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Domingos Névoa, líder da Bragaparques (à esquerda) perdeu o direito a ser indemnizado. Decisão judicial faz António Costa e Fernando Medina (ao centro) respirarem de alívio e censura tribunal arbitral liderado por Menezes Cordeiro (à direita)
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Domingos Névoa, líder da Bragaparques (à esquerda) perdeu o direito a ser indemnizado. Decisão judicial faz António Costa e Fernando Medina (ao centro) respirarem de alívio e censura tribunal arbitral liderado por Menezes Cordeiro (à direita)

Domingos Névoa, líder da Bragaparques (à esquerda) perdeu o direito a ser indemnizado. Decisão judicial faz António Costa e Fernando Medina (ao centro) respirarem de alívio e censura tribunal arbitral liderado por Menezes Cordeiro (à direita)

Bragaparques perdeu uma fortuna mas já recebeu 101 milhões de euros

Tribunal censura arbitragem liderada por Menezes Cordeiro por não respeitar trânsito em julgado da anulação do negócio de permuta do Parque Mayer/Feira Popular. Bragaparques já recebeu 101 milhões.

A decisão do Tribunal Central Administrativo Sul que levou à anulação da indemnização que a Câmara de Lisboa teria de pagar à empresa Bragaparques é um duro revés para os tribunais arbitrais. Tudo porque os juízes desembargadores acusam a arbitragem de ter promovido a violação do caso julgado.

Ou seja, os árbitros partiram do princípio em 2016 de que o negócio jurídico de permuta acordado entre os presidentes Santana Lopes/Carmona Rodrigues (PSD/CDS) com a Bragaparques era válido quando o mesmo já tinha sido anulado pelos tribunais administrativos por decisão transitada em julgado em 2016.

Com a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul revelada pelo Observador na última segunda-feira, a Bragaparques perdeu o direito a receber cerca de 177 milhões de euros — valor que poderá aumentar tendo em conta que ainda está em aberto o valor de mercado dos terrenos do Parque Mayer a que a empresa de Domingos Névoa terá direito. Este número é confirmado por fonte oficial do gabinete do presidente da Câmara de Lisboa e contraria os 239,6 milhões de euros que o Observador e a própria autarquia revelaram como sendo o valor anulado pela decisão judicial.

A explicação para a diferença entre os dois valores é simples: a Câmara de Lisboa liderada por Fernando Medina já pagou cerca de 101 milhões de euros à Bragaparques, cumprindo assim o acordo de reconhecimento de dívida que o então autarca (e hoje primeiro-ministro) António Costa assinou em 2014, confirmou fonte oficial da autarquia ao Observador. Tal acordo teve como objetivo sanar todos os conflitos judiciais então pendentes e constituir o tribunal arbitral que veio dar razão à Bragaparques.

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Imbróglio jurídico já dura há mais de 16 anos

De forma simples, toda a decisão arbitral anulada pelo Tribunal Central Administrativo Sul assentou em alegados prejuízos causados à empresa de Domingos Névoa por um negócio jurídico que, em virtude de uma decisão de 2012 do próprio tribunal central que transitou em julgado, não tinha qualquer existência legal. E que negócio era esse? A permuta negociada pela dupla Santana Lopes/Carmona Rodrigues dos imóveis do Parque Mayer propriedade da Bragaparques pelos terrenos da Feira Popular que pertenciam à autarquia.

Conclusão: como a anulação do negócio da permuta transitou em julgado, o Tribunal Arbitral liderado por António Menezes Cordeiro (professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa) não podia ter decretado uma indemnização por algo que não tinha qualquer existência legal.

Para percebermos este imbróglio jurídico que já dura há mais de 16 anos, temos de recuar até 2005. Foi nesse ano que o então cidadão José Sá Fernandes interpôs uma ação popular contra a Câmara de Lisboa, a EPUL e a Parque Mayer (empresa da Bragaparques) para anular todo o negócio acordado entre as vereações de Pedro Santana Lopes e de Carmona Rodrigues com Domingos Névoa.

O Tribunal Administrativo de Lisboa deu razão parcial a Sá Fernandes e anulou todo o negócio, bem como a operação de loteamento dos terrenos da Feira Popular que dariam direitos construtivos à Bragaparques. A autarquia e a empresa conhecida pelos parques de estacionamento recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul e esta segunda instância manteve a 29 de março de 2012 a anulação das deliberações da Câmara de Lisboa que viabilizavam o negócio, do próprio contrato de permuta e da operação de loteamento. E aqui reside o problema.

António Menezes Cordeiro, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa

LUSA

É que o Tribunal Arbitral liderado por António Menezes Cordeiro entendeu que a decisão não tinha transitado em julgado por desistência das partes. Quando a Câmara de Lisboa, então liderada por António Costa, concordou com a constituição de um tribunal de arbitragem para analisar o conflito com a Brapaparques, as duas partes desistiram de todas as ações judiciais que tinham interposto. Quer isto dizer que também desistiram dos pedidos de revista do acórdão da segunda instância de 29 de março de 2012 que tinham interposto para o Supremo Tribunal de Administrativo.

O problema é que, na ótica da juíza desembargadora relatora Paula Loureiro, e dos adjuntos Jorge Pelicano e Celestina Castanheira, tal desistência teve como consequência imediata o trânsito em julgado da decisão que tinha anulado todo o negócio Feira Popular/ParqueMayer e “formou caso julgado material quanto ao litígio e seus respetivos termos”. E porquê? Porque obviamente as partes não tinham legitimidade para anular a decisão da segunda instância, podendo desistir apenas dos recursos.

Daí que o Tribunal Central Administrativo Sul entenda que houve “violação do caso julgado” por parte do Tribunal Arbitral que, além do presidente Menezes Cordeiro, era igualmente constituído por Francisco Cortes Martins (árbitro nomeado pela autarquia) e Miguel Catela (árbitro nomeado pela Bragaparques). Tudo porque “este caso julgado não só vincula as agora partes processuais (…) como vincula todo e qualquer tribunal, mormente o Tribunal Arbitral constituído ad hoc para os efeitos da presente arbitragem administrativa”, lê-se na decisão a que o Observador teve acesso.

Os desembargadores dizem mesmo que a violação do caso julgado “ofende um princípio da ordem pública internacional, concretamente, a definitividade de uma decisão judicial conferida pela força do caso julgado”.

A violação do compromisso arbitral

Os desembargadores imputam ainda ao Tribunal Arbitral a “contradição óbvia” da sua decisão condenatória por não terem reconhecido o trânsito em julgado da ação interposta por José Sá Fernandes, mas já o terem reconhecido “quanto à homologação da desistência de recurso no que se refere à anulação da hasta pública” e da consequente aquisição de um dos lotes da Feira Popular que a Câmara de Lisboa vendeu em hasta pública à Bragapaques. “O que, objetivamente, é destituído de sentido lógico, dado que nada aponta para a partição dos efeitos do referido Acórdão de Apelação”, lê-se na decisão.

O Tribunal Central Administrativo Sul encontrou ainda um segundo fundamento para decidir pela anulação da decisão arbitral: a violação do compromisso arbitral.

Como a Câmara de Lisboa pode perder mais de 300 milhões para a Bragaparques

Ao ter transitado em julgado a anulação de todo o negócio entre a Câmara de Lisboa e a Bragaparques, nomeadamente o contrato-permuta e as operações de loteamento do lote 1 (que a autarquia permutou com a Bragaparques) e do lote 2 da Feira Popular (que foi vendido em hasta pública à Bragaparques), tais loteamentos deixaram de ter existência jurídica e administrativa.

Contudo, o Tribunal Arbitral considerou o contrário: que tais loteamentos tinham sido constituídos, davam direitos adquiridos à Bragaparques e que a empresa de Domingos Névoa tinha de ser indemnizada pelos prejuízos causados pela autarquia.

O que faz os desembargadores não só considerarem que se trata de “uma solução jurídica que, para além de muito duvidoso acerto, contraria os termos em que as partes definiram o objeto do litígio a submeter ao Tribunal Arbitral”, lê-se na decisão. Daí a violação dos “limites do âmbito do compromisso arbitral”, o que impõe julgar procedente esta causa de anulação do acórdão arbitral”.

O acordo entre a Bragaparques e o Tribunal Arbitral

Regressemos ao momento em que a Câmara de Lisboa e a Bragaparques acordaram a constituição do tribunal arbitral para resolver o conflito. Estávamos em 2014, e quando ainda estava a decorrer a análise dos recursos que a autarquia tinha interposto no Supremo Tribunal Administrativo, o então presidente António Costa surpreendeu meio mundo ao anunciar um acordo com a Bragaparques que promovia a paz judicial entre a autarquia e a empresa de Domingos Névoa.

Foi igualmente reconhecido pela autarquia que devia cerca de 101.673.436 euros à Bragaparques — valor total que tinha a seguinte distribuição:

  • 77.390.997 €: preço pago em 2005 pela Bragaparques pelo Lote 2 da Feira Popular;
  • 3.259.345 €: IMI e Imposto de Selo pagos aquando da escritura do Lote 2 da Feira Popular
  • 2.810.273 €: obras de demolição e escavação realizadas nos terrenos da Feira Popular
  • 18.223.821 €: CML declara-se devedora deste valor, já que assume a obrigação de restituir o valor dos prédios da Bragaparques no Parque Mayer, ficando os mesmos na posse da autarquia.

António Costa aceitou ainda a criação de um tribunal arbitral para decidir sobre qual o valor da indemnização remanescente que a Bragaparques continuava a reclamar, relacionado essencialmente com lucros cessantes, custos de imobilização de capital (tradução: custos financeiros de um empréstimo bancário) do empreendimento imobiliário previsto para os terrenos da Feira Popular e, por fim, os juros de mora a contar desde 2005. Todos os pedidos da Bragaparques somavam mais de 300 milhões de euros de indemnização.

António Costa surpreendeu meio mundo em 2014 ao anunciar um acordo com a Bragaparques que promovia a paz judicial entre a autarquia e a empresa de Domingos Névoa e a constituição de um tribunal arbitral. Foi igualmente reconhecido pela autarquia que devia cerca de 101.673.436 euros à Bragaparques — valor que já foi pago.

A prova de como a autarquia tinha tudo a perder com a arbitragem era que apenas pedia 1,5 milhões de euros pelos custos que teve com a desocupação do Parque Mayer. Certo é que António Costa estava otimista: não acreditava que o tribunal, onde a autarquia foi defendida pelo seu amigo e advogado Pedro Siza Vieira (hoje ministro de Estado e da Economia do próprio Costa), condenasse a câmara.

O Tribunal Arbitral condenou a CML a pagar mais de 138 milhões de euros à Bragaparques relativos a:

  • 41, 1 milhões de euros correspondentes ao valor do Lote 1 da Feira Popular;
  • 47,2 milhões de euros correspondentes ao juros de mora entre julho de 2005 e junho de 2014 do Lote 1;
  • 7,8 milhões de euros que dizem respeito a juros de mora entre junho de 2014 e outubro de 2016 do Lote 1;
  • 42,2 milhões de euros correspondentes a juros de mora relativos ao Lote 2 da Feira Popular entre julho de 2005 e junho de 2014.

Ora, foi precisamente esta indemnização de 138 milhões de euros que o Tribunal Central Administrativo Sul anulou com a decisão noticiada na 2.ª feira — e não os 239,6 milhões, ao contrário do que o Observador noticiou e a Câmara de Lisboa confirmou. Acresce a este valor de 138 milhões os juros (a valor de mercado por pedido da Bragaparques) de 39 milhões de euros, o que perfaz um total de 177 milhões de euros. É este o valor total que a empresa de Domingos Névoa perdeu com a decisão judicial.

A confusão dos números da indemnização perdida pela Bragaparques advém do facto de o valor de 101.673.436 euros que a autarquia reconheceu como dívida aquando da constituição do tribunal arbitral já ter sido efetivamente pago. Como o Observador tinha noticiado em 2016, foi estabelecido um plano de pagamentos semestrais com início a junho de 2016, sendo que fonte oficial do gabinete de Fernando Medina assegura que este valor de cerca de 101 milhões de euros já foi efetivamente pago.

António Costa ‘ilibado’

A anulação do acórdão condenatório da arbitragem tem igualmente consequências políticas: levou Fernando Medina a respirar de alívio mas também deve ter feito sorrir António Costa. Tudo porque os árbitros tinham tecido fortes críticas à forma como a vereação de Costa tinha gerido o dossiê da Bragaparques.

Apesar de as decisões-chave deste dossiê terem sido tomadas entre 2002 e 2007 pelos Executivos PSD/CDS liderados por Santana Lopes e Carmona Rodrigues, certo é que a vereação de António Costa entre 2007 e 2015 teria alegadamente tanta responsabilidade pelo resultado final (os mais de 239,6 milhões de euros de indemnização) quanto os social-democratas, entendiam os árbitros.

O raciocínio do Tribunal Arbitral pode ser simplificado da seguinte forma:

  • A autarquia acordou de livre vontade dois contratos com a Bragaparques: permutou o Lote 1 e vendeu o Lote 2, ambos da Feira Popular, para a construção de um empreendimento imobiliário de habitação e de serviços;
  • Promoveu uma operação de loteamento para a construção desse empreendimento;
  • Não cumpriu os dois contratos devido a irregularidades detetadas;
  • Mas também não retificou essas irregularidades — quando podia e devia tê-lo feito;
  • Logo, está em causa dois contratos que não foram executados, mercê do incumprimento por parte da autarquia. Daí o Tribunal Arbitral ter decidido que os “danos a revelar são os do incumprimento” da autarquia, lê-se na decisão.
A anulação do acórdão condenatório da arbitragem tem igualmente consequências políticas: levou Fernando Medina a respirar de alívio mas também deve ter feito sorrir António Costa. Tudo porque os árbitros tinham tecido fortes críticas à forma como a vereação de Costa tinha gerido o dossiê da Bragaparques.

Por outro lado, há ainda a considerar que a aliança entre António Costa e José Sá Fernandes, o autor da ação administrativa de 2004 e posteriormente vereador da Câmara de Lisboa, teve influência direta na apreciação final da queixa apresentada pela Bragaparques no Tribunal Administrativo de Lisboa.

Isto é, a autarquia começou a defender que tinha cometido ilegalidades no negócio feito com a Bragaparques. “Verifica-se, no plano jurisdicional, que o município, tendo começado por defender a legalidade dos seus próprios atos, inverteu a posição, passando a propugnar pela sua ilegalidade. De resto, as irregularidades perpetradas poderiam ter sido sanadas, através da prática dos atos em causa (…). A impossibilidade política de o fazer não tem relevância jurídica: é imputável ao próprio município, não o podendo isentar de quaisquer deveres”, lê-se no acórdão do Tribunal Arbitral.

Ainda falta acordar valor relativo ao valor dos terrenos do Parques Mayer

Contudo, o conflito entre a CML e a Bragaparques ainda não terminou totalmente. Isto porque ainda falta apurar a diferença entre os cerca de 18,2 milhões de euros já pagos pela autarquia a título de valor de compra dos prédios da Bragaparques no Parque Mayer (que ficaram na posse da autarquia) e o valor de mercado atual dos mesmos imóveis. Esta é uma questão que ficou fora da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul e ainda terá de ser resolvida entre as partes.

Se a Bragaparques vier a ganhar o direito a receber mais do que os 18,2 milhões de euros (como é provável), isso fará aumentar o valor de cerca de 101 milhões de euros já pagos pela autarquia.

Apesar de ser claro que a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul não tem recurso por acordo entre as partes aquando da criação do Tribunal Arbitral (apenas ficou acordado uma instância de recurso), certo é que a Bragaparques emitiu um comunicado esta terça-feira a desmentir que assim seja.

A empresa promete recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão judicial da segunda instância mas arrisca-se a perder, em caso de nova derrota, cerca de dois milhões de euros de taxas de justiça que terá de pagar.

Segundo a empresa de Domingos Névoa, a decisão judicial revelada em exclusivo pelo Observador “não isenta o município do pagamento, nem tão pouco o absolve de responsabilidades indemnizatórias em todo este processo” e ordena a repetição do julgamento — uma posição que tem a oposição frontal da autarquia.

Medina sobre Bragaparques: “É uma grande vitória para Lisboa e para os lisboetas”

“A ‘P.Mayer SA’ [empresa da Bragaparques responsável pelo Parque Mayer] vem por este meio desmentir as notícias que estão a ser veiculadas pela comunicação social de que foi anulada a indemnização de 240 milhões de euros a pagar pelo município de Lisboa e de que da mesma não existe possibilidade de recurso”, lê-se no comunicado da Bragapaques

Lamentando “a demora na resolução global desta situação”, que atribui à Câmara de Lisboa, a empresa considera que a decisão noticiada na 2.ª feira pelo Observador “não encerra o processo judicial”, mantendo-se “o direito da ‘P.Mayer SA’ a ser indemnizada pelos prejuízos causados pelo município de Lisboa”.

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