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Milei prometeu na campanha um choque económico com a dolarização da Argentina

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Milei prometeu na campanha um choque económico com a dolarização da Argentina

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Choque económico de Milei é solução? Empresários argentinos querem “mudar forma como as coisas estão a ser feitas”

Dolarização foi a proposta que mais galgou fronteiras, mas prioridade de Milei é cortar despesa pública. Empresários concordam que situação é insustentável, mas divergem na receita do novo Presidente.

Não foi o panorama económico na Argentina de 2018 que levou Guillermo Hilas, hoje com 52 anos, a fundar o Kråke Café, um “projeto de cafetaria de especialidade” onde o café filtrado é a estrela. Nesse ano, o país voltou a pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), num resgate recorde superior a 50 mil milhões de dólares (do qual ainda apanha os cacos), e a entrar em recessão. Tudo motivos para que Guillermo tivesse evitado fundar um novo negócio.

Cheio de incertezas e inseguranças, ainda assim avançou para pôr em prática, em conjunto com a mulher, um projeto pessoal em Córdoba, a segunda cidade mais populosa da Argentina. “Surgiram várias possibilidades e era mais fácil fazê-lo do que não o fazer”, resume ao Observador. Se fosse esperar pelo melhor cenário económico, o designer industrial que trabalhou 20 anos numa empresa familiar provavelmente nunca teria dado aquele passo. “A Argentina é um país que vive permanentemente em crise, por isso, de certa forma, não se espera pelo melhor momento. Faz-se as coisas quando se pode, com o que se tem ou se consegue”, descreve.

Na Argentina, não há uma “cultura” de concessão de crédito para começar um projeto do zero devido à “falta de estabilidade”. Ainda assim, a esta distância, acredita que 2018 foi um ano mais estável do que 2023, em que a inflação já ultrapassou os 10% nalguns meses, e está bem acima dos 100% ao ano (em outubro, foi de 8,2% em cadeia e 142,7% na variação homóloga, segundo o ministério da Economia argentino).

[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui e o segundo episódio aqui.]

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Esta abrupta subida da inflação não tem ajudado em nada o “negócio de nicho”. “Tem sido muito difícil gerir, cada aumento significativo não pode ser repercutido diretamente e isso reduz a rentabilidade”, explica. As restrições às importações — que o novo Presidente, Javier Milei, quer aligeirar —, que enfrentam os “torrefatores” com quem trabalham, também têm pesado.

Foi neste contexto de inflação galopante e um descontentamento generalizado na sociedade argentina que as ideias polarizadas de Javier Milei — entre elas, a tão falada dolarização perante um peso cada vez mais fraco — lhe garantiram a vitória. Milei chegou a defender que o peso “é a moeda emitida pelo político argentino e, por isso, não pode valer nem um excremento já que essas merdas [sic] não servem nem para adubo”.

É Ricardo Horak quem alude a essa citação, ao Observador, a partir de Buenos Aires. Para o empresário descendente de imigrantes que saíram da Checoslováquia ocupada nos anos 60, fixando-se na Argentina, e que criaram um negócio de têxtil que vai na segunda e terceira gerações, o sucesso da dolarização — uma ideia que não põe em causa — dependerá de como for implementada. Mas alinha nas críticas de Milei à gestão política dos últimos anos à política do banco central.

“Como vimos em situações anteriores, os políticos não hesitaram em pôr a funcionar a impressora de notas para encobrir os seus delitos”, critica. Por isso, tem expectativas elevadas quanto à governação de Javier Milei. “Espero que o seu brilhantismo e contenção possam, juntamente com uma grande equipa, superar todas as dificuldades futuras causadas pela má gestão”, atira.

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Milei ganhou as eleições, à segunda volta, a 19 de novembro. Toma posse a 10 de dezembro

AFP via Getty Images

Cortar despesa pública, vender tudo e equilibrar as contas públicas

Já Guillermo Hilas não é fã de Javier Milei — admite que tem um certo “preconceito pessoal” com o novo Presidente — e tem dúvidas de que muitas das suas ideias e promessas venham a ser implementadas, pelo menos no curto prazo. É o caso das prometidas “mudanças profundas de curto prazo no ensino público” ou os cortes imediatos na despesa pública — há processos de negociação em curso que “são difíceis de alterar de forma tão dinâmica”. Ou da dolarização, uma medida que vê como demasiado extrema e que não considera necessária nem positiva.

“Acredito que cada país deve ter soberania monetária, e parece-me necessário mudar a forma como as coisas estão a ser feitas atualmente, mas não acho que algo tão extremo, como a dolarização, seja bom ou a única maneira de fazer essas mudanças”, avalia.

A dolarização da economia argentina, trocando a moeda corrente, o peso, pelo dólar, foi a proposta de Javier Milei que mais galgou fronteiras. A ser aplicada, resultaria na transferência da política monetária para a Fed. A Argentina ficaria, então, sem instrumentos de controlo da moeda, mas a medida poderia ajudar no controlo da inflação, que vai já nos 140% este ano.

Apesar do anúncio da medida, Milei já disse que, no entanto, a prioridade imediata é outra. “Vamos fazer, primeiro, a reforma do Estado, pôr as contas públicas na ordem muito rapidamente“, declarou numa das primeiras entrevistas depois de ganhar as eleições no domingo, 20 de novembro. As contas públicas, na sua ótica, põem-se em ordem cortando a despesa pública de forma significativa e privatizando empresas públicas, tendo já nomeado a intenção de voltar a pôr em mãos de privados as petrolíferas YPF (que Cristina Kirchner nacionalizou em 2012, expropriando os espanhóis da Repsol) e Enarsa, mas também as empresas de comunicação social do país, como a televisão pública, Télam (agência de notícias) e a Radio Nacional.

Tudo o que puder estar nas mãos do setor privado, estará nas mãos do setor privado”, declarou, numa entrevista depois das eleições à rádio Mitre. A Argentina terá de ter um grande poder de persuasão para convencer estrangeiros a comprar empresas deficitárias (e sem esquecer as expropriações de há 10 anos).

Milei garante que vai por as finanças públicas no equilíbrio sem aumentar impostos, cortando na despesa. E, para isso, quer cortar subsídios e já disse que não há dinheiro para obras públicas — que vão ser, por isso, entregues aos cidadãos. “Não há dinheiro”, declarou várias vezes numa entrevista à Neura Media, na qual assegurou: “Um ministro que gasta mais, está feito”. Em 2024, garante, vai haver contas equilibradas. “O equilíbrio orçamental não está em discussão.” O grupo que vai ter mais perdas é a “casta”, responde, quando se pergunta sobre o corte nas pensões. A proposta é reduzir a despesa pública em 15% com a reorganização do Estado.

O défice orçamental oficial da Argentina está nos 3%, mas o panorama é mais grave quando se junta a dívida do banco central que conta com 10% do PIB. Desde 2018 que o banco central tem emitido grandes quantidades de notas de curto prazo, colocadas junto dos bancos locais (designadas por Leliq, letras de liquidez) — cuja taxa de juro está nos 133% –, que têm servido para financiar o défice público sem imprimir moeda, o que também ajudou a alimentar a inflação.

No final de outubro, estavam emitidos 13,7 biliões de pesos argentinos (35,3 mil milhões de euros) destes títulos, acima das reservas que, aliás, em termos líquidos serão negativas (21 mil milhões de dólares, o que significa menos de três meses de importações). A seguradora de crédito Coface sugere por isso que um dos primeiros desafios de Milei é encontrar uma solução para esta questão.

Fonte: Invest News

Se as restrições fossem levantadas, os bancos poderiam converter pesos em dólares sem limites, aumentando a procura pelo bilhete verde, o que levaria à desvalorização do peso, podendo conduzir à hiperinflação. Seria também esse o resultado se o banco central emitisse moeda para pagar os títulos do banco central. Por isso, Milei diz que, enquanto se resolve este “problema” das Leliq, a taxa de câmbio tem de ser mantida, assim como a limitação de stock de dólares dos bancos que põe um travão à quantidade de dólares que cada pessoa pode comprar.

Ainda assim, William Jackson, economista da Capital Economics, numa nota enviada ao Observador, realça que a medida mais rápida de implementar será mesmo a mexida na taxa de câmbio. Removendo as restrições — “e parece haver um largo consenso político de que tal é necessário, ainda que em diferentes níveis” –, o resultado, de qualquer forma, será a queda do peso. A Capital Economics aponta para uma possível desvalorização de 40-50%.

“Enquanto a queda da moeda nessa ordem melhora a competitividade externa na Argentina e ajudará a melhorar o crescimento no médio prazo, também aumentaria significativamente o peso da dívida pública (dada a quantidade de dívida denominada em moeda estrangeira)”, acrescenta. Mais uma consequência: “Seria muito mais difícil para o FMI considerar sustentável a dívida pública da Argentina, o que por sua vez faria com que o Fundo exigisse uma reestruturação da dívida como condição para mais financiamento”.

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Uma das bandeiras da campanha de Milei foi a dolarização da economia argentina.

Getty Images

Florencia Alvarez Casanova, que está à frente da Câmara Argentino Portuguesa de Comércio (CAPC), nota que as empresas enfrentam hoje vários constrangimentos na hora de exportar: a taxa de câmbio que não é “competitiva” ou os impostos sobre a exportação. Além disso, há barreiras à importação: são necessárias licenças, há “procedimentos burocráticos e discricionários”, “restrições” para realizar pagamentos no estrangeiro (como as “barreiras cambiais”, que começaram a endurecer em dezembro de 2020). Isso, diz a responsável, fez crescer a dívida dos privados com os fornecedores estrangeiros, estimada em 54 mil milhões de dólares.

A CAPC garante estar “atenta” às medidas a tomar pelo próximo governo e apesar de concordar que a situação atual não era sustentável, pede que se respeitem os compromissos e acordos já firmados — não só públicos, com o FMI, por exemplo; mas também dos privados com os seus fornecedores. “Partilhamos a ideia de que as atuais condições em que as empresas operam não podem prolongar-se no tempo e tal exige consensos, diálogo e mudanças estruturais e que, para se obterem resultados favoráveis, será fundamental gerar confiança na sociedade e no mercado, respeitando os acordos e os compromissos assumidos”, argumenta.

Os empresários consultados pelo Observador divergem nas expectativas da política prometida por Javier Milei. Ricardo Horak, do setor têxtil, acredita que terá efeitos positivos para as empresas e a economia argentinas. “A ideia de reduzir a despesa pública, reduzir o Estado, os impostos e promover a livre concorrência com mercados menos regulados e abertos ao mundo tem de favorecer a Argentina. Temos muito para oferecer, é uma questão de escolher o rumo certo”, defende.

Como empresário, Horak quer que às empresas seja “devolvida a autonomia para importar e exportar sem terem de o fazer através do banco central” e defende um “sistema de balança comercial para cada empresa, com o objetivo de promover as exportações para aquisição de moeda estrangeira”. Quer, também, uma baixa dos impostos e a eliminação dos impostos sobre os lucros reinvestidos, a melhoria das qualificações e o investimento no ensino técnico. Ideias que, acredita, serão seguidas por Milei.

“Espero que o futuro Presidente leve adiante estas e outras ideias que farão da Argentina o país que já foi”, refere. Ricardo Horak também alinha na argumentação de Milei de que a “má gestão” dos últimos anos levou o país a uma inflação de quase 150%.

Guillermo Hilas partilha do descontentamento com o passado e o presente. Dos colegas da universidade, calcula que quase um terço tenha emigrado, sobretudo em meados dos anos 90, principalmente para a Europa. “É algo cíclico na Argentina”, diz. O empresário aponta o “défice orçamental histórico” do país, o endividamento (“mal aproveitado”) junto do FMI, que complica ainda mais as coisas com o pagamento de juros da dívida, e também reconhece que a gestão dos recursos podia ter sido mais eficiente. Mas apesar desse descontentamento, tem dúvidas de que a estratégia extrema de Milei seja benéfica para a economia, sobretudo se for feita do dia para a noite.

“Penso que Milei vai aplicar uma desregulação e abrir as importações, o que não será muito bom se for feito de um dia para o outro. É preciso fazê-lo de forma gradual para poder adaptar o mercado interno e os produtores locais para que possam competir. Já tivemos experiências de mudanças muito bruscas do protecionismo para uma abertura total e isso teve um impacto muito negativo. Por isso, penso que ele [Milei] deve ser inteligente na forma, no tempo e nos setores [em que fará as alterações] para poder proteger os interesses locais e torná-los competitivos”, considera.

Há um ano, Guillermo começou outro negócio com outro sócio, o Ren Kaffe, também uma cafetaria de especialidade (mas com expresso, sublinha). Tanto este como o Kråke Café são lugares pequenos — “muito, muito pessoais” —, em que tudo é personalizado e pensado ao pormenor: a música ambiente, os móveis desenhados pelos próprios. É uma “extensão da nossa casa”, conclui — e acredita que, mesmo com um eventual insucesso da política de Milei, o negócio conseguirá sobreviver.

Os impactos que antecipa no negócio pela eleição do ultraliberal são, sobretudo, indiretos, se os clientes “não tiverem dinheiro suficiente para algo extra e sumptuoso como um café de especialidade”. Mas também acredita que esses mesmos clientes habituais, assim como a comunidade local, serão, tal como foram na pandemia e noutros momentos de aperto, uma rede de salvação.

Dolarização de uma economia gigante. Há barreiras difíceis de saltar

Ainda que a dolarização tenha sido um dos temas quentes da campanha, as prioridades já foram reveladas e são outras. Estabilizar a política cambial, estabilizar a política orçamental e o sistema financeiro, controlar a inflação. Milei diz que o fará em 18 a 24 meses.

Já para não falar no pagamento da dívida. A Argentina está com uma dívida pública de 90% do PIB, muito assente em acordos com o FMI e numa linha com a China, segundo parceiro comercial da Argentina — Milei, durante a campanha, assegurou que o Estado argentino, sob sua batuta, não negociará com Pequim por ser um regime comunista. Perante estas posições em relação à China, a Coface considera que “novos acordos com o FMI serão chave para o novo Governo comprar tempo”.

Assim que assumir funções, a 10 de dezembro, Javier Milei enfrenta um pagamento da dívida. Entre dezembro e fevereiro tem a pagar cinco mil milhões de dólares, incluindo 3,7 mil milhões ao FMI e mil milhões com outras organizações e ao clube de Paris (com 22 países).

Mas as reservas líquidas estarão negativas. Aliás, este é um dos desafios para a dolarização que Milei disse pretender seguir. Adriana Dupita, economista-chefe da Bloomberg Economics, diz mesmo, citada pela Invest News, que esta medida não deverá ser viável no curto prazo. “Há cerca de 20 mil milhões de dólares em pagamentos de importação atrasados. Se Milei trocasse pesos circulantes por dólares das reservas da Argentina à atual taxa de câmbio paralela, estimamos que lhe faltariam 65 mil milhões de dólares”, indica. E não há maneira de conseguir esse dinheiro, mesmo que as exportações aumentem, diz a mesma economista. Além da desconfiança história com o cumprimento por parte da Argentina das suas obrigações financeiras, controlos cambiais e crises bancárias.

O que foi o corralito?

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Nos anos 90, a Argentina optou por ligar a sua moeda, o peso, ao dólar, conferindo paridade à taxa de câmbio. Como tal militou a ação do banco central de emitir moeda, pelo que a solução para financiar o défice público era endividar-se mais e mais. Mas só o conseguia fazer a taxas de juro muito elevadas. O risco Argentina era elevado. A máquina não parava. Mais défice, mais dívida, a preços mais elevados.

Domingo Cavallo teve então a ideia de avançar com a lei do défice zero — um pouco à semelhança do que quer Milei. Sem défices, não seria preciso emitir mais dívida. O que implicou grandes cortes, quer nas pensões, quer nos salários. E quem podia ia tirando os dólares do país. Em 2001 houve 20 mil milhões de dólares a saírem da Argentina. Com isso, as reservas do banco central ficaram no mínimo. O que levou o ministro das Finanças a determinar que em dezembro de 2001 passaria a haver limites para levantamento de dinheiro nos bancos. Independentemente dos valores que tivessem depositados, os argentinos só podiam levantar 250 pesos por semana. Ficaram congelados 70 mil milhões de dólares.

Após violentos protestos, o presidente Fernando de la Rúa renunciou e fugiu de helicóptero da Casa Rosada. Depois, a Argentina teve cinco presidentes em apenas 11 dias. Até que Eduardo Duhalde assumiu o poder e revogou a convertibilidade do peso mas manteve a moeda corrente. O peso desvalorizou 200%.

Acresce que o político que se autointitula o primeiro presidente liberal libertário a nível mundial precisará do apoio do Congresso (40% é da oposição), onde o seu partido não tem votos suficientes. Para não falar das tensões sociais que uma medida dessas poderá trazer, já que a taxa de conversão será baixa, com as poupanças a desvalorizarem, admitindo-se que acabasse por haver uma corrida aos bancos — e ainda está fresco na memória dos argentinos o corralito em 2001 (em que se bloqueou o acesso ao dinheiro que as pessoas tinham no banco, limitando a um levantamento por semana de 250 pesos).

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O então Presidente Fernando de la Rua teve de sair da Casa Rosada em Buenos Aires de helicóptero depois de se demitir em dezembro de 2001, na altura do corralito

AFP via Getty Images

“Há um conjunto de obstáculos desde o diminuto apoio popular a barreiras legislativas até à interrogação sobre se o banco central tem dólares suficientes. E ainda que a dolarização seja uma forma infalível de fazer descer a inflação, não será a solução para os problemas orçamentais do país“, aponta William Jackson, economista da Capital Economics.

Sobre a dolarização, Florencia Alvarez Casanova, da Câmara Argentino Portuguesa de Comércio (CAPC), não diz nem que sim nem que não. O que pede é que o setor privado e a sociedade “sejam consultados e tenham acesso à informação sobre cada uma das medidas: prazos, curso da ação, resultados esperados”.

Milei está convencido que este é o melhor caminho para a Argentina, ainda que muitos analistas estejam céticos quanto ao resultado. Além de que nunca foi tentada uma dolarização numa economia tão grande — a Argentina é a segunda maior economia da América do Sul. Equador, Panamá, El Salvador têm o dólar como a sua moeda corrente e mesmo estes países mantiveram o banco central, algo que Milei não quer — o banco central da Argentina é para acabar, garantiu, uma proposta que já foi apelidada como a “maior das loucuras”. Acabar com o banco central não é apenas largar mão da política monetária, mas também da supervisão bancária.

O mandato que agora recebe é para um período de quatro anos. “Sou um professor universitário que trabalha como Presidente”. As palavras de Milei, que diz ser workaholic, austero e ter uma vida simples, pretendem mostrar que não se vai perpetuar no poder. Para já, pôs fim ao peronismo (o Presidente cessante, Alberto Fernández chegou a dizer que o peronismo é “bígamo”, por ser de direita e de esquerda) no governo argentino. Abre-se caminho a uma Presidência liberal libertária com Milei, referido como anarcocapitalista (embora já tenha dito que é minianarquista porque as ideias de Estado mínimo podem não ser aplicáveis e que considera ter de existir Estado na justiça e na segurança, declarou à Economist).

As suas influências políticas são várias e resumem-se pelo nome que deu a cinco cães (da raça mastiffs): Milton, Robert, Lucas e Murray — o quinto é Conan, como o bárbaro. Milton Friedman e Robert Lucas, dois pensadores da Universidade de Chicago, e Murray Rothbard, que ajudou a introduzir nos Estados Unidos a escola austríaca da economia que defende a liberdade económica individual e não dependente do Estado.

Da televisão à presidência da Argentina. Quem é Javier Milei, o economista que prefere “a máfia ao Estado”?

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