saraiva: “Quantas vezes é que eu menti?”. E Saraiva responde-lhe satisfatoriamente: “Ainda não apareces… vi agora a primeira imagem tua, depois de meia hora a fazer scroll”.
Enquanto o Observador está na sala, os quatro vão percorrendo notícias de jornais. Há quem fale da estratégia que André Ventura pode seguir nos debates: “Estamos conscientes que vai gritar?” E Cotrim testa um possível antídoto, imagina as câmaras à sua frente e ensaia o argumento de que não vai “pelos fait-divers e gritaria”, quer discutir os “assuntos sérios”.
De pé junto ao quadro, Cotrim Figueiredo vai vincando uma das ideias chave que quer passar: “Dizemos que somos liberais, dizemos com quem nos coligávamos, dizemos claramente o que queremos fazer e o que propomos. Não dizemos uma coisa e fazemos outra. Tentando não ser presunçoso, acho que isso distingue-nos dos outros oito”. E desabafa entre-dentes sobre o possível parceiro de dia 31: “O Rio demorou meses a perceber que a TAP não se podia fazer assim, meses a dizer claramente que o Chega não era companhia que se desejasse…”
Do bolso, o liberal saca de um folheto desenhado pelo Bloco de Esquerda que pergunta “porque é que os liberais te perseguem” e que visa diretamente a Iniciativa Liberal. Confessa que ainda nunca o mostrou, mas que o iria levar para o debate e que tem andado sempre com ele. “Um dia sai-me…”. Porquê? “Porque uma coisa é a caricatura, outra é usar uma série de argumentos e boa parte deles serem mentira — nem é exagero, é mentira mesmo”. Entre os quatro, discute-se a curiosidade de o PSD nos Açores não ter precisado de ficar em primeiro lugar para formar Governo e agora o exigir no continente. Uma posição continental talvez até mais coerente com a posição assumida pelo PSD em 2015, face à geringonça parlamentar: “Demoraram algum tempo a fazer o digest disso”…
Na preparação dos debates aquele quarteto esteve sempre presente. Mas em alguns também marcou presença a consultora de comunicação Mónica Coelho e online esteve sempre presente, numa fase inicial, Ricardo Pais Oliveira, vicepresidente da Iniciativa Liberal e um dos coordenadores do famoso “calhamaço” que é o programa eleitoral.
Também Carlos Guimarães Pinto, antigo presidente do partido e cabeça de lista pelo Porto nestas eleições, e Rui Rocha, cabeça de lista por Braga, ajudaram à preparação dos debates individuais. A estes somava-se um conjunto de “municiadores”, uma “equipa que esteve a recolher informação” para fornecer a Cotrim Figueiredo. Pessoas “escolhidas pelas suas qualidades e conhecimentos políticos”, já “habituadas a combater politicamente nas redes sociais e no espaço mediático”, diz fonte da campanha. Uma das facetas do trabalho feito por estes “municiares” era olhar para “o que se tinha passado no Parlamento durante dois anos, “olhar para as votações” parlamentares.
De votocarro pelo país e com os núcleos a crescerem
Na Marinha Grande cantava-se logo pela manhã, esta terça-feira. À boleia de “O Corpo É Que Paga”, de António Variações, pouco mais de uma dezena de pessoas com bandeiras e t-shirts azuis da Iniciativa Liberal ia cantando pelas ruas: “António Costa não tem juízo / sobe os impostos mais do que é preciso / e o povo é que paga / e o povo é que paga / vota para liberalizaaaaar / se tu estás a gostaaaar”.
O “votocarro” liberal — nome dado internamente ao autocarro alugado e pintado com as cores do partido, que viajou durante as duas semanas de campanha — estava estacionado e o presidente do partido ia seguindo com alguns dos apoiantes de núcleos locais pela Marinha Grande, gente que vinha de “Alcobaça até às Caldas da Rainha”.
Estávamos já na segunda semana de campanha, os dias anteriores tinham sido passados nos distritos de Lisboa (sobretudo) e Setúbal e as dinâmicas iam-se repetindo: à chegada ao local das ações de campanha, a comitiva tinha à sua espera alguns militantes do partido na região, fora das duas maiores cidades nunca mais de duas ou três dezenas.
Como outros partidos, a Iniciativa Liberal não estava a contar com eleições antecipadas — e as eleições aconteceram num timing especialmente complicado para um partido ainda sem o suporte financeiro e sem as estruturas de outros, quatro meses depois das autárquicas e mês e meio depois da primeira convenção.
Desde dezembro que o presidente da IL, João Cotrim Figueiredo, foi percorrendo o país distrito a distrito, encontrando-se com associações empresariais e militantes dos núcleos da IL. Mas, nas duas semanas de campanha, a estratégia era nítida: apostar as fichas todas onde a Iniciativa Liberal tem mais hipóteses de eleger deputados, Lisboa e Porto à cabeça (onde é praticamente certo que elegem), Setúbal, Aveiro e Braga (onde é difícil, mas não impossível) a seguir. Nas ações em Setúbal, Aveiro e Braga, estavam invariavelmente também os cabeças de lista do partido ao distrito: respetivamente Joana Cordeiro, Cristiano Santos e Rui Rocha.
Do núcleo restrito da campanha que andou com Cotrim de norte a sul faziam parte os já citados Nuno Roby Amorim (assessor de comunicação), Rodrigo Saraiva e Bernardo Blanco. Mas não só: Miguel Rangel, secretário-geral do partido, seguia sempre com a comitiva, tal como Paulo Carmona, gestor, antigo candidato da IL à Câmara de Sintra, com um longo historial empresarial (foi membro da direção da Ordem dos Economistas e presidente do Fórum dos Administradores de Empresas, entre outras funções empresariais). Seguiam também dois fotógrafos/videógrafos e uma maquilhadora que preparava o candidato.
Numa campanha “mista”, a Inicativa Liberal promovia ações de campanha sem as enchentes dos grandes partidos: não havia música popular (o PS levou Nel Monteiro, o PSD Emanuel), um número grande de jantares-comício ou eventos com muitas pessoas.
Um dos argumentos era o cuidado a ter com a pandemia, mas não apenas: não só a IL não tem a capacidade de outros partidos (até o Chega) para encher ruas de multidões a aclamar o líder do partido como não há juventude partidária. Internamente parece acreditar-se até que a rua pode ser uma ilusão — como aliás alguns resultados em eleições passadas o mostraram — e que num partido altamente ideológico, que se quer impor por ideias muito vincadas, há outros métodos de captação de eleitores mais eficazes. A exposição mediática (que permite falar para 10 milhões) é um deles, a comunicação via redes sociais é outro e, para já, poderia ser um passo maior do que a perna tentar fazer uma verdadeira campanha popular, menos centrada na mensagem do que no “espectáculo” popular.
No terreno percebia-se, ainda assim, a influência na ligação com os núcleos da Iniciativa Liberal pelo país de Paulo Carmona — que passou a integrar a Comissão Executiva do partido em dezembro e que, estando nas listas de Lisboa, aparece em 9.º lugar, portanto é praticamente certo que não irá para o Parlamento. Muitas vezes ao telemóvel, era percetível que fazia a ponte entre a estrutura central do partido e o presidente e os militantes que a comitiva tinha à sua espera em cada distrito e em cada concelho.
Embora a Iniciativa Liberal seja um partido sem um grande “aparelho”, e faça questão de se manter assim e (desde logo) sem distritais e concelhias, a implantação do partido pelo país vai crescendo. E Paulo Carmona acaba por ter um papel de relevo na reação a esse crescimento.
Antes do início de um jantar no Centro Luso-Venezuelano com a associação de jovens Jovenex, em Santa Maria da Feira, Carmona comentava com o Observador que “é giro ver como a implementação da IL foi sendo feita ao longo dos anos” e confessava: “Isto é a primeira campanha política mais a sério, andamos todos um bocadinho aqui a inventar. Impusemo-nos a obrigatoriedade de ir visitar todos os distritos desde dezembro. Agora nestas duas semanas estamos a concentrar-nos muito mais nos distritos onde há possibilidade de elegermos, distritos mais litorais: Lisboa, Porto, Aveiro, Setúbal e Braga”.
Há dois anos, nas legislativas de 2019, a campanha “foi praticamente feita só em Lisboa e Porto”, executando ações locais feitas pelos militantes da IL em cada região, explicava ainda Paulo Carmona. Agora foi preciso criar “uma estrutura de campanha bastante mais profissional”, até porque “há dois anos tínhamos dez ou 20 núcleos, agora temos 50 e a crescer; tínhamos pouco menos de mil militantes, agora temos quatro mil e tal…”.
Curiosamente, parte da campanha da Iniciativa Liberal fez-se com reuniões com associações de empresários, com associações industriais e com visitas a empresas — embora não apenas, já que as arruadas foram aumentando à medida que a campanha avançava. A defesa das empresas privadas, incluindo PME, é porém uma das bandeiras da IL e refletiu-se no programa de campanha.
Terá a escolha de Paulo Carmona, que também esteve na organização das convenções do MEL – Movimento Europa e Liberdade, para a comissão executiva e para esta função de ligação aos núcleos locais tido alguma coisa a ver com o seu passado nas empresas? O liberal arrisca uma resposta: “Possivelmente. Não estou na cabeça do João Cotrim Figueiredo, não sei, mas talvez. A minha vida ligada às empresas tem a ver com a competitividade e com pôr Portugal a crescer, impedir o Estado de atrapalhar as empresas para as empresas poderem progredir, criar riqueza, postos de trabalho e investir”. No dia 30 saber-se-á se a estratégia de fazer uma campanha “diferente” foi mais ou menos eficaz.
Chega. Uma comunicação com animais, um núcleo duro em forma de carrinha e muitos presentes
Passa pouco das 15 horas quando à porta da estação de comboios de Aveiro começa a haver movimentações. Uma bandeira aqui, uma camisola acolá. É ali o ponto de encontro de uma das primeiras arruadas do Chega em período de campanha — e foi assim nos dias que se seguiram. Quase tudo tem uma preparação milimétrica.
Ainda antes de o grupo de apoiantes que está ali para acompanhar Ventura começar a aumentar, há um homem que está no terreno a avaliar toda a situação. De auricular no ouvido e sempre em comunicação constante com a restante equipa (que àquela hora ainda está longe de aparecer). É um dos principais elementos da equipa de segurança de André Ventura. Chega sempre bastante tempo antes de a ação começar e é um dos que, mais tarde, constrói a bolha formada à volta do presidente do Chega durante as ações de campanha.
Em cima do passeio estaciona um carro com colunas, cartazes com a cara de André Ventura e ouvem-se em loop frases do presidente do Chega, entre elas um momento em específico: o minuto final do debate com António Costa. Aquele com que André Ventura ainda sonha, pelo menos assim o confidenciou num jantar-comício em Coimbra.
O momento da chegada do líder do Chega está a aproximar-se, mas antes mais uma equipa avançada no terreno. A segunda tem mais gente e surge sem segurança. Vem numa carrinha de nove lugares preta e trata-se do núcleo duro de Ventura: Patrícia Carvalho (a pessoa responsável pela assessoria e toda a comunicação com os jornalistas); Rita Matias, Rui Paulo Sousa, Ricardo Regalla, Pedro Pinto, Rodrigo Alves Taxa e Manuel Matias.
É quase sempre esta a equipa que acompanha Ventura durante toda a campanha. Há membros que se ausentam num ou mais dias para compromissos noutras zonas do país (nomeadamente candidatos a outros círculos), mas a equipa esteve quase sempre reunida. Noutras ocasiões, o lugar livre pertence habitualmente a Diogo Pacheco Amorim, que esteve sempre a fazer campanha no Porto.
Voltemos à organização de rua, numa arruada como tantas outras. Já com duas equipas avançadas no terreno e com as ordens dadas a jornalistas sobre a existência ou não de declarações (e quando), o caminho está aberto para a chegada do líder do Chega. O segurança prepara o local, vê a melhor zona para o carro parar e envia as ordens. Há ainda mais duas pessoas em constante contacto com a restante equipa: Patrícia Carvalho e Rita Matias (as duas com auricular durante as ações de campanha). Para que não haja imprevistos, as palavras usadas são códigos, maioritariamente nomes de animais.
Está na hora de André Ventura chegar. Param três carros pretos, marca Mercedes (houve dias da campanha em que só chegaram dois carros). O primeiro homem que estava no terreno aproxima-se, o primeiro segurança que sai do carro abre a porta para o presidente do partido sair do veículo do meio. Os seguranças rapidamente se posicionam. A segurança de André Ventura é uma das grandes preocupações do Chega — já o foi nas Presidenciais, em que os imprevistos se multiplicaram; continuou nas autárquicas; e reforçou-se nesta campanha.
Tudo é avaliado ao pormenor. Numa das maiores arruadas da campanha, em Braga, ainda a caravana ia a meio quando o foco já estava no fim da rua. Numa das varandas de um prédio estavam dois jovens a gritar: “Fascista, racista, xenófobo.” Era preciso agir. Primeiro a agitação: “Quem é do Chega para trás do André.” Depois, a reunião para avaliar a situação: o líder do Chega parou e a equipa de seguranças conferenciou se devia seguir o percurso estabelecido. Decisão tomada: é para avançar. André Ventura não se coíbe, levanta o braço com os dedos em V e grita Chega, dando continuidade ao momento de campanha. Minutos depois, uma mulher de etnia cigana abordou-o e rapidamente há um apertar da bolha à volta de Ventura — três seguranças nas costas do líder do Chega.
Poucos dias depois comparou a presente campanha com a das Presidenciais. Sente uma “diferença forte em relação à atitude, à abertura, mesmo à hostilidade” e acredita que os insultos que vão surgindo (agora mais pontualmente) são “parte da democracia”. Apesar de não os normalizar, admitiu numa das conversas com o Observador que continua a ser alvo de ameaças das mais diversas formas, principalmente via redes sociais, e que isso obriga a não baixar os braços no terreno.
Além das ameaças mais graves, também há pequenos imprevistos que são de evitar e a equipa de Ventura está preparada para isso. As ações de campanha são preparadas pelas distritais e no terreno há sempre uma comitiva que vai à frente do líder do partido e até dos jornalistas. Há as pessoas das estruturas locais que sabem o que os espera em cada local e que desviam a caravana para o que interessa (“Aqui, aqui, nesta tem de entrar”, atirava a vice-presidente da distrital de Viseu enquanto batia ao vidro para que o proprietário viesse à porta) e do que não interessa (“Atenção, aí não, vira, vira”, gritava um militante local em Portimão); e há pessoas do núcleo forte de Ventura que abrem terreno. Rui Paulo Sousa, Rodrigo Alves Taxa e Ricardo Regalla tiveram esse papel durante toda a campanha. Vão à frente, distribuem panfletos, apalpam terreno e vão dando pequenos inputs a quem vem atrás.
Se as ameaças chegam de muitas formas, há o outro lado: Ventura recebe dezenas de presentes em todos os sítios por onde passa. Da religião à mesa, há de tudo. Ventura confidenciou numa chamada telefónica com o Observador (esta quinta-feira poderá ler mais sobre o assunto) que já recebeu terços, quadros que estão na sede do partido e até postais com mensagens. Mas há mais: prendas de lojas de roupa, caixas de vinho, canecas e, dos dias da campanha, salta à vista um presente que desembrulhou em Braga, uma cruz de Cristo em cristal.
No final do dia, o núcleo duro é o núcleo duro: ficam todos no mesmo hotel, jantam juntos (quando não há comícios) e reúnem-se sempre para fazer uma avaliação do trabalho do dia que terminou e para organizarem o seguinte. As reuniões estendem-se no tempo, o trabalho prolonga-se, mas as manhãs normalmente são para descansar, até porque, com exceção de poucos almoços, as ações começaram sempre às 16 horas da tarde (sem contar com os atrasos da “hora Chega).
Livre. Livre de arruadas e em todo o lado nas redes (incluindo no Tik Tok)
André Tenente, produtor de conteúdos, foi, naquele dia, o primeiro a chegar. De bandeira na mão era o primeiro sinal que a comitiva do Livre iria passar por ali. Assume-se apoiante do partido que Rui Tavares, cabeça de lista pelo círculo de Lisboa, fundou. “Vivo em Sintra” e naquele dia — segunda-feira, 24 de janeiro — conseguiu conjugar o apoio a Rui Tavares com a atividade profissional. Cinco minutos depois chega João Rodrigues, impulsionador, também, do núcleo do Livre de Sintra. André e João apareceram naquele dia, como já tinham participado noutras iniciativas de campanha, mas por iniciativa própria, dizem. A ação do partido nesse dia começava ligada à cultura, com a visita ao Teatromosca, no Cacém.
Em cada dia o Livre tenta ter um tema de discussão e que serve de ligação às ações do dia. Já foi a cultura, a habitação, a saúde, a ciência, o ensino superior, mas Rui Tavares ainda deseja falar um dia de transportes, confessa ao Observador.
É assim que se desenha a campanha de um partido sem grandes estruturas partidárias. Há inputs estratégicos que são discutidos “coletivamente”. Umas ideias são do próprio Rui Tavares — “o passeio no Tejo foi ideia minha” — outras surgem do coletivo. Dentro das linhas orientadoras do partido e do programa eleitoral há temas escolhidos e as ações são desenhadas pela equipa. “Entrego-me às orientações”, diz Rui Tavares.
As bandeiras, essas, são poucas. À de André Tenente juntou-se, poucos minutos depois, a de João Luís Silva, candidato por Vila Real, mas que esperava Rui Tavares à porta do Teatromosca.
“As bandeiras estão distribuídas”, assume João Luís Silva, que expressa a convicção que o Livre vai ter, nestas eleições, mais votos. Só tem elogios para Rui Tavares: “Está sempre tranquilo, nunca perde a calma, é pedagógico e suporta-se em muitos factos. Não é demagogo nem populista”. É este o sentimento generalizado na campanha do Livre. Acredita-se num bom resultado, mas como já disse o próprio Rui Tavares as sondagens não ganham eleições.
É, assim, com otimismo, que Rui Tavares é recebido pelas poucas pessoas que aparecem para o apoiar nesta visita ao teatro. São também poucas as bandeiras que esvoaçam em Escaroupim, nesse mesmo dia, numa visita ao Tejo.
A campanha do Livre faz, segundo diz, propositadamente poucas ações de rua. Afinal, conta ao Observador um dos responsáveis, estamos em pandemia. Também não se vê Rui Tavares como um político de arruadas. No Livre vão-se distribuindo panfletos pelas ruas em alguns locais por membros do partido. Espalham-se também alguns cartazes e outdoors. É importante para a visibilidade e para que, no dia do voto, haja identificação com o partido. Rui Tavares vai aparecer nos cartazes. O Livre quer aproveitar os elogios ao candidato por causa dos debates televisivos. Foram preparados, mas muita da preparação foi do próprio. Mas como também já disse, não são os desempenhos dos debates que elegem deputados.
O Livre acredita que vai eleger. E até começa a ter esperança de formar um grupo parlamentar (mais do que um deputado). Rui Tavares não se cansa, por isso, de falar no que considera ser o voto no Livre que diz, esse sim, ser útil. “Cada deputado conta”, vai afirmando, e reafirmando. Uma mensagem repetida nas ações de campanha, mas também nas redes sociais. Estas são um importante fator de ligação aos seus apoiantes. Instagram, Twitter, Facebook e até Tik Tok. Rui Tavares é um fervoroso utilizador do Twitter. Não tem, em nome pessoal, Tik Tok, mas foi aí estrela quando o Livre colocou um minuto do debate com André Ventura, em que Rui Tavares confrontou o líder do Chega com o seu programa, dizendo ter zero conteúdo. 200 mil visualizações. No Instagram foram 500 mil…
https://www.tiktok.com/@livrenotiktok/video/7050067217630711046?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id7057172194145207813
Os partidos mais novos têm nas redes sociais uma arma, assume ao Observador o diretor de campanha do Livre, Tomás Cardoso Pereira. Por ele passam todos os pormenores destas duas semanas. Até a condução.
É da discreta sede do Livre em Lisboa — no 2.º esquerdo (como não podia deixar de ser) de um prédio perto da Almirante Reis — que Tomás Cardoso Pereira e Rui Tavares partem, num discreto carro citadino, rumo a Escaroupim. Nesse dia o destino foi Salvaterra de Magos, mas dali já partiram, nestas duas semanas, para destinos mais longínquos. Não fizeram as contas aos quilómetros, mas já passam os milhares. O Livre que é tido como um partido mais implementado em Lisboa e Porto já andou por outras zonas do país. Concorre, aliás, a todos os círculos eleitorais.
Rui Tavares também afasta qualquer ideia de partido unipessoal. A experiência mostra o contrário, diz, com a liberdade de quem sabe que tem carreira profissional para além da política. Na viagem de cerca de uma hora até Salvaterra de Magos, Rui Tavares não prepara intervenções, mas vai-se concentrando na mensagem que quer passar quer seja ao vivo, quer seja nas redes sociais. Uns breves passos chegam para respirar fundo e preparar uma gravação vídeo que mais tarde surgirá nas várias plataformas virtuais. Não será tão viral como o momento do “zero vezes” do debate com Ventura, mas vai fazendo o seu caminho.
Tomás Cardoso Pereira tem de parar na portagem. O telefone toca. O atraso já é notado na margem do rio Tejo. Mas o diretor de campanha admite que até têm conseguido cumprir os horários estipulados. Não são dias intensos de campanha, mas o cansaço já se sente nesta segunda semana. Retemperam-se forças no Ribatejo, um Ribatejo diferente do de Rui Tavares, cujas origens estão próximas de Rio Maior.
O rio corre calmo. Pouca água. Rui Tavares vê ao longe os cavalos e as garças nos mouchões do Tejo. Depois, entregar-se-á novamente às orientações do diretor da campanha. Com o sol a por-se ainda há tempo para mais um vídeo para o Instagram. “Ficou com 2 minutos e 23 segundos”. Rui Tavares não desarma: “corta-se o final”. A mensagem já tinha sido passada: “O Livre tem trazido conteúdo e elevação. ‘Bota acima e não abaixo’ como diz o nosso lema.” Ao lado há quem use a bandeira e a máscara de pano com o logótipo do Livre (o candidato opta por uma FFP2). Tavares prefere o poder da palavra.