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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Borba. Memorando da Direção Regional de Economia de 2014 traçou cenário de arrastamento da estrada

Direção Regional da Economia do Alentejo alertou em junho de 2014, em memorando obtido pelo Observador, para o “arrastamento de parte da estrada" de Borba. Resta saber a quem foi enviado o documento.

Sem meias palavras, nem frases dúbias. A Direção Regional da Economia do Alentejo alertou em junho de 2014 para o risco de “deslizamento das camadas” no troço que liga Borba a Vila Viçosa que poderia causar um “arrastamento de parte da estrada EM 255”.  A informação consta de um memorando da DRE do Alentejo datado de 30 de junho de 2014, ao qual o Observador teve acesso, e põe em dúvida a versão do Governo de António Costa de que o Estado (a administração central e o Governo) não teve conhecimento dos riscos. O alerta foi feito ainda no tempo do Executivo de Passos Coelho por um organismo que no papel já estava extinto, mas que permaneceu em funções até meados de 2015.

Ou seja, em junho de 2014, com base em estudos e após uma reunião na Câmara Municipal de Borba com os empresários que exploravam o mármore na pedreira contígua à estrada, a Direção Regional da Economia do Alentejo anteviu o desastre da passada segunda-feira. Resta saber a quem terá chegado o memorando, assinado pela Chefe de Divisão dos Recursos Geológicos da DRE do Alentejo, a engenheira Maria João Figueira.

No memorando, a técnica da DRE do Alentejo também deixa claro que o assunto da falta de segurança da estrada EM255 não era surpresa para os serviços. “Desde há vários anos tem esta Direção Regional da Economia vindo a constatar a falta de segurança existente no troço de estrada que liga Borba a Vila Viçosa devido às condições de estabilidade dos taludes laterais que confinam com esta, cujo colapso colocará em perigo, quer a segurança dos trabalhadores das pedreiras quer a circulação de ligeiros e pesados que se verifica nessa estrada”.

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É assim que começa o memo de Maria João Figueira, que surge assinado pela própria, com o timbre do “Ministério da Economia”, então liderado por António Pires de Lima. A engenheira não especifica a quem dirigiu o memorando, nem a quem o encaminhou. Em seis páginas, a engenheira Maria João Figueira dá conta que a “DRE do Alentejo é do parecer (sic) que persistem focos de instabilidade que continuam a ser acompanhados” e “para os quais continua a ser solicitada a intervenção dos exploradores”, ou seja das empresas de mármores. Isto com base na análise dos relatórios apresentados, por solicitação da própria entidade, às empresas exploradoras do mármore das pedreiras “cujos limites confinam com a estrada em causa”.

“Este risco está associado sobretudo à existência de fracturação planar, paralela ao talude, a qual cria instabilidade, existindo o risco de deslizamento e queda parcial do talude acima dos 50 metros de profundidade. Neste deslizamento das camadas poderá haver arrastamento de parte da estrada EM 255”, indica o memorando.
Memorando da Direção Regional de Economia de junho de 2014

A DRE salienta que permanecia “interditado o trabalho em alguns locais dentro da pedreira”, para salvaguardar a segurança dos trabalhadores e para “minimizar o risco de introdução de novas tensões desconhecidas”.

“Este risco está associado sobretudo à existência de fracturação planar, paralela ao talude, a qual cria instabilidade, existindo o risco de deslizamento e queda parcial do talude acima dos 50 metros de profundidade. Neste deslizamento das camadas poderá haver arrastamento de parte da estrada EM 255”, indica o memorando.

Pior. Este risco era “agravado”, entendia a DRE do Alentejo, “uma vez que a área em causa se localiza dentro da classe B de risco sísmico, a segunda zona de maior risco sísmico em Portugal”. Maria João Figueira também escreve que, a juntar a estes factos se junta um outro: “a eventual lixiviação das camadas subjacentes à estrada”, uma vez que o aquífero foi rebaixado pela extração de água efetuada pelas pedreiras em atividade.

Este memorando da DRE do Alentejo surge cinco dias depois de uma reunião na Câmara Municipal  de Borba, que resultou num outro memorando, neste caso dos empresários das pedreiras. Neste outro memorando dos empresários, ao qual o Observador também já tinha tido  acesso, os proprietários das empresas alertam para “as questões de segurança de pessoas (utentes da via e trabalhadores das explorações) e bens”.

Além da segurança, os proprietários terão avisado ainda que, uma vez que era um risco trabalhar perto da estrada, algumas zonas estavam paradas. “Torna-se imperativo a resolução da problemática com a EM255 para que seja possível assim reabilitar a exploração nestas pedreiras e consequentemente contribuir para o crescimento dos postos de trabalho“, lê-se no memorando dos empresários. O documento posterior da DRE também confirma isto: parte dos trabalhos esteve parado por questões de segurança.

E quais foram as soluções apresentadas pelos empresários na reunião de 25 de junho? Duas rotundas que seriam construídas antes do troço que viria a ruir na passada segunda-feira. “Andámos a ver os caminhos alternativos que se podiam fazer e identificámos saídas para todas as empresas. Não só as nossas!”, referiu um dos proprietários ao Observador esta semana. O documento apresenta esses mesmos acessos alternativos para cada uma das nove empresas que seriam afetadas, caso a estrada fosse cortada.

Além das alternativas, o grupo de proprietários previu ainda a “criação de um grupo de trabalho entre empresários, Câmara Municipal e DRE para quantificar os custos e para fazer um ‘como’ e um ‘quando’”, segundo explicou um proprietário de uma pedreira. Foi também pensada a hipótese de se definir uma estratégia de comunicação à população, para atenuar as reações menos positivas. “Se tivermos a câmara a dizer que fecha a estrada, vão perder eleitores, porque vão dizer que são os interesses dos malandros do empresários que querem explorar o mármore”, explicou a mesma fonte.

Ata mostra que Câmara de Borba desvalorizou alertas em 2014

Na reunião onde o documento terá sido mostrado, a maioria dos proprietários terá concordado que a melhor hipótese seria cortar a estrada. Mas houve quem se opusesse. “Não podemos agradar a gregos e a troianos”, disse um dos elementos que esteve na reunião.  Quanto aos opositores, o memorando já se antecipava, numa espécie de premonição: “Os principais ‘opositores’ da solução serão os primeiros, em caso de algum acidente, que esperemos que não suceda, a mostrarem-se revoltados pela existência da estrada referindo que desde sempre estavam indignados pelo perigo da estrada e por ninguém fazer nada!”.

A engenheira da DRE foi precisamente uma das pessoas na reunião na Câmara de Borba, apurou o Observador. E tomou boa nota das sugestões que lá ouviu, tanto mais que considera as soluções apontadas pelos empresários como uma boa oportunidade de resolver o problema. Mas no seu relatório também dá conta de passividade das empresas na realização de trabalhos pedidos pela sua própria entidade.

“Em 2009 foi solicitado pela DRE Alentejo a esta empresa [Contimaro – Indústria de Mármores, SA] que os trabalhos a desenvolver fossem articulados com a empresa Plácido José Simões, SA já que os mesmos seriam efetuados no talude que é comum às duas pedreiras e porque existe uma continuidade espacial das duas pedreiras sem que haja zonas de defesa entre as duas”, escreve Maria João Figueira, sublinhando que “foi imposto” que os trabalhos fosse executados por uma empresa especializada “de reconhecida competência”.

Só que no parágrafo seguinte diz que, à data do memorando — 30 de junho de 2014, quase cinco anos depois — os trabalhos ainda não tinham sido executados, “encontrando-se um novo relatório a ser alvo de avaliação e subscrição pelas duas empresas e por ambos os responsáveis técnicos”, para que “dentro em breve possa ser dada sequência aos trabalhos”.

“Coloca-se assim a necessidade de articulação dos trabalhos a executar nesta área de forma a minimizar todos os constrangimentos, quer na exploração de um recurso que se revela vital para a região [o mármore], quer da preservação da segurança de pessoas e bens”. E conclui: “a qual hoje nos continua a merecer forte preocupação”.

Por último, a técnica da DRE considera que as soluções encontradas pelos empresários dos mármores “pode vir a revelar-se como uma oportunidade importante de minimização dos riscos identificados”, mas sobretudo na vertente económica, nomeadamente por “permitir a valorização do recurso nela existente”. Ou seja, o mármore.

Para quem foi enviado o memorando da DRE?

A grande questão agora é: a quem chegou o memorando que a chefe dos DRE do Alentejo elaborou a 30 de junho de 2014, com o alerta quanto ao “arrastamento de parte da estrada EM255”. O primeiro-ministro, António Costa, reafirmou na tarde desta sexta-feira que neste caso não há uma evidência da responsabilidade do Estado, salientando que aquela via rodoviária não é desde 2005 da gestão das infraestruturas estatais.

“Se houver alguma responsabilidade com certeza, mas, ao contrário de outras circunstâncias, não há uma evidência da responsabilidade do Estado”, disse, comparando com o caso da ponte de Entre-os-Rios, que caiu no início de 2001, que era “uma infraestrutura do Estado e não do município”. No caso do acidente de Borba, salientou, “a estrada não é da gestão das infraestruturas do Estado desde 2005”.

António Costa sobre Borba: “Não há evidências” de responsabilidade do Estado”

Saber se o Estado teve responsabilidade ou não no caso da estrada EM255 pode passar por saber quem é que a Direção Regional de Economia do Alentejo avisou. O procedimento normal, disseram ao Observador várias fontes conhecedoras dos procedimentos, seria que a chefe da Divisão dos Recursos Geológicos da DRE do Alentejo tivesse informado o seu superior máximo, neste caso o último diretor regional da Economia, João Filipe de Jesus. O Observador tentou obter esclarecimentos deste responsável, mas sem sucesso.

O então diretor-regional admitiu, em declarações à Rádio Campanário produzidas em novembro de 2014, que a instituição reconhecia a existência de questões de segurança relacionadas com a estrada. O que não se sabe é se João Filipe de Jesus reportou o assunto ao Governo e a quem. O responsável saiu do cargo em maio de 2015 e atualmente trabalha no setor privado.

A estrada cercada por pedreiras. Os responsáveis, os avisos e as perguntas sem resposta

Para complicar ainda mais as coisas, o memorando da técnica da DRE coincide com um período de extinção destes organismos que demorou ainda mais de um ano a concretizar. As direções-gerais de economia foram extintas com a lei orgânica do Ministério de Economia de Pires de Lima em janeiro de 2014, cinco meses antes do memorando escrito pela engenheira Maria João Figueira a alertar sobre a estrada, mas a sua verdadeira extinção no terreno só acontece em maio de 2015.

Ex-diretores gerais e ex-secretário de Estado desconheciam alerta

As competências da DRE foram passadas para o IAPMEI, Instituto Português de Qualidade e DGEG (Direção-Geral de Eenergia e Geologia) e o processo foi coordenado por um grupo de trabalho, liderado pelo então diretor-geral da Energia, Pedro Cabral. Pedro Cabral disse ao Observador que não tem registo, nem memória de ter sido comunicado um ofício daquele teor neste período de transição. E afirma que certamente se lembraria de um documento com um nível de alerta tão elevado, que teria consequências. Artur Trindade, secretário de Estado da Energia com a tutela das minas entre 2013 e 2015, também afirmou ao Observador que não foi avisado, nem informado de nenhum alerta dessa natureza.

Artur Trindade sublinha que a DGEG teve competências partilhadas na áreas das minas até meados de 2015, e só com a extinção das DRE é que ficou com tudo.  Os dois consideram que uma situação com esta gravidade deveria ter sido reportada à DGEG que estava já em processo de assumir todas as competências no setor mineiro. Nesta fase de transição, as direções-regionais da economia não constam da lei orgânica do Ministério da Economia, mas continuariam a reportar à tutela, que pela informação recolhida pelo Observador, seria o secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, A própria DGEG mudou de casa no final de 2013 e passou do ministério da Economia para o Ambiente, onde voltou a agora com a última remodelação.

Apesar do desconhecimento manifestado pelos antigos responsáveis pela DGEG, fonte oficial do Ministério do Ambiente, em resposta ao Expresso, diz que a “DGEG e os organismos que a precederam sempre alertaram para a situação de risco” da EM 255, tendo mesmo sido proposto “o encerramento dessa via”. Sem esclarecer que entidades em concreto no Governo teriam sido avisadas. António Pires de Lima, ministro da Economia da altura, que tinha a tutela das direções regionais de economia, afirmou ao Público desconhecer o perigo da estrada que ruiu esta segunda-feira.

Sabemos sim que a entidade que tinha a responsabilidade pela manutenção da estrada, a Câmara Municipal de Borba, foi avisada. Com a extinção da DRE, todos os processos e documentos sobre minas foram transferidos para a DGEG, a partir de maio de 2015, mas Artur Trindade garante ao Observador que nada lhe foi comunicado sobre o tema enquanto esteve em funções até novembro de 2015, quando caiu o segundo Governo liderado por Passos Coelho.

Pelas informações recolhidas pelo Observador, o processo de extinção das direções regionais da economia, que fazia parte do processo de reforma do Estado, criou grande confusão e disrupção nos processos. Houve documentos em relação aos quais se perdeu o rasto, nomeadamente porque não se sabiam onde estavam arquivados e funcionários sem saber a quem reportar. Um vazio legal e funcional que pode ter contribuído para o aparente esquecimento destes estudos e alertas.

Carlos Almeida que foi diretor-geral da Energia em funções já após a extinção da DRE também disse ao Observador que não foi alertado para nenhum documento relacionado com a estrada de Borba. Adianta que muitos dos processos ficaram nas estruturas locais da DGEG que assumiram as competências da DRE, nomeadamente em matéria de licenciamento de pedreiras, que era uma área decidida por estas estruturas locais e não pelo serviços centrais da DGEG.

Estas funções passaram a ser desenvolvidas pelo núcleo de Évora da DGEG. O Observador tentou contactar com o responsável, Bernardino Piteira, mas não foi possível estabelecer o contacto. Já o Ministério do Ambiente, que atualmente tutela a DGEG, adianta que estudos sobre o tema foram entregues ao ao IGAMAOT (Inspeção-Geral do Ministério do Ambiente) a quem foi pedida uma inspeção ao licenciamento e fiscalização da atividade das pedreiras. Sobre que estudos em concreto foram feitos ou estão na posse da DGEG, fonte oficial adiantou:

“No decurso de reuniões ocorridas com os exploradores e respetivos responsáveis técnicos das pedreiras n.º 5145 e 5201 é referida a necessidade de articulação dos trabalhos de exploração entre pedreiras, bem como, de articulação das conclusões dos vários estudos e relatórios elaborados em momentos diferentes pelo Instituto Superior Técnico (IST) e Universidade de Évora (UE), sobre a situação de instabilidade e/ou de trabalhos com vista à estabilização dos taludes destas 2 pedreiras junto à Estrada Municipal 255.

Após a receção destes relatórios e articulação e conciliação dos mesmos pelas duas universidades, nomeadamente sobre a sua conclusão, foram executados os trabalhos recomendados para a estabilização dos taludes, nomeadamente de contenção e reforço do maciço rochoso através de pregagens, conforme determinação da entidade licenciadora”.

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