É um aumento galopante. O número de casos de tosse convulsa registados em Portugal aumentou dez vezes nos primeiros quatro meses de 2024 em relação aos números registados em todo o ano passado. Segundo dados da Direção Geral da Saúde, enviados ao Observador, entre janeiro e abril foram identificados 200 casos em território nacional. Em todo o ano de 2023, tinham sido apenas 22.
São números que já levaram a DGS a lançar um alerta aos hospitais e às autoridades de saúde e com que os pediatras se mostram preocupados. “Preocupa-me, sobretudo porque uma percentagem importante dos casos foram diagnosticados em crianças que não estavam vacinadas ou que tinham o esquema vacinal incompleto”, diz ao Observador a presidente da Sociedade de Infeciologia Pediátrica, Filipa Prata.
Bebés com menos de um ano e crianças entre 10 e os 13 são grupos mais afetados
A maioria dos casos (86%) confirmados ocorreu em idade pediátrica, avança a DGS. As faixas mais afetadas são as das crianças com idade inferior a um ano, com 40 casos confirmados em 2024, e a das crianças com idade entre os 10 e os 13 anos, com 42 casos.
Filipa Prata realça que, regra geral, os casos mais graves desta doença se verificam nas crianças com menos de um ano, uma vez que a ainda não estão protegidos pela vacinação — que só se inicia a partir dessa idade. “Os casos graves verificam-se nos lactentes e em crianças recém-nascidas, que ainda não tiveram tempo para serem vacinadas”, reforça ao Observador o diretor do Serviço de Pediatria do Hospital Dona Estefânia, Luís Varandas.
Doenças evitáveis por vacinação estão a aumentar na Europa, alerta Centro Europeu
De forma a aumentar a proteção dos recém-nascidos, Portugal introduziu, há alguns anos, a vacinação das grávidas, o “que permite proteger os recém-nascidos até às primeiras tomas, aos dois e quatro meses”, diz Filipa Prata. A DGS estima que a vacinação neste grupo tenha atingido os 85% em 2023; já nas crianças a cobertura vacinal da 5.ª dose de vacina combinada contra o tétano, difteria e tosse convulsa atingiu os 95%.
Problema está nas bolsas de não vacinados, diz a pediatra Filipa Prata
“São números bons, temos em Portugal uma das taxas de cobertura vacinas mais elevadas”, destaca a pediatra Filipa Prata. O problema, sublinha, está nas “bolsas de não vacinados”. “O grupo dos não vacinados é o que tem maior risco da doença. E essas pessoas podem acabar também por desproteger os seus contactos, ou seja, os que não podem receber a vacina porque são demasiado jovens ou porque têm o sistema imunitário comprometido”, alerta a especialista, que destaca a importância de a sociedade manter uma taxa de vacinação elevada contra a tosse convulsa.
Questionada sobre o que pode explicar o aumento significativo de casos em Portugal, a DGS aponta o dedo à pandemia de Covid-19. “Os anos da pandemia por Covid-19 foram anos de pouca circulação do agente, aumentando a bolsa de suscetíveis à doença, o que explica o número de casos notificados em 2024”, refere o organismo que lidera a saúde pública.
Perante o aumento muito significativo de casos em Portugal nos primeiros meses do ano, a DGS decidiu enviar “no início de maio, um alerta às Unidades Locais de Saúde, aos hospitais do setor privado e social e às autoridades de Saúde“. “Neste âmbito, a DGS solicitou a implementação de medidas de Saúde Pública específicas, nomeadamente a testagem dos casos possíveis ou prováveis de tosse convulsa, a partir das secreções nasofaríngeas, e reforço da necessidade de vacinação a todas as grávidas que tenham critérios de elegibilidade, de acordo com Norma 018/2020 – Programa Nacional de Vacinação 2020”, esclarece a entidade liderada por Rita Sá Machado.
DGS recomenda campanhas para imunizar os não vacinados
A DGS recomendou também aos hospitais e autoridades regionais de saúde a identificação de bolsas suscetíveis [à infeção por tosse convulsa], sobretudo nas regiões onde foram identificados casos; a realização de campanhas de repescagem para a vacinação e a promoção de campanhas de repescagem para a vacinação a todas as grávidas entre a 4.ª e a 32.ª semana de gestão (ao abrigo do Programa Nacional da Gravidez de Baixo Risco), para proteção dos recém-nascidos.
Luís Varandas admite que o número de casos possa até ser superior aos registados pela estatísticas da DGS, que recebem os dados das unidades de saúde (uma vez que esta é uma doença de notificação obrigatória). “Para diagnosticar tem de se fazer um teste PCR às secreções, o que não se faz na urgência. Faz-se aos doentes internados, aos mais graves. Nenhum hospital faz teste de rotina na urgência”, salienta o diretor da Pediatria do Dona Estefânia, o que pode indicar que a doença esteja subdiagnosticada.
Certo é que o aumento dos casos de tosse convulsa não se verifica apenas em Portugal e tem vindo a atingir toda a Europa. “Na Europa, há um aumento de casos, sobretudo na faixa etária dos 15-19 anos, em que as crianças perdem a imunidade“, diz Filipa Prata.
No final de março, vários países europeus estavam a braços com surtos da doença. Em Espanha, foram já registados mais de cinco mil casos em 2024 e um bebé perdeu a vida. Nos Países Baixos são diagnosticados cerca de 300 casos por semana, havendo registo da morte de quatro bebés. No Reino Unido, as autoridades de saúde identificaram cerca de 550 casos em janeiro, quase tantos como em todo o ano passado.
Grávidas vão ser vacinadas contra a tosse convulsa para protegerem o filho
A tosse convulsa é uma doença infeciosa aguda, causada pela bactéria Bordetella pertussis, que afeta o aparelho respiratório (traqueia e brônquios). Transmite-se de pessoa para pessoa através de gotículas de saliva expelidas pelo espirro ou tosse. Neste momento, o Programa Nacional de Vacinação (PNV) contempla a administração de 5 doses da vacina, aos 2, 4, 6, 18 meses e 5 anos.
“Vacinamos contra a tosse convulsa a partir dos dois meses de idade, mas a imunidade vai-se perdendo. Por isso se faz o reforço aos cinco anos e há quem defenda um reforço na adolescência”, sublinha o pediatra Luís Varandas.