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Até há pouco tempo, a empresa de cibersegurança 1Password, conhecida pelo gestor de palavras-passe com o mesmo nome, era a empresa canadiana que mais dinheiro tinha arrecadado numa ronda de financiamento. Em janeiro de 2022, com um ’empurrão’ da pandemia para o reforço da cibersegurança e com um grupo de investidores de Hollywood, arrecadou 620 milhões de dólares (587,6 milhões de euros) para continuar a sonhar com um mundo com mais segurança informática e menos amarras às passwords, como a necessidade de decorá-las.
Nomes como Ryan Reynolds, Scarlett Johansson, Robert Downey Jr., Matthew McConaughey, Chris Evans, Rita Wilson, Ashton Kutcher, Trevor Noah, Justin Timberlake e Pharrell Williams figuravam ao lado de executivos da indústria, como Robert Iger, o CEO da Disney, ou George Kurtz, o fundador e CEO da CrowdStrike, a empresa de cibersegurança que, no verão, causou um “apagão” de 8,5 milhões de máquinas com Windows instalado.
O que começou por ser uma empresa com 20 trabalhadores a desenvolver um gestor que guarda as palavras-passe em segurança e que faz as comunicações aos sites sempre que precisa de fazer algum login num serviço, passou a ser uma empresa global e com uma pegada maior.
Em entrevista ao Observador durante a Web Summit, o co-CEO Jeff Shiner reconhece que há gigantes, como a Apple ou a Google, que já lançaram funções semelhantes ao produto que a empresa tem, mas que não vê isso como rivalidade.
Inicialmente, a empresa era um negócio centrado num gestor de passwords apenas para o utilizador individual, mas há alguns anos entrou no mundo das empresas. Segundo o co-CEO (Shiner partilha desde esta semana a liderança com David Faugno), a vertente empresarial é agora o maior motor de receitas da empresa de Toronto.
“As pessoas vão tentar contornar regras” de cibersegurança se forem complexas
É o CEO da 1Password há mais de uma década. Quando entrou eram 20 pessoas, agora são mais de mil. Como é que isso aconteceu?
Foi mais trabalho duro do que magia… Mas lembro-me, muito no início, ainda quando éramos 20 pessoas, de dizer na altura que ia duplicar o tamanho da empresa.
E o que as pessoas disseram quando anunciou essa intenção?
Na altura acharam que eu era meio tolo, mas sempre olhei para isto como “eu consigo duplicar o tamanho da empresa”, mas não sabia como torná-la dez vezes maior. Porque é possível olhar à volta e dizer “ok, está ali a Sue, que está a fazer um ótimo trabalho e seria fixe se tivéssemos outra Sue”. E quase em qualquer função é possível olhar e dizer “bem, seria ótimo se tivéssemos outra pessoa”, mas na altura não sabia o que ia fazer se tivesse mais dez pessoas à frente.
Mas o que descobri é que, à medida que a empresa crescia, em quase qualquer escala era possível dizer “bem, seria porreiro ter duas pessoas para cada função”. E, dentro do razoável, há certas funções em que era possível ir de 20 para 40, para 80 pessoas. E assim é possível crescer depressa. Mas acho que o que mudou mais significativamente foi em 2019. Até então estávamos a crescer de forma orgânica há 13, 14 anos, mas metade de nós era de engenharia e a outra metade apoio ao cliente.
Construir um bom produto, dar o máximo de apoio aos clientes — foi assim que crescemos e como ainda crescemos hoje. Mas comecei a perceber bem, e se tivéssemos marketing de classe mundial, vendas de classe mundial, finanças de classe mundial, recursos humanos de classe mundial para acompanhar? Porque não tínhamos nada disso. Foi assim que fiz a primeira ronda de financiamento — não porque precisasse de dinheiro, ainda hoje somos rentáveis — era para perceber como é que podia atrair talento em áreas em que não se é conhecido. [O plano foi] chegar a uma escala maior e dizer ‘olhem, somos uma empresa a sério, vão querer vir trabalhar para nós’. Foi esse o propósito de uma primeira ronda de financiamento.
E hoje em dia qual é o seu plano?
O plano hoje em dia é continuar a fazer o mesmo. Há um ano, diria, anunciámos a nossa nova plataforma com gestão de acessos [extended access management, uma solução que verifica a autenticidade de acessos e segurança de dispositivos, pensada para empresas]. É o nosso foco atual, como é que continuamos a desenvolver a nova plataforma, tal como fizemos com o 1Password, do ponto de vista de ouvir nossos clientes, entender quais os problemas que estamos a resolver, garantindo que estamos a resolvê-los de uma forma humana, que facilite o uso, porque a segurança tende a ser muito difícil.
Li algumas declarações suas de que a cibersegurança não é um problema de tecnologia, é um problema humano. Porquê?
Quando se olha para algumas das estatísticas — todos os anos há um grande relatório de segurança que é divulgado — diz sempre que 68% de todas as violações [de dados] são resultado de erros humanos, porque usamos palavras-passe fracas como FluffyCat…
Ou só password…
Sim, ou só password, ou a usar a mesma palavra-passe em todos os sítios. Ou até coisas como não termos dispositivos atualizados, não fazer a atualização dos patches de segurança. A Microsoft fez um relatório recentemente que diz que, no ransomware, que é algo relevante atualmente, 92% dos ataques começam com dispositivos que não foram bem geridos. Por exemplo, usar o meu telefone pessoal para trabalho em vez de usar o telefone da empresa. Não tem nada a ver com o facto de usar meu telefone pessoal [para trabalhar], o ponto é o que é que acontece se eu não mantiver o meu telefone seguro? Não o ter atualizado com patches de segurança ou as configurações corretas. É por isso que digo que é um problema de pessoas: não se pode esperar que as pessoas saibam isto tudo ou que se lembrem de ter passwords fortes.
Não podemos esperar que as pessoas saibam quais as configurações que devem ter no telefone e o que é que torna o nosso telefone seguro ou não seguro. Como é que podemos, de um ponto de vista comercial, no nosso caso de um ponto de vista de produto, dizer “as pessoas precisam de uma maneira fácil de saber isso ou de conseguirem fazer isto”. Podemos criar todo o tipo de regras complicadas e coisas do género, mas isso não vai ajudar as pessoas, as pessoas vão tentar contornar essas regras.
Como é que podemos tornar simples para nós, seres humanos, ficarmos seguros? Gosto de dizer que é “tornar o bom caminho no caminho fácil”. Se conseguirmos fazer isso, então ganhamos. Se o bom caminho for um caminho difícil, as pessoas vão evitá-lo só porque estão a tentar tornar as suas vidas mais fáceis.
Soluções para empresas só começaram em 2018, mas já valem mais de 70% das receitas
Hoje em dia a 1Password está mais focada na vertente de consumo, o utilizador individual, ou mais virada para as empresas? O que é que garante mais receitas?
Definitivamente o lado B2B [empresas para empresas, a área de negócio empresarial]. A área empresarial representa mais de 70% da nossa receita.
E era assim desde o início ou foi uma mudança ao longo do tempo?
Não, nos nossos primeiros dez anos a 1Password só tinha área de consumo, a solução para empresas foi lançada em 2018 e o negócio cresceu muito substancialmente desde então. Parte da razão é que, se olharmos para trás, diria que há dez anos, as empresas não pensavam nisto [cibersegurança] como um problema de negócios. Pensavam nas passwords que as pessoas usavam em casa, na Netflix, etc.
Mas com o passar do tempo, ali a meio da década, as empresas começaram a perceber que estas pessoas são os mesmos seres humanos no trabalho que são em casa. Se usam Fluffycat para todas as palavras-passe em casa, adivinhem o que é que estão a fazer no trabalho. As empresas começaram a reconhecer que era preciso resolver este “problema humano” e que precisavam de facilitar a segurança dos funcionários. Foi aí que comecei a perceber que havia uma oportunidade. O que fazemos agora é que, sempre que uma empresa compra uma conta empresarial, todos os funcionários ganham contas familiares gratuitas [do gestor]. As contas familiares gratuitas são completamente separadas. A empresa não consegue ver nada sobre essas contas familiares gratuitas. Há um lado egoísta para nós e um lado egoísta para a empresa [que adquire o serviço].
Porque conseguem aumentar a vossa base de utilizadores?
Bem, aumentamos a base de pessoas que gostam do 1Password, certo? Podem levá-lo [o gestor de passwords] para a próxima empresa ou o seu parceiro pode usá-lo na empresa deles.
Mas é uma oferta de curto prazo para a família ou…?
Desde que a empresa pague a conta empresarial, o gestor é completamente gratuito para a família e não apenas para o indivíduo, é para a família inteira. Quero que a família o use, porque em parte a segurança é algo de hábitos. Preciso de ser capaz de, no trabalho ou em casa, ter a mesma abordagem para coisas como palavras-passe e segurança de dispositivos.
Se em casa não uso um gestor de palavras-passe e se estou a usar passwords fracas, é muito menos provável que use palavras-passe fortes no trabalho, mesmo com um gestor de passwords. Hoje em dia, em casa e no trabalho, quase não há diferenças: é a diferença em termos das ferramentas que estamos a usar, mas vai-se alternar entre pagar uma conta e usar o email do trabalho, as vidas misturam-se.
Por isso, do ponto de vista do hábito, se pudermos dar-lhes uma palavra-passe forte em casa e no trabalho, então não vão precisar de pensar nisto — há um cofre de passwords em casa e outro no trabalho, mas podem usar a mesma abordagem para ambos.
Ainda na vertente empresarial, quantos clientes é que têm? E na Europa?
Não tenho a certeza sobre o que é que tornamos público, mas posso avançar que certamente a maior porção está na América do norte, mas vendemos para mais de 150 países. Temos perto de 100 trabalhadores na Europa, mas vendemos para o mundo todo.
Mas vê alguma diferença sobre a perspetiva em relação à segurança informática na Europa e na América do Norte? Ou já é algo global, em que não há mais diferenças?
Diria que, na Europa, certamente em países específicos como a Alemanha, talvez os Países Baixos e isso… Mas a Europa em geral tende a estar mais à frente, diria, do que a maioria da América do Norte, certamente do que a maioria dos Estados Unidos, em termos de mentalidade.
E também há algumas regras novas de cibersegurança na Europa.
Sim, em termos, diria, da percepção das pessoas sobre sua necessidade de privacidade e sobre o que nós, enquanto pessoas, estamos dispostos a abrir mão do ponto de vista de privacidade para ajudar as empresas. Acho que esse é outro lado em que podemos ajudar. Olho para meu dispositivo pessoal, para o meu telefone pessoal. Depois há o computador que eu uso, que é fornecido pela empresa e em que presumo que a empresa possa ver qualquer coisa que seja feita nele. Deve-se assumir que a empresa, quem deu esse dispositivo, tem a capacidade de ver o que está naquele computador. E, na maioria dos casos, têm a capacidade de atualizar o computador, também. Mas se for meu computador, se eu estiver a usar o meu computador pessoal ou o meu telefone pessoal [para trabalhar] não estou disposto a deixar a empresa colocar coisas lá ou a poder ver tudo o que faço.
Posso nem estar a fazer nada de entusiasmante, mas é o princípio, certo? É meu e eu quero que continue privado. Nesse caso, podemos ajudar a manter a privacidade do dispositivo. O que fazemos é permitir que se mantenha a privacidade e a propriedade do dispositivo, mas ao mesmo tempo a empresa ainda tem a capacidade de se proteger. Depois, podemos mostrar ao utilizador como fazer os patches de segurança e o utilizador pode escolher se quer ou não aplicá-los. Mas não são feitas coisas como forçar os patches de segurança no dispositivo ou quaisquer outras alterações no computador, porque é da pessoa. É essa a diferença na minha cabeça do que é chamado de segurança honesta.
Mudou alguma coisa depois da pandemia na forma como é vista a cibersegurança?
Acho que o que mais mudou depois da pandemia foi apenas a maneira como as pessoas trabalham. Diria que há cinco anos, ou antes da pandemia, certamente houve uma mudança para as pessoas trabalharem menos no escritório e talvez mais em casa. Mas isso mudou instantaneamente com a pandemia, toda a gente teve que trabalhar em casa e as empresas tiveram que aprender a fazer isso. E agora tem sido muito difícil para as empresas fazerem com que as pessoas voltem ao escritório, incluindo a tempo inteiro.
E por causa disso há novos desafios de segurança. Não é só de onde se trabalha, mas a mistura de pessoal e trabalho, o que significa que se vai estar no dispositivo de trabalho a fazer coisas pessoais ou no equipamento pessoal a fazer coisas de trabalho. O outro lado disso é com a pandemia, vimos uma grande mudança adicional, que foi de repente as empresas em 2020 tiveram que descobrir como se manter produtivas naquele novo ambiente. E francamente, na altura, ninguém sabia bem o que iria acontecer.
As empresas estavam apenas a tentar descobrir como passar por aquele momento e o que é que aquilo significava. Vimos uma mudança da segurança para a produtividade, para as ferramentas que eram precisas para se ser produtivo na nova forma de trabalhar. Não é que estivessem necessariamente menos preocupados com a segurança, mas de repente, toda a gente tinha o Zoom instalado.
Sim, havia muita coisa a acontecer ao mesmo tempo e incerteza.
Toda a gente tinha o Zoom e simplesmente tinha que se usar, não importava as implicações de segurança. Era a única maneira de trabalhar, essa e todas essas outras ferramentas para a produtividade. Agora, em 2024 e 2025, as empresas estão ok, há esta forma de trabalhar, as pessoas estão a trazer as suas próprias aplicações de produtividade e agora temos que nos ajustar de volta a isso de um ponto de vista de segurança. Esse é o grande desafio que estamos a enfrentar.
“IA tem oportunidade — ou a ameaça — de tornar” ameaças informáticas “muito mais realistas”
Há muitos ataques de grande escala a acontecer, violações de dados… Isso ajuda a transmitir ao público a mensagem de que a segurança informática é mais necessária hoje em dia?
Sim e o desafio está aí. No último ano, ouvimos muito sobre coisas sobre IA e coisas do género, e com razão. Devemos prestar atenção a isto, mas, ao mesmo tempo, a grande maioria das violações ou ataques de ransomware resume-se a coisas relativamente simples: pessoas que reutilizam as palavras-passe, pessoas que não mantêm seus dispositivos atualizados com os patches de segurança mais recentes e coisas desse tipo.
Essa ainda é a grande maioria das causas por trás desses ataques. Embora seja preciso continuar a olhar para o futuro, para os novos ataques que vão acontecer com algumas das tecnologias mais recentes, muitas das questões básicas ainda são aquelas que são usadas por cibercriminosos para entrar nos sistemas — e isso ainda é algo que podemos fazer de uma maneira relativamente fácil para nos proteger.
Está preocupado com a IA generativa? A proteção de ataques feitos com IA poderá ser uma oportunidade de negócio na vertente empresarial?
Acho que a IA generativa tem uma implicação enorme, certamente a longo prazo. Em termos mais imediatos, acho que a maior ameaça que vejo da IA é olharmos para coisas como ataques de phishing e etc. Esse tipo de técnicas mudaram nos últimos anos, passaram de uma abordagem de “tenho 10 milhões de dólares para lhe dar” até a “sua conta Netflix foi suspensa por falta de pagamento”, basta pôr aqui os seus dados do cartão de crédito. Tornaram-se mais sofisticados, mas, em geral, ainda conseguem ser pouco sofisticados.
A IA tem a oportunidade — ou a ameaça — de tornar essas coisas muito mais realistas porque o que faz é adicionar contexto. Pode aprender com o utilizador e pode começar a ter a capacidade de atingir as pessoas com coisas que parecem muito mais legítimas, seja sobre pessoas que conhece ou atividades em que se participa.
Ou até mesmo fingir a voz de um membro da família.
Absolutamente, estamos já a ver falsificações de voz ou até mesmo de vídeo. Ainda são um pouco desajeitados, mas ainda estamos só no princípio. Daqui a um ano poderão ser muito mais desafiantes.
E é uma evolução que está a ser cada vez mais rápida, não é?
Estão a evoluir de forma ridiculamente mais rápida. E a quantidade de dinheiro que as grandes empresas estão a investir nisto é impressionante. Quando olho para o tema reforça-se o fato de que nós, meros mortais, humanos, não temos a capacidade para nos protegermos, não podemos contar connosco para nos proteger nessas situações. Vamos precisar de ferramentas. E, mesmo nas coisas simples, como por exemplo o endereço de um site, há muitos ataques de phishing que fazem com que pareça legítimo, à espera de que nós, como humanos, ignoremos que tem um zero em vez de ter um ‘o’. Uma máquina não se importa que sejam parecidos, uma máquina olha para os bits e bytes e vê que são diferentes.
Acho que é deste tipo de capacidade que vamos precisar. Vamos precisar de continuar a contar com as ferramentas para nos mantermos seguros, porque vai ser extremamente desafiante para nós, humanos, saber quando algo é falso e quando algo é real. Acho que esse é um papel que podemos [enquanto empresa] desempenhar porque, novamente, estamos sempre na frente humana da tecnologia ao tornar mais fácil que as pessoas fiquem seguras.
Um futuro sem palavras-passe que é possível, mas ainda tem adoção lenta
Uma das suas principais ferramentas é um gestor de passwords. Ainda acha que estamos a caminhar para um futuro sem palavras-passe?
Muito.
Como é que seria para si esse mundo sem palavras-passe?
Para mim, a resposta está nas passkeys [chaves de acesso, em tradução livre]. As passkeys[método de autenticação digital em que a autenticação é feita sem palavra-passe, usando como alternativa um sensor biométrico, PIN ou padrão], do ponto de vista humano, usam só biometria no dispositivo. Mas por que é que as chaves de acesso são a resposta? Primeiro, porque têm propriedades de segurança muito boas. Do ponto de vista da segurança, são mais fortes do que a combinação nome de utilizador e password. E, do ponto de vista humano, não temos de nos lembrar de nada, é o melhor de dois mundos. Mas não é suficiente.
É preciso haver adoção por parte dos utilizadores. As passkeys têm um órgão padrão chamado FIDO, a FIDO Alliance. E, embora estejamos no conselho da FIDO Alliance, onde também estão a Microsoft, a Google, a Apple e os outros, os players de plataforma que também estão, todos concordaram em adotar e, de fato, também criaram passkeys. Essas empresas podem ter impacto em milhares de milhões de pessoas. Acho que é esse o caminho a seguir. Tal como tudo o resto, vai ser lento, mais lento do que gostaria. Comprámos uma empresa de passkeys há quase dois anos e realmente temos defendido o conceito, porque é exatamente o que pretendemos, uma combinação de segurança e produtividade.
O que é que está a fazer com que haja uma adoção lenta?
Acho que há algumas coisas que estão a tornar a adoção lenta. Acho que a maior questão é o facto de ainda haver algum desafio tecnológico. Embora as últimas versões do Android e do iOS, por aí em diante, sejam compatíveis com as passkeys, algumas das mais antigas não são. Por exemplo, um retalhista: quer ter certeza de que todos os seus clientes conseguem fazer login e fazer compras, não apenas aqueles que têm a tecnologia mais recente.
Parte do que temos feito é estar focados no lado da interface de utilizador e na usabilidade. Fornecemos o que é o passkey flex, o que significa que quando está implementada num site, saberá que o cliente tem a passkey e, se não tiver, irá reverter para o modelo normal, que é o utilizador e palavra-passe.
É desse tipo de soluções que vamos precisar, porque nem toda a gente vai passar para as passkeys, até pela tecnologia, porque as pessoas acham que, se é muito fácil, não é seguro. Esse é um dos maiores desafios. As pessoas foram treinadas para pensar que a segurança é difícil. Se às vezes veem algo que é demasiado fácil, ficam ‘ah, não confio nisto’. É preciso ter opções, porque se se é um retalhista, quer-se estar seguro de que não há nada que impeça as pessoas. E é aí que podemos ajudar, a tornar essa decisão e essa escolha fácil para o utilizador final.
Apple tem um gestor de passwords, mas não é rival. “Sempre que a Apple lança algo, a nossa receita dispara”
Mencionou a Apple. Como é que viu o anúncio da Apple sobre um gestor de palavras-passe próprio?
Tem sido interessante. Sempre que a Apple lança algo, geralmente a nossa receita dispara. Começou com o Apple Keychain, algures em 2013. É uma história engraçada, mas lembro-me de que estávamos na WWDC, no lançamento, eu e o Dave, um dos fundadores. Voltámos para o quarto do hotel e escrevemos um post para o blog da 1Password sobre que bom que era o anúncio e o facto de a Apple estar a levar a segurança a sério e quão bom seria para a 1Password. Não tenho certeza se acreditávamos em nós próprios naquela altura, para ser completamente sincero… Porque era a primeira vez que acontecia algo assim.
E foi garantido, os negócios quase duplicaram instantaneamente. Primeiro foram os iCloud Keychains, depois começámos a ver os navegadores a ter gestores de palavras-passe, o iPhone e os Androids com o preenchimento automático de passwords e agora a Apple com um gestor de passwords mais formado. O que começámos a perceber é que, de todas as vezes que isto acontece, as Googles e as Apples podem influenciar milhares de milhões de pessoas a compreender que a segurança é importante. Eles têm um megafone que é descomunal comparado ao nosso. Ao mesmo tempo em que estamos a educar toda a gente que podemos sobre as necessidades de palavras-passe fortes e únicas, uma Apple ou uma Google ou uma Microsoft podem educar instantaneamente milhares de milhões de pessoas. Isso abre-nos uma oportunidade.
Mas, novamente, temos de fazer melhor, é preciso fornecer uma solução para onde as pessoas podem olhar e dizer, é mais fácil de usar, tem muito mais recursos, mistura trabalho e casa — que é grande vantagem para nós — e funciona em todos os meus dispositivos, não apenas numa plataforma. Funciona em todos os sistemas operativos, todos os navegadores. Mas a capacidade deles [Apple, Google] de educar o público de massas sobre a necessidade de algo assim é o que realmente acelerou a adoção.
Então não vê a Apple como uma rival?
Não, quero dizer, a Apple é uma plataforma e parceira enorme para nós. E honestamente, é muito por onde começámos, certo? Começámos tudo isto como fãs da Apple, já estivemos no palco [de conferências Apple] várias vezes e temos um grande respeito por eles. Temos sempre que olhar para cada gestor de palavras-passe, cada ferramenta de segurança e garantir que estamos sempre a acompanhar a velocidade da tecnologia. Estamos sempre a olhar para o que é melhor para os nossos clientes? Como é que podemos fornecer isto? Acho que, se desacelerarmos, podemos e devemos ser vistos como alguém que esteja a acompanhar [a tecnologia]. E acho que precisamos de olhar para isto e pensar como é que continuamos à frente? E isto acontece ao estar constantemente focados — e isso é o que acho que é mais fácil para nós. Temos um só foco: a combinação de produtividade e segurança para as pessoas e para as empresas que usam os nossos produtos, é isso que fazemos. Se conseguirmos continuar a focar-nos nessa área, podemos ficar consideravelmente à frente.
Ter celebridades como investidores ajuda a projetar empresa. “Têm mais necessidade de privacidade do que a maioria”
Há dois anos, a 1Password teve uma grande ronda de investimentos [620 milhões de dólares em série C], a maior para uma empresa canadiana…
Na altura, sim, acho que entretanto alguém nos ultrapassou. [A canadiana Clio recebeu 900 milhões de dólares numa ronda de investimento série F, anunciada em julho de 2024].
Tiveram várias celebridades como investidores nessa ronda de investimento de 2022. Ajuda tê-los a bordo, no sentido de projetar a empresa?
Sim, ajuda.
E eles estão ativamente envolvidos na empresa, há contacto?
A maioria deles não… Não vou detalhar quem, porque não tenho permissão, mas há alguns dos grandes nomes com quem mantenho contato e que têm sugestões e ideias [para a empresa]. Até porque, enquanto celebridades, têm mais necessidade de privacidade do que a maioria das pessoas. Quer dizer, os autores das ameaças não tentam atingir qualquer pessoa: querem empresas para obter milhões de pessoas e então ver quais informações é que podem retirar. Mas, se se é um político ou uma celebridade, também podem ir atrás especificamente dessa pessoa. Muitos deles usam o 1Password há muitos anos por essa razão e têm ideias sobre coisas que podem beneficiá-los. Mas, da minha perspetiva, vejo sempre cada ronda de financiamento como um avanço da minha missão.
A primeira ronda, que foi em 2019, foi depois de 14 anos de bootstrapping [desenvolver a empresa apenas com os próprios recursos]. E foi porque eu queria contratar mais executivos, líderes de vendas, marketing e recursos humanos. Fomos desenvolvendo-nos com engenharia e apoio ao cliente, com um bom apoio a um produto que nos deu clientes. Mas eu não sei como atrair talentos de classe mundial em vendas ou marketing. Então o que eu fiz foi ir à Accel na altura, que era a capital de risco, e disse ‘ok, vamos fazer uma ronda de financiamento e vamos usar isto como uma oportunidade para estar nas notícias’.
Quando há a próxima ronda, com as celebridades todas, reparei que era possível ter talvez os responsáveis de segurança animados com um investimento de capital de risco em nós, mas como é que conseguimos que uma pessoa normal fique entusiasmada com uma ronda? Porque as pessoas normais não se importam com quem é a capital de risco, mas querem saber se é o Ryan Reynolds, certo? Ou o Trevor Noah. Ter as celebridades foi uma maneira de chamar a atenção para o nosso negócio, para uma ferramenta que as pessoas precisam usar e que precisam de conhecer. Acho que foi essa a grande diferença.
Aquisições? “Há boas oportunidades para nós agora”
Têm planos para um IPO ou para fazer mais aquisições?
Estamos sempre a olhar para as nossas opções. Temos sorte suficiente para estar numa posição financeira em que não precisamos de tomar decisões… Podemos ver como os mercados estão, ver quais são os nossos planos. Do ponto de vista de aquisições, acho que há boas oportunidades para nós agora, estamos numa boa posição financeira em que podemos fazer aquisições e em que podemos olhar para algumas pequenas empresas que podemos adquirir e que têm tecnologias engraçadas que possam melhorar a nossa missão.
Estão a olhar para algo em particular na Europa, talvez?
Não posso dizer (risos). Definitivamente estamos a olhar internacionalmente, mas não há nada que possa partilhar.