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ILUSTRAÇÃO: Ana Martingo/OBSERVADOR
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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Bitcoin. Didi em Portugal, o "paraíso fiscal" onde o Estado não toca nas criptomoedas

Portugal é dos pouquíssimos países onde os lucros com criptomoedas não pagam imposto. Holandês que trocou tudo pela bitcoin está a “evangelizar” o Algarve e quer criar um "porto de abrigo" no país.

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A primeira casa algarvia para onde Didi foi morar com a família – a auto-intitulada “Família Bitcoin” – estava num anúncio onde se indicava que a renda podia ser paga não em euros mas em criptomoedas. Perfeito.

Passado alguns dias no Algarve, porém, o holandês decidiu procurar outra casa, por não estar muito satisfeito com aquela – e rapidamente achou o sítio ideal. O problema é que o novo senhorio mal sabia o que era isso das bitcoins (o único “dinheiro” que Didi tinha para lhe pagar). Mas quando o holandês o evangelizou acerca das moedas digitais e o ajudou a instalar uma wallet (carteira) virtual no telemóvel, “ficou fascinado”.

Fechou-se o negócio – e estará a ser lucrativo para o senhorio, porque a bitcoin não pára de renovar recordes e, em Portugal, pode-se negociar criptomoedas e ganhar (potencialmente) milhões de euros sem que haja qualquer imposto a pagar. Com vários países a apertar o cerco, Portugal está no radar dos entusiastas das moedas digitais por ser, cada vez mais, um “oásis” onde o fisco não toca nos ganhos com a compra e venda de criptomoedas. Nem dá sinais de querer passar a tocar.

Didi Taihuttu e "a Família Bitcoin" chegaram a Portugal há três meses e fazem praticamente toda a sua vida com criptomoedas. (Foto: Didi Taihuttu)

Didi Taihuttu

Renda de casa, restaurantes, compras – praticamente tudo pago com bitcoin. É assim que este holandês faz a sua vida no Algarve, desde que chegou a Portugal, há cerca de três meses. Além de gerir diariamente os seus investimentos em criptomoedas, ocupa o tempo com a família e a alimentar o seu canal de Youtube com vídeos onde, maioritariamente, discorre sobre o futuro da bitcoin enquanto faz invejáveis caminhadas na praia, à beira-mar.

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Durante essas caminhadas, costuma parar no seu bar de praia favorito para tomar uma cerveja. E também essa cerveja é paga em bitcoin, desde que o holandês também ajudou o dono do bar a instalar uma wallet de bitcoins no telemóvel. Recibo? “É um bar de praia, nunca vi ninguém a pedir recibos, mesmo pagando com euros…”, diz o holandês, ao Observador, dizendo “presumir” que o dono do bar irá, depois do serviço prestado e pago (em criptomoedas), acertar contas com o fisco (em euros).

Regra geral, pagamos tudo diretamente com bitcoins – até dá para comprar online cupões que podem ser gastos no McDonald’s. Ao longo dos anos tivemos de nos tornar criativos e quase sempre conseguimos convencer as pessoas a aceitar pagamento com bitcoin”, afirma.

Quando não é possível, há um plano B. Uma das contas onde Didi tem bitcoins dá-lhe um cartão suportado por uma das “gigantes” gestoras de pagamentos (Visa ou Mastercard) e que, portanto, pode ser usado numa emergência em (quase) qualquer sítio – ao passar o cartão no terminal de pagamento num restaurante, por exemplo, a conta converte automaticamente a quantia necessária de bitcoins em euros e a transação é concluída.

Vender tudo e transformar em criptomoedas, por uma “vida livre, sem amarras”

Nos últimos anos, Didi Taihuttu já contou a sua história a inúmeros jornais internacionais, desde o The Wall Street Journal até à televisão CNBC. Resumidamente, em 2016, esta família (o casal e três filhas) decidiu vender tudo o que tinha – uma moradia com quase 800 metros quadrados, um negócio lucrativo na área da informática, carros, bicicletas e até os sapatos. Tudo foi liquidado e o encaixe foi investido em bitcoin.

O plano era simples, embora arrojado: mudar de vida, correr o mundo com a família, ora em autocaravanas ora em estadias de curta duração em vários locais – “viver de forma livre, sem amarras”. Didi afirma, entrevistado pelo Observador, que já visitou 40 países nestes quatro anos, tendo passado a “primeira vaga” da pandemia de Covid-19 num “resort” na Tailândia.

E foi numa aldeia paradisíaca tailandesa que Didi ajudou a reunir uma comunidade de pessoas que trabalham em projetos ligados ao blockchain e às criptomoedas porque, tal como o holandês, “querem lançar projetos que promovam um mundo melhor, mais livre e mais descentralizado”. Esse lugar chama-se “House of Dao” e já lá vivem (e trabalham) cerca de 40 pessoas, vindas dos quatro cantos do mundo. O site na Internet pode encontrá-lo aqui.

Família Bitcoin

A primeira vaga da pandemia a família passou-a na Tailândia, onde Didi ajudou a criar a House of Dao, uma "casa" para nómadas digitais. (Foto: Didi Taihuttu)

DR

Aos poucos, porém, as miúdas começaram a mostrar saudades da Europa e a família decidiu deixar a Tailândia. Mas “na Holanda toda a gente parecia estar a viver aterrorizadas [com a pandemia]. Não era um cenário onde eu queria estar – portanto, decidimos visitar outros países e acabámos à procura do sol de Espanha, mas em Espanha as pessoas pareciam estar ainda mais tolhidas de medo” de contrair o novo coronavírus. “Não dava, para mim, viver assim”, diz.

Didi recusa considerar-se um “negacionista” em relação ao novo coronavírus. Garante que respeita toda a gente (quem evita sair de casa, quem não vai a lado nenhum sem máscara nem álcool-gel, etc…), mas argumenta que “é impossível controlar a vida e dominar os riscos para a saúde humana. Este vírus é perigoso como eram também perigosos muitos outros vírus que surgiram no passado – como a gripe dos porcos, por exemplo – e muitos outros que surgirão no futuro”, advoga. Recusa-se a “viver no medo” e foi por isso que não ficou muito tempo em Espanha.

O empresário tem um amigo futebolista que joga num dos “três grandes” e também é um entusiasta das criptomoedas. Terá sido ele uma das pessoas que disseram ao holandês, enquanto estava em Espanha, que no país ao lado as regras não eram tão apertadas.

É agora: vamos para Portugal”, disse, para a família, um dia ao pequeno-almoço. Compraram um Land Rover e fizeram-se à estrada.

Bitcoin. Recordes atrás de recordes (voltou a febre das criptomoedas)

A família de Didi apostou tudo o que tinha – algumas centenas de milhares de euros, com a venda da casa, da empresa e os outros bens e poupanças. Transformaram tudo em bitcoin antes da escalada mítica de 2017, que levou a cotação da moeda digital até muito perto dos 20 mil dólares. Perto desse “topo”, vendeu cerca de um quinto das suas bitcoins, o que foi importante porque depois, em 2018, veio uma correção brusca – que levou a cotação para menos de 4 mil dólares.

Nessa correção, o valor das bitcoins da família baixou em “mais de 500 mil dólares”, confirma o holandês. Mas nessa descida dos preços Didi não perdeu um único cêntimo pela simples razão de que não vendeu nada – pelo contrário, reforçou, garante.

Se assim foi mesmo, os últimos meses trouxeram-lhe muitas razões para sorrir: o valor da bitcoin em dólares não só recuperou desses mínimos como quadruplicou o seu valor em 2020. Tocou os 20 mil dólares em meados de dezembro, passou os 30 mil nos primeiros dias de 2021 e passou os 40 mil dólares na última semana, dobrando os recordes de 2017/início de 2018.

Nos últimos dias, tem-se aguentado perto desses valores – apesar de algumas correções negativas expectáveis que foram rapidamente invertidas, um sinal da força que a criptomoeda está a demonstrar na negociação à escala mundial que corre 24 horas por dia e 7 dias por semana.

Os preços da bitcoin corrigiram bruscamente após a “febre” de 2017, mas já recuperaram e dobraram os recordes dessa altura. Fonte: Coindesk

Nos vídeos que coloca no canal do Youtube – adornados com os thumbnails chamativos, de cores garridas, que são imagem de marca de boa parte dos youtubers – o holandês explica porque é que, na sua visão, a bitcoin poderá chegar aos 100 mil dólares até ao final deste novo ano. São previsões em interesse próprio, é claro, e os céticos poderão olhar para o discurso de Didi como aquele de um típico “influenciador” a querer envolver outras pessoas num esquema piramidal e fraudulento.

A realidade, porém, é que embora possa contribuir para persuadir mais algumas pessoas a explorarem o mundo das criptomoedas – seja por pura especulação ou algo mais do que isso – não são alguns vídeos de entusiastas no Youtube que são, por si só, capazes de gerar a imensa procura que existe pelas moedas digitais, com a bitcoin à cabeça, até mesmo entre os grandes fundos de investimento internacionais.

Senão vejamos: Didi vê a Bitcoin a chegar aos 100 mil dólares? Ora, o “gigante” bancário norte-americano JP Morgan ainda esta terça-feira antecipou que a criptomoeda tem perfeitas condições para superar os 146 mil dólares (no longo prazo), em parte porque já começa a concorrer com o ouro na atração de grandes fluxos de capitais mundiais.

Recorde-se que este mesmo banco de investimento (ainda) tem como presidente Jamie Dimon, que em 2017 disse que não queria saber da bitcoin “para nada” e que quem a comprasse era “estúpido” ou, então, alguém “envolvido em “crimes” – “para criminosos, sim, é um excelente produto”. Aliás, o executivo chegou a dizer que quem “se metia” nas criptomoedas não tinha lugar nos quadros do JP Morgan, devendo ir fazer a sua vidinha para outro lado. Três anos depois, o seu banco mostra que, afinal, quer entrar no jogo.

Bitcoin chega à alta finança. Até onde irá a febre das moedas digitais?

“A próxima guerra vai ser travada pelas bitcoins”

É uma bolha? “Claro que é uma bolha, mas o que é que não é uma bolha? O que é o ouro? O que é o mercado imobiliário?”, pergunta Didi Taihuttu. Na ótica do holandês (partilhada pelos maiores entusiastas das criptomoedas), “há bolhas em todo o lado, o que não quer dizer que os ativos deixem de existir”. E, acrescenta, “os governos e os bancos centrais mundiais já estão a perceber que podem brincar com isto como sempre brincaram com o ouro” (que constitui boa parte das suas reservas de valor).

A próxima guerra vai ser travada por causa da hegemonia nas criptomoedas. No passado recente, houve guerras pelas reservas de petróleo dos países mas, no futuro, os EUA não vão entrar em conflito com o Irão por causa do petróleo – vai ser por causa das bitcoin que o Irão tem vindo a minerar e a comprar para, dessa forma, conseguir contornar as sanções impostas pelos EUA ao Irão e à sua participação no mercado do dólar”, diz Didi Taihuttu.

Porque vale cada bitcoin 40 mil dólares? E quem a criou?

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Resposta simples: uma bitcoin passou nos últimos dias a valer mais de 40.000 dólares porque alguém — várias pessoas, na verdade — aceitou trocar 40.000 dólares, garantidos pela Reserva Federal dos EUA e pelo Tesouro norte-americano, por uma unidade desta moeda digital que não é garantida por ninguém em particular (só por todos os envolvidos com bitcoins, em geral, porque todos participam no registo global — o blockchain — que toma nota de todos os movimentos e evita, por exemplo, que a mesma moeda seja usada duas vezes).

Na prática, a valorização da bitcoin está a ser justificada pelos especialistas como uma antecipação da entrada de grandes fundos de investimento tradicionais neste ativo. Por outro lado, a expansão inflacionista que os bancos centrais – desde logo, a Fed dos EUA – lançaram em resposta à pandemia (e até antes) torna atrativo um instrumento que, por definição, nunca será possível “imprimir” mais de 21 milhões de unidades.

Sublinhe-se, porém, que não é preciso comprar uma bitcoin inteira, mas apenas uma ínfima parte – cada bitcoin é divisível até à oitava casa decimal, sendo que cada 0,00000001 bitcoins correspondem a um “satoshi”.

Chama-se “satoshi” à unidade mínima da bitcoin porque o pai do código é alguém chamado Satoshi Nakamoto – ou, melhor, alguém que usou esse nome como pseudónimo. Vários nomes surgiram na imprensa ao longo dos anos, como possíveis “pais da bitcoin” (alguns dos quais auto-proclamados), mas nunca houve uma confirmação plena do contexto misterioso em que surgiu a criptomoeda.

Boa parte dos entusiastas da bitcoin acreditam, porém, que o autor do paper revolucionário onde se propõe a criação de uma moeda descentralizada foi o norte-americano Hal Finney, um génio da informática que morreu em 2014 vítima de esclerose lateral amiotrófica. Quando já estava muito doente, Hal Finney negou a autoria da proposta mas muitos acreditam que foi uma forma de proteger a sua família quando sabia não lhe restar muito tempo de vida – além disso, caso seja esta a verdade, Finney poderá ter percebido que manter o mistério sobre a origem da bitcoin ajudaria ao seu propósito libertário.

E não é só o Irão, salienta o holandês: “os chineses também querem ser os maiores donos de bitcoin” e a Rússia também investiu fortemente nas suas capacidades nas criptomoedas e noutras vertentes do mundo digital. O que sustenta o valor da bitcoin, nesta perspetiva, é que o próprio código informático que sustenta a moeda define que o número máximo de bitcoins nunca ultrapassará os 21 milhões – e será cada vez mais difícil “minerar”, ou “extrair”, novas moedas.

Isso contrasta com as políticas inflacionistas que os bancos centrais têm vindo a lançar nos últimos anos, muito antes até da pandemia – embora a Covid-19 tenha levado os bancos centrais a “imprimir” mais dólares, euros, libras e a generalidade das moedas convencionais.

O mesmo até pode aplicar-se, um dia, ao ouro, que tem muito pouca nova produção anual mas “quem sabe se, à medida que a tecnologia extrativa evolui, um dia não vamos encontrar uma imensidão de ouro enterrado algures no planeta? Ou quem sabe se o Elon Musk vai trazer uma batelada de ouro de Marte ou de outro sítio? O que acontece ao valor das reservas dos bancos centrais nesse momento?”, pergunta Didi Taihuttu.

Didi Taihuttu é convidado frequentemente para falar sobre as criptomoedas em eventos sobre o tema. (foto: Didi Taihuttu)

Quem garante o dólar são “homens com armas”. E a bitcoin?

Um dos textos mais conhecidos sobre a bitcoin, do lado dos céticos, é o artigo de 2018 escrito por Paul Krugman, economista premiado com o Nobel, onde o norte-americano apresenta as suas dúvidas acerca do que está na base do valor da moeda digital, sabendo-se que não há nenhuma instituição que a garante – apenas a própria rede em que assenta (e que, em teoria, poderia evaporar de um dia para o outro).

Em contraste, Krugman dizia, nessa coluna de opinião no The New York Times, que “as divisas fiat [como o dólar ou outras] têm um valor subjacente porque, em última análise, há homens com armas que dizem que essas divisas têm valor”.

“Por essa razão, o valor do dólar não é uma bolha cujo valor pode colapsar caso as pessoas percam a crença” que têm nele – ou seja, duvidar do dólar é o mesmo que duvidar do poderio económico e militar dos Estados Unidos da América, dizia o economista.

Porque vale cada bitcoin 40 mil dólares? E quem a criou?

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Resposta simples: uma bitcoin passou nos últimos dias a valer mais de 40.000 dólares porque alguém — várias pessoas, na verdade — aceitou trocar 40.000 dólares, garantidos pela Reserva Federal dos EUA e pelo Tesouro norte-americano, por uma unidade desta moeda digital que não é garantida por ninguém em particular (só por todos os envolvidos com bitcoins, em geral, porque todos participam no registo global — o blockchain — que toma nota de todos os movimentos e evita, por exemplo, que a mesma moeda seja usada duas vezes).

Na prática, a valorização da bitcoin está a ser justificada pelos especialistas como uma antecipação da entrada de grandes fundos de investimento tradicionais neste ativo. Por outro lado, a expansão inflacionista que os bancos centrais – desde logo, a Fed dos EUA – lançaram em resposta à pandemia (e até antes) torna atrativo um instrumento que, por definição, nunca será possível “imprimir” mais de 21 milhões de unidades.

Sublinhe-se, porém, que não é preciso comprar uma bitcoin inteira, mas apenas uma ínfima parte – cada bitcoin é divisível até à oitava casa decimal, sendo que cada 0,00000001 bitcoins correspondem a um “satoshi”.

Chama-se “satoshi” à unidade mínima da bitcoin porque o pai do código é alguém chamado Satoshi Nakamoto – ou, melhor, alguém que usou esse nome como pseudónimo. Vários nomes surgiram na imprensa ao longo dos anos, como possíveis “pais da bitcoin” (alguns dos quais auto-proclamados), mas nunca houve uma confirmação plena do contexto misterioso em que surgiu a criptomoeda.

Boa parte dos entusiastas da bitcoin acreditam, porém, que o autor do paper revolucionário onde se propõe a criação de uma moeda descentralizada foi o norte-americano Hal Finney, um génio da informática que morreu em 2014 vítima de esclerose lateral amiotrófica. Quando já estava muito doente, Hal Finney negou a autoria da proposta mas muitos acreditam que foi uma forma de proteger a sua família quando sabia não lhe restar muito tempo de vida – além disso, caso seja esta a verdade, Finney poderá ter percebido que manter o mistério sobre a origem da bitcoin ajudaria ao seu propósito libertário.

Por outro lado, é certo que o ouro também só tem o valor que tem porque “as pessoas acreditam que ele tem valor. Mas o ouro tem algumas utilizações no mundo real, desde fazer jóias até dentes”, ao que se poderia ter acrescentado a utilização que tem no mundo industrial e na produção de componentes eletrónicos. “Isso dá ao ouro alguma ligação à economia real, embora seja pequena”, dizia Krugman.

Em contraposição, acrescentava, “as criptomoedas não têm qualquer valor, não têm qualquer garante, nem ligação à economia real. O seu valor depende inteiramente de expectativas que se sustentam a si próprias – o que significa que um colapso total pode ser uma possibilidade real” caso os “especuladores fossem, por alguma razão, subitamente assombrados por um momento de dúvida coletiva”.

Confessando-se um “cético das criptomoedas”, embora admita que possa “vir a estar errado”, Krugman pedia aos entusiastas da bitcoin que lhe explicassem uma coisa muito simples: “qual é o problema que as criptomoedas vêm resolver?”. “E não tentem berrar contra os céticos apenas debitando uma mistura de tecno-tretas e ideias pseudo-libertárias…”, atirava.

O Nobel Paul Krugman confessou-se, em 2018, um "cético das criptomoedas" mas admitiu "poder estar errado".

AFP/Getty Images

Ora, se nos meses após a publicação deste artigo a realidade dos preços pareceu dar alguma razão a Paul Krugman – e a outros, como o lendário investidor Warren Buffett, que chamou à bitcoin “veneno para ratos” – algo que poderá surpreender o académico é a evolução recente do preço da bitcoin e a aparente robustez da valorização a que se tem assistido.

Para Didi Taihuttu, a explicação é simples: basta olhar para o paradigma das novas gerações, habituadas a viver online e a transacionar tokens e a movimentar dinheiro digital privilegiando a rapidez e a flexibilidade acima de tudo. Os jovens não olham para o dinheiro da mesma forma que olham os seus pais – e “recorde-se que não foi porque os avós preferiam usar cheques que a nossa geração deixou de dar primazia aos cartões plásticos bancários e nunca teve problemas em tirar notas de uma máquina na parede”.

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A bitcoin veio para ficar e cada vez mais irá afirmar-se como o “ouro da era digital” – os governos não irão combater a bitcoin, “pelo contrário, vão abraçá-la”. E, ao contrário de outras criptomoedas centralizadas, onde as autoridades a qualquer momento podem ir “bater à porta” dos gestores da respetiva rede, na bitcoin nunca se poderia passar o mesmo, porque a criptomoeda não tem um centro – cada utilizador é, ao mesmo tempo, um garante da integridade de toda a rede (é isso o blockchain). “Vão bater à porta de quem?”, pergunta Didi.

Ministério das Finanças confirma: criptomoedas não pagam imposto

A cotação da bitcoin quadruplicou neste ano de 2020, com meio mundo a viver vidas quase totalmente online, com a aceleração do fim do dinheiro físico e com os bancos centrais a não olharem a meios para manter as economias à tona de água. Houve, até, relatos na imprensa norte-americana de pessoas que usaram os seus “cheques de estímulo”, entregues de graça pelo Tio Sam, para comprar criptomoedas.

Caso esses norte-americanos venham a revender as suas “milésimas” de bitcoin com lucro terão, porém, de declarar e pagar impostos sobre essa transação, sob pena de serem alvo de elevadas multas ou, mesmo, processos criminais instaurados pelo fisco dos EUA. Algo que não aconteceria em Portugal.

Questionada pelo Observador, fonte oficial do Ministério das Finanças confirma que continua a ser “atual o entendimento da Autoridade Tributária plasmado nas Informações Vinculativas 5717/15 (IRS) e 14436 (IVA)”.

Vem aí o euro digital. O vírus vai matar as moedas e notas (e ameaçar os bancos)?

O que é que isto quer dizer? Quer dizer que “quando, pela sua habitualidade, a venda de criptomoedas constitua uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte, existe lugar a tributação de IRS na Categoria B”. “No entanto, em sede de Categoria G de IRS (mais-valias), a venda de criptomoedas não é atualmente tributável, considerando que não estão expressamente listadas nas operações consideradas geradoras de mais-valias, uma vez que as criptomoedas não são consideradas um câmbio ou divisa aceite como meio legal de pagamento”.

Já ao nível do IVA, a venda de bitcoins beneficia da mesma isenção de imposto aplicável à venda de divisas, por força de Acórdão do TJUE nesse sentido (Acórdão David Hedqvist de 22 de outubro de 2015 – C 264/14)”, acrescenta o Ministério das Finanças.

Não é preciso ir muito longe para perceber porque é que esta posição faz de Portugal “um paraíso fiscal” para a bitcoin. Qualquer pessoa que vá a um motor de busca procurar pelos países que isentam as criptomoedas de tributação rapidamente chegará a um artigo de maio de 2020 no portal News.Bitcoin.com, que dá conta de “oito países que não taxam os seus ganhos com a bitcoin”. No topo da lista desses oito “paraísos fiscais”? Portugal.

Outros países da lista incluem a Alemanha, por exemplo, mas aí só quando as criptomoedas são vendidas depois de terem sido detidas durante mais de um ano é que o encaixe fica isento de impostos. Na Suíça, os ganhos de pessoas individuais também estão isentos de impostos, mas não é assim se os utilizadores venderem moedas que eles próprios “minaram” – aí já é considerada uma atividade profissional.

No caso de Malta, um país que também é visto como um “paraíso” das criptomoedas, a legislação também é relativamente permissiva mas, ao contrário de Portugal, é aplicada uma taxa de imposto de 35% quando se trata de ganhos obtidos com especulação de curto prazo, como comprar e vender no mesmo dia.

Dentro deste grupo, entre os países da Europa, só a Bielorrúsia tem legislação ainda mais “amiga” das bitcoins do que Portugal, já que tanto os sujeitos individuais como empresas estarão, pelo menos até 2023, garantidamente isentos de qualquer tributação relacionada com criptomoedas, seja moedas compradas e vendidas ou “mineradas” pelos próprios. À conta disso, já nasceu, até, uma zona económica especial nos arredores da capital Minsk onde há inúmeras empresas dedicadas à mineração e negociação de ativos digitais (não só criptomoedas).

Questionada diretamente sobre se o Governo português admite “repensar” este enquadramento, fonte oficial não fez qualquer comentário.

“Holandeses milionários das criptomoedas estão a vir para cá”

Oficialmente, toda a “família bitcoin” está registada como sem-abrigo nos Países Baixos – é por isso que as miúdas não têm de ir à escola. Didi conta que está a aproveitar uma lacuna nos processos burocráticos holandeses: os dados do sistema educativo só são cruzados com os dados municipais dos habitantes de cada localidade. E como a família já não tem casa, não há nada que “acuse” a falta das meninas Taihuttu no sistema educativo.

O que é “ótimo”, diz Didi Taihuttu, “porque assim as minhas filhas não são alvo de lavagem cerebral que se faz nas escolas. Eu quero educar as minhas filhas e prepará-las para o mundo do futuro, não para o mundo do passado”.

As filhas de Didi não vão à escola porque estão registados como “sem abrigo” nos Países Baixos.

Todavia, naquele pequeno-almoço em que a “família Bitcoin” decidiu vir para Portugal, esse não foi propriamente um tiro no escuro. Há dois anos, a família já tinha passado cerca de um mês a percorrer o país, de norte a sul, a conhecer a gastronomia, as paisagens e as pessoas. Além disso, Didi conhecia perfeitamente a isenção tributária nas criptomoedas.

Aliás, tendo crescido nos Países Baixos, país onde viveu até há quatro anos, Didi está bem inserido na comunidade “digital” holandesa – até pelas talks que é frequentemente convidado a dar, em vários países, sobre o tema das criptomoedas. E, com base nesses contactos, o “pai da bitcoin family” garante que há “vários milionários da bitcoin, holandeses, que estão a vir para Portugal porque nos Países Baixos o governo quer introduzir uma taxa de 30% nas vendas de criptomoedas, com lucro”.

Em alguns casos, podemos estar a falar de montantes gigantes. O Observador já, em outras ocasiões, lhe apresentou o cálculo de que se alguém aplicou 100 dólares (75 euros, ao câmbio da altura) em bitcoins há 10 anos, no início de 2011, quando a bitcoin começou a aparecer nos jornais, teria comprado 333 moedas. Hoje, essas moedas valeriam alguns 9 milhões de euros – uma mais-valia totalmente livre de impostos em Portugal. Didi Taihuttu espera, “para bem do país”, que esta política não seja alterada.

Temos andado a passear por aqui, visitando vários sítios, e sabemos que a economia não está propriamente em grande forma, mas vejo que todos os ingredientes estão cá”: o sol, a praia, as pessoas e uma política amiga das criptomoedas.

O holandês garante que 50% dos rendimentos com o livro que escreveu, com as talks e com os frutos do canal no Youtube são entregues a projetos de caridade em vários locais: “as minhas filhas quiseram dar a projetos que protejam as crianças e os animais, portanto é a esses que nós damos”.

Ao Observador, Didi Taihuttu diz nesta fase que está a pensar pedir a nacionalidade portuguesa para toda a família e já andou a ver terrenos que poderia comprar, com vista a lançar uma espécie de “House of Dao” também em Portugal – “um local onde possamos reunir pessoas talentosas que queiram contribuir com projetos lindos que criem um mundo mais livre”. Isso e, claro, poder negociar criptomoedas sem pagar imposto.

Enquanto esses planos não se concretizam, porém, Didi vai continuando a ver as suas bitcoin a valorizarem-se nos mercados financeiros e vai fazendo os seus vídeos no Youtube, enquanto caminha na praia e, no final, se senta para beber uma cerveja. Uma cerveja paga, pois claro, com a fé nas criptomoedas que o holandês anda a espalhar pelo Algarve.

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