Texto originalmente publicado a 15 de julho do ano passado que republicamos agora, a poucas horas de Fernando Pimenta lutar pelas medalhas em k1 no Rio 2016
O verão, que maravilha. Chega a época do sol, do calor, das férias e, quando se é miúdo, do não ter nada para fazer. É engraçado durante uns tempos, sobretudo se tiver queda para a procrastinação. Depois, pode ficar chato. São uns meses em que os tempos são livres e, para os ocupar, há que puxar pela cabeça para manter a pasmaceira à distância. Fernando, a transbordar da genica que os 11 anos lhe davam, precisava de arranjar alguma coisa para fazer em Ponte de Lima. Chegou-lhe aos ouvidos que o clube náutico lá da terra tinha umas férias desportivas e resolveu experimentar a canoagem. Foi “sem stresses”, porque não custava nada. Não adorou, mas gostou o suficiente para lá voltar, mesmo que, “ao início”, remar num caiaque não fosse muito consigo. Não tinha “grande jeito”.
O “equilíbrio” e a “coordenação” davam-lhe problemas. Demorou a habituar-se a estar sentado, a ter duas pernas enfiadas num barco e, com as mãos, a segurar numa pagaia que lhe servia para ir dando umas remadas. Para ele era “uma brincadeira”, um escaparate para um miúdo que já era tu cá, tu lá com a água — fazia natação “desde os quatro anos” — e quis arranjar algo para lhe “ocupar o tempo”. Aos poucos foi melhorando. O verão acabou com um convite para, no inverno, “integrar a equipa de competição” e começar a remar a sério. Fernando, mesmo assim, continuou tranquilo. Estava ali mais para “ver como era”, perceber “o envolvimento das provas” e “criar amizades com atletas de outros clubes”. A aventura foi remando. A “pouco e pouco” reconheceram-lhe “a garra” e despistaram um “enorme potencial” no miúdo que ainda não levava a canoagem muito a sério.
Fernando bem se lembra desses tempos. De como, aos fins de semana, em dias de prova, uma carrinha de nove lugares chegava e sobrava para pegar nos miúdos e levá-los ao destino da competição. “Às vezes eram duas, no máximo”, lá esclarece, ao rebobinar, bem rápido, a cassete da memória. Até um “atrelado bastava” para levar barcos e pagaias para todos. Catorze anos depois, tudo mudou menos o Pimenta que dá o apelido a Fernando e o sotaque que o denuncia como o tal rapaz de Ponte de Lima. “Hoje vamos em autocarros, e vamos em um ou dois, mais algumas carrinhas. Já não chega um atrelado de barcos, têm de ir mais. Passámos de cerca de 30 atletas para 200 e poucos federados”, diz-nos, arrastando o início de cada frase por um segundo, com um “hmmm“, como se a cabeça lhe prendesse o discurso por estar a pensar em demasiadas coisas ao mesmo tempo.
Muitas coisas mudaram e não são os autocarros e os atrelados fazem erguer os sobrolhos de espanto — são os resultados. Com 25 anos contados de vida, Fernando tem 101 medalhas guardadas em casa, das quais 42 lhe foram penduradas ao pescoço em Europeus, Mundiais ou Taças do Mundo. Até há uma bem especial, feita de prata, que trouxe dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Há semanas até foi ao Azerbaijão e voltou da primeira edição dos Jogos Europeus com duas medalhas de prata. “Estamos a habituar demasiado bem os portugueses ou as pessoas que trabalham connosco. Geralmente, a cada prova que vamos conseguimos trazer, pelo menos, uma medalha”, diz-nos. Fala no plural por saber que são vários os homens e as mulheres que transformaram um Portugal “pequenote” na canoagem numa nação que “hoje luta sempre por medalhas”. E que, por arrasto, deram um hábito à modalidade: ser a que, neste século, tem dado mais medalhas ao país. Às muitas que Fernando ganhou lá fora juntam-se as 19 de Emanuel Silva (que também foi prata olímpico em Londres, no K2), as 12 de João Ribeiro e as nove de David Fernandes.
Todos já foram campeões nacionais, várias vezes. Todos foram campeões europeus, fosse em K1 (sozinhos), em K2 (acompanhados) ou em K4 (com mais três homens a remarem no mesmo caiaque). E todos sabem o que é ganhar ou ficar no pódio de Mundiais e Taças do Mundo. Desde 2010 que não há ano que passe sem que um destes quatro receba uma medalha em provas internacionais.
É obra, mas será majestosa o suficiente para que um português, apanhado desprevenido pela pergunta, saiba que é a canoagem que dá mais medalhas ao país? “Penso que não. Acho que diriam atletismo, que é uma modalidade mais mediática”, responde David Fernandes, o madeirense e mais velho do grupo. Aos 31 anos, o canoísta do Clube Náutico do Funchal tem noção que “as pessoas não dão o valor que deviam” à canoagem. Nas palavras não esconde rancor ou ressentimento, pois sabe que nem tudo nisto é mau. “Nas grandes competições não nos colocam tanta pressão, como fazem com o atletismo, onde pensam que é fácil. Mas a verdade é que nos últimos Jogos Olímpicos nós é que tirámos as medalhas e outros ficaram aquém desses resultados”, realça, ao lembrar a prata que revestiu Fernando e Emanuel nos Jogos de Londres, em 2012.
É por já terem estas medalhas e por quererem outras mais que, na manhã de uma quinta-feira de julho estão, os quatro, em Montemor-o-Velho. Lá aparecem para mais um dia de preparação rumo aos Mundiais de canoagem, que se realizam entre 19 e 23 de agosto em Itália, perto de Milão — onde terão a única oportunidade para se qualificaram juntos, na embarcação de K4, para os próximos Jogos Olímpicos, em 2016. Pouco passa das 10h e o calor, teimoso, já galgou uns quantos degraus na escada da temperatura. O calor é muito, mas Fernando Pimenta é um dos que prefere usar o combustível das pernas para, de bicicleta, pedalar uns quantos quilómetros para chegar ao Centro de Alto Rendimento. Uns imitam-no, outros chegam juntos, numa carrinha. Trocam-se bons dias, apertam-se as mãos, mas ninguém para quieto até os cerca de 30 canoístas que ali estão entrem no sexto de 16 pavilhões do centro. Lá dentro não há muita coisa, há o essencial: caiaques e pagaias. Há material que chegue para todos.
No reboliço pré-treino não se deteta qualquer palavra sobre conquistas, vitórias ou medalhas. O som das breves conversas que os canoístas trocam entre si são os únicos decibéis que se ouvem no complexo. O vento, ainda tímido, nem sopra. As vozes acalmam-se quando os braços começam a abanar, ora como um baloiço, ao lado do tronco, ou como tesouras, que se cruzam à frente do peito. Todos aquecem antes de entrarem na água. E todos, sejam homens ou mulheres, novos ou velhos, são uns armários — o peito, os braços e os ombros enchem-se de músculo inchado pelas muitas horas que já passaram a remar. Os canoístas ficam uns dez minutos no pavilhão até que, sozinhos ou em grupos de dois e de quatro, pegam nos caiaques e os levam até às pequenas docas que estão na pista de água. Está na hora do treino.
Fernando é o único que, por segundos, e enquanto aguenta o peso do “barco” ao ombro, vem ter connosco com um conselho na ponta da língua. “Ali ao fundo, naquela plataforma, conseguem ver-nos. Vamos andar a fazer a pista. Pode ser que o canhão ajude”, sugere, ao reparar na objetiva que acrescenta um palmo à câmara fotográfica que um de nós tem ao pescoço. Mas esse “canhão”, o que faz magia com o foco, não tem truques suficientes para ver tudo o que, na próxima hora, se passa dentro de água. A culpa é dos dois quilómetros que a pista tem de comprimento, que faz os atletas perderem-se no horizonte. Os canoístas vão e voltam, mas a pressa é pouca e este vaivém demora a fazer-se. O treino, afinal, “é levezinho e de descompressão”, como esclarece Hélio Lucas, um dos treinadores da seleção nacional de canoagem que, às tantas, aparece na bicicleta perto da tal plataforma.
Um dia de treino normal no Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho começa às 10h. Os canoístas vão para a água e lá ficam até às 12h. À tarde, entre as 17 e as 19h, trabalham no ginásio ou fazem treino de corrida. A segunda, terça e quarta-feira costumam ser os dias de maior carga.
Sentado no selim, um pé no chão, outro no pedal, esconde-se na sombra inventada pelo edifício que ladeia a doca. É lá, com um boné a tapar-lhe a cabeça, que observa o que se vai passando na água. “Quando trabalhamos a sério vamos de barco para a água. Corrigimos, marcamos ritmos, falamos com eles sobre a forma como estão a pagaiar, apontamos algumas coisas que é preciso modificar”, resume, quando lhe perguntamos quando o treino serve para puxar, a sério, pelos atletas. “Basicamente é aquecimento e vão logo para a água. De manhã, o trabalho dura 1h30, ou 1h40. Depois seguem para o ginásio, onde fazem trabalho de corrida e força até ao final do dia. À terça-feira e ao sábado, por exemplo, vão duas vezes por dia à água”, explica, depois. Se quem ouve já fica cansado só de imaginar, quem o faz confessa que acaba estoirado. “Chegamos ao ponto da exaustão completa, de não termos energia para mais nada. Às vezes até caímos para a água por já nem termos forças para nos equilibrarmos no barco”, revela Fernando Pimenta.
Mas este treino é suave e pouco demora a completar — nem chega a durar uma uma hora. Fernando, Emanuel, João e David vão aos Mundiais remar juntos, no mesmo caiaque, mas ali cada um vai para a água com o seu caiaque. Mesmo com o modo relaxado ligado, nota-se nos movimentos a mecânica de quem já faz isto há muitos anos. Têm a coluna erguida, a espinha reta como uma régua. Os braços mexem-se à vez, amigos da sincronia, e os ombros inclinam-se para a frente enquanto a respiração, tão brusca quanto precisa, parece dar ordem a todos os movimentos. Os caiaques deslizam sobre a água sem esforço, como se do mais natural se tratasse. É a tal história de o difícil parecer fácil quando é feito por alguém que não faz outra coisa na vida. Ao início, contudo, poucos são os que conseguem domar um caiaque.
Emanuel Silva sabe bem o que custa. Aos nove anos, quando experimentou a canoagem, o rapaz de Braga molhava-se cada vez que tentava manter-se num caiaque e aguentar-se com a pagaia nas mãos. Desequilibrava-se, baloiçava e lá ia ele para a água. “Foi um bocado complicado. Não estava a conseguir encaixar nem a conseguir andar no caiaque”, admite. O miúdo insistiu, teimou que a canoagem seria mesmo com ele e foi praticando. Valeu a pena, já que hoje, aos 29 anos e entroncado como poucos, já foi buscar 19 medalhas a provas internacionais, entre Europeus, Mundiais, Taças do Mundo e Jogos Olímpicos. Quando é a valer nunca rema sozinho — Emanuel compete nos 1.000 metros de K4 e de K2, na qual até já foi o melhor do Mundo e da Europa –, mas no treino é solitário. Navega longe dos outros e é raro ter alguém por perto.
Quando o treino acaba é o primeiro a vir falar connosco. Tem alguma pressa pois, diz-nos, dali ainda ia para o ginásio para continuar o trabalho. “Tenho quase 30 anos e nunca estou satisfeito. Mesmo com a medalha nos Jogos Olímpicos e dois títulos mundiais, quero mais. Quero treinar e ser melhor. É óbvio que não estou a ir para novo, estou a ir para velho, mas a ambição é muita, e o querer ainda é maior”, garante, antes de lamentar que, por vezes, ainda sinta que os portugueses não têm noção dos resultados que a canoagem regista. Mas as coisas parecem estar a mudar. “Desde 2003, mais ou menos, quando começaram a surgir os bons resultados, que as pessoas começaram a olhar a canoagem com outros olhos”, reconhece quem, há uns anos, de vez em quando desabafava na conta do Facebook sobre o monopólio que o futebol detém na atenção que os portugueses prestam ao desporto nacional. “Se há resultados a canoagem aparece na televisão, e a partir do momento em que aparece, as pessoas são obrigadas a ver. Já tenho sido abordado por pessoas que me questionam se sou o Emanuel medalhado nos Jogos Olímpicos”, confessa, já a esboçar um sorriso na cara.
Melhor que ninguém, são os canoístas, os que estoiram o corpo a remar, que sentem o que custa estar sempre a dar medalhas e lugares no pódio a Portugal. “Não é sorte, é sim muito trabalho, porque nós temos uma força de vontade enormíssima”, assegura Emanuel, enquanto cerra a face e a voz para carregar as palavras com seriedade. É assim, a condimentar as remadas com muito esforço e trabalho, que vão tentando puxar a atenção dos portugueses para a canoagem — só este ano, Portugal já foi vice-campeão europeu nos 1.000 metros em K4 e teve duas medalhas de prata de K1 nos Jogos Europeus de Baku, no Azerbaijão. Mas não é fácil que o país fique sempre de olho na canoagem e João Ribeiro que o diga. “No outro dia fui a um colóquio na minha terra e as pessoas ficaram espantadas quando disse que a canoagem era a modalidade que trazia mais medalhas para Portugal. É normal. A sociedade ainda não está habituada a acompanhar muito os resultados da canoagem, mas aos poucos e poucos, o público olha mais para a nossa modalidade”, conta o canoísta de Esposende, de 25 anos (o mais novo dos quatro) que hoje rema pelo Benfica.
“Toda a gente já sabe o valor dos portugueses. Ao alinharem ao lado de Portugal, sabem que vão ter uma embarcação muito forte, a lutar por medalhas”, garante David Fernandes, ao falar das competições internacionais.
Depois há outro problema. Ou melhor, uma consequência criada pelas pessoas quem nem sempre acompanham e estranham as vezes em que ouvem falar nela sem medalhas à mistura. “Se tirarmos cinco ou seis medalhas numa provas somos os maiores. Mas se na seguinte ficarmos só em quarto ou em quinto lugar já não prestamos, embora estivéssemos quase nas medalhas. Não deixa de ser um bom resultado. Passado um bocado, se analisarem bem, veem que damos tudo e que ninguém quer as medalhas mais do que nós, de certeza”, explica David Fernandes, trocando o ar sério pelos sorrisos quando começa a debitar o testemunho de quem viu, nos últimos anos, a canoagem dar pulos atrás de pulos de qualidade — e de como, lá fora, isso é bem reconhecido. “Antes chegávamos lá e olhavam para nós: ‘Olha os portugueses, os pequenitos, os fracos, a estes já ganhámos.’ Agora não, já somos respeitados e isso, por um lado, é bom. Mas, por outro, já não entramos como os outsiders”, revela o madeirense, bem ciente de como ninguém gosta de tirar teimas com os canoístas portugueses e tentar remar melhor e mais rápido do que eles.
Porque hoje isso é algo que não já não acontece muitas vezes. A história diz que sempre foram os alemães, os russos, os húngaros ou os polacos a terem as melhores amizades com a canoagem. São as potências da modalidade. Mas há muito que os portugueses deixaram de ser a surpresa que, de vez em quando, se intrometia lá no meio. Agora parece ser demasiado escrever que Portugal já ganhou e perdeu medalhas por uma nesga ou um triz.
Já foi por muito menos do que isso: em maio, o K4 português ficou a 872 milésimos de segundo do título europeu; em 2012, o ouro olímpico fugiu a Emanuel Silva e Fernando Pimenta por 53 milésimas; e, em 2014, Emanuel e João Ribeiro foram campeões europeus por serem 312 milésimos de segundo mais rápidos que a dupla francesa. “Perde-se e ganha-se por centímetros”, confirma Emanuel Silva. “É assim mesmo: hoje podemos ganhar e amanhã ficamos em quinto. Muitas vezes temos de ir ao photo finish ver quem ficou à frente. O resultado pode não ser o espelho do trabalho que fizemos. Às vezes um quinto lugar não significa que não passemos dali, mas apenas que tivemos um dia menos bom”, explica Fernando Pimenta, ao falar das situações em que, na água, cortada a linha da meta, os canoístas não sabem se hão de festejar ou abanar a cabeça, por saberem que a corrida foi taco-a-taco. “Ao alinharem ao lado de Portugal, sabem que vão ter uma embarcação muito forte, sempre a lutar por medalhas”, resume David Fernandes.
É assim, a contar milésimas, a discutir centímetros e a pensar na força que se deu a mais, ou menos, numa remada, que está hoje a canoagem portuguesa: colada aos melhores. E poderão ser estas nesgas a decidir se, em agosto, os canoístas portugueses conseguirão, ou não, a qualificação para os Jogos Olímpicos [JO]. Uma coisa já sabem: terão de chegar à final da prova de K4. Se não o fizerem, não terão outra oportunidade. “O sistema de apuramento não é o melhor. A canoagem tem vagas muito restritas”, lamenta João Ribeiro, ao não considerar justo que apenas se consiga um bilhete para o Rio de Janeiro com a presença na final de apenas uma prova. “No judo e no triatlo, por exemplo, apenas precisas de ser o mais regular possível e a canoagem devia apresentar um sistema desses. Em 2011 não conseguimos a qualificação para os JO de Londres porque, um mês depois de sermos campeões europeus, não fomos à final do Mundial”, diz, ao recordar o cenário que pretendem evitar daqui a umas semanas. O objetivo é que, em 2016, estejam os quatro, juntos, a remar no mesmo caiaque nas águas do Rio de Janeiro.
Hélio Lucas, o sotaque de Ponte de Lima que começou a ser treinador aos 18 anos, bem se lembra dos tempos em que isto era um sonho distante. Uma daquelas coisas que só apareceria se a sorte desse a mão à melhor das hipóteses. “Antes queríamos tentar chegar às finais. Agora queremos é medalhas. Já é complicado quando vamos a uma prova e não lhes chegamos”, admite, tão sincero como quando acredita que hoje o país está com a melhor geração de sempre de canoístas. João Ribeiro, como os restantes três canoístas, concorda. “Os resultados falam por si”, defende, lembrando que a modalidade “tem batido recordes”. E tudo com condições que ainda não tocam nas que outros países — ou, parafraseando, devido ao dinheiro que por cá falta e lá fora abunda. “Não temos a capacidade financeira que eles têm. A Rússia passa quase o ano todo em estágios um pouco por todo o mundo, enquanto, para nós, já é uma vitória estarmos uma semana em Itália”, argumenta o treinador, puxando o exemplo do estágio que a seleção cumprirá em águas italianas graças ao esforço que a Federação Portuguesa de Canoagem fez para gastar entre “uns oito e 10 mil euros”.
Só assim, trabalhando até mais não, é que os resultados continuarão a aparecer. Depois é tudo como uma remada que vai colocando na água uma pá a seguir à outra: com o trabalho aparecem os resultados, eles chamam mais atenção para a modalidade, e mais reconhecimento trará mais praticantes. “Só com o trabalho da comunicação social é que os portugueses consegue perceber que existem modalidades além do futebol e do atletismo”, realça Emanuel Silva, mas João Ribeiro diga “nim” a esta hipótese. E tem um exemplo para o justificar. “Quando o Rui Costa, o ciclista, foi campeão do mundo de estrada, um jornal desportivo fez capa com isso. Disseram-me que essa foi a edição menos vendida daquele ano”, lembra, antes de, ao mesmo tempo que encolhe os ombros, nos dizer: “Vocês têm que dar às pessoas o que elas querem.” De uma maneira ou de outra, mais atenção, notícias, reportagens e artigos sobre canoagem ajudarão a colher mais praticantes para a modalidade.
Hélio Lucas concorda, embora reconheça que não é fácil chamar miúdos para a modalidade. “Enquanto no futebol e na bola se consegue por 20 e tal num campo, na canoagem não é assim. É mais caro, tem que se adquirir um barco por atleta, uma pagaia, e estamos a falar dos dois mil e poucos euros. Em termos logístico, é mais difícil ser uma modalidade de massas”, argumenta, com pena nas palavras. De resto, ele e os canoístas não se queixam de nada. Gostam das condições que têm em Montemor-o-Velho, adoram ir remar à caça de medalhas e pódios e veneram o sentimento de ganhar. Vivem para a canoagem e era bom, dizem, ver mais pessoas a fazerem o mesmo. Ou, pelo menos, a experimentarem. “Ninguém ficará apaixonado logo à primeira”, reconhece David Fernandes, embalado pelo riso. Mas tanto ele como Emanuel, Fernando e João tremeram quando lhes deram uma pagaia e um caiaque e lhes disseram para levarem tudo para a água. Daí até às medalhas não foi um pulo, foi trabalho. O mesmo em que não poupam para, com medalhas, continuarem a mimar um país que torce por eles: “Temos noção que os portugueses estão mal habituados”. É bom sinal.