910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

GettyImages-2160471630
i

Os eleitores de esquerda fizeram a festa durante a noite eleitoral na Praça da República, no centro de Paris

AFP via Getty Images

Os eleitores de esquerda fizeram a festa durante a noite eleitoral na Praça da República, no centro de Paris

AFP via Getty Images

"Castores" da esquerda e do centro fizeram barragem à extrema-direita. Conseguirão entender-se para governar?

Eleitores responderam aos apelos para travar extrema-direita e o resultado foi uma surpreendente vitória da Frente Popular. Mas irá esta entender-se com os macronistas? E até entre as suas fileiras?

    Índice

    Índice

Uma participação eleitoral histórica resultou numa eleição histórica e numa situação sem precedentes. As eleições legislativas antecipadas pelo Presidente Emmanuel Macron, em França, puseram em marcha forças que promoveram uma união inesperada entre antigos inimigos figadais — e que deram um resultado completamente diferente do que as sondagens previam.

Um exemplo claro veio do Somme, como notava o Le Figaro na noite deste domingo: François Ruffin, antigo membro da França Insubmissa (FI) de Jéan-Luc Mélenchon (agora afastado dele) sempre foi um conhecido crítico do macronismo. E eis que, ao longo da última semana, a candidata do campo macronista não só desistiu a seu favor como apelou a um voto nele. Françoys Bayrou, líder do MoDem (um dos partidos que apoiam a maioria macronista no Parlamento) chegou mesmo a dizer: “Não tenho qualquer problema com François Ruffin” — o que foi incluído num dos seus folhetos de campanha, naturalmente.

GettyImages-2160171283

Um dos folhetos de François Ruffin, com o elogio do antigo inimigo François Bayrou (na segunda linha, à esquerda)

Hans Lucas/AFP via Getty Images

Aquilo a que França assistiu neste domingo foi o trabalho dos “castores” do centro e da esquerda que trabalharam para montar a “barragem” contra a extrema-direita representada pela União Nacional (UN), notava nas suas redes sociais Raphaël Glucksmann, eurodeputado reeleito e estrela em ascensão da esquerda francesa. “Obrigado por estarem sempre lá para salvar o essencial, mesmo quando isso vos custa (às vezes votando contra as vossas convicções).”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Jordan Bardella, candidato da UN, chamou-lhe “uma aliança desonrosa”. Mas, seja qual for a adjetivação da auto-intitulada “frente republicana”, o que é certo é que ela resultou no seu propósito: de possível dono de uma maioria absoluta, o partido de Marine Le Pen acabou como terceira maior força política da Assembleia Nacional, atrás da Nova Frente Popular (NFP) e do Ensemble (conjunto de partidos macronistas).

GettyImages-2161049174

Os estudos de opinião mostram como a maioria dos eleitores de centro e de esquerda aceitaram votar em candidatos que normalmente não apoiariam para travar a UN

Corbis via Getty Images

Os números provam como “os castores” taparam o nariz e votaram em candidatos que não seriam os seus favoritos para evitar a vitória da extrema-direita. Ao Le Parisien, o especialista em estudos de opinião Matthieu Gallard já tinha dados para mostrar durante a noite eleitoral: nos círculos onde a disputa era entre um macronista e a UN, quase três em cada quatro eleitores da esquerda apoiaram o candidato do centro. No universo de eleitores macronistas, a adesão não foi tão massiva (com muitos a não conseguirem apoiar candidatos da FI), mas estava lá: nos duelos entre um candidato socialista, ecologista ou comunista contra a extrema-direita, metade dos eleitores macronistas votaram na opção à esquerda.

“Isto demonstra claramente que o medo da UN continua a ser forte e é reativado quando parece que eles se podem estar a aproximar do poder”, resumiu o especialista.

Mélenchon não quer “arranjinhos”, Verdes não querem “marcar território” e socialistas são ambíguos. Depois dos festejos, a Frente Popular vai ter de se alinhar

A “barragem” resistiu, mas a campanha acabou neste domingo. A partir desta segunda-feira, os franceses têm uma Assembleia Nacional fragmentada, onde nenhum partido tem maioria absoluta e onde o bloco com mais deputados não é o mesmo que até agora sustentava o Presidente.

Para Thomas Legrand, jornalista da rádio France Inter, é uma mudança de “cultura política” a que os franceses vão ter de se habituar: “No mundo democrático, só nos Estados Unidos, no Reino Unido e em França é que um eleitor pode esperar que todo o programa do partido em que vota venha a ser aplicado”, escreveu na sua crónica desta noite no Libération. Já na televisão, o constitucionalista Jean-Philippe Derosier explicava aos microfones da Franceinfo que o texto fundamental de França permite até “um governo de maioria relativa” e não absoluta. “Pode ser criado um governo que se entenda nos mínimos e que mantenha apenas o país a funcionar”.

“O Presidente deve deixar a Nova Frente Popular governar”, afirma Jean-Luc Mélenchon, dizendo que esta pretende aplicar “todo o seu programa” e não apenas “uma parte dele”. E deixa um aviso: “Nenhum subterfúgio, nenhum arranjinho será aceitável”

Mas, para além de terem agora de aprender em tempo recorde a discutir cedências nos seus programas, divisão de pastas de governo ou acordos de incidência parlamentar, os novos deputados conquistaram também uma nova responsabilidade, pouco habitual em França, como nota o Le Figaro: “O centro da gravidade do poder vai deixar de ser o Eliseu e passar a ser o Parlamento — por muito que isso desagrade a Emmanuel Macron.”

Pouco tempo depois de conhecidas as primeiras projeções da noite eleitoral, as várias figuras da esquerda sucederam-se nas televisões para reagir aos resultados e reclamar para si a vitória. Mélenchon, dando nas vistas como é habitual, é o primeiro a falar: “O Presidente deve deixar a Nova Frente Popular governar”, afirma, dizendo que esta pretende aplicar “todo o seu programa” e não apenas “uma parte dele”. E deixa um aviso: “Nenhum subterfúgio, nenhum arranjinho será aceitável”, disse, numa mensagem para o campo dos macronistas. “A derrota do partido do Presidente a sua coligação é confirmada.”

GettyImages-2160456407

Olivier Faure, líder socialista da Frente Popular, reagiu com um discurso ambíguo sobre o futuro nesta noite eleitoral

AFP via Getty Images

Os outros líderes da esquerda, porém, não são tão taxativos na sua rejeição do macronismo: “Esta noite ganhámos e agora é tempo de governar”, reconhece a líder dos Verdes Marine Tondelier. Mas nota que esta não é uma noite de “marcar território” e que é demasiado cedo para “propor um primeiro-ministro”.

Olivier Faure, líder dos socialistas, é ainda mais ambíguo: defende que o programa da NFP seja aplicado (em matérias como as reformas, onde as diferenças face ao macronismo são marcadas) e disse não estar disponível para “nenhuma ‘coligação de opostos’ que trairia o voto dos franceses”. Mas, tendo em conta a união inesperada que nasceu ao longo da última semana entre esquerda e centro, quem pode dizer que não é possível fazer o mesmo para conseguir um governo para o país?

Apesar das divisões face ao Presidente, macronistas agarram-se ao segundo lugar — e já sonham com um acordo com os socialistas

Para começar, é preciso perceber a disponibilidade dentro da chamada macronie. Ao final da tarde, antes de serem conhecidas as primeiras projeções, o Presidente Emmanuel Macron e o governo, incluindo o primeiro-ministro Gabriel Attal, reuniram-se no Eliseu para acertar agulhas. Meia-hora depois de serem conhecidas as estimativas, a mensagem que vinha dos assessores de Macron era de “prudência”. “Humildade, mas, ao fim de sete anos, o bloco central está vivo e recomenda-se”, dizia uma fonte ao Le Parisien — um sinal de que o Ensemble ainda espera ter voz neste processo.

GettyImages-2157559185

Gabriel Attal e Emmanuel Macron não estão totalmente de acordo, mas estão alinhados na possibilidade de uma aliança com os socialistas

POOL/AFP via Getty Images

Os resultados foram menos desastrosos do que as sondagens chegaram a prever (70 deputados foi a projeção mais pessimista), com o Ensemble (que reúne o Renascença de Macron, o Horizontes de Édouard Philippe e o MoDem de François Bayrou) a obter entre 150 a 180 deputados — atrás da NFP, mas à frente da União Nacional de Marine Le Pen, o que lhe permite salvar a face.

É com base nestes números que o Presidente quer envolver-se no debate de formação do novo governo. O secretário-geral do seu partido (e ministro dos Negócio Estrangeiros), Stéphane Séjourné, disse mesmo durante a noite que Macron irá apresentar “condições” às discussões para formar uma maioria, sendo claro numa delas: “É óbvio que Jean-Luc Mélenchon e alguns dos seus aliados” não podem estar no governo, por violarem linhas vermelhas como “a defesa dos princípios republicanos, em concreto o secularismo, a luta contra o racismo e o antissemitismo” e ainda a necessidade de “contribuir para a construção europeia e continuar a apoiar a Ucrânia”.

Mas Macron já não decide tudo dentro do seu campo político. Desde que decidiu convocar eleições antecipadas, foi cada vez mais e mais atacado pelos seus próprios aliados em público, que diziam não entender a decisão. “Não foi uma decisão solitária!”, assegurava o Presidente num almoço com jornalistas, na primeira semana de campanha, de acordo com o Le Monde. Mas a verdade é que Édouard Philippe, por exemplo, decretou que o Presidente “matou a sua própria maioria”. Nesta noite eleitoral, o líder do Horizontes, que acalenta ambições para as presidenciais de 2027, voltou a ditar ele as linhas vermelhas: um acordo “que estabilize a situação política”, mas sem “a União Nacional e a França Insubmissa”.

Quem também parece querer ter ainda uma palavra a dizer é o próprio primeiro-ministro, Gabriel Attal. Ao anunciar que irá apresentar a sua demissão (mantendo-se em gestão enquanto for necessário), não deixou de sublinhar que foi contra a convocação desta eleição antecipada, sinalizando claramente o desacordo com o Presidente.

“O coração do macronismo já está pronto a sonhar com um acordo com os socialistas, de forma a manter um pé dentro da equipa [de governo]”.
Artigo do Le Figaro, que cita fontes macronistas

Apesar dessas dissidências, um consenso estará a formar-se dentro do campo macronista, como notam fontes ao Le Figaro: uma aliança “mais ao centro”, que replique a ideia de “frente republicana” e possa incluir membros do Ensemble, bem como dos socialistas e dos ecologistas. Só a França Insubmissa de Mélenchon está completamente afastada.

Isso significa, contudo, que Macron terá de aceitar concessões de adversários a quem há poucos dias fazia críticas duras, acusando-os de ter um projeto “imigracionista” e discordando numa série de propostas económicas. Mas perante a nova constituição desta Assembleia, garante o mesmo jornal, “o coração do macronismo já está pronto a sonhar com um acordo com os socialistas, de forma a manter um pé dentro da equipa [de governo]”.

A verdadeira decisão à esquerda, onde Mélenchon é “um ativo tóxico” e ainda há quem sonhe com a possibilidade de Hollande como primeiro-ministro

Mas, e do outro lado, haverá essa vontade? Não só: irá Jean-Luc Mélenchon aceitar entrar simplesmente nessa noite escura que o deixa fora do arco do poder — apesar de liderar o partido com o maior número de deputados no Parlamento?

Nas fileiras socialistas, há a noção de que Mélenchon é “um ativo tóxico”. “Prejudica a esquerda com a sua cultura de confrontação”, admitia há uns dias ao Observador um antigo governante socialista. Razão pela qual Mélenchon tem ensaiado soluções. A 24 de junho, dizia que a FI tem outras figuras “capazes de serem primeiro-ministro” que não ele próprio, “preparadas para isso, em particular por mim”, destacando Manuel Bompard (que participou no primeiro debate destas legislativas) e Clémence Guetté, sua conhecida discípula.

“Depois da eleição, tudo isto vai implodir”. As finas costuras que mantêm a Frente Popular de esquerda unida (por agora)

Durante a campanha, a rejeição da figura de Mélenchon dentro da Nova Frente Popular foi sendo tornada pública por figuras como François Hollande, o ex-Presidente que volta agora à política como deputado eleito: “Ele já não está dentro do jogo, está só a tentar não ficar de fora. Mas foi acordado que ele não pode ser o homem escolhido para governar o país”, garantiu na passada quarta-feira.

GettyImages-2160464791 GettyImages-2160456321

Nem Hollande, nem Mélenchon, apelam alguns dos membros da Fronte Popular, para o cargo de primeiro-ministro

AFP via Getty Images

As fileiras da FI agitaram-se com a possibilidade de Hollande poder estar a posicionar-se para tentar ser ele a assumir a posição de primeiro-ministro. Durante esta noite eleitoral, a deputada reeleita Clémentine Autain apelou no Canal 2 que haja um plenário esta segunda-feira da Nova Frente Popular para decidir que nome propor a Emmanuel Macron para primeiro-ministro — “e que ele não seja nem François Hollande, nem Jean-LucMélenchon”, esclareceu. Hollande apressou-se a responder na BFM TV que não é candidato a esse cargo: “Ainda não estamos aí”, afirmou.

A verdade é que, apesar de a FI ter provavelmente obtido o maior número de deputados (entre 68 e 74) de todos os partidos que compõem a Nova Frente Popular, o Partido Socialista não terá ficado muito atrás (63 a 69), segundo contas do Le Monde. “A FI pode continuar a ser, por uma curta margem, o maior grupo da esquerda, mas já não está numa posição dominante dentro da aliança”, nota o jornal.

Há semanas que as hostes socialistas têm medido forças com os Insubmissos, com figuras conhecidas a criticarem publicamente Mélenchon e a tentarem que o PS volte a assumir maior preponderância dentro da Frente Popular. “O risco de ingovernabilidade é grande. Será preciso um governo de coligação e os socialistas estão disponíveis, mas sem a FI”, assegurava uma dessas fontes — que não faz parte da atual direção da Frente Popular — ao Observador, dias antes do resultado deste domingo ser conhecido.

Um primeiro-ministro socialista é, por isso, uma hipótese? “Não é provável, mas não é impossível”, descrevia à altura a mesma fonte, que, instada a nomear quem poderia ocupar esse lugar, apontou nomes que não estão neste Parlamento, como Carole Delga (responsável do partido na região da Ocitânia), o eurodeputado Raphaël Glucksmann e… François Hollande. “Qualquer um deles pode ocupar esse lugar”, decretou este ex-governante socialista.

“O risco de ingovernabilidade é grande. Será preciso um governo de coligação e os socialistas estão disponíveis, mas sem a França Insubmissa.”
Ex-governante socialista que não faz parte da direção da atual Frente Popular

Menos claro é se Mélenchon e a FI estarão disponíveis a aceitar uma situação que os arreda do poder, abstendo-se para deixar passar um governo que não os inclua, por exemplo. Ou se, por outro lado, podem optar por declarar guerra aos socialistas e verdes por estes se aliarem ao macronismo.

Irá a esquerda manter a união criada em tempo recorde para estas eleições e conseguir alargá-la ao centro — como na última semana, graças ao trabalho dos “castores”? Ou irá a “barragem” rebentar do outro lado? Há dias, uma das figuras destacas da França Insubmissa desabafava ao Le Figaro que a unidade é, por vezes, aparente: “A guerra entre as nossas fileiras não desapareceu”.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.