303,8 mil visitas em julho. 852,3 mil visualizações de conteúdos. Mais de 290 mil fãs no Facebook. Falar do Daily Cristina não é só falar de moda, produções fotográficas, receitas ou viagens. É falar de números. Com pouco mais de um ano, o blogue pessoal da apresentadora de televisão Cristina Ferreira aparece no ranking da Netscope, sistema de medição de acessos à internet lançado pela Marktest, à frente de sites como o Turbo, Vogue, Destak ou Máxima. E só se centra nela. Nas roupas que usa, viagens que faz, no que gosta de comer, fazer ou recordar. Quem quiser sentir-se próximo da apresentadora, não precisa de ser seu amigo ou familiar. Basta seguir o diário virtual que alimenta desde maio de 2014 e ler as novidades que a celebridade posta regularmente.
Não é um negócio, revela. A apresentadora lançou o “Daily Cristina” porque gosta de “estar sempre a criar”. “Já era seguidora e admiradora de algumas bloggers internacionais, que admirava, tais como a Chiara Ferragni ou a Gala Gonzalez. Como não páro e gosto de estar sempre a criar, achei que era bem capaz de me ocupar de um projeto deste género”, explicou ao Observador. Sem conotar o blogue com uma perspetiva comercial, Cristina Ferreira conta que mesmo quando faz posts apoiados por marcas, deixa que a criatividade se sobreponha aos seus gostos pessoais. “Só publico aquilo de que gosto e em que acredito”, conta.
Da ideia à concretização passaram-se cerca de dois meses e o maior impasse andou à volta do nome. Escolhido o”Daily Cristina”, mãos à obra, e todos os dias há posts novos. “Não passamos um dia que seja sem alimentar o blogue com conteúdos. Lembro-me de, desde o início, comentar com a equipa que não havia nada pior para mim, como consumidora de blogues, do que abrir um deles e não existir novidade nesse dia. Era como se a blogger se tivesse desleixado e esquecido de mim”, revela. Hoje, existem 13 pessoas a trabalhar no “Daily Cristina”.
A página pessoal de Cristina Ferreira no Facebook contava, a 29 de agosto, com 1,2 milhões de gostos. O seu rosto e nome marcam presença assídua nas chamadas revistas “cor de rosa” e a curiosidade sobre a sua vida pessoal não pára de aumentar. Porquê um blogue quando a fama já é um dado adquirido? Para que as celebridades possam manter o estatuto que alcançaram, ampliá-lo e rentabilizá-lo, tornando-o numa marca ou estilo de vida, explica ao Observador Rita Figueiras, professora de Sociologia da Comunicação na Universidade Católica Portuguesa.
Cristina Ferreira não é a única celebridade a apostar na blogosfera para expandir a sua marca. A atriz Jessyca Athayde fê-lo com “Jessy James” em setembro de 2013, o ator Pedro Teixeira fê-lo em dezembro do mesmo ano com o blogue “Bons Rapazes” e o “Cabaret do Goucha”, de Manuel Luís Goucha, tem textos desde fevereiro de 2013.
Mas as estrelas da televisão nacional não são as únicas a renderem-se à blogosfera. As da moda também. Em abril de 2014, os modelos internacionais Luís Borges e Ana Sofia Martins lançaram os blogues “The Afro Boy” e o “Universo da Ana Sofia“, respetivamente, onde falam sobre a sua vida pessoal, carreira e tendências.
A primeira viagem de Ana Sofia Martins à blogosfera ocorreu em 2008, quando vivia em Nova Iorque. Nessa altura, lançou o “The Miseducation of Ana Sofia”, para poder “extravasar”, sem obrigatoriedades nem hora marcada. Apenas porque gostava de escrever. Com o “Universo de Ana Sofia”, o compromisso é outro. O blogue foi pensado a propósito do programa de televisão que começou a apresentar no final de junho e que “promete revelar os segredos dos blogues mais falados no país, o “A minha vida dava um blog”, transmitido na Sic Mulher.
No universo de Ana Sofia, os fãs da modelo podem encontrar um “bocadinho” da sua história. “Vejo o blogue como uma marca e, ao mesmo tempo, como um escape à minha realidade. Como o meu nome, imagem e propriedade intelectual estão todos interligados, também o vejo como um negócio”, explica ao Observador. A relação com as marcas que aparecem no blogue é gerida por quem já gere a sua carreira. Além disso, conta, deu-lhe a oportunidade de controlar melhor a informação que sai sobre si.
Media e blogues: uma afronta ou parceria? Para Rita Figueiras, parceria, porque é uma forma de a televisão utilizar as redes sociais a seu favor. “Em vez de funcionar como uma espécie de rival ou como um novo meio. O que a história demonstra é que sempre que aparece um novo meio de comunicação há logo um grande alarido e receio de que o novo meio substitua o anterior”, explica, acrescentando que os blogues existem em rede com os outros e que são uma fonte de informação. “Funcionam como uma forma de as figuras públicas controlarem ou, pelo menos, tentarem encaminhar os media para aquilo que preferem que se fale sobre eles”, adianta.
As tendências estão na rede
De uma coisa, parece não haver dúvidas. Famosos ou não, os bloggers ditam tendências. Segundo o relatório de 2013 do indexador de blogues Technorati Media, os blogues superam as redes sociais no que toca à influência que exercem sobre os consumidores. São de confiança, lê-se no estudo, estando no top 5 das fontes de informação da internet mais confiáveis. “De acordo com os consumidores, os blogues são mais influentes a formar opiniões do que o Twitter e afetam mais as decisões de compra do que o Facebook”, lê-se no documento. Na verdade, são a terceira fonte digital que mais influencia leitores, diz o estudo.
“Os seguidores dos blogues reconhecem os seus autores como especialistas nas matérias sobre as quais escrevem e, neste sentido, transformam-se não unicamente em opinion leaders, mas em opinion makers, podendo influenciar de forma ativa o modo como pensam os seus seguidores”, explica Miguel Trigo, diretor de marketing digital da agência de comunicação de marketing Up Partner.
Para o especialista, as marcas têm visto nos blogues uma possibilidade de chegar ao público, de explicar as características dos produtos e influenciar escolhas. “Se alguém em quem nós acreditamos disser que determinado produto/marca é muito bom, nós, no mínimo, vamos outorgar certa atenção ao produto. Mas isto não é novo para as marcas, que têm sempre tentado associar-se a pessoas reconhecidas nas suas especialidades”, adianta.
Existem várias formas de as marcas aproveitarem a blogosfera para comunicarem os seus produtos, explica Miguel Trigo. Seja através de banners de publicidade, que não são controlados pelos autores, mas por outras empresas, pelo envio de produtos para os bloggers, para que possam escrever livremente sobre eles, através de passatempos ou da associação a eventos. “Ultimamente, também temos bloggers que utilizam a sua imagem e marca para a criação de eventos, momentos onde as marcas também são convidadas a participar”, acrescenta.
Facebook, Twitter, Instagram. Há perigo de as redes sociais substituírem o papel dos blogues? Miguel Trigo diz que não e que são, por outro lado, uma “grande ajuda”. “Já não é possível considerar um blogue como um elemento estático. Ele comporta-se como uma marca e tem presença em distintos canais, começando, em muitos casos, pelo próprio autor, até à presença em redes sociais, eventos ou programas”, acrescenta.
Rita Figueiras concorda. A especialista em comunicação explica que, na maioria dos casos, as redes sociais funcionam como mais um lugar onde propagar os textos. “Há muitas pessoas a escrever nas suas páginas de Facebook, mas se não forem conhecidas, o seu impacto acontece estritamente dentro dos seus próprios grupos de amigos”, adianta. É que as ferramentas de partilha permitem que os conteúdos viagem e, ao viajarem, aumentam “exponencialmente” a sua disseminação.
A fama nasce no blogue
Famosos que lançam blogues pode ter virado moda, mas a moda dos blogues também tem originado fama. Que o diga Ana Garcia Martins, a autora do “A Pipoca Mais Doce”, um dos blogues mais lidos em Portugal, mas que já conta com dez anos de história. Segundo o Blogómetro, o blogue da ex-jornalista foi o segundo mais lido em julho de 2014, a seguir ao Visão de Mercado, com cerca de um milhão de visitas e 1,4 milhões de visualizações.
A Pipoca Mais Doce é uma marca, uma carreira, um negócio. Em 2010, a ex-jornalista foi contactada por uma empresa de licenciamento de marcas que achou que o nome tinha potencial. Desde então, Ana Garcia Martins já lançou uma linha de vernizes, cremes, de roupa, agendas, joias, entre outros produtos.
Começou a blogar quando tinha 23 anos, em janeiro de 2004. Recém-chegada ao jornalismo, Ana Garcia Martins procurou um espaço virtual onde pudesse escrever sem as limitações editoriais a que o jornalismo a obrigava. O blogue acabou por ser uma “plataforma ótima” para divagar sobre os assuntos que a jovem quisesse “e da forma que quisesse”. Como se fosse uma espécie de evolução natural do diário. “Na altura, ninguém sabia quem eu era e eu escrevia realmente sobre o que me apetecia”, conta ao Observador.
Dez anos depois, Ana Garcia Martins lançou dois livros e tem uma marca própria. Há cerca de três anos, deixou o jornalismo para se poder dedicar exclusivamente ao blogue. É dele que vive, do diário virtual que alimenta diariamente com posts sobre a sua vida pessoal. “Benfiquista ferrenha, dona de uma considerável coleção de sapatos, desportista ocasional (a idade e a gravidade não perdoam), pessoa que não diz que não a um chocolate e sempre prontinha para se enfiar num avião, que não há coisa melhor na vida”, lê-se na apresentação que faz de si própria.
Blogger profissional, em 2004, nada faria prever que seria esse o caminho. “Na altura, não havia ninguém que tivesse sequer essa perspetiva, mas a verdade é que me abriu inúmeras portas em termos de trabalho”, conta. O que atrai as pessoas? O facto de se identificarem com a sua vida, porque, como a ex-jornalista explica, também é um bocadinho a vida delas: os problemas no trabalho, com o namorado com quem casou e de quem já tem um filho. “Eu tinha um lado pessoal que estava muito presente no blogue e que o diferenciava dos outros. Não é um blogue de moda, não é um blogue de desporto, nem de culinária, é um blogue onde cabem essas coisas todas. Todas as minhas angústias e interesses”, explicou.
Hoje, conta que está mais contida e que o blogue perdeu alguma espontaneidade, porque tem “uma responsabilidade diferente”. “É o preço a pagar por ter tantos seguidores”, revela.
Com a chegada de redes sociais, como o Facebook e o Twitter, Ana Garcia Martins conta que acabou por haver efeitos positivos e negativos. De positivo, destaca a facilidade com que a informação chega a mais pessoas. De negativo, a dimensão que os seus comentários podem ter. “Anda muita gente, de facto, à procura de incendiar as redes sociais. É muito complicado ter-se uma opinião nos dias que correm, porque se calha alguém não concordar, pode transformar-se numa coisa de proporções inimagináveis”, explica.
O blogue de Ana Garcia Martins não é o típico “blogue fofinho”. Palavras da autora. Tem, antes, uma linguagem própria e irónica, que pode confundir algumas pessoas. Dez anos depois, a” pipoca mais doce” já sabe o que lhe vai dar problemas e tenta evitá-los. Sobre o futuro da blogosfera, diz que cada vez nascem mais blogues, mas que são muito semelhantes e que oferecem o mesmo tipo de conteúdo. “Acho que será feita uma triagem natural e só vão subsistir os que trouxerem algo diferenciador”, revela.
Diário público, para ler e crescer
Catarina Beato, “Dias de uma Princesa“, março de 2005. A princesa que não é princesa começou a escrever online quando ficou desempregada. O mês era um dos mais difíceis: fazia anos que o pai tinha falecido. Com um filho pequeno, de três anos, viu na blogosfera “um escape”. “Queria ser lida. Queria escrever, porque era aquilo que gostava de fazer. A sensação de poder ter um diário que outras pessoas pudessem ler era saborosa”, conta.
Começou a escrever no “Dias de uma Princesa” seis meses antes de entrar para o Diário Económico como jornalista. Na altura, “éramos muito poucos”, revela. Lembra-se de que lia “A Pipoca Mais Doce” e o “Abrupto”, de José Pacheco Pereira. Quase dez anos depois, o “Dias de uma Princesa” transformou-se numa marca. “Acabei, de facto, por crescer, em alguns lugares e por ser conhecida por causa do blogue. Tudo o que tenho editado acaba por ser muito colado à palavra ‘Princesa’ e tornou-se a minha assinatura”, explica. Mas de princesa, Catarina Beato diz não ter nada. “Sou o oposto disso”, revela.
O post que escreveu a propósito da campanha do Pingo Doce no primeiro de maio de 2011 levou-a ao Dinheiro Vivo, onde desde essa altura escreve semanalmente as “Crónicas na Corda Bamba”. Pelo meio, dois livros: O “Dias de uma Princesa” e o “Dieta das Princesas”. Conta que há dez anos, as pessoas “encontravam-se nos blogues”. “O [chat] mIRC tinha ficado lá atrás e o Hi5 [rede social] tinha-se tornado uma plataforma de engate”, recorda. As conversas começaram a ser feitas nas caixas de comentários. “Eu lembro-me de no segundo ano do blogue ter comentários que poderiam ser uma conversa de chat. Esse lado dos blogues perdeu-se quando o Facebook apareceu”, revela.
O que mudou? A ingenuidade ou falta dela. Se há dez anos as pessoas lançavam blogues porque queriam falar do que estavam a sentir, explica Catarina Beato, hoje são mais uma forma de fazer dinheiro. Quase dois terços dos bloggers influentes fazem dinheiro com as suas páginas online, diz o estudo da Technorati Media, e cerca de 80% ganha menos de 10 mil dólares (7,5 mil euros) por ano. Miguel Trigo explica que as pessoas que tentam criar blogues unicamente com objetivos comerciais rapidamente desistem, porque o esforço exigido é importante e a recompensa, se aparecer, é a longo prazo.
“Se fizermos uma analogia com o mundo do futebol, há muita gente que joga à bola, mas só uma pequena parte ganha alguma coisa e poucos privilegiados ganham muito. Depois, existe outra massa de pessoas que gostam de ver jogar e é por esse motivo que existem profissionais de bola”, explica o especialista em marketing digital.
Catarina Beato conta que os seus projetos profissionais acabaram por ficar mais ligados ao blogue por necessidade do que por iniciativa. O “Dias de uma Princesa” está associado à plataforma Clix, que gere a maioria dos contactos que a Catarina Beato tem com as marcas. Sobre a entrada das celebridades na blogosfera, Catarina espera que possam contribuir para que as marcas percebam ainda mais “a ferramenta poderosa” que é o blogue. Para o futuro, espera que o caminho seja o da profissionalização. Moda ou não moda. Com fama ou para meia dúzia de amigos. “Blogar” já é verbo em português.