A falta de segurança na estrada municipal que liga Borba a Vila Viçosa e o risco de colapso foram reportados à secretaria de Estado da Energia no final de 2014, no Governo do PSD/CDS. Num e-mail enviado à chefe de gabinete do secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, o então diretor-regional da Economia remeteu o ofício deste organismo que alertava para o perigo de arrastamento de parte da estrada, na sequência da exploração das pedreiras, e cujo conteúdo foi já revelado pelo Observador.
Nesta comunicação, seguiu o memorando que saiu da reunião de 20 de novembro de 2014 realizada na Câmara Municipal de Borba com os serviços da Direção-Regional de Economia (DRE) e os industriais de mármore, em que foi discutido o encerramento da via. Também foi enviado um documento em powerpoint no qual eram mostradas imagens, propostas medidas de atuação e em que era também deixado este aviso: “O colapso da estrada potencialmente acarretará consigo vítimas e nesse caso a responsabilidade civil e criminal será das empresas exploradoras, das câmaras municipais e das entidades licenciadoras e fiscalizadoras”. Neste caso é a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que recebeu todas as competências em matéria de pedreiras em 2015, no Governo do PSD/CDS, quando foram extintas as direções-regionais de economia. O então secretário de Estado, Artur Trindade, garante que a informação não lhe foi comunicada. Mas foi enviada à DGEG.
Borba. Memorando da Direção Regional de Economia de 2014 traçou cenário de arrastamento da estrada
O e-mail do último diretor-geral de Economia do Alentejo, João Filipe de Jesus, mostra que não foram apenas a Câmara de Borba e a Direção-Regional de Economia, duas estruturas locais, a conhecer os perigos da Estrada Municipal 255 devido às pedreiras que a rodeavam. O tema chegou ao Governo em finais de 2014, pelo menos ao gabinete de um dos seus secretários de Estado, e foi do conhecimento do órgão do Estado que teria as funções e responsabilidades e matérias de minas. Mas, na altura, não foi tomada qualquer decisão ou desencadeada qualquer ação ao nível da administração central, porque foi entendido que os serviços da DRE no Alentejo estavam a fazer precisamente o que deviam fazer: a monitorizar a situação de estabilidade das explorações de mármore, avaliar os riscos para a estrada e avisar a entidade que tinha a responsabilidade pela via, a Câmara Municipal de Borba, tendo inclusive recomendado o seu encerramento.
O e-mail seguiu a 1 de dezembro, que não foi feriado em 2014 — a eliminação de quatro feriados decidida pelo Governo de Passos Coelho foi revertida pelo atual executivo. Na mensagem a que o Observador teve acesso, João Filipe de Jesus invocava as competências da direção-regional que liderava no licenciamento de pedreiras e demais condições de segurança para comunicar:
“Temos vindo a acompanhar com alguma preocupação, o assunto relatado na informação infra, no que toca à falta de segurança existente no troço de estrada que liga Borba a Vila Viçosa devido às condições de estabilidade dos taludes laterais que confinam com esta, cujo colapso poderá colocar em perigo, quer a segurança dos trabalhadores das pedreiras, quer a própria circulação de viaturas ligeiras e de pesados, na Estrada Municipal 255, no troço entre Borba e Vila Viçosa”.
Num documento de powerpoint enviado em anexo, a Direção-Regional de Economia do Alentejo descrevia a situação, com várias fotografias aéreas e com informação sobre a atuação daquele organismo, que tentava, junto dos exploradores de mármore, corrigir a situação desde 1995. Apesar de algumas correções, e dos esforços das empresas, “persistem focos instabilidade”, escrevia o responsável da DRE.
“Perante a possibilidade de colapso dos taludes, a qualquer momento, a salvaguarda da segurança implica a necessária reavaliação de riscos”. Entre as medidas propostas estava o eventual encerramento da estrada entre os km 1,3 e 1,9. Também se admitia a limitar a circulação e eram propostas soluções alternativas de percursos que já são conhecidos. É também sugerida a criação de um grupo de trabalho e proposto um estudo das soluções alternativas, bem como a elaboração de um projeto de execução.
A DRE Alentejo avisa ainda que o “colapso da estrada potencialmente acarretará consigo vítimas”. E nesse cenário, a responsabilidade civil e criminal será das câmaras, mas também das empresas exploradoras e das entidades licenciadoras e fiscalizadoras, e que estão na alçada do Governo. Uma visão que parece contrariar a indicação dada na semana passada pelo primeiro-ministro. Para António Costa, neste caso não há uma evidência da responsabilidade do Estado, isto porque que aquela via rodoviária não é desde 2005 da gestão das infraestruturas estatais.
O então diretor-regional de Economia lembrava ainda que a “competência legal para eventual encerramento ao tráfego da referida EM 255 é da respetiva autarquia”, informando das reuniões com a Câmara de Borba e com os empresários das pedreiras que se localizavam na zona crítica no sentido de discutir sugestões de mitigação dos riscos emergentes, em ordem a minimizar “ruídos” na opinião pública e junto dos agentes económicos”.
Os “ruídos” na opinião pública invocados por João Filipe de Jesus remetem para a notícia da Rádio Campanário de 21 de novembro em que o próprio reconhece os riscos de segurança da via e que foi divulgada um dia depois da reunião realizada na autarquia entre os serviços da DRE, o autarca António Anselmo e alguns empresários do mármore.
Sublinhando ainda que a Direção-Geral de Economia estava em extinção e que as suas competências na área das pedreiras seriam transferidas para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), o ainda diretor-regional refere que considerou “avisado o reporte desta informação ao gabinete do Senhor Secretário de Estado da tutela, dado que a matéria já foi objeto de abordagem ao nível da comunicação regional”. João Filipe de Jesus informa ainda dará o conhecimento do assunto ao Diretor-Geral da DGEG.
Em declarações ao Observador, João Filipe de Jesus confirma que os seus serviços da DRE estiveram reunidos com a Câmara de Borba e com os empresários do mármore de onde saiu o segundo memorando que alertava para os riscos da estradas. Esse documento e o ofício dos serviços de recursos geológicos, esse datado de 30 de junho, seguiram por e-mail para a chefe de gabinete do secretário de Estado da Energia no dia 1 de dezembro de 2014.
“Cumprimos os deveres previstos no regime de licenciamento que está definido na lei 340/2012, alertámos a Câmara Municipal, que tem a responsabilidade da estrada, na reunião de 20 de novembro e seguiu um email para a tutela com a lista das pedreiras envolvidas.”
Secretário de Estado diz que não foi informado. “Já estava a ser feito tudo o que devia ser feito”
Mas o e-mail enviado ao gabinete do secretário de Estado não terá chegado a Artur Trindade. O próprio reafirmou ao Observador as declarações já feitas na sequência do desastre de Borba, nas quais assegurava nunca ter sido informado por e-mail ou por outra via para a situação de risco na estrada de Borba. Esta versão é aliás corroborada também ao Observador pela chefe de gabinete do então secretário de Estado da Energia.
Marta Alves confirma a receção do e-mail de João Filipe de Jesus e explica que não o remeteu para o secretário de Estado porque o entendeu como o reporte da informação da passagem de competências da DRE, que ia ser extinta, para a DGEG. E refere que houve outros e-mails com o mesmo objetivo de comunicação.
Marta Alves assinala também que nesta informação não era proposto qualquer plano de ação ou pedida qualquer decisão que envolvesse a secretaria de Estado, porque tudo estava a ser já feito no âmbito das competências para a área das pedreiras. Por outro lado, acrescenta, João Filipe de Jesus informava que ia remeter a mesma informação para a Direção-Geral de Energia e Geologia, a entidade que assumiu a totalidade das funções do Estado nesta atividade a partir de meados de 2015.
A ex-chefe de gabinete sublinha ainda que pelas diligências descritas pelo diretor-regional, as funções e deveres daquela direção enquanto entidade fiscalizadora das pedreiras estavam a ser cumpridos. “Tudo estava a ser feito como devia ser feito”, tendo, inclusive, sido recomendado o fecho da estrada à entidade que tinha essa responsabilidade, a Câmara de Borba.
E se Artur Trindade tivesse sido informado? As várias fontes ouvidas pelo Observador admitem que pouca coisa teria mudado. Eventualmente haveria uma maior pressão sobre os serviços que estavam a acompanhar o tema no sentido de eles próprios pressionarem a autarquia no sentido de tomar medidas, nomeadamente encerrar a estrada.
Uma cópia com os alertas da DRE foi também enviada ao então diretor-geral de Energia, que agora diz que a recebeu no dia 5 de dezembro (depois ter chegado à sua secretária a 3 de dezembro). Pedro Cabral, que na sexta-feira tinha afirmado ao Observador não ter memória, nem registo de ter sido informado da situação de risco na estrada por causa das pedreiras, admitiu já esta segunda-feira que afinal recebeu o e-mail, mas que não se recordava. O ex-diretor-geral justifica esta situação com o facto de não ter sido chamado a avaliar a situação ou a tomar qualquer decisão ou a propor qualquer ação sobre a matéria. E enfatiza que deixou as funções na Direção-Geral de Energia menos de um mês depois de esta informação ter chegado.
Acrescenta que o mail sobre a situação de Borba foi remetido ainda em 2014 para a Direção de Serviços de Minas e Pedreiras da Direção-Geral da Energia e Geologia (DGEG), a entidade que passou a concentrar todas as competências pelo licenciamento e fiscalização das pedreiras da DRE. As direções-regionais de Economia, que até então tinham desempenhado essa funções a nível local, eram uma estrutura do Ministério da Economia, mas que já se encontrava em processo de extinção, que foi finalizado em despacho de fevereiro do ano seguinte, 2015.
Mas se tudo o que devia ser feito estava a ser feito em dezembro de 2014, até à extinção das direções-regionais de economia, o que aconteceu depois? Como é que a entidade que herdou as competências de fiscalização de pedreiras monitorizou a evolução deste tema no terreno?
Sabemos que Câmara de Borba discutiu o tema numa assembleia municipal no dia 27 de dezembro de 2014 e que chegou a estar prevista um outro encontro para tomar decisões, de acordo com ata divulgada pelo Observador, mas que não chegou a acontecer.
João Filipe de Jesus deixou o cargo de diretor-regiomal nos meses seguintes, na sequência do desaparecimento desta estrutura. O Diretor-Geral da Energia e Geologia que recebeu a documentação com alertas sobre Borba saiu no final de 2014 e foi substituído por Carlos Almeida, que entrou já quando a DGEG tinha todas as competências no setor de minas e pedreiras. Em declarações ao Observador, feitas na sexta-feira passada, Carlos Almeida afirmou nunca ter sido alertado para nenhum documento relacionado com perigos na estrada de Borba. Adiantou que muitos dos processos ficaram nas estruturas locais da DGEG que assumiram as competências da DRE, nomeadamente em matéria de licenciamento de pedreiras, que era uma área decidida por estas estruturas locais e não pelo serviços centrais da DGEG. O Observador sabe ainda que os dois funcionários da extinta DRE, que participaram na reunião na Câmara de Borba — Bernardino Piteira e Maria João Figueira — estão agora na DGEG.
Esta entidade passou entretanto do Ambiente, onde estava quando recebeu as competências sobre as pedreiras, para a Economia — com o Governo socialista — e regressou à tutela do Ambiente após a última remodelação, estando debaixo da alçada do secretário de Estado da Energia, João Galamba, que tem as responsabilidades pela Direção-Geral de Energia e Geologia, tendo inclusive mudado recentemente o responsável máximo por este organismo.
O Ministério liderado por Matos Fernandes ordenou entretanto uma inspeção da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão de operação das pedreiras situadas na zona onde ocorreu o acidente do dia 19 de novembro. O prazo para apresentar resultados é de 45 dias. O Ministério Público abriu também o inquérito.
Numa resposta enviada ao Observador na semana passada, fonte oficial do Ministério do Ambiente reconhecia que as pedreiras que rodeavam a estrada municipal 255 foram licenciadas sem que cumprissem a zona mínima de defesa de 30 metros, porque estas explorações já existem nessas condições antes da publicação da lei que estabeleceu esses limites e não era possível tecnicamente afastá-las para esse intervalo de segurança. “Todavia, perante a situação de facto, considerou-se que o respetivo licenciamento permitiria impor a adoção de medidas ao nível da segurança da exploração”.
Aliás um dos pontos que precipitou as reuniões a partir de novembro de 2014 foi a publicação no início do mês do regime extraordinário de regularização de unidades industriais, agrícolas e pedreiras que permitia a explorações que não cumpriam as regras de ordenamento ou de uso do solo continuassem a operar desde que apresentassem um pedido de regularização e um plano de ação para resolver as desconformidades. Esta legislação acautela em particular a situação de unidades autorizadas a operar e que não cumprem regras definidas já depois da sua instalação.
“O Governo considera essencial criar um mecanismo que permita avaliar a possibilidade de regularização de um conjunto significativo de unidades produtivas que não dispõem de título de exploração ou de exercício válido face às condições atuais da atividade, designadamente por motivo de desconformidade com os planos de ordenamento do território vigentes ou com servidões administrativas e restrições de utilidade pública.
Da mesma forma, importa considerar aqueles estabelecimentos e explorações que, dispondo de título válido de exploração ou de exercício, estão impossibilitados de proceder à sua alteração ou ampliação, também por força de condicionantes atinentes ao ordenamento do território supervenientes à sua instalação.”