“O chefe quer o servidor apagado.” Em junho de 2022, o gerente da propriedade de Donald Trump em Mar-a-Lago terá pedido a um informático que eliminasse os vídeos captados pelas câmaras de segurança da mansão, após receber uma chamada telefónica do ex-Presidente dos Estados Unidos (EUA) para o efeito. Dias antes, o homem de 55 anos, que cuidava da grandiosa residência junto à praia na Florida, terá ajudado alguém de confiança do magnata a esconder 30 caixas que continham documentos confidenciais da Casa Branca num arquivo instalado numa cave.
Na última sexta-feira, mais de um um ano depois de este episódio ter ocorrido, Jack Smith, procurador especial que está a investigar a posse de documentos considerados confidenciais por Donald Trump, divulgou uma série de novas acusações — e incluiu este episódio para mostrar que o ex-Presidente tentou livrar-se de documentação que não devia possuir. Foi neste momento que o nome de Carlos de Oliveira, o gerente da propriedade do antigo Presidente em Mar-a-Lago, saiu do anonimato, tendo-se apresentado a um juiz esta segunda-feira, tendo sido decidido que ficará em liberdade se pagar uma fiança de 100 mil dólares (cerca de 90 mil euros).
Comum em países latinos, o nome de Carlos de Oliveira levou a imprensa norte-americana a tentar procurar a sua nacionalidade. E vários órgãos de comunicação social chegaram à conclusão de que o gerente da mansão de Donald Trump era um emigrante com nacionalidade portuguesa que chegou aos Estados Unidos há 30 anos à procura de uma vida melhor.
De acordo com a CNN internacional, o homem começou por viver no estado do Massachusetts, no frio nordeste norte-americano, mas há cerca de 20 anos mudou-se para sul — rumo à soalheira Florida. Tiberio Almeida, senhorio da casa em Palm Beach que Carlos de Oliveira aluga, localizada a cerca de 20 minutos da mansão de Donald Trump, descreveu o emigrante português de forma positiva: “Conheço-o há muito tempo. É um amigo muito bom e bom tipo.”
Os vizinhos de Palm Beach parecem coincidir na avaliação positiva relativamente a Carlos de Oliveira, retratando-o como um homem reservado e que gostava de jogar golfe. E mostraram-se surpreendidos com o papel do emigrante português no caso dos documentos confidenciais de Donald Trump. “Ele não é um criminoso”, defendeu o vizinho Raymond Brion em declarações à televisão da Florida Wptv, acrescentando: “Nem consigo imaginar como é que ele se envolveu nisto.”
A chegada de Carlos de Oliveira a Mar-a-Lago
Foi há cerca de 20 anos que Carlos de Oliveira se mudou para a Florida, ainda que não se saiba exatamente o ano em que o emigrante português começou a trabalhar para Donald Trump. O New York Times aponta para o início dos anos 2000. Nessa altura, o homem desempenhava simples tarefas na mansão de Mar-a-Lago, arranjando eletrodomésticos ou arrumando carros.
Apesar de nos primeiros anos o emigrante ter desempenhado estas funções, Carlos de Oliveira foi sendo promovido. Como apurou o New York Times, Donald Trump confiou-lhe inicialmente a gerência dos funcionários da casa a tempo inteiro. Depois, no início de 2022, ganhou o título de gerente de propriedade, passando a acumular mais responsabilidades e interagindo diretamente com o magnata.
Sobre a vida privada de Carlos de Oliveira, não são conhecidos grandes detalhes. Em 2012, após consultas da documentação dos funcionários de Mar-a-Lago pelo diário nova-iorquino, sabe-se que o emigrante se divorciou e declarou bancarrota. Na altura, possuía um BMW com seis anos e dispunha, no final daquele ano corrente, de 700 dólares na conta (cerca de 635 euros).
Tendo sido próximo de Donald Trump e tendo alegadamente ajudado o ex-Presidente norte-americano a livrar-se de documentos confidenciais, isso leva a crer que Carlos de Oliveira era leal ao antigo Chefe de Estado. No entanto, após as buscas do FBI em agosto do ano passado à mansão, o círculo mais próximo do magnata começou a desconfiar do emigrante.
Numa mensagem num chat na plataforma Signal a que o Departamento de Justiça teve acesso, Walt Nauta, o homem de confiança de Donald Trump que ajudou Carlos de Oliveira a livrar-se das 30 caixas de documentos confidenciais em junho de 2022, questionou Susie Wiles, uma das conselheiras políticas do magnata, sobre se o emigrante português era leal — ou se não tinha sido ele a roer a corda e a chamar o FBI.
Em resposta, Susie Wiles garantiu a Walt Nauta que Carlos de Oliveira era “leal”, afastando a possibilidade de ter havido uma traição a Donald Trump. Os mais próximos do homem de 56 anos destacam igualmente a sua lealdade. Citado pela CNN internacional, um familiar acredita que, diante de todo este emaranhado legal que foi revelado na sexta-feira, o emigrante era “fiel ao seu chefe que era quem lhe pagava as contas”.
De que está acusado Carlos de Oliveira e o que fez?
A mesma fonte assegurou à CNN que Carlos de Oliveira não estava “familiarizado” com a maneira como o “governo norte-americano trabalhava”, frisando que o emigrante não estava ciente das consequências que teria a ação de mandar apagar os vídeos captados pelas câmaras de segurança após ter retirado 30 caixas de documentos. A ideia expressa pelo familiar é que o homem de 56 anos estava apenas a cumprir ordens.
Em concreto, o despacho de acusação indica que o emigrante de origem portuguesa pode ter cometido três crimes por ter mandado apagar os vídeos das câmaras de segurança: 1) conspiração destinada à obstrução da Justiça; 2) alteração, destruição, aduleração ou ocultação de gravações ou outros objetos de forma “corrupta”; 3) falsas declarações à Justiça.
Todo este processo relacionado com as gravações, e que obrigou Carlos de Oliveira a apresentar-se à Justiça, teve início a 3 de junho de 2022, quando o FBI realizou as primeiras buscas na mansão de Mar-a-Lago para recolher a documentação confidencial. Os agentes daquela agência notaram a presença de câmaras de segurança no edifício e, de acordo com o despacho de acusação, os advogados de Donald Trump receberam, a 22 de junho, um rascunho de intimação, de forma a notificá-los de que teriam de entregar as gravações.
No dia seguinte, pelas 21h00, o magnata liga ao gerente de propriedade para que este tentasse apagar os vídeos. Carlos de Oliveira tenta falar com os informáticos que gerem as gravações e pressionou-os a eliminar os registos, nomeadamente aqueles em que se vê o emigrante e Walt Nauta a mudar as 30 caixas para o arquivo na cave. Sem embargo, isso nunca aconteceu e, por conseguinte, em julho de 2022, o FBI consegue aceder às gravações que mostram o “movimento das 30 caixas”.
Apesar de ter o contacto e de falar diretamente com Donald Trump, várias fontes ligadas ao magnata garantiram à CNN que Carlos de Oliveira está fora do seu círculo de aliados — e, à partida, está longe de ser um confidente ou um ajudante. Ouvido por aquela estação de televisão, um dos aliados do antigo Presidente norte-americano nem sequer sabia quem era o emigrante com origem portuguesa. “Não sei quem ele é, nunca o conheci, nem nunca ouvi o seu nome antes.”
Não fazendo parte do núcleo duro de Donald Trump, estas mesmas fontes sinalizaram à CNN que Carlos de Oliveira dificilmente sabia o que se passava em termos judiciais. Porém, certo é que o emigrante foi presente, esta segunda-feira, ao juiz no tribunal de Fort Pierce, na Florida.
Durante a curta audiência, Carlos de Oliveira ouviu que poderia sair em liberdade sob pagamento de uma fiança, ainda que o emigrante tivesse sublinhado que não dispunha de 100 mil dólares neste momento. O juiz retirou-lhe o passaporte e marcou outra audiência, desta vez para 10 de agosto. Até lá, o homem — que foi para os Estados Unidos à procura de uma vida melhor — vai tentar encontrar alguém para o representar no estado da Florida, já que foi defendido de forma oficiosa por um advogado de Washington D.C.