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Maria Eduarda Pinela não aparece nas notícias, mas não é só o Clube Futebol Canelas 2010 que tem um problema entre mãos. “Tenho aqui muito dinheiro empatado”, diz. E anos de vida também. Muitas das taças do Canelas Gaia Futebol Clube, que entrou em insolvência e, anos depois, deu origem ao Canelas 2010, estão expostas no seu bar, aberto todos os dias para servir sócios, atletas e frequentadores habituais do estádio da freguesia do concelho de Vila Nova de Gaia. Mais de metade da vida desta mulher de 61 anos, de cabelos brancos e avental posto, foi passada naquela humilde tasca de chão de azulejo, situada por baixo de uma das bancadas do estádio, onde os jornais desportivos pousados nas mesas aguardam quem lhes pegue. Os dias de maior faturação são aqueles em que os seniores jogam — mesmo que, durante os 90 minutos da partida, a polícia não permita a venda de bebidas alcoólicas — e isso vai fazer mossa nas contas. “Isto já estava mau. Agora está pior!”, lamenta.
Mas não é o dinheiro que mais a perturba. Se fosse, já se tinha ido embora, depois de ter perdido “1200 contos” com a insolvência do antigo clube, comenta com o diretor desportivo José Leitão, que encolhe os ombros como um lamento de quem não pode fazer nada. Isso é passado. Neste momento, preocupa-a o presente. Às 12h45, era suposto as mesas estarem cheias de jogadores a almoçarem, como fazem sempre antes das partidas em casa. “Tomei dois calmantes de manhã. Isto aqui é a minha casa, não é só um clube. Eu vivo isto de dia e de noite!” Indigna-se. Conta que, mal acorda às sete da manhã e se lembra que vai estar tudo vazio, nem lhe apetece sair da cama. “Eu gosto é de andar aqui atarefada, de ver as mesas cheias, de cozinhar para eles. Isso é que me dá prazer. Eles são como meus filhos, fico indignada porque isto é uma bandalheira. Não fazemos mal a um rato!”
Tal como a caixa registadora desta simpática senhora se abre menos vezes, o Canelas 2010 também se vê aflito com falta de dinheiro e de miúdos nas camadas jovens. O estádio acusa a passagem do tempo, mas é amplo e as duas bancadas são cobertas. Não há patrocínios à vista, nem na estrutura, nem nos equipamentos dos atletas. José Leitão confirma o que os olhos veem: é difícil atrair patrocinadores. Neste momento, a equipa tem apenas “três ou quatro”, incluindo um clube de striptease de Perosinho, o Life Strip Club. O diretor desportivo culpa a insolvência do antigo Canelas, que criou medo nos patrocinadores. Contudo, admite que a má fama do clube faz com que as marcas não queiram ver o seu nome ligado a confusões. A juntar à falta de jogos em casa, que sempre ajudava a encher um pouco os cofres, o clube tem despesas que superam as receitas. A má fama também não é boa companheira na hora de atrair crianças e jovens. “Temos cerca de 200 a 250 crianças e alguns pais dos miúdos não se querem ver ligados aos seniores.”
À espera de um café, no bar, estão os pais de Zé João, 19 anos e um novo reforço, depois de 12 anos no Coimbrões. Toda a vida, portanto. “Só conhecemos o clube esta época e ouço alguns palavrões, mas isso ouve-se em todos os escalões”, desvaloriza a mãe, Maria Abreu, bonita e bem falante. “Só lamento que as imagens que têm passado na televisão sejam de outros anos”, aponta, ao mesmo tempo que garante que o filho foi muito bem recebido por todos.
Canelas 2012
O clube foi fundado em 2010, sobre a insolvência do antigo Canelas Gaia Futebol Clube. O estádio estava praticamente ao abandono e o relvado tinha dado lugar a uma pequena selva. Dois anos depois, em 2012, foi notícia por causa da entrada de Fernando Madureira, o líder da claque portista Super Dragões. Para trocar o Mocidade Sangemil pelo clube gaiense impôs algumas condições prévias. A primeira, de acordo com uma notícia da altura do site Zerozero, era que os companheiros de sempre do futebol tinham de entrar com ele. A segunda era que “o FC Porto está acima de tudo”, o que implicava faltar ou sair a meio de treinos e jogos para acompanhar o clube das Antas. Milton Ribeiro, treinador do Canelas desde 2015, confirma. “Ele vai, mas os outros Super Dragões têm de ficar a jogar. Ele não os deixa ir.”
Há um antes e um depois da entrada de Fernando Madureira. Em cinco épocas, o clube subiu quatro vezes de divisão: da 2ª Distrital para a 1.ª Distrital, depois para a Divisão de Honra e, agora, pela primeira vez, Divisão de Elite. Tem sido sempre a ganhar desportivamente, mas a perder em reputação, com as queixas de entradas em campo que, mais do que duras, são agressões. “Esta gente é muito problemática”, avisa um antigo treinador da Divisão de Elite, que prefere não ser identificado, por medo de represálias. Aguentou poucos meses no clube que, na época 2013/2014, o contratou. Não chegou a defrontar o Canelas, mas afirma que os problemas não surgiram agora. “Isto já anda assim há vários anos, já subiram de divisão assim, com ameaças!“, diz ao Observador. A ajudar o facto de o Candal ser o único clube disposto a defrontar o Canelas 2010 pode estar o fator proximidade entre os dois clubes, arrisca. “O atual treinador do Candal, o Rui Conceição, já foi treinador do Canelas”, acrescenta o treinador.
Recentemente, o presidente do Grijó, Manuel Gomes, deu a cara para dizer o mesmo. “Os clubes decidiram, por isso, não comparecer aos jogos. Não sentimos condições para a salvaguarda da verdade desportiva. Há coação, intimidação, os árbitros não sentem coragem para escrever relatórios, para contar o que verdadeiramente se passa em campo.”
Na terça-feira, feriado de 1 de novembro, devia ter havido jogo. Com o boicote dos adversários, foi marcado um treino para a manhã e é por isso que Zé João, os pais e os atletas estão ali. A noite de Halloween até pode ter sido longa e festiva, mas 17 jogadores do Clube Futebol Canelas 2010 surgem equipados no estádio. No futebol amador cumprem-se deveres e, em muitos casos, não é em troca das ajudas de custo que recebem ao fim do mês, que “só dão para o gasóleo”, desabafa Marco ‘Orelhas’, avançado da equipa. É pelo amor ao futebol e pelo vício de competir para ser campeão. Na passada quinta-feira, 27 de outubro, uma destas recompensas foi retirada ao Canelas 2010, quando 12 clubes anunciaram que preferem faltar aos jogos, assumir uma derrota e pagar multas de 750 euros, a enfrentar um clube que, argumentam, é violento e ameaça adversários e árbitros.
Milton Ribeiro ficou revoltado com o que alega ser uma injustiça e deixou um desafio a todos numa entrevista. “Quando quiserem, vão ver os treinos do Canelas. Não temos nenhum ringue no meio do campo, aquilo que trabalhamos é futebol e depois chegamos aqui e queremos ganhar”.
Naquele dia, a equipa que veste de azul e branco, e que conta no plantel com os Super Dragões Fernando Madureira ‘Macaco’, Isaac, Marco ‘Orelhas’, Carlos Silva ‘Aranha’ e o guarda-redes Chibante, devia estar a jogar contra o Serzedo. Foi a segunda partida anulada, depois de, já no sábado, o Maia Lidador ter dado início ao boicote de 12 dos 14 clubes que competem na Divisão de Elite Pro-Nacional série 1, ou seja, a primeira distrital. Nunca se tinha visto nada assim. O último jogo do Canelas foi a 23 de outubro e o Padroense roubou pontos ao clube até aí invicto, conseguindo um empate. Agora não perdem pontos — vão ganhar todos os jogos por falta de comparência e defrontar apenas o Candal, o único que não aderiu ao boicote. Mas vitórias sem fazer o gosto ao vício da competição quase que sabem a derrota.
Por isso mesmo, um dos problemas que o treinador tem entre mãos é como manter estes homens e rapazes motivados, presentes nos treinos, empenhados. A falta de perspetiva de um jogo nos próximos dias convida ao relaxamento, tal e qual o aluno que larga os livros mal percebe que o teste foi cancelado. “Não é fácil”, reconhece o mister. “Mas treinar é o nosso trabalho e temos de ter em mente que o próximo jogo, com o Valadares [sábado, dia 5 e novembro] se vai realizar. Se nos disserem na véspera que há jogo, estaremos preparados.”
É com esta ideia que Milton começa o treino. Reúne os jogadores ao centro, depois de uns pequenos exercícios de passes, e conversam todos durante longos minutos sobre o que está a acontecer, e como a melhor resposta a dar é o empenho dentro das quatro linhas, mesmo a feijões. Antes de mandar toda a gente correr à volta de campo, fica a ideia final: “Querem vir cá jogar, muito bem. Não querem encarar, puta que os pariu.”
“Como é que há clubes que se queixam de nós se nunca jogaram connosco?”
Nas bancadas está uma dúzia de pessoas, entre habituais, pais de jogadores e crianças. Tema de conversa entre os adultos? Pois. Uns culpam o presidente do Grijó e vaticinam sobre as suas ambições políticas num partido, outros tentam prever como tudo pode terminar. De há dois anos para cá, a freguesia abriu telejornais pela forma como se uniu contra o que dizem ser as injustiças cometidas contra o padre Roberto Carlos, afastado da paróquia pela Diocese do Porto. Ainda hoje se juntam e organizam eventos porque não se conformam. O boicote ao clube da terra não captou movimentações populares, nem da claque, chamada Blue Warriors Supporters, que o treinador diz ter o líder do núcleo de Gaia da Juve Leo.
Outro dos problemas que advém da paragem é os convites que outros clubes têm aproveitado para fazer. “Eu já fui contactado e sei que o Jorge Oliveira e o Fernando Madureira também”, conta Orelhas. Entre esses clubes estão alguns dos 12 que se recusam a defrontar o Canelas. “Sim, já quatro ou cinco jogadores foram abordados, mas tanto eu como os meus colegas rimo-nos, porque não nos vão conseguir desmantelar, nem desunir, com estas estratégias”, declara o capitão, Fernando Madureira. “Para nós, jogar noutro clube era uma humilhação”, concorda Orelhas.
Por agora resta-lhes treinar, como sempre às terças, quartas e quintas, às 21h00. “Quem quiser vir aprender, é bem-vindo. Treinamos como jogamos, na raça, na vontade, na agressividade”, convida o treinador. Reconhece que as equipas por onde passa “jogam duro”, mas que os árbitros servem para fazer cumprir as regras. Madureira não tem problemas em dizer que a estratégia é jogar duro. Que não dão um lance como perdido. “É o nosso ADN, faz parte do futebol”, resume, comparando as imagens de lances violentos com situações “que o Maxi Pereira, o Luisão e o Bruno Alves fazem”. Lances do futebol, ponto final.
“Os jogadores das outras equipas querem vir, alguns são amigos de pessoas que aqui estão!”, diz Milton Ribeiro, com alguma exaltação na voz e na expressão. Pega no telemóvel, abre a caixa de entrada e mostra-nos uma troca de mensagens com um jogador do Valadares. A conversa é iniciada pelo adversário, que conta que a equipa não está de acordo com a decisão do presidente. Que queria defrontar o Canelas 2010.
“A claque do Leça já disse que vem cá, porque na bancada deles não há faltas de comparência“, conta o treinador. Em jeito de agradecimento, o Canelas promete abrir-lhes as portas a 4 de dezembro. Dia em que o Leça devia defrontar os gaienses. É que, apesar de o Canelas vencer as partidas por falta de comparência, não é necessária a formalidade de se equiparem e esperarem dentro das quatro linhas, juntamente com os árbitros, pela equipa que nunca vai chegar. “Para que é que vamos estar à espera que o clube falte? Para desperdiçar dinheiro?”, explica ao Observador Domingos Santos, o secretário-geral da Associação de Futebol do Porto, que tem tido muito que fazer com as reuniões dos 12 clubes.
“Esses presidentes são uma cambada de incompetentes”, declara Milton Ribeiro. Não se fica pelo insulto gratuito e, qual ex-ministro Manuel Pinho a destacar na China a vantagem de em Portugal se ganhar pouco, explica que o Canelas deve ser a equipa com os ordenados mais baixos da divisão. “O ano passado pagávamos zero aos jogadores e fomos campeões da Divisão de Honra. Agora, o orçamento de um mês do Valadares dava para nos pagar meio ano. Como é que esses clubes justificam pagar balúrdios e, no fim das contas, o Canelas ser campeão? É mais fácil apontar o dedo.”
Jogadores e treinador acham também que pode ser uma jogada dos adversários para enfraquecê-los e impedi-los de subir. No final da série 1 passam os três primeiros e, em março, terão de disputar a subida ao campeonato nacional com os três primeiros da série 2. Só um pode ascender. “É curioso que os 12 clubes só tenham boicotado os jogos da primeira fase. Quando passarmos à fase final já não se importam de jogar com o Canelas. Aí já ganham valentia?” Esperam que a equipa esteja em baixo de forma, após tanto tempo sem competir, conclui o mister. Domingos Santos, da AFP, confirma que a recusa se deve, por enquanto, à primeira fase. Até porque ainda é cedo para saber quem pode prosseguir. “Só quando lá chegarmos é que se vê”, sublinha.
Marco Gonçalves, mais conhecido por Marco Orelhas, admite que é o mais temido e que a sua fama dentro de campo é a pior. “Já olhaste bem para ele?”, pergunta-nos Milton. Alto, corpo musculado, o braço direito tatuado até ao pulso, Marco faz o resumo dos 7 jogos disputados até agora no campeonato. “Em sete jogos não houve agressões nem vermelhos, amarelos sim mas só com faltas.” Argumentamos: a falta de vermelhos não pode ser sintoma do medo que alguns árbitros dizem sentir? Muitos recusam-se a apitar as partidas da equipa.
“Têm medo e não escrevem? Não fazem queixa à polícia? Pelo amor de Deus, vivemos numa república das bananas ou num Estado de direito?“, defende Macaco. O Canelas já não é apitado por árbitros distritais, mas sim nacionais. Se não chega, o capitão, do alto dos seus 41 anos, sugere soluções: “Querem trazer árbitros estrangeiros? Tragam árbitros estrangeiros. Querem vídeo-árbitro? Nós aceitamos. Robôs? Aceitamos o que eles quiserem, menos mudar o nosso ADN dentro do campo”.
Em fevereiro, o jornal Record dava voz ao “clima de terror e intimidação” sentido e contava que 90% dos árbitros da AFP informaram estar indisponíveis para arbitrar jogos da equipa. O Maia Lidador, o Lavrense e o Balasar já se tinham recusado a entrar em campo, preferindo a derrota automática. Apesar de todo o ruído, a AFP assegurou à Agência Lusa que nunca recebeu qualquer queixa ou participação dos delegados aos jogos, das equipas de arbitragem ou das forças policiais sobre coação ou intimidação por parte do Canelas sobre os adversários.
Milton prefere recordar os muitos lances em que foram prejudicados. “Ao último árbitro que tivemos em casa, contra o Grijó, eu tive de lhe perguntar, após cinco faltas do mesmo jogador a elementos nossos, se não havia amarelos. E ele disse: ‘Ó mister, estamos a gerir o jogo’. Eu só lhe disse que esperava que a gestão fosse igual para os dois lados e, na primeira falta do Canelas, amarelo. Isto não é mentira, o jogo está filmado!”
José Leitão chegou ao Canelas no ano passado, com Milton. Era treinador adjunto, hoje é diretor desportivo. Há quem diga que, se o metessem em campo, ainda marcava uns golos de cabeça. “Joguei bola durante alguns anos e nunca vi um plantel com uma cultura de vitória como aqui. Nem nos treinos gostam de perder”, afiança. Durante o dia tem outra profissão, é distribuidor de lentes em Trás-os-Montes. “Mesmo lá, eu tenho ouvido coisas como: ‘Tu aqui és tão sossegadinho… Também andas lá a bater em toda a gente?’ Ok…”, conta, com a voz de quem está cansado e triste com a situação. “Dizerem que controlamos isto é passar um atestado de incompetência a muitos agentes de futebol, desde o presidente da AFP até aos delegados e aos próprios comandantes das autoridades. Se nós controlamos isso tudo, então o futebol está de rastos”.
No início de outubro, Jorge Ramalho, treinador do Pedrouços, já expressava ao canal de televisão Minuto90 o desespero de jogar contra o Canelas. Após a derrota, não criticou os jogadores, mas sim os árbitros, que considerou serem frequentemente parciais ao Canelas, e sugeriu que o faziam por medo.
Há três anos que há jogos filmados e Milton lamenta que estejam sempre a passar na televisão os mesmos minutos. “Se fizerem o mesmo com o Porto e com o Benfica também encontram imagens horríveis”, sublinha Orelhas, antes de deixar uma pergunta: “Como é que há clubes que se queixam de nós se nunca jogaram connosco desde que o clube existe?”.
Como uma equipa argentina, mas a jogar em Portugal
O Observador conversou com um elemento de uma equipa da mesma série do Canelas 2010, que estava muito reticente em falar, justificando que tem família. Não concorda com a decisão dos presidentes de faltarem aos jogos, mas conhece a fama da equipa. “Eu penso nos meus filhos, as pessoas vivem à base das ameaças. É o que ouvimos em off. Não estou para levar com essas ameaças. Não tenho vida para isso. Eu oiço coisas que… nem sei explicar. Não há explicação para o que se passa dentro de campo. O que me dizem, longe da praça pública, é que se diz que ameaçam famílias, que sabem onde os filhos estudam.”
“Provem! Ameaças e coação dá queixa crime“, desafia Milton, para quem a única verdade do sucesso é o maior número de golos marcados, o melhor ataque e a superior vontade e entrega da sua equipa. “Se os adversários tivessem medo de nós, ganhávamos por 10-0. Mas não, ainda há pouco empatámos. No ano passado, levámos 5-0 do Infesta!” Sobre as imagens que têm indignado várias pessoas dentro e fora do futebol, contra o Vila, o treinador lamenta que só se vejam cinco dos 90 minutos de jogo e que tenham sido omitidas as partes em que os árbitros mostram os cartões.
“E não me venham com histórias de uma bola que está a ser disputada no ar e que o jogador vai, mete o pé e acerta no peito. Ainda no ano passado o Eliseu [jogador do Benfica] saltou sobre um jogador do Nacional, acertou-lhe com o joelho no pescoço e no entanto foi falta contra o jogador do Nacional!”. À sua frente está o “miúdo” Jorge Oliveira, autor do lance que se vê no vídeo logo aos sete segundos. Milton Ribeiro continua. Sente-se revoltado por ninguém ter filmado ou noticiado o que aconteceu mais tarde. O Canelas teve um jogo anulado e foi assistir ao Vila FC – Vila Caíz. “Caiu a cobertura da bancada e nós andámos a ajudar a tirar pessoas, nós, os mauzões, os arruaceiros.”
Os exemplos sucedem-se, conforme a memória é reavivada. Conta que ainda este ano um jogador do Lavrense rachou a cabeça a Isaac. “Aconteceu alguma coisa ao jogador do Lavrense?”, atira. “E aqui o Márcio teve de sair ao intervalo do jogo contra o Rio Tinto porque foi agredido.” Há uma semana, o Avintes foi jogar a Ermesinde e, à saída da cidade, a carrinha foi apedrejada. Para além das janelas partidas, um atleta sofreu ferimentos ligeiros.
– Se não estivesse cá o Fernando Madureira achas que alguém falava de nós, que éramos notícia?, pergunta-nos Milton. Vê o Boca Juniors contra o River Plate…
– Mas isso é na Argentina…, interrompemos.
– Aí já se aceita? Então nós somos uma equipa Argentina, pronto. Vamos para dentro do campo e lutamos com tudo o que temos.
Se fosse para outro clube, Madureira acredita que o Canelas deixava de passar por estas situações. “A mediatização e a polémica só surgem por causa do Macaco, líder dos Super Dragões, mas não é nada com que não saiba lidar, já estou habituado.” Na presente temporada, as partidas do Canelas tiveram mais delegados da Associação de Futebol do Porto e foram todas filmadas. Até o presidente da AFP, Lourenço Pinto, tem estado na bancada.
“Agressões aconteceram agora no AC Milheirós com o S. Félix da Marinha“, exemplifica o treinador. Na segunda-feira, o próprio Milheirós publicou um comunicado onde dá conta de que o S. Félix da Marinha fez “algumas entradas violentas sobre os jogadores”, algumas “não mais do que simples agressões aos jogadores do AC Milheirós, uma vez as mesmas não tinham outro intuito que não fosse atingir o jogador”. Os maiatos lamentam ainda que tais atitudes tenham sido “incentivadas e aplaudidas pelo próprio banco do S. Félix da Marinha e não foram devidamente sancionadas pelo corpo de arbitragem da partida”.
Quando os clubes estiverem aflitos com falta de pontos, acaba-se o boicote?
Se os clubes não mudarem de ideias, a equipa gaiense vai manter até ao fim o primeiro lugar e passar à fase final. Até ao momento, estão irredutíveis e a AFP adianta ao Observador que nem sequer há mais reuniões marcadas. “Não faço ideia se vamos continuar a tentar resolver. O que está, está. Se houver algum volte-face terão de ser os clubes a dizer.”
Mesmo assim, o Canelas acredita que está tudo em aberto. E tem uma teoria. O Grijó, que tem liderado o movimento, perdeu 4-0 com o Oliveira do Douro. “Quando o presidente do Grijó começar a ver que vai lá para baixo, vamos ver se eles não querem jogar com o Canelas. Até vêm mais confiantes, por pensarem que não estamos a treinar e não temos ritmo.” O sentimento é geral: todos acreditam que, quando alguns clubes se virem aflitos e precisarem de pontos, vão querer disputar os três pontos com o Canelas.
Às 12h30, Milton dá o apito final do treino e os jogadores despem os coletes fluorescentes. Não reparámos se venceram os que vestiam de verde ou de laranja, mas não houve entradas perigosas nem ninguém se lesionou. Depois dos exercícios, alguns jogadores, já de banho tomado, esperam uns pelos outros na bancada, para irem almoçar juntos a qualquer lado. “A seguir vamos ver o jogo do Candal“, conta Marco Orelhas. “É o que nos resta. Se aparecemos no jogo de outro clube ainda vêm dizer que os fomos ameaçar.”
Atualizado às 00:09. O nome da claque é Blue Warriors Supporters e não Canelas até ao Pescoço.