Artigo em atualização ao longo do dia
Nunca em período oficial de campanha o Bloco de Esquerda tinha apostado tanto em Viseu. Os resultados das europeias no distrito deram esperanças ao partido. Os bloquistas ficaram à frente do CDS, que veem agora como realizável o sonho de eleger aqui um deputado pela primeira vez. A ambição é grande e levou a campanha do BE a reunir os apoiantes do partido dos distritos do interior — Bragança, Guarda, Vila Real, Portalegre, Castelo Branco e Viseu — num almoço precisamente na cidade viseense.
Desde há muito que as estruturas locais bloquistas têm tentado dinamizar o distrito para chegar ao próximo domingo com a possibilidade de elegerem Bárbara Xavier, a cabeça-de-lista do BE por Viseu. Um desígnio que, perante uma sala com cerca de 250 pessoas na plateia, Catarina Martins assumiu de forma clara. “A direita fez-nos o favor de nos lembrar que cada deputado que perder pode ser um deputado do Bloco de Esquerda. Aliás, as europeias já nos mostraram isso com o BE a ultrapassar o CDS aqui em Viseu“.
A tirada surgiu já na fase final do discurso, mas trouxe com ela frases em catadupa para reforçar a ideia de retirar um deputado à direita, nomeadamente aos centristas, para eleger a candidata bloquista. Algo que Catarina Martins não hesitou em classificar como histórico. “Viseu, pela primeira vez na nossa história, pode ter uma deputada à esquerda que nunca hesitará na defesa dos salários, das pensões e de um país esforçado”, afirmou a líder do BE.
“A pergunta que fazemos é a seguinte: o que é melhor? Uma deputada que vá defender as pensões ou reeleger deputados que sempre cortaram nas pensões?”, questionou. “O que é melhor: um grupo parlamentar do BE forte, capaz de fazer frente ao sistema financeiro e de dizer que já chega de dinheiro para a banca ou reeleger os deputados que por este país colocaram 25 mil milhões de euros na banca e encerraram serviços públicos, tantos deles aqui em Viseu e no interior?“.
Depois de no almoço da FIL, em Lisboa, Catarina Martins ter apontado para a eleição de oito deputados pelo círculo da capital e de três parlamentares por Setúbal, a líder do BE continua a subir a fasquia por onde passa. Feitas as contas, e juntando a estes Luís Louro, cabeça-de-lista do partido por Viana do Castelo, que também é tido como elegível, os bloquistas já estão a apontar para a eleição de mais seis deputados. Ou seja: de 19 assentos parlamentares, o BE ambiciona passar para 25 lugares no hemiciclo. “Eleger a Bárbara Xavier é fazer história e dar mais força a um BE, que, toda a gente sabe, é incansável na defesa deste país”.
Um sonho a que a própria cabeça-de-lista por Viseu deu voz no palco, num curto discurso onde criticou os serviços públicos do interior e apelou a uma mudança no seu funcionamento. “Podem chamar utopia ao que quiserem mas nós fazemos acontecer“, disse, recorrendo ao slogan de campanha — “faz acontecer — e resumindo numa frase não só a ambição da própria como a de todo o partido para estas eleições legislativas.
Antes de Bárbara Xavier tinham discursado os cabeças-de-lista do partido por Bragança, Guarda, Vila Real, Portalegre e Castelo Branco. O Bloco quer crescer no interior e espera que essa batalha comece agora, dia 6 de outubro, com a eleição da candidata por Viseu.
No fim, havia quem brincasse com o nome do deputado centrista. “Helder Amaral escreve-se com ou sem acento?”. A resposta surgiu de forma inspirada: “Não sei, mas a partir de dia 6 de outubro é mesmo sem assento”. As expectativas do BE estão em alta e são já poucos os que tentam disfarçar. No entanto, a preocupação-mor continua por estas paragens: haverá maioria absoluta do PS? Isso também se tornou indisfarçável.
“Deixem-se de Tancos e de lavar roupa suja, falem sobre o futuro do país”
À semelhança do que aconteceu no sábado em Lisboa, a arruada do Bloco de Esquerda partiu do local onde teve lugar o almoço de campanha. A mancha de gente que saiu da Pousada de Viseu e começou a descer a rua em direção ao Parque Aquilino Ribeiro fazia-se ver e ouvir. Com bandeiras de várias cores ao alto e com uma primeira linha composta por personalidades fortes do partido — Catarina Martins, Fernando Rosas, José Manuel Pureza, José Soeiro e José Gusmão caminhavam na frente do pelotão ao lado de Bárbara Xavier –, eram vários os populares que paravam para olhar. Poucos eram os que passavam para o contacto com os bloquistas.
“Votas tu, voto eu, deputada por Viseu”. Era esta a canção que ia animando a comitiva que se ia aproximando no centro. A primeira pessoa que a líder do BE cumprimentou foi um sexagenário que estendeu a mão e confessou o seu sentido de voto. “Vou votar em ti porque és muito melhor do que o [Francisco] Louçã“, disse-lhe, tratando por “tu” Catarina Martins, que se limitou a sorrir.
As pessoas com quem a comitiva se ia cruzando nunca chegaram a misturar-se. Afinal, e apesar das altas expectativas com que a caravana se mostrava, esta é ainda a terra que durante décadas foi conhecida como o Cavaquistão. Algumas chegaram mesmo a atravessar a estrada para fugirem das cerca de duzentas pessoas que faziam a arruada. À chegada ao parque, um senhor chamado Jorge pediu ajuda à líder do BE. “Eu quero trabalhar e não me deixam“, atirou. Sem grande tempo para improvisar uma resposta, Catarina Martins devolveu uma frase chavão. “Temos de criar mais emprego”. Jorge foi rápido na reação. “Não é isso. Estou reformado mas quero trabalhar. Mas não me deixam. E eu preciso porque a minha reforma não chega”. Já mais orientada, a coordenadora bloquista respondeu que era necessário dar melhores condições aos pensionistas para que não fossem obrigados a ter de procurar trabalho.
O diálogo durou alguns segundos e terminou com mais uma confissão. “Eu votei durante muitos anos no PSD, mas só agora vi que estive sempre enganado“, desabafou Jorge, que recebeu de volta um aperto de mão da líder e um aplauso da comitiva, que aproveitou o momento para entrar no parque de forma sonora.
Já se tinham percorrido cerca de 200 metros e contavam-se apenas dois contactos populares. Talvez por isso, Catarina Martins se tenha lançado a cumprimentar uma senhora que filmava a passagem da comitiva. “Je ne suis pas portugais“, respondeu a assustada francesa. A líder do BE pediu desculpa e justificou-se: “Parecia mesmo que me estava a chamar”. Mais 20 metros e mais um contacto. Desta vez em português. “Deixem-se de Tancos e de lavar roupa suja, falem sobre o futuro do país“, pediu um senhor que observava a ação de longe. Prendeu de imediato a atenção de Catarina Martins, que lhe respondeu com veemência. “Temos de falar de pensões e salários e precisamos de defender o SNS”. O senhor e a mulher, que assistia à cena sentada, anuíram e cumprimentaram mais satisfeitos a líder do Bloco.
Quando por fim se aproximavam da esplanada central, repleta de pessoas a tomar o café pós-almoço, e com Catarina Martins motivada, o staff do BE decidiu travar a arruada. “Ficamos por aqui, muito obrigado a todos”. E ali, mesmo ao lado, ficaram os viseenses a olhar para desmobilização do partido, que foi abandonando o parque aos poucos.