Artigo em atualização ao longo do dia
Depois de António Costa, Carlos César e Augusto Santos Silva terem pedido uma votação que impedisse os bloquistas de crescer ou de terem uma “influência desmesurada”, Catarina Martins aproveitou a ida à feira de Espinho esta segunda-feira para devolver o ataque. E fê-lo com um argumento que nunca tinha usado antes. “Há quatro anos o Partido Socialista não ganhou eleições e conseguimos ainda assim uma solução que foi estável”, afirmou. Aproveitando o cenário que a rodeava atirou ainda: “Acho que estes apelos são um pouco fruta da época”.
A líder do BE falava aos jornalistas depois de ter tido um dos primeiros contactos de rua nesta campanha. Uma visita que correu bem à líder, que não conseguia dar mais de dez passos sem ser cumprimentada de forma calorosa. Foi por isso com as costas quentes que afinou o ataque aos socialistas. “Há no PS quem esteja zangado com os últimos quatro anos e tenha eventualmente vontade de recuar nalguns dossiês. O BE não está zangado”, afirmou, voltando a usar um argumento que coloca os bloquistas como pivôs de uma renovação da “geringonça”.
Os ataques dos barões do PS foram bem recebidos no Bloco de Esquerda, que pode assim continuar a estratégia de polarização à esquerda e a apelar ao “voto útil no BE”. E reforçou a ideia: “Na verdade governaram, mesmo sem terem ganhado as eleições, com uma maioria estável que foi assente no princípio de melhorar a vida das pessoas”.
Assumindo-se orgulhosa do caminho feito com o PS nesta legislatura e mostrando-se com vontade de renovar a solução, Catarina Martins aponta o dedo aos socialistas que querem ver um Bloco de Esquerda reduzido à irrelevância — “quem não gostou destes quatro anos é porque quer recuar” — e lembra a “estabilidade” dos últimos quatro anos, puxando para si e para o seu partido esse mérito. “Quando vejo quem diga que as forças à esquerda foram empecilhos ou quem venha apelar à maioria absoluta como se isso fosse estabilidade nós sabemos que não é verdade. A estabilidade que conta é a da vida das pessoas”.
A segunda semana de campanha do BE arranca assim com a tentativa dos bloquistas de recentrar o discurso na tensão entre o Bloco e o Partido Socialista, que marcou o início da campanha, mas que acabou diluída quando apareceu o caso de Tancos.
Uma carta para Catarina Martins
O centro histórico da cidade do Porto é um local onde Catarina Martins se sente em casa. Como disse ao Observador numa reportagem feita no mesmo bairro onde o Bloco de Esquerda realizou uma das ações de campanha do fim da tarde, foi aqui que passou a sua juventude e se formou como atriz. É também aqui que se sente bem. Mal começou a descer a Rua das Taipas, saíram comerciantes dos cafés e mercearias para a cumprimentar. “Força, força!”, gritou o dono de um café. “Entre aqui”, convidou o comparsa, que esticava o braço para o interior do estabelecimento escuro e vazio. Pouco acolhedor. “Tenho de ir ali falar com umas pessoas sobre a habitação”, respondeu, recusando, Catarina Martins.
A líder do Bloco de Esquerda continuou a descer a rua. Para trás ficaram os dois desapontandos portuenses, que lamentaram não a terem convencido a tomar um café. “Olha… já que vai falar de habitação podia mudar-se para aqui”, sugeriu um deles. A caravana bloquista seguiu rua abaixo até encontrar a dona Maria Augusta Ferrão, de 86 anos, que estava sentada à espera da chegada da comitiva. Tinha uma carta para mostrar a Catarina Martins.
“Tenho 86 anos e a senhoria quer pôr-me fora de casa. Hoje mandou-me esta carta registada… Tenho dez dias para sair da casa!”, lamentou usando as usas mãos frágeis para lentamente retirar o pesado envelope A4 de um saco de papel que trouxera consigo com a documentação necessária sobre o processo. Catarina Martins chamou a deputada Maria Manuel Rola, especialista no tema, para junto de si. “É a casa onde nasci há 86 anos…”, começou a contar a história.
As frases saíam-lhe acompanhadas sempre de um suspiro de quem já está desesperado. “Já estou farta de dizer que quero morrer onde nasci, onde morreram os meus pais, o meu marido e a minha madrinha”. Enquanto as duas bloquistas iam consultando a carta que lhes tinha sido entregue, Maria Augusta prosseguia o desabafo. “Isto é uns trabalhos que depois de velha…”. As frases ficavam assim: penduradas. A meio, mas completas.
A conversa seguiu-se, com detalhes às vezes técnicos outras vezes sentimentais. O propósito desta ação de campanha do BE era alertar para as consequências que a especulação imobiliária está a ter junto da população do Porto, sobretudo a mais idosa. E teve em Maria Augusta o exemplo máximo deste fenómeno.
Aos jornalistas, Catarina Martins lembrou que o turismo “é importante” para a cidade portuense mas apelou a que se travassem estes despejos sob pena de o Porto poder transformar-se numa “cidade fantasma”. Aproveitou o facto de ser o dia em que a lei de bases da Habitação entrou e vigor para colocar o tema na agenda. E não esqueceu o exemplo de Maria Augusta na hora de pedir ao Governo que aprove a legislação necessária para que todas as normas da lei de bases possam ter concretização. E aproveitou para pedir mais ambição nesta área na próxima legislatura.
Foi também nesta ronda de respostas aos jornalistas que a coordenadora do BE reagiu à ideia do PSD de reunir a comissão permanente do Parlamento sobre o caso Tancos. A líder do Bloco de Esquerda anunciou que o partido não se vai opor a que a ideia dos sociais-democratas avance. “Não temos nada a opor a que reunião se realize. O pedido foi feito pelo PSD, mas pela nossa parte nunca nos vamos opor a que o Parlamento se reúna sempre que algum partido o propõe e sempre que há uma tema que o justifique”.
Questionada sobre se o caso Tancos justifica a convocatória da Comissão Permanente, Catarina Martins não se atravessou. “Está feito o pedido da reunião, haverá discussão sobre isso mesmo, mas o BE não se vai opor à realização da reunião”, disse.
O esforço por chutar Tancos para canto continua nas hostes bloquistas. Em alternativa vão colocando outros temas na agenda. Antes desta visita ao centro histórico do Porto, Catarina Martins tinha estado com os candidatos do Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral do Porto numa reunião com os representantes da associação Centro de Vida Independente do Porto, que defende mais direitos para as pessoas com deficiência. Além dos candidatos pelo Porto, acompanhar a líder do BE Jorge Falcato e Jorge Costa.
No fim da reunião, todas as partes falaram reivindicando mais atenção para as pessoas portadoras de deficiência e exigindo que se criem leis que defendam verdadeiramente estas pessoas. “A minha entrada no Parlamento foi importante [para começar esse caminho”, orgulhou-se Falcato. “As propostas que o BE inscreve no seu programa sobre esta matéria foram redigidas por pessoas com deficiência”, complementou Catarina Martins, que confia que a próxima legislatura dará passos importantes para continuar a trabalhar na sua emancipação.
A “princesa Diana” foi à Feira de Espinho e foi recebida em festa
– Quem diria que eu ia ver aqui a menina… ou a sôtora – corrigiu rapidamente a comerciante que abraçava e cumprimentava Catarina Martins.
– Menina também serve – tranquilizou a líder do Bloco de Esquerda
– Ai é menina? Você é pura, é uma mulher do povo. Você faz-me lembrar sabe quem? Você e a sua luta? A falecida princesa Diana. Não duvide disso, a sério! – retorquiu a bem-disposta feirante.
Foi desta forma que Catarina Martins entrou na feira de Espinho. Logo no segundo diálogo foi comparada a Lady D. Uma comparação que motivou gargalhadas entre a caravana bloquista que seguia a líder do BE, que começava a adivinhar o sucesso desta ação.
Esta é uma paragem obrigatória das campanhas do partido, que sabe que a receção é tradicionalmente calorosa. Catarina Martins é bem recebida pelos feirantes, que saem detrás da banca para cumprimentar e para deixar palavras de força. A líder do BE era constantemente travada por populares que faziam questão de a elogiar e garantir voto nos bloquistas este domingo. “Vamos tirar uma fotografia que eu faço propaganda por si no Facebook“, pediu-lhe uma senhora a colocar o braço por cima de Catarina Martins, que já posava para a fotografia.
“Eu digo a toda a gente que vou votar em si. É uma mulher que defende os pequeninos”, disse outra, que ainda viu a sua frase ser completada pela do marido: “Eu não concordo com tudo o que diz, mas muitas vezes concordo. É segura, é uma mulher segura“, acrescentou.
Visivelmente satisfeita com a receção, Catarina Martins ia cumprimentando toda a gente. Sabia que daria bons momentos televisivos e não dispensava qualquer diálogo que pudesse surgir como uma prova da força do partido no distrito de Aveiro. O deputado Moisés Ferreira ia acompanhando a líder e também era solicitado de quando em vez. A uma cliente chegou a confessar que gostava de ver o partido a eleger dois deputados pelo círculo aveirense. O número dois, Nelson Peralta, também lá andava a distribuir jornais do Bloco de Esquerda e agradeceu a referência.
Mas também houve quem se indignasse com a presença da caravana bloquista. “Eu não voto por ninguém! Eles procuram as feiras para fazer política. Mas a verdade é que só aparecem mercadonas, pingos-doces e continentes“, barafustou uma feirante de quem a campanha se foi desviando.
Pelo meio, ainda tentou ajudar uma retornada da Venezuela que se queixou de ter um corte na pensão portuguesa por ter descontado noutro país apesar de não receber a reforma venezuelana. “É a primeira vez que ouço isto”, confessou Catarina Martins, que pediu a um membro da comitiva para ficar com os dados da senhora.
Esta foi uma das primeiras ações de rua do partido em período oficial de campanha e o saldo é positivo. Algo que só é possível porque os bloquistas, já na fase da desmobilização, conseguiram evitar cruzar-se com uma campanha local do PSD liderada por Salvador Malheiro. Catarina Martins e José Manuel Pureza, acompanhados pelo staff do partido, aceleraram o passo para fugirem de um encontro que podia manchar a história desta visita.