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Um carro elétrico custa mais do que um veículo movido a combustíveis fósseis. A alimentação amiga do ambiente é mais cara do que a produzida em massa e de modo intensivo. Os nossos hábitos de consumo são ainda moldados por uma economia pouco sustentável e vinculada ao petróleo. A indústria global vai precisar de muito dinheiro para transitar para modelos económicos compatíveis com a defesa do clima. E o próprio mercado laboral terá de sofrer alterações significativas para entrar no caminho da sustentabilidade. Mais do que um projeto ambicioso, o combate às alterações climáticas afigura-se frequentemente como um desafio, essencialmente, demasiado caro para os nossos bolsos.
Numa altura em que os líderes mundiais estão reunidos em Glasgow, na Escócia, para uma COP 26 (a cimeira do clima da ONU em que os signatários do Acordo de Paris deverão aumentar a ambição das suas políticas climáticas) que já muitos vaticinaram estar falhada à partida, o Observador vai em busca de algumas respostas para uma pergunta clássica: afinal, teremos dinheiro para ser sustentáveis? Quanto nos custa ser amigos do ambiente?
A resposta curta pode ser desanimadora à partida: viver de modo sustentável ainda custa (quase sempre) mais do que seguir os padrões habituais, menos sustentáveis. E há várias razões para isso. Uma, relaciona-se com o elementar princípio económico da relação entre oferta e procura (a procura por produtos especificamente sustentáveis ainda é curta, o que os transforma em grande parte dos casos em produtos de nicho). Falta à maioria das alternativas sustentáveis aquilo a que os economistas chamam “escala” — na produção e do consumo. Mas o grande fator por trás da grande disparidade de preços entre o sustentável e o poluente é a própria natureza da economia contemporânea: nada do que consumimos atualmente custa à nossa carteira aquilo que custa realmente ao planeta.
A solução, defendem ambientalistas e economistas, passa por mudar a própria economia: o ambiente tem de passar a fazer parte dela. Quando isso acontecer, passará a ser mais barato ser sustentável do que o oposto, garantem os especialistas.
O modelo cappuccino
“A forma como nós medimos a economia não toma em consideração os custos do carbono. Se quisermos aumentar o PIB, podemos cortar toda a floresta de um país e aumentamos o PIB. Mas ficamos sem floresta e com um desastre ecológico com consequências dramáticas que, hoje em dia, não se refletem nas estatísticas.”
A hipérbole é dada como exemplo ao Observador pelo conceituado economista guineense Carlos Lopes, ex-secretário-geral adjunto das Nações Unidas, antigo braço-direito de Kofi Annan na ONU, atualmente professor de políticas públicas na Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul) e considerado um dos grandes arquitetos da renovação do continente africano. Carlos Lopes é também um dos comissários da Comissão Global para a Economia e o Clima, uma iniciativa internacional financiada por um conjunto de países com o objetivo de estudar como o mundo poderá aliar o crescimento económico com o combate ao aquecimento global.
“No debate sobre a transição energética, que representa quase 70% dos esforços que têm de ser feitos para poder ter uma ação direta no clima, esses esforços são normalmente associados como custosos e como trazendo grandes dificuldades para as economias”, explica Carlos Lopes. “Pensa-se que se vai arriscar um pouco a qualidade do crescimento económico se se fizer essa transição com uma certa rapidez.”
E esta ideia do senso comum “não é completamente descabida”, reconhece o economista. “A maior parte dos países que se desenvolveram industrialmente, e agora atingiram um determinado patamar de desenvolvimento, fizeram-no também à custa dos combustíveis fósseis e de uma utilização exacerbada dos meios ambientais, da falta de regeneração ambiental”, sublinha. Durante todo este tempo, os custos ambientais dos bens e serviços produzidos em massa que alimentaram o desenvolvimento económico nunca se refletiram nos preços. “Só se refletem como efeitos colaterais, mas não enquanto custos quando estão a ser explorados os meios ambientais.”
O mesmo ponto de vista é partilhado pelo engenheiro do ambiente Francisco Ferreira, professor universitário e uma das vozes centrais do ambientalismo em Portugal. “Há muitos bens e práticas que são insustentáveis e mais baratos porque não pagam as externalidades associadas”, diz ao Observador o presidente da associação ambientalista Zero e professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa. “Em muitos casos, estou a comprar um determinado bem que tem um impacto ambiental que depois vai custar na saúde das pessoas, no abastecimento da água. A poluição do ar, por exemplo, mata sete milhões de pessoas prematuramente todos os anos. Qual é o valor disso? Tenho bens e práticas insustentáveis que acabo por adquirir mais baratas porque não pago o verdadeiro custo.”
Na prática, o que ambientalistas e economistas defendem é a inclusão do fator ambiental e climático na composição do preço de um produto. Algo semelhante já acontece com os combustíveis fósseis (sobre os quais já pagamos, por exemplo, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos), e mais recentemente com as embalagens de plástico de uso único e outros bens poluentes. Mas a solução tem de ser mais ambiciosa: o preço de um bem ou serviço deve, segundo ambientalistas e economistas ligados à causa ambiental, incluir não apenas os tradicionais custos de produção, transporte e comercialização, mas também os custos ambientais.
Pense num bife de vaca que compra no supermercado: quanto poderá vir a custar, no futuro, o dano ambiental causado pela sua produção (através da emissão de metano, do uso excessivo de terrenos e do consumo de soja plantada de modo intensivo em regiões desflorestadas, por exemplo)? Com o aumento do preço motivado pela inclusão desse custo, continuaria a compensar comprar um bife de produção intensiva em vez de carne produzida de modo biológico e extensivo em Portugal? Sobretudo se o dinheiro adicional arrecadado pelo Estado (seja através de imposto direto, seja pelo IVA) for investido em apoios à produção sustentável durante o período de transição? Ambientalistas e economistas acreditam que, se este processo for bem feito e calculado, ser amigo do ambiente passará a compensar na carteira.
Até lá, está nas mãos dos decisores políticos implementar medidas que equilibrem, ainda que de modo artificial, os custos para cidadãos, famílias e empresas — e possam garantir que a transição, necessariamente gradual, tenha condições para acontecer.
Para o economista Carlos Lopes, é aqui que se impõe um combate àquilo que caracteriza como o modelo “cappuccino” da economia. “Desenvolveu-se esta ideia de que nós devemos ficar estagnados entre a escolha de fazer a ação climática e a escolha de salvar a economia. Chamo a isso, em termos metafóricos, a visão cappuccino”, comenta Carlos Lopes. “Temos a ideia de que o desenvolvimento sustentável tem três pilares: o pilar económico, o pilar social e o pilar ambiental. E para chegarmos a esta conclusão não foi fácil”, continua o economista, lembrando que só nas últimas décadas a dimensão social ganhou um espaço próprio no pensamento económico — e a dimensão ambiental só agora está a dar os primeiros passos.
“Temos ainda, na forma como concebemos o desenvolvimento, uma visão em que temos um café muito forte — a economia —, depois pomos um pouco de leite, que é o social, e depois enfeitamos com um bocadinho de cacau ou qualquer coisa por cima, que é o ambiental. Por isso, chamo a isto cappuccino. Quando temos uma crise de qualquer natureza, temos tendência a esquecer imediatamente os compromissos ambientais — ficamos sem o cacau. Quando as coisas ficam um pouco mais duras, fala-se que é preciso salvar a economia e esquece-se um pouco os benefícios sociais, não se faz uma economia humanizada. Tira-se o leite e fica-se com o expresso”, diz o economista.
“Essa visão está ultrapassada. Precisamos de mudar a economia, para que ela responda melhor aos desafios sociais e ambientais. Para isso, é preciso analisar a economia de uma forma diferente”, acrescenta.
O mesmo pensa Francisco Ferreira. “A transição vai sair cara aos vários setores da economia e, indiretamente, às pessoas”, assume o ambientalista. “Por isso é que é fundamental ter políticas sociais que marquem a diferença. Temos de ser criativos e implementar medidas que não são necessariamente tradicionais para a transição.” No entender do investigador, é urgente que seja criado um “sistema económico que apoie a transição, que não se faz de um dia para o outro”. E assegura: “Nalguns casos, a transição vai ser penosa, porque ainda não há economias de escala nem as estruturas necessárias.”
Uma coisa, para já, é certa: as alternativas sustentáveis em áreas como a frota automóvel e a alimentação, que impactam diretamente a vida quotidiana de todos, ainda são mais caras do que o status quo. Mas não é uma inevitabilidade ter de se gastar mais dinheiro para se ser mais amigo do ambiente.
Carro elétrico, transportes públicos e o dilema da mobilidade
A recente escalada dos preços de venda ao público dos combustíveis fósseis lembrou-nos, sem margem para dúvidas, de como a economia atual permanece intrinsecamente dependente do petróleo — até mesmo nos países que têm assumido as mais ambiciosas metas climáticas do mundo, como os da União Europeia. As empresas de transporte advertiram para a insustentabilidade financeira do setor provocada pelos preços proibitivos, o setor do retalho e o da agricultura sublinharam que o aumento dos preços dos produtos seria inevitável como consequência do encarecimento dos transportes, o setor dos autocarros alertou para a possibilidade de falência e a gravidade da situação levou o Governo a chegar-se à frente e a criar um conjunto de mecanismos para forçar, pela via dos impostos, a redução do preço a pagar pelo gasóleo e a gasolina.
Mas o maior impacto foi sentido nas carteiras dos milhões de portugueses que todos os dias precisam do automóvel para os seus afazeres quotidianos, que ainda não têm acesso a um carro elétrico e para quem o carro próprio continua a ser a opção mais viável para ir trabalhar. Nas zonas fronteiriças, intensificou-se um movimento já clássico na região: as viagens a Espanha para abastecer com combustível mais barato.
Com efeito, o carro próprio continua a ser um elemento fundamental para as movimentações diárias dos portugueses, uma vez que a oferta de transportes públicos continua muito longe de dar resposta às necessidades da maioria das pessoas. Um estudo divulgado em 2018 pela associação para a defesa do consumidor (Deco) dava conta de como 80% dos inquiridos consideravam que as soluções de transporte público existentes nas suas cidades não respondiam às suas necessidades relacionadas com as viagens para o trabalho ou para a escola dos filhos. O aumento do preço da habitação no centro das principais cidades do país (o inquérito versou sobre Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Lisboa e Setúbal) empurrou os cidadãos cada vez mais para as periferias — habitualmente mais mal servidas no que respeita às redes de transportes públicos — e forçou-os a usar ainda mais o carro para as deslocações diárias.
Mas o estudo revelou outra estatística ainda mais impactante: de entre aqueles que usam o carro diariamente, 85% diziam estar disponíveis para trocar o automóvel pelos transportes públicos — caso estes funcionassem melhor para as suas necessidades. Um número que, na verdade, não surpreende, uma vez que uma parte significativa dos inquiridos (64% em Lisboa e 63% no Porto) afirmaram enfrentar semanalmente grandes engarrafamentos.
A tudo isto soma-se um elevado encargo financeiro sobre as famílias. A média calculada pelo estudo cifrou-se nos 70 euros mensais em transportes (independentemente da modalidade). Mas, na cidade de Lisboa, um terço dos inquiridos afirmou gastar mais de 100 euros mensais com transportes. Entretanto, já depois da divulgação daquele estudo, foi implementada em grande parte do território nacional o programa de redução do preço dos passes, que permitiu a muitos habitantes da área metropolitana de Lisboa, por exemplo, deixar de pagar preços que rondavam — e em alguns casos excediam — os 100 euros mensais por um passe intermodal, passando a pagar apenas 40 euros. Ainda assim, a região da capital portuguesa continua a enfrentar um dos mais graves problemas de tráfego automóvel do país: todos os dias entram na cidade perto de 400 mil automóveis, a que se somam cerca de 200 mil carros dos lisboetas. É mais de meio milhão de automóveis a circular todos os dias na cidade mais populosa do país (cerca de 500 mil habitantes na cidade e 2,8 milhões na área metropolitana).
Apesar de mais baratos do que já foram, os transportes públicos continuam a não dar resposta suficiente às necessidades da maioria dos portugueses, que ainda precisam de um carro individual para uma parte significativa das suas vidas. E, se nos grandes centros urbanos funcionam mal, fora deles são praticamente inexistentes.
É aqui que a solução poderá passar, em parte, pelos carros elétricos. Mas a discussão em torno das viaturas elétricas está longe de ser linear. Por um lado, é certo que não está ao alcance de todos os bolsos a capacidade financeira para comprar um carro elétrico novo. Por outro lado, também é certo que um veículo elétrico permite poupar muito dinheiro no médio prazo, uma vez que é mais barato carregar a bateria do que abastecer o depósito. Mas há mais questões neste debate. Se a eletricidade usada para carregar a bateria for oriunda de fontes não renováveis, então não é verdade que a viagem seja isenta de emissões poluentes. E, quando os carros elétricos forem produzidos em massa e ganharem um lugar maioritário entre o parque automóvel mundial, haverá capacidade para extrair o lítio necessário para fabricar todas as baterias de modo ambientalmente sustentável?
Comecemos pelo início. De facto, um carro elétrico custa mais do que um carro da mesma gama movido a combustíveis fósseis. O carro elétrico mais vendido em Portugal, o Nissan Leaf, custa cerca de 30 mil euros, um valor que pode ultrapassar os 36 mil dependendo das especificações do modelo, de acordo com a página da marca na internet. Basta comparar com outros modelos da marca para perceber como se trata de um carro bastante mais caro do que a média: um modelo Micra pode ser vendido entre os 13 mil e os 18 mil euros e um Juke entre os 19 e os 24 mil. O mesmo fenómeno sucede com o Renault Zoe, outro dos modelos elétricos mais populares em Portugal. O preço do veículo supera os 30 mil euros na maioria das versões — quando é possível, na mesma marca, comprar um modelo Clio por menos de 20 mil euros.
Ainda assim, a quantidade de carros elétricos comprados pelos portugueses tem vindo a crescer de modo sustentado ao longo dos últimos anos. Em 2020, os veículos elétricos representavam já mais de 5% do total de automóveis ligeiros vendidos em Portugal, país onde nos últimos anos têm sido matriculados mais de 300 mil carros ligeiros anualmente. A tendência de subida tem-se mantido: em setembro deste ano, foram vendidos em Portugal 1.551 carros 100% elétricos — um recorde de vendas num só mês.
Todavia, apesar de o carro elétrico ser mais caro no momento da compra, sai muito mais barato ao dono ao longo dos anos — sobretudo se fizer muitos quilómetros —, uma vez que é significativamente mais barato carregar a bateria do veículo do que atestar o depósito com combustível. Um estudo recente da Deco concluiu que, em média, um condutor que faça mais de 25 mil quilómetros por ano, compre um carro elétrico do segmento médio e o mantenha durante pelo menos seis anos, poupa uma média de 12.600 euros em comparação com a escolha por um carro a gasolina, e 6.300 euros em comparação com a compra de um carro a gasóleo. Somando a esta poupança de médio prazo os incentivos atribuídos pelo Estado à compra de carros elétricos (atualmente, no valor de 3 mil euros), comprar um carro elétrico pode mesmo ser a melhor opção para a carteira — basta pensar num prazo um pouco mais alargado do que o gasto imediato com a compra do carro.
Mas há outras questões em torno dos carros elétricos, nomeadamente sobre o seu real contributo para o combate às alterações climáticas. Com efeito, de acordo com um estudo realizado pelo MIT, nos Estados Unidos, a produção de baterias para automóveis elétricos é responsável por emissões de gases com efeito de estufa superiores às associadas à produção de automóveis de combustão. Isto deve-se, essencialmente, ao processo de extração e processamento de alguns elementos naturais necessários às baterias, como o lítio. O processo gasta enormes quantidades de energia e, dependendo do modelo escolhido (a mineração ou a dessalinização), pode não ser assim tão amigo do ambiente. Transformar os carros elétricos na maioria só aumentará o desafio associado à extração do lítio. Porém, o mesmo estudo do MIT salienta que a eficiência energética dos carros elétricos ao longo da vida compensam, em pouco tempo, as emissões associadas à produção, uma vez que as emissões por quilómetros são menores. Ainda assim, resta um problema: a impossibilidade de usar baterias de lítio para alimentar aviões, que têm um contributo ainda maior para a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera.
É aqui que uma parte considerável da comunidade científica vê a oportunidade de ouro para o hidrogénio verde, apontado como a grande tecnologia que poderá encaminhar a indústria e os transportes para a rota da sustentabilidade.
No fim de contas, no caso da mobilidade e dos transportes, a teoria diz-nos que ser sustentável deveria ser mais barato do que não ser — uma vez que os custos de ter um carro não se medem apenas pelo gasto de combustível. O custo total de possuir um veículo em Portugal (que inclui a desvalorização do automóvel, os impostos, os seguros e o combustível) ronda os 500 euros mensais, muitíssimo mais do que o preço de um passe de transportes públicos.
“Há imensos exemplos em que o sustentável é mais barato”, afiança o ambientalista Francisco Ferreira, professor universitário na FCT, situada na Caparica, em Almada. “Por exemplo, eu venho para a faculdade usando o comboio e o Metro Sul do Tejo. Além do tempo que poupo, uma vez que venho à hora de ponta, pelas minhas contas poupo entre 200 e 250 euros por mês em transportes. Juntando a isto o custo que muita gente tem para estacionar em Lisboa, a manutenção do carro, etc., entre a opção sustentável e o carro, é mais barata a opção sustentável.”
Conduzir um carro em Portugal custa mensalmente entre 477 e 525 euros
Mas o ambientalista assume que esta não é uma opção para toda a gente: “Claro que isto não significa que uma pessoa não tenha de usar o carro. Uma coisa é eu viver numa cidade com transportes públicos de qualidade e funcionais. Outra é viver numa zona mais rural, ou até ter de circular fora das horas convencionais na cidade.”
“Em muitas condições, o carro elétrico já é mais barato do que um a gasolina. O custo de manutenção é menor, a durabilidade começa a ser comparável, mas é verdade que o custo de investimento continua a ser maior. Mas é uma questão de tempo de tempo e de tecnologia. Neste momento, os custos de aquisição são desmotivadores, mas tudo depende das economias de escala”, acrescenta Francisco Ferreira, devolvendo a solução para as mãos dos decisores políticos e sublinhando a importância de implementar medidas de incentivo mais vigorosas para compensar os gastos durante o período de transição. Com a certeza de que, no futuro, se continuar a ser impossível recorrer mais frequentemente aos transportes públicos, a opção por um carro elétrico poupa simultaneamente a carteira e o planeta.
Comer “bio” é mais caro — mas comer sustentável não tem de o ser
Imagine que quer fazer esta receita simples de bifes de cebolada para o jantar, mas não tem nenhum ingrediente em casa. Vai ao supermercado com a lista de compras: azeite, cebolas, alhos, bifes e polpa de tomate. Pode comprar azeite normal a 3,59 euros por litro, ou o mesmo tipo de azeite, mas em biológico, por 6,58 euros por litro. No caso das cebolas, a opção normal fica-lhe a 99 cêntimos por quilograma; a opção biológica custa 1,59 euros por quilograma. Já o alho, que na opção normal custa 5,45 euros por quilograma, na versão biológica fica a 7,16 euros por quilograma. A polpa de tomate, por seu turno, custa 99 cêntimos — ao passo que uma embalagem do mesmo tamanho, mas em biológico, fica ao dobro do preço (1,99 euros). Só os bifes não existem, no supermercado online consultado pelo Observador, de produção biológica.
No fim de contas, com 7,91 euros consegue comprar todos os ingredientes para a receita se optar por ingredientes clássicos, mas precisa de 9,91 euros para comprar os ingredientes biológicos (que habitualmente são vendidos em embalagens mais pequenas, que lhe vão durar menos tempo e servir para menos refeições).
Poderíamos continuar o exercício pelo resto dos corredores do supermercado: a esmagadora maioria dos ingredientes que recebem o selo de “biológico” — e, por isso, tecnicamente oriundos de práticas agrícolas mais amigas do ambiente — são mais caros do que os ingredientes “normais”. Não é novidade nenhuma; é, aliás, já essa a perceção da maioria dos portugueses. De acordo com um inquérito publicado no mês passado pela Associação Natureza Portugal (a representação portuguesa do WWF), 87% dos portugueses consideram que devem consumir alimentos mais amigos do ambiente, mas 79% apontam que esses alimentos são demasiado caros. O mesmo inquérito indica que 78% dos portugueses referem que os produtos mais amigos do ambiente nem sempre são fáceis de identificar no supermercado — o que leva a que, no final, apenas 66% afirmem saber como comprar alimentos de modo sustentável. Trata-se de um valor que contrasta com a preocupação dos portugueses com o impacto da produção alimentar no ambiente (que supera os 90%, enquanto a média europeia fica abaixo dos 80%).
Mas se passarmos das prateleiras do supermercado e da perceção dos portugueses para a ciência validada, chegamos à mesma conclusão. Um estudo publicado em 2014 no Australian and New Zealand Journal of Public Health fez uma análise empírica do custo da alimentação consoante as escolhas dos alimentos e a capacidade socioeconómica das famílias. Para isso, a equipa de investigadores, liderada por Laurel Barosh, concebeu dois cabazes básicos de alimentação, com base nos hábitos alimentares das famílias australianas, para uma família de dois adultos e duas crianças: um deles com produtos normais e outro com alternativas saudáveis e com baixo impacto ambiental. Os cientistas foram depois tentar perceber quanto era necessário gastar para comprar aqueles produtos em cinco bairros da cidade de Sydney com diferentes paisagens demográficas.
As conclusões vão ao encontro do esperado: o cabaz saudável e sustentável foi sempre mais caro do que o capaz composto de produtos normais. Mas esta diferença fez-se sentir especialmente no bairro mais desfavorecido analisado, onde o cabaz saudável e sustentável custou 30% mais do que o cabaz normal.
Há, evidentemente, motivos para que os ingredientes mais sustentáveis sejam mais caros do que os outros. Mas a discussão sobre o que significa alimentarmo-nos de modo sustentável é demasiado complexa para ser solucionada apenas com a aquisição de produtos “bio”.
Como o Observador recordava num artigo sobre o impacto ambiental da alimentação publicado em 2020, o sistema global de produção alimentar, da produção de fertilizantes ao fabrico de embalagens, com toda a cadeia de produção, processamento e transporte de alimentos pelo meio, é responsável por um terço de todas as emissões de gases com efeito de estufa a nível global. Dentro do grande setor da alimentação, a produção intensiva de carne é, sem margem para dúvidas, o principal problema. Estima-se que 14,5% de todas as emissões de gases com efeito de estufa a nível global tenham origem na produção de gado (e, dentro do gado, cerca de dois terços deste impacto referem-se à carne de vaca). Ao mesmo tempo, calcula-se que 59% dos terrenos agrícolas do planeta estejam a ser utilizados para a produção de gado, maioritariamente para o cultivo de produtos (como a soja) que servirão para alimentar os animais. Uma última estatística impressionante: para produzir 75 gramas de carne de vaca é preciso emitir oito quilogramas de gases com efeito de estufa para a atmosfera.
Bastaria a produção intensiva de carne para tornar inequívoco o impacto ambiental da produção alimentar. Mas os outros setores, incluindo a pesca e o cultivo de vegetais, também não estão isentos de um forte impacto ambiental. Basta pensar numa produção agrícola convencional: fertilizantes e pesticidas sintéticos são o prato do dia, com um enorme potencial de contaminação dos solos; a produção intensiva usa grandes quantidades de energia e esgota rapidamente os solos, obrigando à aplicação de ainda mais fertilizantes; a prática da monocultura acaba com a biodiversidade e impõe alterações inevitáveis nos ecossistemas locais; e a inadequação das plantações ao clima local obriga a usos de água muito acima do que seria necessário com produtos locais.
Uma primeira resposta a este problema tem sido dada pela modernização das produções agrícolas convencionais, nomeadamente através da introdução da rega gota-a-gota (que poupam água) e do recurso a energias renováveis, incluindo a solar e a eólica, para alimentar os sistemas agrícolas.
Mas essa resposta resolve apenas parte dos problemas — motivo pelo qual nas últimas décadas foi ganhando expressão a agricultura biológica. O modo de produção biológico assenta, essencialmente, na recusa de uma série de ferramentas da agricultura intensiva convencional, incluindo os pesticidas, os fertilizantes sintéticos ou o recurso a organismos geneticamente modificados, e também na prática de métodos como a rotação de culturas (para que os solos possam regenerar-se naturalmente) ou o convívio entre várias espécies — que tem o seu expoente máximo na agrofloresta, uma prática ainda embrionária que pode ajudar a produzir alimentos aproveitando exclusivamente o funcionamento normal dos ecossistemas.
É fácil perceber porque é que os alimentos biológicos, orgânicos ou simplesmente produzidos de modo sustentável são mais caros: custa, realmente, mais dinheiro produzir alimentos assim. Sem métodos de produção intensiva, um produtor biológico vai, necessariamente, produzir menos alimento no mesmo espaço e no mesmo tempo. Sem recurso a fertilizantes sintéticos, um produtor biológico poderá ter grandes parcelas de terreno vazias durante largos períodos de tempo para promover a regeneração natural. Quando chega às prateleiras de um supermercado, um tomate biológico demorou mais tempo a produzir e custou mais dinheiro do que um tomate “normal”. Por isso, é normal que pese mais na carteira.
Também é preciso ter em consideração que, só por ser “biológico”, um alimento não se transforma imediatamente em amigo do ambiente. Há um conjunto de custos ambientais associados a processos paralelos, como o transporte, que podem desequilibrar as contas. Consumir em Bragança um produto biológico que foi cultivado no Algarve implica 700 quilómetros feitos, provavelmente, numa viatura movida a combustíveis fósseis. Dificilmente será mais amigo do ambiente do que consumir produtos, mesmo que não-biológicos, feitos perto do local do consumo final. Em larga escala, o mesmo se aplica ao consumo de produtos tropicais que têm de atravessar oceanos inteiros em navios de transporte de mercadorias, que são responsáveis pela emissão de 940 milhões de toneladas de dióxido de carbono todos os anos.
O facto de a discussão não ter uma resposta linear ajuda a concluir que nem sempre tem de ser mais caro optar por uma alimentação amiga do ambiente. Não é preciso tornar-se vegan e passar a comer tofu e produtos exclusivamente biológicos. Evidentemente, comer menos carne contribuirá para reduzir a procura pela produção de gado em modo intensivo — sobretudo se, quando comer carne, optar por produtos com origem em Portugal e em produções extensivas. O mesmo acontece com os produtos agrícolas: em qualquer supermercado, as frutas e legumes têm etiquetas que mencionam a origem da produção. Privilegiar produtos portugueses (especialmente de regiões próximas do lugar onde vive) vai sempre reduzir a pegada ecológica da compra final, mesmo que não opte necessariamente pelos produtos biológicos. Se privilegiar produtos que estão na sua época natural, também contribuirá para baixar a fatura energética associada à conservação.
Em grande escala, afigura-se como evidente que a sustentabilidade da produção de alimentos exige uma transição para práticas agrícolas mais amigas do ambiente, que permitam a regeneração natural dos solos e não ameacem os ecossistemas. Aqui, coloca-se o mesmo problema dos carros elétricos: nem as tecnologias estão ainda suficientemente desenvolvidas nem a procura é ainda suficiente para que compense financeiramente apostar na agricultura biológica (exceto para os produtores que visam um nicho de mercado específico, normalmente associado às classes médias e altas).
A partir do Estado, as políticas públicas podem ajudar no período de transição. No caso português, por exemplo, desde 2017 que a certificação de agricultura biológica dá aos produtores um benefício fiscal em sede de IRS ou IRC — uma proposta apresentada na altura pelo PAN durante a discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2017.
Voltando à pergunta inicial: uma alimentação mais amiga do ambiente é mais cara? Depende. Está mais que provado que o sistema de produção alimentar atual é pouco sustentável. Se a alternativa for substituir todos os alimentos por alternativas biológicas, sim, vai ser mais caro. Porém, se a alternativa for optar por mais vegetais, reduzir o consumo de carne (mesmo sem acabar com ele completamente) e comprar produtos nacionais ou locais, então, não será necessariamente mais caro. Até pode ser mais barato, uma vez que a carne é um alimento consideravelmente mais caro do que uma grande parte dos produtos hortícolas que podem fornecer proteína ao corpo humano.
“Se eu fizer uma alimentação mais vegetariana, sai-me mais barato”, defende Francisco Ferreira. “Evitar comprar carne ou peixe também faz uma diferença. Consigo uma alimentação mais saudável e mais amiga do ambiente, não necessariamente biológica, que muitas vezes está inflacionada”, acrescenta o ambientalista, sublinhando que há opções viáveis para quem vai ao supermercado.
Os hábitos quotidianos que podemos mudar — e poupar dinheiro
É tão comum que já ganhou nome: o “efeito Primark”. Para efeitos de justiça, embora o fenómeno tenha sido batizado com base na cadeia irlandesa de roupa vendida a preços muito baixos, aplica-se a praticamente todas as marcas da chamada “fast-fashion”. Por todo o mundo, aterros sanitários estão a encher-se, a um ritmo alucinante, de roupas compradas em marcas “low-cost” que foram usadas meia dúzia de vezes, estragaram-se e não podem ser recicladas. O tempo em que camisas, calças, vestidos e casacos duravam uma vida inteira parece ter passado à história: os orçamentos familiares apertados e a insistência da indústria da moda em renovar as “tendências” a cada seis meses têm atraído cada vez mais clientes para as grandes lojas de roupa barata.
Mas será assim tão barata? A ciência explica que não: nem para a carteira nem para o ambiente.
A Zara, por exemplo, lança cerca de 20 mil peças diferentes todos os anos, um número que pode ser lido à luz daquilo que tem sido a evolução da indústria da moda: entre 2000 e 2014, a produção de roupas a nível mundial duplicou. De acordo com um estudo citado pelo The New York Times, os produtos da maioria das marcas de roupa “low-cost” são fabricados de modo a serem usados, em média, 10 vezes antes de ficarem obsoletos ou estragados.
Este fenómeno está a ter um impacto ambiental significativo. De acordo com dados igualmente citados pelo The New York Times, só em 2015 os cidadãos norte-americanos produziram 11,9 milhões de toneladas de resíduos têxteis, perto de 35 quilogramas por pessoa, que na sua maioria acabaram em aterros (com potencial de contaminação dos solos). A comparação é impressionante: trata-se de uma quantidade 8,5 vezes maior do que em 1960, quando a população do país apenas aumentou cerca de 1,8 vezes desde o mesmo ano — ou seja, ainda nem sequer duplicou.
Dados recentes mostram um cenário semelhante em Portugal, onde se deitam fora cerca de 200 mil toneladas de roupa todos os anos — com o país a acompanhar o ritmo mundial no que toca ao consumo de fast-fashion: compramos muito mais roupa e ficamos com ela muito menos tempo. Acresce um outro problema: com um recurso cada vez maior a fibras sintéticas, de plástico, e por isso com origem no petróleo, não só a pegada ecológica da roupa aumenta, como também sobe o potencial de contaminação dos solos quando as roupas acabam em aterros sanitários.
Outros dados globais ajudam a pintar um cenário negro: estima-se que cerca de três quintos de toda a roupa produzida no mundo acabe em incineradoras ou em aterros sanitários no prazo de um ano depois do fabrico; que a indústria da roupa e do calçado represente mais de 8% das emissões de gases com efeito de estufa no planeta; e que mais de 20% dos compostos químicos produzidos a nível mundial sejam usados na indústria têxtil.
Tudo isto vem com um grande custo para as nossas carteiras — e não apenas para o ambiente. É que, apesar de muito mais baratas no momento da compra, as roupas das lojas de “fast-fashion” duram muito menos tempo. É preciso, por isso, mudar o modo como medimos o custo de uma peça de roupa — e, evidentemente, o modelo é replicável em praticamente todos os objetos que compramos —, deixando de pensar no preço de compra e passando a ter em conta o custo por utilização. Um casaco que custe 200 euros e possa ser usado centenas de vezes ao longo da vida sairá sempre mais barato do que um casaco de fraca qualidade que custe apenas 50 euros e que no próximo inverno já precise de ser substituído. O mesmo vale para peças mais simples como t-shirts ou camisas — às vezes vendidas por menos de 10 euros em lojas baratas nas grandes superfícies comerciais.
É por isso que há quem faça a apologia da compra de roupa cara — e, subentenda-se, duradoura — como modo de poupar dinheiro e o ambiente.
Mas o caso da roupa é só um dos mais evidentes entre muitos exemplos de hábitos de consumo contemporâneos que estão a ameaçar simultaneamente as nossas carteiras e o ambiente. Outro exemplo prende-se com a tecnologia que carregamos diariamente no bolso: o telemóvel.
Um estudo publicado em 2017 indica que o impacto das tecnologias de informação e comunicação (incluindo telemóveis, computadores, tablets, mas também os sistemas necessários à manutenção da internet a nível global) no ambiente está em rota ascendente: em 2007, o setor representava 1% das emissões globais; estava já a aproximar-se dos 3,5% apontados a 2020 e deverá chegar a 2040 nos 14%, assumindo uma importância relativa equivalente a metade do impacto do setor dos transportes. Dentro deste setor, a produção de smartphones é um dos maiores responsáveis: a energia necessária para o fabrico e o grande impacto ambiental da mineração do lítio e de outros materiais necessários para as baterias (como no caso dos carros elétricos) elevam para níveis estratosféricos a pegada ecológica do uso dos telemóveis.
Tal como sucede com a indústria da moda, o grande problema não é ter um telemóvel — é trocá-lo a cada dois anos. Aqui, como explica Lotfi Belkhir, o autor do estudo, a maior fatia de culpa recai sobre as marcas que produzem os telemóveis e os softwares, bem como as operadoras telefónicas, que “encorajam os utilizadores a comprar um smartphone novo a cada dois anos”. Segundo Belkhir, investigador da Universidade McMaster, no Canadá, “isto acelera o ritmo a que os modelos mais antigos se tornam obsoletos e conduz a uma quantidade de desperdício extraordinária e desnecessária”.
Escusado será dizer que comprar um telemóvel a cada dois anos não é apenas danoso para o planeta: custa muito mais dinheiro do que manter um telemóvel durante mais tempo. Daí que, por exemplo, empresas como a Fairphone — uma fabricante de telemóveis que se apresenta como amiga do ambiente — apresentem o seu produto como duradouro. “O nosso objetivo é fazer com que o hardware do seu telefone dure o maior tempo possível e garantir que o software se mantenha atualizado. Quanto mais tempo mantiver o seu telefone, menor será a sua pegada ecológica”, resume a empresa.
No sentido diametralmente oposto, empresas como a Apple ou a Samsung, as maiores fabricantes de smartphones do mundo, já foram multadas por tornarem deliberadamente os modelos antigos mais lentos, levando os utilizadores a trocarem os aparelhos pelas versões mais recentes — com preços habitualmente a rondar os mil euros. A prática é conhecida como “obsolescência programada” e as empresas admitem que o fazem, embora argumentando que têm como objetivo prolongar a vida útil do telefone, e não o contrário, uma vez que a bateria começa a envelhecer.
Ao contrário do que acontece ainda com a mobilidade ou com a alimentação, o caso dos hábitos de consumo é mais linear. Na roupa, na tecnologia ou em múltiplos outros objetos do dia-a-dia, a opção mais sustentável é também a mais barata: comprar menos coisas, com menor frequência e de maior qualidade. Mesmo que uma compra individual seja mais cara, o dinheiro gasto a médio prazo é sempre menos.
Seis milhões de empregos perdidos numa transição “que não é fácil”
Se é verdade que as ações individuais podem dar um contributo significativo para a diminuição da degradação do planeta, é igualmente verdade que elas são manifestamente insuficientes para fazer a diferença necessária para que os objetivos centrais associados ao Acordo de Paris — atingir a neutralidade carbónica até 2050 para que no fim do século o planeta não tenha aquecido mais que 1,5ºC em comparação com o nível pré-industrial — sejam atingidos.
Esses objetivos exigem mudanças de grande porte em todo o sistema económico mundial — e essas decisões podem ser ainda mais difíceis de tomar, porque vão custar, no imediato, muitos milhões de euros a Estados e empresas. No centro de tudo está a energia. O sistema económico está preso ao petróleo — em 2020, as energias renováveis só representaram 29% da energia consumida a nível global — e mudar esse paradigma vai custar dinheiro e empregos em múltiplos setores da indústria e dos serviços. Os riscos no curto prazo são reais e, para o economista e ex-dirigente da ONU Carlos Lopes, não se pode dourar a pílula.
“A transição energética aumenta o risco do investidor que põe dinheiro no fóssil”, explica o académico. “Se temos um objetivo que é acabar com isto ou aquilo até 2030, isto reflete-se no risco do investimento. Já não vou investir no fóssil porque sei que até 2030 se vai ter de atingir uma matriz limpa e, portanto, o meu investimento não vai ser rentável a médio e a longo prazo. Isto significa que vamos ter problemas a curto prazo. Os investimentos estancaram no fóssil, mas nós ainda dependemos muito do fóssil. É quase 80% de tudo o que consumimos. Este período vai ser difícil.”
“Mas é também esta dificuldade que cria a vontade de podermos investir em tecnologias que, até aqui, do ponto de vista económico, não eram rentáveis”, acrescenta Carlos Lopes.
Basta olhar para o tumulto social causado pelo aumento do preço dos combustíveis fósseis para entender uma evidência que o ambientalismo não pode ofuscar: a maioria da população ainda não tem condições económicas para optar por outras fontes de energia. É preciso que essa mudança ocorra, primeiro, em grande escala — nos Estados e na economia global.
“Nós estamos a ver todos os países com uma certa responsabilidade na degradação ambiental a terem objetivos muito ambiciosos de chegar a emissões zero. Isso exige muitas mudanças, mas a mais importante é a mudança na forma como nós lidamos com a energia. Essa é, de longe, a mais importante. E não é possível chegarmos a um patamar de emissões zero sem mudar completamente a matriz energética e sem introduzir formas de consumo energético que são tecnologicamente conhecidas, mas que hoje em dia são relativamente caras. Não é o caso de todas — algumas são economicamente viáveis, como o solar ou o eólico, mas a mais significativa para poder continuar a abastecer as necessidades industriais mais importantes das economias é o hidrogénio verde”, continua Carlos Lopes.
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Até ao momento em que as tecnologias sustentáveis puderem ser usadas para produzir toda a energia necessária para a economia global, o mundo viverá um período complexo em que será sempre necessário fazer escolhas políticas com grande potencial para provocar discórdia, incluindo usar a política fiscal para penalizar os combustíveis fósseis e para incentivar as fontes sustentáveis de energia. “Temos de tirar os subsídios de tudo o que é fóssil e utilizar esse mesmo dinheiro para promover o sustentável”, resume o economista guineense, assumindo estar a fazer uma síntese “simplista” sobre esta questão. “À medida que se vai fazendo isso, aquilo que é sustentável passa a ser mais barato.”
O ambientalista Francisco Ferreira, longe do discurso catastrofista, aponta até bons exemplos em Portugal. A utilização do Fundo Ambiental (que inclui receitas oriundas dos impostos cobrados sobre os combustíveis fósseis) para financiar parcialmente o programa de redução dos preços dos passes de transportes públicos é usado pelo líder da Zero para exemplificar como já estão a ser tomadas medidas destinadas a transferir dinheiro de modelos económicos insustentáveis para outros mais amigos do ambiente.
“Às vezes, há um discurso fácil, diz-se que para nós passarmos para um desenvolvimento mais sustentável basta fazer A, B e C e todo o mundo ganha. Não é bem assim”, adverte Carlos Lopes. “Há aqui grandes dificuldades. Há escolhas difíceis e uma transição que não é fácil. É preciso que se diga isto de uma forma muito aberta. Isto não é fácil, é complexo, traz custos. Portanto, há aqui trade offs. Há escolhas a serem feitas, escolhas que têm custos. Não devemos simplificar este debate. Mas a verdade é que é possível, com o aparelho fiscal, com as medidas reguladoras, com a forma como se conduz a economia, é possível passar para uma economia sustentável — sem aumentar o custo para as pessoas.”
Uma das escolhas mais intimamente ligadas à vida dos cidadãos é a questão do emprego e da transformação inevitável do mercado laboral, que vai deixar de servir para muitas pessoas.
“A transição para uma economia verde vai inevitavelmente levar à perda de empregos em certos setores, à medida que as indústrias intensivas em carbono e em recursos naturais são diminuídas”, assume a própria Organização Internacional do Trabalho, num relatório de 2018 sobre os desafios da transição energética para o mercado laboral. A OIT estima, de modo mais concreto, que a economia verde poderá conduzir ao desaparecimento de seis milhões de empregos. O lado positivo é que a transição energética vai contribuir para a criação de ainda mais postos de trabalho: cerca de 24 milhões. Ou seja, no cômputo geral, a transição energética vai contribuir para a criação de empregos.
O problema? Nem todos os que ficarem desempregados devido à transição energética encontrarão um emprego de seguida no mundo das energias renováveis — ou porque essas vagas não vão ser criadas no mesmo local, ou porque não terão qualificações para esses empregos. Há mesmo regiões do mundo que vão ver o desemprego aumentar substancialmente: é o caso do Médio Oriente (onde se estima que vão desaparecer 300 mil empregos) e de África (menos 350 mil empregos). Trata-se das regiões onde é explorada a maior parte dos recursos naturais, incluindo o petróleo. Em sentido contrário, estima-se que haja um resultado positivo na criação de emprego nas Américas (mais 3 milhões de empregos), na Ásia-Pacífico (mais 14 milhões) e na Europa (mais 2 milhões).
A comunidade científica é, atualmente, unânime sobre o impacto do aquecimento global no planeta e sobre o que é preciso fazer para o mitigar. Contudo, é preciso que não haja ilusões: fazer escolhas sustentáveis hoje ainda pode ser consideravelmente mais caro e não estar ao alcance de parte da população. Fazer a transição não será simples: vai custar empregos, dinheiro e tempo a cidadãos, empresas e Estados. No fim, será sempre uma questão de escolhas pela sobrevivência da espécie, remata o economista Carlos Lopes. “O princípio do desenvolvimento sustentável está baseado, filosoficamente, no princípio da solidariedade intergeracional. Estamos a preservar o planeta para quem? Para as gerações vindouras. Senão, as pessoas que vivem neste planeta até 2050 consomem-no e já não há planeta.”