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É o único ex-administrador do Banco Privado Português (BPP) que ainda não está a cumprir pena de prisão, apesar de uma das duas penas às quais foi condenado já ter transitado em julgado. Chama-se Salvador Fezas Vital e teve uma nova derrota relevante no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ao perder um recurso no chamado caso dos prémios, tendo o STJ confirmado a pena de prisão de nove anos e seis meses à qual foi condenado pela Relação de Lisboa.
Também Paulo Guichard, que está a cumprir pena de prisão devido a um cúmulo jurídico que resulta de condenações anteriores relacionadas com os processos da falsificação da contabilidade do BPP e com o chamado caso do embaixador, perdeu o seu recurso. Tem assim igualmente pendente uma pena semelhante à de Fezas Vital (nove anos e seis meses), que obrigará à realização de um novo cúmulo jurídico.
Ex-banqueiro do BPP foi preso para cumprir pena de seis anos por ter desviado 2,1 milhões de euros
Fezas Vital e Guichard ter-se-ão apropriado indevidamente e individualmente de cerca de 7,7 milhões de euros do BPP em nome de alegados prémios que a administração liderada por João Rendeiro decidiu auto-atribuir.
“Incomensurável ganância sem limite e sem rédea”
O conselheiro relator Ernesto Vaz Pereira, que juntamente com os conselheiros Pedro Branquinho Dias e José Luís Lopes da Morta, apreciou os recursos de Salvador Fezas Vital e de Paulo Guichard, não poupa nas palavras para censurar os crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificada e branqueamento de capitais imputados aos arguidos.
Os quatro arguidos agiram “sempre com dolo direto, daí que intenso. Com elevado grau de ilicitude”, em regime de “co-autoria, programada e antecipadamente”, em “conjugação de vontades e de esforços” e “em propósito de incomensurável ganância sem limite ou rédea. Tanto mais grave quanto” faziam “parte da estrutura decisória de um banco que, dada a sua pequena dimensão, permitia um total controle de todos os movimentos e operações”, lê-se no acórdão ao qual o Observador teve acesso.
Está em causa o chamado processo dos prémios que deriva da auto-atribuição por parte da administração liderada por João Rendeiro (que morreu a 13 de maio de 2022 na prisão de Westville, África do Sul, quando estava pendente a extradição para Portugal) de um valor total de cerca de 30 milhões de euros em retribuições extra por alegados resultados positivos na gestão do BPP.
Do valor total, mais de 28 milhões de euros foram retirados entre 2005 e 2008 e distribuídos da seguinte forma:
- João Rendeiro — 13,613 milhões de euros
- Salvador Fezas Vital — 7,770 milhões de euros
- António Paulo Guichard — 7,703 milhões de euros
- Fernando Lima — 2,193 milhões de euros.
Rendeiro e outros ex-administradores do BPP foram acusados neste processo pela procuradora Ana Margarida Santos (então no DIAP Regional de Lisboa e que deverá tomar posse como procuradora delegada da Procuradoria Europeia em breve) dos crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificada e branqueamento de capitais por factos que ocorreram entre 2003 e 2008, por se terem apropriado de fundos do banco de forma indevida.
A sentença do Juízo Central Criminal de Lisboa chegou apenas em maio de 2021 e foi pesada. João Rendeiro foi condenado a uma pena de prisão efetiva de 10 anos, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital tiveram uma pena de prisão efetiva de 9 anos e seis meses, enquanto Fernando Lima teve a pena mais baixa: seis anos de prisão efetiva.
Paulo Guichard e Fernando Lima já estão a cumprir penas de prisão
Após analisar os recursos dos arguidos, a Relação de Lisboa manteve as mesmas penas a 23 de fevereiro de 2022. Havendo uma ‘dupla conforme’ e uma pena inferior a oito anos de prisão, não foi possível a Fernando Lima recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Este último gestor recorreu então para o Tribunal Constitucional e o seu recurso foi rejeitado já neste ano de 2023. Após reclamação para a conferência, a 2.ª Secção do Constitucional decidiu a 7 de julho indeferir a mesma, mantendo a decisão sumária proferida anteriormente. Fernando Lima foi preso em setembro para cumprir a respetiva pena.
Quase 15 anos depois da queda do BPP, dois ex-administradores estão à beira de serem presos
Já Salvador Fezas Vital e Paulo Guichard tiveram a oportunidade legal de recorrerem para o STJ e o acórdão agora noticiado tem a ver com esses recursos.
Em termos gerais, Fezas Vital e Guichard alegaram sobre várias matérias de direito, pois a matéria de facto ficou consolidada com a decisão da Relação de Lisboa.
- Salvador Fezas Vital, por exemplo, alegava ter sido “repetidamente punido” noutros processos criminais (existem três processos) e contra-ordenacionais do caso BPP e que isso não foi tido em conta na aplicação da medida da pena de 9 anos e 6 meses, o que seria inconstitucional. Interpretação esta que foi recusada pelo STJ, pois a “imposição da pena diz respeito apenas aos factos aqui em presença e a não a outros”, lê-se no acórdão;
- O ex-administrador invocou ainda outras matérias constitucionais, nomeadamente alegadas violações da “determinação da medida da pena” e das exigências geral de prevenção, que também não foram tidas em conta pela STJ;
- Aliás, o conselheiro relator Ernesto Vaz Pereira diz igualmente que as penas determinadas pelo tribunal de primeira instância, e confirmadas pela Relação de Lisboa, cumprem as “elevadas exigências de prevenção geral, não só dada a frequência com que ocorrem crimes desta natureza, mas também pela reação de repúdio a que a sociedade vota este tipo de condutas, e pelo sentimento de insegurança que os mesmos provocam na comunidade em geral e nos depositantes bancários em particular. Daí que os reguladores e supervisores bancários sejam tão exigentes em termos de idoneidade exigida àqueles que pretendem exercer o comércio bancário“, lê-se no acórdão.
- Outro argumento usado por Fezas Vital foi o facto de já terem passado muitos anos da data dos factos — que se reportam ao período entre 2003 e 2008 —, logo o “efeito de exemplaridade por ameaça perde o seu sentido”. Os conselheiros do STJ consideraram tal argumento como tendo “pouco relevo”, optando por valorizar o “desrespeito” dos arguidos pela “normas aplicáveis à actividade que desenvolvia, quer das legais, quer da prudenciais bancárias emitidas pelo regulador, com ostensivo alheamento pelos direitos, bens e interesses do BPP, de cuja salvaguarda” era Fezas Vital (assim como Guichard) “incumbente”.
- “Tudo sopesado, a pena única aplicada pelo tribunal — 9 anos e 6 meses de prisão — quedou-se no primeiro terço abstratamente aplicável”, conclui o relator Ernesto Vaz Pereira.
Fezas Vital ainda ainda tem uma segunda pena de prisão de 2 anos e 6 meses para cumprir
Enquanto Paulo Guichard está a cumprir pena de quatro anos e 8 meses de prisão devido ao caso da falsificação da contabilidade do BPP e Fernando Lima começou a cumprir pena de prisão de seis anos no passado dia 29 de setembro devido ao caso dos prémios, Salvador Fezas Vital tem ainda uma segunda pena de prisão efetiva pendente — e que ainda não foi cumprida (além desta de 9 anos e 6 meses de prisão).
Fezas Vital viu o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmar, a 9 de junho, o trânsito em julgado de uma pena de prisão de 2 anos e seis meses por um crime de burla qualificada no conhecido como processo do embaixador.
Trata-se de um processo que nasceu de uma queixa criminal do embaixador jubilado Júlio Mascarenhas que, poucos meses antes da queda do BPP, foi persuadido por uma gestora de conta, Eva Santo António, a transferir todas as suas poupanças (cerca de 250 mil euros) do Barclays para o banco liderado por João Rendeiro, com a convicção de que estava a investir em produtos com capital garantido — o que não correspondia à verdade.
Apesar do STJ ter decretado o trânsito em julgado sobre a pena de prisão efetiva a 9 de junho, não fez o mesmo sobre o pedido de indemnização cível de 225 mil euros. Isto é, a conselheira relatora Helena Moniz ‘abriu’ a porta para que Fezas Vital recorresse da indemnização cível para o Tribunal Constitucional.
Ao que o Observador apurou, Fezas Vital chegou a acordo com o embaixador Júlio Mascarenhas para pagar uma parte da indemnização de 225 mil euros, tendo o acordo sido homologado a 17 de novembro pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Já no caso do processo da falsificação da contabilidade do BPP, Salvador Fezas Vital tinha sido condenado a penas suspensas mediante o pagamento de 15 mil euros à Associação Cais.