O Chega está metido num imbróglio chamado eleições internas e conta resolvê-lo em breve. Desde distritais eleitas há quase quatro anos (desde setembro de 2019) a equipas sem quórum e presas por arames, o partido precisa urgentemente de aprovar um regulamento eleitoral que resolva os problemas que se foram acumulando entre estatutos não aprovados pelo Tribunal Constitucional e a necessidade de repor a ordem a nível interno. O próximo Conselho Nacional tem como objetivo aprovar esse documento e estabelecer a legalidade com a marcação de eleições “já no próximo mês de setembro”.
Em abril de 2022, após uma proposta na reunião mais relevante entre convenções, André Ventura ficou com a possibilidade de adiar até doze meses todas as eleições para as estruturas locais do Chega. Já passou mais de um ano e há distritais que continuam na mesma situação de incumprimento dos estatutos. Agora, o grande desafio está no futuro: para repor a normalidade será preciso que todas as distritais vão a votos após a aprovação do novo regulamento ou as que foram eleitas há menos de dois anos estão legais? A resposta não é clara, mas o Observador sabe que o partido deve tratar de resolver primeiro as distritais eleitas há mais tempo e ir marcando eleições à medida que os mandatos vão terminando.
É aqui que surge outro problema: os mandatos e os anos dos mesmos. Há leituras diferentes mesmo dentro do partido, já que várias distritais foram eleitas no período após o Congresso de Coimbra, onde os estatutos aprovados previam mandatos de três anos para as regionais. Esses estatutos acabaram chumbados pelo Tribunal Constitucional e obrigaram o Chega a marcar uma nova reunião magna para resolver o problema — a solução foi retomar aos primeiros estatutos do partido (de 2019), os únicos que permitem ao partido estar legal.
Os estatutos em causa dizem que os mandatos dos órgãos (a informação refere-se aos nacionais e não aos locais) do Chega são “de três anos, exceto em caso de norma especial com definição de prazo especial, que em caso algum pode exceder os cinco anos”, porém o regulamento eleitoral é claro no que toca à regra para eleições locais: “O mandato de qualquer dos órgãos regionais ou distritais é de dois anos.”
Com base neste documentos — os únicos que o Chega tem aprovados e disponíveis no site oficial — surgem inúmeras dúvidas sobre se as distritais estão ou não legais, até pelo facto de o partido ter adiado consecutivamente alguns atos eleitorais por várias razões. “Houve adiamentos à conta de estatutos, chumbos do Tribunal Constitucional, obrigatoriedade de mudanças e depois veio a suspensão [das eleições] e foram-se mantendo as distritais que estavam eleitas”, explica um dirigente local ao Observador, que não tem dúvidas sobre a necessidade de eleições: “Agora temos mesmo de ir a votos.”
Serão mesmo todos? A concordância estende-se a dirigentes nacionais do Chega que reconhecem a existência de situações preocupantes, nomeadamente a maior distrital do país — o deputado Pedro Pessanha está na liderança de Lisboa desde setembro de 2019 —, o Porto — que atualmente não tem quórum para estar em funções e já terminou mandato —, sendo esta uma circunstância que se estende a Santarém. As situações mais graves, além da capital, são Bragança e Guarda, que têm equipas eleitas em 2019, mas também Braga, Aveiro, Santarém, Coimbra e Faro que foram a eleições entre 2020 e 2021, tendo todas ultrapassado os dois anos.
Porto e Santarém são duas das distritais obrigadas a ir a votos em breve e que se destacam atualmente pela falta de quórum nos órgãos eleitos e por apenas se manterem em gestão pelo facto de os presidentes não terem caído. Nestes casos há também dirigentes locais ouvidos pelo Observador que consideram que é preciso ir a votos independentemente do quórum já que “o mandato já caducou”.
Ao contrário destas distritais, o Chega foi levando a eleições várias distritais que ficaram sem órgãos por demissões e que, ainda que com a suspensão ativa, acabaram por ir na mesma a votos. O Observador sabe que um desses exemplos foi Portalegre, uma distrital que está por estes dias sem uma equipa eleita por não ter havido nenhuma lista a candidatar-se às eleições.
O Observador contactou o Chega para obter esclarecimentos sobre as distritais atualmente em funções, os respetivos presidentes e as razões que levam a que haja equipas eleitas há mais de dois anos quando os estatutos não o permitem, mas o partido escudou-se na decisão que o Conselho Nacional aprovou em abril de 2022 para dizer que o órgão decidiu, por maioria, “adiar a realização de eleições para as comissões políticas distritais até julho deste ano, uma vez que estava em discussão a realização ou não de eleições para as coordenações concelhias do partido”.
“O Conselho Nacional entendeu, assim, suspender a realização de processos eleitorais internos durante um ano para que se clarificasse a questão das concelhias”, refere agora fonte oficial do Chega em resposta ao Observador.
A notícia da suspensão de eleições tinha sido avançada pelo Observador a 16 de abril e o partido tinha desmentido com a seguinte justificação: “A proposta apresentada e explicada pelo presidente do Chega, André Ventura, no último Conselho Nacional, consiste em adiar até um ano – e não durante um ano – o processo de eleições para que o partido organize internamente todos os sufrágios que terão lugar a nível concelhio.” Agora, o partido explica que, de facto, a suspensão aconteceu durante um ano em que o Chega procurou preparar-se para decidir sobre as concelhias.
Passou mais de um ano e o Chega irá realizar um Conselho Nacional no próximo dia 30 de julho que tem na agenda a discussão e aprovação do regulamento eleitoral aplicável aos vários órgãos do partido e assegura ao Observador que as eleições vão ser marcadas para breve: “Serão realizadas eleições já no próximo mês de setembro.”
O Observador sabe que o objetivo inicial é resolverem-se os casos mais gritantes em primeiro lugar, ou seja as distritais que não vão a votos desde 2019, e depois ir resolvendo os restantes problemas — sendo que o novo regulamento terá de esclarecer o que fazer nos casos de distritais eleitas quando, alegadamente, os mandatos eram de três anos. Seja como for, apenas as distritais eleitas em 2022 e uma em 2023 têm a certeza de estar a cumprir as regras dos regulamentos aprovados.
Entre os dirigentes do Chega ouvidos pelo Observador há quem considere que “todas as distritais estão ilegais”, quem ache que “as que estão dentro dos dois anos estão legais e todas as outras terão de ir a eleições” e ainda quem acredite que deve ser tida em conta a regra dos três anos. Neste momento a expectativa está na proposta que será apresentada pela direção e nas soluções que vão ser encontradas para cada uma das circunstâncias.
Concelhias, um problema (para já) resolvido
O tema das concelhias e das nomeações há muito que marca discussões internas no Chega — e é até razão para que alguns militantes tenham optado por sair do partido. Nos Congressos de Coimbra e de Viseu houve militantes a levar o tema a discussão por considerarem que nomeações no lugar de eleições violam os princípios básicos da democracia interna, mas entre os mais altos cargos do Chega a opinião é praticamente unânime: não há estruturas locais que aguentem eleições em todos os concelhos.
“Se nas distritais já é difícil, eleições nas concelhias seria impossível”, reconhece um dirigente do partido ao Observador. A ideia é reflexo do que pensam os principais responsáveis do Chega e serviu para aprovar a continuidade das nomeações das concelhias.
No Conselho Nacional em que o Chega suspendeu as eleições ficou até decidido que iria ser criado um grupo de trabalho com “o objetivo de definir os termos em que se realizarão todas as eleições a nível concelhio”, segundo anunciou o partido em comunicado, mas o Observador questionou o partido sobre o estado dessa comissão e não obteve resposta — até porque o tema se resolveu de outra forma.
Na reunião magna em Vila Real, a 27 de maio, a direção do Chega colocou em cima da mesa três propostas para discussão: distritais nomeadas pela direção nacional e as distritais a nomearem concelhias; distritais eleições e concelhias nomeadas; eleições nas distritais e concelhias. Venceu a segunda opção que, no fundo, mantém tudo na mesma: as distritais mantêm a possibilidade de ir a votos e os órgãos eleitos têm o direito de nomear as equipas para as concelhias.
Com o problema das concelhias fechado (pelo menos até que o assunto volte a ser motivo de discussão) e com a questão das distritais a sair solucionada do próximo Conselho Nacional, caso haja uma proposta aprovada, o Chega preparava-se para iniciar o ciclo político que se aproxima com o caderno de encargos interno limpo, depois de tempos atribulados com críticas à direção. Agora, com mais uma decisão do Tribunal Constitucional desfavorável ao partido, André Ventura volta a ter um problema em mãos — uma questão em que só se deve focar após o Conselho Nacional que se debruça sobre as distritais.