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Cautela ou vingança? Os portugueses e as compras durante a pandemia

Um dilema para os consumidores e um desafio para as marcas. A explosão do online é inegável, mas estarão os portugueses, mesmo após o confinamento, preparados para retomar o ritmo pré-pandemia?

Um cenário como o atual, de crise económica iminente, não é novidade para nenhum português. Contudo, por muito que os orçamentos das famílias se estejam a ressentir — enquanto outras antecipam vir a ser impactadas mais cedo ou mais tarde –, a par da redução da liquidez, transversal a qualquer recessão, o atual contexto tem uma particularidade: há uma insegurança do ponto de vista da saúde.

“É diferente da insegurança em relação à perda do emprego ou de rendimentos e, nessa perspetiva, é uma crise diferente. Já ouvimos dizer que foi mais uma guerra, carregada de perdas. Esta crise tem esse lado”, explica Ana Côrte-Real, associate dean da Católica Porto Business School, ao Observador.

Habituada a olhar para a gestão de marcas, mede, consequentemente, o pulso aos consumidores portugueses num período em que a pandemia continua a lavrar nos cinco continentes, mas já após seis semanas de confinamento. Finanças e saúde são, atualmente, os problemas que preocupam o país. “O facto de nos sentirmos mais inseguros a todos os níveis torna-nos um consumidor muito esquisito. O que acontece desde maio, por exemplo, é que as pessoas vivem níveis de desconfinamento completamente diferentes — as que já se esqueceram e não ligam muito e as que têm medo e estão, por isso, retraídas”, descreve.

Contudo, Côrte-Real assegura que os comportamentos são bem menos lineares do que uma mera dicotomia entre destemidos e cautelosos. “Uma só pessoa pode ter comportamentos diferentes — ser rigorosa e exigente quando entra num espaço comercial e até ser capaz de dizer se aquele espaço cumpre ou não as regras da DGS, mas estar a conviver socialmente em grupos sem qualquer cuidado”, adiciona.

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A pandemia, os novos economicistas e as suas fraquezas

Estamos perante um consumidor paradoxal, segundo a especialista. “Temos pessoas que, de repente, ganharam uma consciência do valor, numa lógica de ‘só vamos comprar o que é preciso’. Tornaram-se muito racionais no seu processo de compras, muito economicistas. Mas as mesmas pessoas são capazes de, a qualquer momento, cair numa compra por impulso — porque estão cansadas, porque estão fechadas em casa, porque estão em teletrabalho e, de repente, vêem no consumo um ato de recompensa”, explica.

“Percebemos que deixou de haver compra por prazer, só por necessidade”, refere Pedro Bordonhos, diretor de e-commerce da Lanidor, em conversa com o Observador. Apesar de ser o responsável pela área digital, faz uma radiografia geral à marca portuguesa — quebras que continuam entre os 30 e os 50% nas vendas em lojas físicas, mais acentuadas nos centros comerciais do que nos estabelecimentos de rua, e um pico no online, canal que praticamente duplicou as vendas durante o período de confinamento e que, mesmo agora, continua com um crescimento na ordem dos 50 ou 60% face ao período homólogo do ano passado.

"72% dos consumidores desejam a normalidade. Estão ávidos e emocionalmente cansados das rotinas que tiveram. Esta ânsia pela normalidade também assenta muito no consumo. O pensamento é: 'se eu deixo de comprar, então não estou a conseguir ter a minha normalidade de volta’".
Ana Côrte-Real, associate dean da Católica Porto Business School

Roupa de criança e calçado foram os pontos fortes de uma tímida retoma na área do retalho de moda. Em maio, Portugal ficou-se pelo nível zero no que toca à predisposição para comprar, um dos indicadores analisados num relatório da GfK. Enquanto isso, Grécia e Polónia saltaram para o topo da lista de países onde o apetite consumista deu maior salto com o desconfinamento, numa Europa que, no geral, crescia oito pontos nesta escala.

Mas o mesmo país da retoma tímida assistiu às longas filhas para a reabertura de lojas como a Zara, a H&m e a Primark. Mais uma vez, é a dupla personalidade do consumidor e a vontade de regresso à normalidade a falar mais alto. “72% dos consumidores desejam a normalidade. Estão ávidos e emocionalmente cansados das rotinas que tiveram. Essa ânsia pela normalidade também assenta muito no consumo. O pensamento é: ‘se eu deixo de comprar, então não estou a conseguir ter a minha normalidade de volta'”, explica a especialista.

Comprar, ver, tocar e ir para a fila pode ser uma espécie de passaporte para a vida pré-pandemia, mas isso não significa que o consumidor seja o mesmo. “Um economicista também compra motivado pela emoção”, assinala Ana. Além disso, uma redução significativa dos preços pode conferir a sensação de compra racional e aí, claro, entram os saldos. “As marcas estão a ser mais agressivas do ponto de vista comercial, estão a fazer mais campanhas, mais saldos. Mas atenção, isso também é cuidar da economia”, acrescenta.

Fila para entrar na Primark no dia de reabertura do centro comercial UBBO

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Os saldos foram um dos pontos previstos pelo Governo, logo em maio, com o início do desconfinamento. De forma a alavancar a atividade económica do país, as reduções de preços praticadas por marcas e lojas nesse mês e no seguinte não seriam contabilizadas para o limite máximo permitido por lei, que corresponde a 124 dias por ano.

Compras online, um caminho sem retorno

“Passámos por duas fases. Nas primeiras semanas de março, as pessoas correram para comprar bens essenciais e aí sentimos que o retalho de moda sofreu um impacto negativo brutal. Mesmo estando em casa, as pessoas foram recuperando a confiança e o online começa a crescer a partir abril. Com a abertura das lojas, o e-commerce não desceu”, explica ainda Pedro Bordonhos.

Da corrida ao papel higiénico ao conforto de comprar à distância, de receber em casa sem pagar portes e de devolver gratuitamente foram poucas semanas. Côrte-Real recorda que 37% dos consumidores fizeram compras online pela primeira vez. Pedro assinala o elevado número de novos clientes no canal, a maioria fidelizada, depois de superados os mitos em torno de devoluções, cartões de crédito e entregas. “Temos uma população mais virada para o online do que tínhamos há seis meses”, conclui.

"O grande desafio para as marcas é o facto de ser ainda mais difícil identificar padrões de consumo. O consumidor não se tornou um economicista puro. A mesma pessoa que tende a valorizar muito as marcas locais e que tem noção da importância de proteger o que é nosso é a mesma que vai querer comprar umas sapatilhas costumizadas”.
Ana Côrte-Real, associate dean da Católica Porto Business School

Esta poderá ser uma migração sem retorno, embora o aumento exponencial das vendas online sejam ainda insuficientes para colmatar o rombo que a pandemia continua a causar nas grandes cadeias de lojas físicas. No caso da Lanidor, o sucesso do e-commerce não cobre a quebra geral na faturação. Na Área Metropolitana de Lisboa, os centros comerciais continuam a encerrar às 20h. As limitações no acesso aos espaços e a obrigatoriedade de máscara continuam a dissuadir os consumidores.

“Tudo limita o acesso dos clientes às lojas”, refere Pedro. “Eu próprio fiz a experiência de ir a um centro comercial, de máscara durante uma ou duas horas e de esperar dez minutos para poder entrar numa loja. É difícil, não é um ambiente que convide a fazer compras”, relata.

Receitas da Farfetch quase duplicaram: “As compras nas lojas físicas nunca mais vão ser as mesmas”

Fala numa “mudança de paradigma”, mas também não é para menos. Durante os últimos meses, o serviços de logística que apoiam o e-commerce da marca portuguesa foram reforçados, já que os picos de encomendas se aproximaram dos registados em momentos como a Black Friday e o Natal. “O offline continua a representar a maior fatia do negócio até porque estamos a falar de moda, haverá sempre um lado sensorial muito importante. Mas vamos fazer algumas renovação e potenciar a dinâmica omnicanal da empresa. “Mesmo depois de isto passar, as pessoas vão adquirir novos hábitos de consumo e o online vai decididamente estar mais presente”, remata.

As marcas e a gestão da crise

“Naquele momento, não fazia sentido sermos ativamente comerciais”. Helena Gouveia é diretora de marketing da Ikea Portugal e recorda o momento em que viu ir para o ar uma “campanha emocional” com o mote “Não há casa como a nossa”, ainda no final de março. Daí para a frente, o caminho foi construir e desenvolver uma estratégia digital forte, capaz de minimizar o encerramento de cinco lojas e o layoff de mais de metade dos cerca de 2.500 trabalhadores, que receberam o salário base por inteiro durante esse período.

Ikea de Loures no dia da reabertura

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Num país fechado em casa, a multinacional sueca esforçou-se para responder a novas necessidades — dormir, comer, cozinhar, organizar, trabalhar, brincar e exercitar passaram a ser os verbos orientadores da procura e, logo, da oferta. “Durante aquele período, equilibrámos aquele que é o propósito da marca com a atenção às necessidades dos portugueses. Os consumidores são cada vez mais exigentes e, num momento em que se lida com o desconhecido, a exigência é ainda maior”, admite Helena, que ressalva ainda a importância de manter as relações internas em prol de uma maior humanização da marca.

“Numa primeira fase do confinamento, as marcas tiveram a preocupação de se manterem próximas. Não era tempo de vender, mas de cuidar da sociedade. Quando começámos a sair, quiseram recuperar através de ações como promoções e saldos. Mas há um foco, que pode não ser o que traz um maior cash flow, mas que pode ser a única forma de uma marca se manter no mercado no pós-pandemia”, complementa Ana Côrte-Real da Católica Porto Business School.

A professora recorre aos números — 75% dos consumidores exige mais das marcas e não apenas que cumpram aquilo a que se propõem no que ao produto diz respeito. “Querem que sejam eticamente responsáveis e que estejam dispostas a reforçar o combate à pandemia. A verdade é que, durante um determinado período, as marcas falaram menos de produto e agora não podem perder essa empatia”, acrescenta.

"Numa primeira fase do confinamento, as marcas tiveram a preocupação de se manterem próximas. Não era tempo de vender, mas de cuidar da sociedade. Quando começámos a sair, quiseram recuperar através de ações como promoções e saldos. Mas há um foco, que pode não ser o que traz um maior cash flow, mas que pode ser a única forma de uma marca se manter no mercado no pós-pandemia".
Ana Côrte-Real, associate dean da Católica Porto Business School

Durante pelo menos um ano, há que esquecer os planos de negócio, pelo menos, é o que pensa Helena Gouveia. O que não significa que a Ikea não responda à demanda de produtos para a casa que se generalizou nos últimos meses. “As casas ganharam muito valor para os portugueses e o conforto dentro delas assumiu um relevo ainda maior. Sentimos que há investimentos que estão a ser feitos, mais avultados talvez, mas duradouros — pequenas remodelações de cozinhas, por exemplo. As pessoas têm objetivos muito específicos, muito mais relacionados com necessidades reais do que propriamente com ideias aspiracionais”, conclui. Afinal, nada garante que o vírus não nos volte a fechar todos em casa.

E amanhã, como é que vamos fazer compras?

“O grande desafio para as marcas, face ao contexto atual, é o facto de ser ainda mais difícil identificar padrões de consumo. O consumidor não se tornou um economicista puro. A mesma pessoa que tende a valorizar muito as marcas locais e que tem noção da importância de proteger o que é nosso é a mesma pessoa que vai querer comprar umas sapatilhas costumizadas”, garante Ana Côrte-Real. Uma coisa é certa: a responsabilidade está do lado de quem consome. “Não podemos dizer que as marcas estão a ser eticamente responsáveis por estimularem o consumo. O consumidor é que tem de avaliar o seu perfil”, conclui.

Quanto à conjuntura, Pedro Bordonhos diz que ainda é cedo para traçar um cenário resultante da crise — em termos subjetivos o consumo está a abrandar, mas para o diretor de e-commerce da Lanidor é sobretudo a crise de saúde pública aquela que, por enquanto, está a impactar o retalho. “A questão económica é aquela com que vamos ter de lidar no futuro”, esclarece.

A reabertura de um centro comercial no Porto, a 1 de junho

OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

É cedo também para a professora da Católica Porto Business School. “É prematuro. Temos de ver o que acontece ao desemprego e ao crédito mal parado. Há muitas questões que ainda não nos permitem ver o impacto da pandemia”, refere. A isso, soma a incerteza quanto ao funcionamento das escolas no próximo ano letivo, à viabilidade teletrabalho e à iminência de um novo confinamento.

Não seria inédito questionar se a pandemia não poderá ter como efeito uma mudança de hábitos no sentido de um consumo mais responsável. Ana hesita dar uma resposta, mas na urgência de, pelo menos, um palpite revela-se descrente. A tomada de consciência do valor das coisas é inegável, da mesma forma que algumas das que julgávamos indispensáveis deixaram de sê-lo. Se a nova disposição veio para ficar ou se é um fenómeno passageiro, continua em aberto. A racionalidade pode ser efémera.

“Já estive mais otimista. Perdeu-se toda a comunicação em relação aos efeitos do confinamento no planeta, não sei até que ponto isso ficará presente. Depois há as questões do pensamento local e da proteção dos produtores. Tenho dúvidas de que, num nível mais macro, não voltemos a ser aquele consumidor egoísta”.

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