A ideia passeia pelos corredores do Bloco de Esquerda há meses, mas vai ganhando força à medida que umas eleições europeias cruciais se aproximam. No topo do partido, há “muitos dirigentes com influência” que não têm dúvidas: Catarina Martins seria a melhor opção com que o Bloco poderia contar para encabeçar a lista do partido a Bruxelas. Só falta saber se a própria concorda.
Na direção do Bloco de Esquerda, as garantias que se vão dando nesta altura parecem unânimes: “Muitos dirigentes com influência veriam com bons olhos” uma candidatura de Catarina Martins ao Parlamento Europeu, diz precisamente um desses dirigentes ao Observador.
Outro confirma: “Há pessoas da direção que acham que seria uma boa solução”. “Seria uma excelente candidata”, ouviu o Observador. Para já, não há “pressas” – as europeias estão marcadas para junho e é natural que os anúncios de candidatura se façam mais perto do início do ano – mas há uma certeza: nesta altura, uma candidatura dependerá, basicamente, da vontade da própria Catarina Martins, mesmo que haja quem defenda no Bloco que uma corrida presidencial poderia corresponder melhor ao perfil da ex-líder.
“A Catarina ainda não definiu a sua posição sobre o assunto. Ainda não se pronunciou, e terá sempre de partir de ela aceitar que isso seja uma hipótese”, explica um membro do núcleo duro bloquista. O Observador tentou contactar Catarina Martins, que não quis fazer nenhuma declaração sobre o assunto mas deverá estar em reflexão neste momento, pelo menos a julgar pelo calendário que a própria já tinha pré-estabelecido: em maio, quando abandonou a liderança do Bloco e passou a pasta a Mariana Mortágua, a ex-líder deu uma entrevista à SIC em que não fechava a porta a uma hipotética candidatura e apontava mais para a frente.
“Tenho dito a mim própria que não devo sequer equacionar coisas a mais antes de setembro e outubro”, explicava então, dando prioridade a “descansar” e “refazer outros projetos” que ficaram pendurados durante os dez anos de liderança no Bloco. “Acho que preciso disso e que essa distância é muito importante para tomar decisões”, rematava.
Agora, perto do prazo que a própria colocou para pensar no assunto, no topo do Bloco o seu existe o desejo de que Catarina Martins decida arriscar e fazer mais uma campanha eleitoral. Continuando a ex-líder a ser um ativo político muito valorizado pelo partido, a postura é agora muito semelhante à que o Bloco adotou na hora da despedida: qualquer decisão dependeria da própria. Então, como agora, o partido não a empurraria para nada – embora a pressão dos dirigentes para que tente uma corrida a Bruxelas fique registada – e deixaria ao seu critério a decisão final.
O legado de Catarina Martins, a maestrina na “orquestra” do Bloco que sai com o partido em queda
A lógica é simples: para o Bloco, Catarina Martins está em condições de “fazer o que quiser”, como defende um dos dirigentes já citados. Se é verdade que abandonou a liderança depois de deixar registados no seu currículo os piores resultados do Bloco em duas décadas – nas legislativas de 2022, quando o partido mirrou e entregou ao PS mais de metade da sua bancada de deputados –, também é verdade que o Bloco acredita que esses resultados se devem muito mais à conjuntura de então do que à líder de então.
Além disso, os bloquistas guardam na memória outros pontos do currículo de Catarina Martins, que conseguiu ser ao mesmo tempo a líder que levou o Bloco aos melhores resultados de sempre e à inédita experiência da geringonça.
Com ou sem contar com a vontade da antiga coordenadora, e ainda sem que a direção tenha conduzido qualquer discussão formal sobre eleições europeias, há quem recorde, no topo do Bloco, que a Europa não é um tema a que Catarina Martins seja alheia, e até lembre a experiência como deputada na Comissão de Assuntos Europeus.
Mas mais relevante do que isso será a necessidade de assegurar um bom resultado para um Bloco que está, em Bruxelas, em fim de ciclo – Marisa Matias abandona agora o Parlamento Europeu, no final de três mandatos – e que enfrentará a primeira grande prova de vida após umas legislativas desastrosas. Além disso, nestas europeias é quase certo que a delegação parlamentar portuguesa sairá mais fragmentada – o Chega e a Iniciativa Liberal não têm, à data, qualquer assento no Parlamento Europeu – e a eleição será feroz.
Talvez por isso mesmo, nos bastidores dos partidos continuam abertas as discussões sobre os próximos cabeças de lista, mas as apostas são sobretudo em senadores (na IL também se fala de um ex-líder, João Cotrim Figueiredo, e no PS as conversas mencionam nomes de ministros e ex-ministros). Se a lógica for essa, mais sentido fará que o Bloco aposte numa antiga líder, que continua bem ativa na política: Catarina Martins continua a ser dirigente do partido e tem agora o programa de comentário Linhas Vermelhas, na SIC Notícias, onde foi ocupar o lugar que antes era de Mariana Mortágua.
O plano B, de Belém
Mesmo que Catarina Martins não esteja interessada em mudar-se para Bruxelas, não é por isso que o partido deixa de a encarar como um forte ativo eleitoral: no núcleo duro do Bloco, admite-se que também seria um nome a ter em conta para as próximas eleições presidenciais, embora a maior parte das apostas incida sobre um futuro na Europa.
Entre os partidários da solução Belém, e que admitem que ambas as hipóteses podem estar na cabeça de Catarina Martins, apontam-se vantagens diferentes: por um lado, o Bloco poderia ter mais facilidade em encontrar uma alternativa a Catarina Martins para a Europa do que para Belém, uma vez que os critérios para um cargo, por natureza, mais senatorial são mais apertados e há menos figuras dentro do partido que os consigam preencher. Os resultados também seriam diferentes: uma corrida às europeias resultaria, em princípio, na eleição de Catarina Martins — o que colocaria a ex-líder a um lugar mais distante do centro da política portuguesa, em Bruxelas, mas ainda assim como representante eleita do Bloco; uma corrida a Belém dar-lhe-ia um peso diferente, mas garantidamente nenhum cargo.
Por outro lado, no Bloco também é notado que há um fator que não pode ser descurado: o PS continua sem candidato óbvio à vista para as presidenciais e o primeiro protocandidato, Augusto Santos Silva, tem tido uma performance fraca nas sondagens (uma candidatura “inviável”, classificava em maio Francisco Louçã, numa entrevista em que considerava Santos Silva incapaz de “mobilizar” a esquerda).
Dependerá muito do “mapa” eleitoral que se comece a traçar para as presidenciais perceber se fará ou não sentido o Bloco avançar, como tem feito nos últimos anos, com candidato próprio, ou se pelo contrário surgirá algum candidato capaz de agregar as forças da esquerda.
Há, por isso, quem no Bloco considere que Catarina Martins faz bem em esperar, analisar com calma o calendário eleitoral e não excluir nada, para já, do seu futuro político. A vontade da própria continua por desvendar, mas a do partido é clara: o Bloco quer voltar a ver Catarina Martins na estrada, de preferência a que leva a Bruxelas.