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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Cerco" ao Parlamento, críticas à "instrumentalização" e suplemento chumbado. Ventura isolado no debate das polícias

Chega tentou cercar o debate sobre o suplemento de missão das forças de segurança, apelando à mobilização de polícias e militares. Mas acabou cercado pelas críticas de instrumentalização.

André Ventura quis os polícias ao seu lado para “mostrar força” dentro e fora da Assembleia da República, no dia em que levava a debate sete propostas para as forças de segurança. Os apelos deixados nas redes sociais do Chega iam nesse sentido, mas acabou por ter apenas as galerias do plenário cheias — já tarde, devido à revista obrigatória — e a desejada concentração lá fora, na escadaria do Parlamento, não se deu. Os elementos das forças de segurança que responderam ao apelo do Chega saíram de forma concertada mal o primeiro projeto do partido foi chumbado e falharam o momento em que um dos projetos foi aprovado.

Pelas seis da tarde, já depois de um longo debate e assim que foi chumbado o projeto do Chega que determinava a atribuição do suplemento de missão à GNR, PSP e ao Corpo da Guarda Prisional, uma massa de pessoas que ocupava os dois pisos das galerias do hemiciclo levantou-se ao mesmo tempo e saiu em silêncio. Na bancada do Chega ouviram-se aplausos, depois de um debate em que o partido foi acusado pelas várias bancadas de “instrumentalizar” as forças de segurança. E em que PSD e PS trocaram acusações sobre o valor do subsídio de risco a atribuir aos polícias.

Os elementos das forças de segurança nas galerias do Parlamento

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Enquanto isso, lá fora, algumas centenas de elementos das polícias acompanhavam, de olhos colados nos telemóveis, um debate que já ia decorrendo lá dentro. Demoraram a conseguir entrar — o controlo de acessos foi dificultado pelas moedas de um cêntimo que tiveram de despejar dos bolsos, atrasando o processo de entrada da Assembleia da República. Quando entraram, estiveram sempre em silêncio, mas muitas vezes concordantes — com acenos de cabeça — durante as intervenções de Ventura. Não sobravam muitas dúvidas sobre a ligação direta ao apelo que o líder do Chega deixara, ainda que, na rua, os polícias e militares insistissem em contrariar uma leitura política da sua presença ali. Mas o momento em que os elementos nas galerias se levantaram e saíram do plenário deixou tudo mais claro.

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O sentimento de um plenário “sitiado” foi comentado com o Observador por alguns deputados e Rui Rocha, da IL, disse-o mesmo no debate, com recurso a uma referência de outros tempos: “Aquilo que André Ventura tentou fazer é grave. Aquilo que tentou fazer são práticas que conhecemos do Bloco de Esquerda e do PCP do PREC, responsável por cercar deputados na Assembleia. É inadmissível este comportamento.”

“Instrumentalização” e a taça de moedas de Ventura

Foi um debate conturbado e ruidoso o que decorreu esta tarde no plenário da Assembleia da República, com o Chega a passar boa parte das primeiras intervenções a protestar por ter informações vindas da porta do Parlamento de dificuldades na entrada. André Ventura falava mesmo em “centenas de pessoas” que, garantia, estavam a ser “impedidas de entrar”. Provocou uma rajada de indignações por parte da bancada do PSD, onde o líder parlamentar Hugo Soares não aceitou “lições de respeito pelas forças de segurança”.

Disse não ser “a primeira vez que escolas com meninos pequeninos estão lá fora à espera para entrar”, e gritou alto: “Tenham respeito pelas pessoas todas, todas, todas.” Do alto do hemiciclo, o presidente Aguiar-Branco garantia não existir “nenhuma situação especial na entrada para as galerias em comparação com outro dia normal”. O presidente da Assembleia da República mantinha que “não há nenhum cidadão impedido de entrar”.

A partir daí, formou-se quase um cerco de críticas ao Chega. António Rodrigues, do PSD, acusou o partido de querer discutir forças de segurança “para continuar a manter a sua popularidade em alta“. Por entre a vozearia que vinha da ponta mais à direita do hemiciclo, o social-democrata defendeu mesmo que o debate desta quinta-feira “só foi marcado depois das Europeias, porque o desastre foi tão grande que era preciso continuar a dizer às pessoas que continuam o debate demagógico”. Não ficou por esta bancada e, no lado oposto do plenário, Fabian Figueiredo, do BE, atirava à desigualdade criada no subsídio de risco pelo PS, mas também para atingir o Chega.

O deputado dizia que foi o governo socialista que abriu portas ao “oportunismo populista” e, numa provocação final ao Chega e a quem estava nas galerias (por causa de um apelo do Chega), concretizou: “Quero aproveitar para cumprimentar todos os agentes e estruturas sindicais que rejeitam a instrumentalização que o Chega tenta fazer.” A palavra instrumentalização cruzaria novamente o plenário até ao CDS, onde João Almeida traçava uma linha entre a sua direita e a do lado. “Uns, durante anos, desrespeitaram a dignidade de quem serve nas forças de segurança. Mas noutros momentos vale tudo para fazer política, incluindo pôr em causa a autoridade do Estado”, referiu, considerando que “a forma como corre este debate não é a melhor homenagem às forças de segurança, que não merecem a instrumentalização que este debate teve” e “não merecem que políticos se apropriem de si e da sua dignidade”.

Hugo Soares, líder parlamentar do PSD e Rui Rocha, líder da IL

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A bancada do PS também se juntou a este coro, mas teve um contra bem audível, com a generalidade das bancadas a apontarem o dedo aos socialistas por terem criado uma “situação de injustiça” entre forças de segurança, ao rever apenas o subsídio de risco da PJ. Ainda assim, no debate, os socialistas tentaram passar ao lado dessas críticas, apontando ao PSD e ao primeiro-ministro, que decretou “nem mais um cêntimo” a meio das negociações com os polícias e depois de passar a campanha eleitoral a prometer resolver o problema.

No PSD, António Rodrigues reclamava ter uma proposta que “triplicava” o atual valor do suplemento de missão e desafiava o PS a dizer se era muito ou pouco. Já o Chega fazia a conta de forma mais fora da norma e Ventura mostrava uma taça de vidro meio cheia de moedas que simbolizava o aumento para as forças de segurança.

“Somos os esquecidos, aqueles que ninguém vê”

Manuel (que pediu para não ser identificado pelo seu verdadeiro nome) foi o responsável pela recolha de donativos que Ventura mostraria momentos mais tarde no plenário. “Um cêntimo para ajudar? Um cêntimo para Montenegro?”, vai atirando o guarda prisional, à medida que percorria a já longa fila de agentes da PSP e militares da GNR que ao início da tarde se juntavam na lateral da Assembleia da República para tentar marcar presença no debate desta quinta-feira. “É um gesto simbólico”, disse ao Observador, com a taça na mão, enquanto recusava a doação de uma moeda de um euro. Ali, só entravam cêntimos.

“O primeiro-ministro disse nem mais um cêntimo. Taxativamente. Por isso não faz sentido voltar às reuniões”, defendeu o guarda prisional, enquanto os colegas vão atirando mais moedas. Fazendo eco das palavras do porta-voz da plataforma de sindicatos da PSP e GNR, Manuel sublinhou que a posição assumida por Luís Montenegro deitou por terra qualquer hipótese de negociação e deixou a ministra da Administração Interna “amarrada” a uma posição de força do chefe dp Governo. “E a nós bastante indignados, porque até fomos flexíveis nas nossas reivindicações”, considerou.

Ao seu lado, Jorge (também nome fictício) interrompeu para criticar a postura “inflexível” de Montenegro. “Temos um papel fundamental na sociedade, mas somos os esquecidos, aqueles que ninguém vê”, lamentou o também guarda prisional, com quase 30 anos de serviço, na semana em que os guardas do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) iniciaram uma greve por 30 dias.

“Estamos a viver uma greve no EPL porque 10 guardas foram agredidos desde o início do ano, porque não há guardas suficientes. As celas estão a ser fechadas porque não há elementos de segurança, não temos efetivo sequer para auxiliar outras cadeias”, relatou. Os números falam por si: “De noite, chegamos a ter sete ou oito guardas para 900 presos em alguns estabelecimentos prisionais. É assustador.”

Foi esse o principal motivo que o levou esta quinta-feira ao Parlamento, num dia que deveria ser de folga. “Tive de tirar o dia para estar aqui. Tenho quatro filhos, seria um dia muito mais aproveitado se estivesse com eles”, disse. Relatos semelhantes repetem-se durante toda a tarde, de intenso calor, que ainda assim não afastou do local as centenas de profissionais das forças de segurança. “Acabo de deixar os miúdos na praia”, disse alguém de passagem. É precisamente pelos filhos que muitos ali estão.

É o caso de Marco, que desenrola uma cartolina branca onde escreveu a sua história pessoal: tem quatro filhos e está a pagar 650 euros entre colégios e ensino pré-escolar. Com 15 anos de serviço, não tem pudor em admitir que, muitas vezes, tem pensado desistir da profissão, uma hipótese que ainda não afastou totalmente.

As suas expectativas para o debate desta quinta-feira eram fracas, à semelhança do que disseram vários outros agentes ao Observador. “Estamos sempre à espera do melhor, mas a contar com o pior”, resume um. Todos deixam uma ressalva: não foram para lá a pedido de nenhum partido. “Não estamos aqui porque o Chega chamou, mas porque vão a votos projetos importantes para nós e que nos dizem respeito”, garantiram. “Se fosse outro partido qualquer, também o faria”, repetiu João (nome fictício), um agente da PSP com quase 30 anos de carreira.

A entrada dos elementos das forças de segurança foi bastante demorada, tendo criado alguns momentos de tensão

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“Precisamos de que alguém ali dentro se lembre de nós, é preciso sermos valorizados”, sublinha. E acrescentou: “Como é que querem candidatos para as forças de segurança, como querem cativar os jovens se estão a pagar o mesmo salário que o Mercadona ou o Lidl? Sem desvalorizar, claro, mas nós temos uma responsabilidade acrescida, um risco acrescido.”

O agente da PSP seria um dos muitos a acompanhar o debate no exterior, já que as galerias do Parlamento ficaram cheias. Responsáveis pelos acessos à Assembleia da República revelaram à imprensa que chegaram a estar cerca de 500 pessoas no hemiciclo. Quem não conseguiu entrar ficou a assistir pelo telemóvel em pequenos grupos, e houve até quem trouxesse uma coluna para transmitir o som para os restantes.

Ao final da tarde, o grupo que ficou no exterior foi-se misturando com os elementos que abandonavam as galerias e saíam a conta gotas do edifício. Alguns gritavam expressões como “pouca vergonha”. A desilusão é visível em muitos rostos. “O sentimento é de grande frustração”, resumia um elemento da PSP. “Querem atirar areia para os nossos olhos”. Ainda assim, fica a promessa de não desistir e continuar os protestos até que as reivindicações sejam ouvidas.

Entre suplementos e reforço de prevenção do suicídio: o que foi chumbado e o que passou na votação

Estavam previstas pouco mais de duas horas de debate, mas a sessão acabou por durar três horas. Entre várias interrupções, com Aguiar-Branco a pedir várias vezes calma aos deputados — sobretudo à bancada do Chega –, os partidos foram criticando os projetos de lei apresentados. E nenhum dos documentos relacionados com o suplemento de risco foi aprovado. Passaram apenas duas propostas do PAN e do Bloco relacionadas com a prevenção do suicídio nas forças de segurança e uma do Chega para rever a tabela dos serviços gratificados.

Do lado do Chega estava o projeto de lei mais ambicioso, com um subsídio de mais de mil euros para todos. Aliás, este projeto de lei foi amplamente criticado pelo PCP, com o deputado António Filipe a referir que “o projeto que o Chega apresentou há três meses já vai na quinta versão”. A última versão tinha então um suplemento pago em 14 vezes e em que os profissionais recebiam o equivalente a 19,6% do ordenado do diretor nacional da PSP e do comandante-geral da GNR. Tendo em conta que o valor é fixado pela tabela remuneratória única e pela posição 86 — que corresponde a 5.216,22€ brutos mensais —, o valor do suplemento seria de 1.022 euros.

Das sete propostas votadas esta quinta-feira pelo Chega, apenas uma foi aprovada e está relacionada com a retificação da tabela remuneratória dos gratificados da PSP, ainda que no documento não sejam referidos valores concretos.

O PAN levou também um projeto de lei para aumentar o atual subsídio de risco das forças de segurança, que atualmente está dividido em duas partes: uma componente fixa de 100 euros e uma componente variável que corresponde a 20% do respetivo salário. Durante o debate, a deputada única do partido, Inês Sousa Real, atacou o Chega, dizendo que “os profissionais não precisam de números políticos feitos em cima do joelho, mas sim de propostas com pés e cabeça”.

Ainda assim, a proposta do PAN não passou. A proposta consagrava um suplemento de risco dividido por três categorias — à semelhança das primeiras duas propostas do Governo: 10% para oficiais, 12% para chefes e sargentos e 15% para agentes e guardas. Este valor é calculado com base no ordenado do diretor nacional da PSP e do comandante-geral da GNR, cujo valor é fixado pela tabela remuneratória única e pela posição 86, que corresponde a 5.216,22€ brutos mensais. Também foi chumbada.

Ventura ainda respondeu a Inês Sousa Real, apontando o dedo ao PAN por ter sido “muleta do PS” quando votou orçamentos “que tiraram direitos aos polícias”. O PS cedeu tempo a Sousa Real para dizer ao Chega que, na legislatura passada, “o PAN trouxe propostas para ajudar as forças de segurança que foram rejeitadas” e para se recusar a “compactuar com números mediáticos à custa de sacrifício” de profissionais.

Todas as galerias do hemiciclo estiveram completamente cheias com elementos das forças de segurança

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Já o projeto de lei apresentado pelo PCP, também chumbado, previa um aumento faseado, tal como têm defendido os sindicatos: fixar o suplemento em 200 euros este ano, aumentar para 300 euros em janeiro de 2025 e saltar para os 450 euros em janeiro de 2026. “A proposta que [o PCP] apresenta está em linha com as propostas negociais apresentadas pelas plataformas das forças de segurança”, sublinhou o deputado António Filipe, depois de fazer um compasso de espera no púlpito, porque a bancada do Chega estava a protestar, impossibilitando a sua intervenção.

Também o Bloco propôs que a discussão sobre o valor do suplemento de risco das forças de segurança ficasse concluída até ao final deste ano, numa discussão conjunta com sindicatos e associações — mas o projeto não foi aprovado. Durante a discussão, Fabian Figueiredo, líder da bancada parlamentar do Bloco, disse que “o Estado de direito democrático tem de tratar bem os seus servidores”. “Trabalhar para o Estado não pode ser só suor e fardo”, acrescentou Fabian Figueiredo, dizendo ainda que o governo socialista abriu portas ao “oportunismo populista”. E as palavras de Fabian Figueiredo serviram para Nuno Gabriel, do Chega, acusar o Bloco de Esquerda de atacar as forças de segurança. “Para o Bloco de Esquerda, os polícias são uns bandidos, enquanto a bandidagem anda de mão dada convosco”.

Esta discussão acontece num momento em que decorrem ainda as negociações entre sindicatos e Ministério da Administração Interna para tentar chegar a um acordo para aumentar o suplemento de risco da PSP e GNR. Para já, a proposta do Governo mantém-se: um aumento de 200 euros na componente fixa do suplemento já este ano e mais dois aumentos de 50 euros nos próximos dois anos. Ou seja, no total, está em cima da mesa um aumento de 300 euros em relação ao valor que as forças de segurança atualmente recebem.

Luís Montenegro deixou, esta semana, o tal aviso de “nem mais um cêntimo” no acordo e o deputado Hugo Soares voltou a sublinhar esta quinta-feira que a proposta apresentada aos sindicatos não pode ir mais longe: “Sim, 300 euros por mês é muito dinheiro e é o que as contas pública permitem fazer.”

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