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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Cimeira Social. O dia histórico para chamar o António, o negociador de gado e a volta olímpica de Rosa Mota

Costa falou em acordo histórico, Ursula desfez-se em elogios. Vieira da Silva voltou a ser "negociador de gado" em jeito de arma secreta. Metas não são vinculativas, mas houve volta olímpica na mesma.

Falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada. É um sketch, mas também é uma das frases mais vezes dirigidas a políticos. Úrsula e António, como ambos se iam tratando, prometeram que iam passar “das palavras aos atos” e avançar com a Europa Social. O cenário não é famoso. Os princípios foram definidos há cinco anos, as metas há dois, mas agora é que todos prometem que as vão cumprir. E se não cumprirem o que é que acontece? Isso mesmo: nada. Ainda assim, o primeiro-ministro português que tem a presidência do Conselho, António Costa, e presidente da Comissão, Úrsula Von der Leyen, estiveram sempre alinhados: o primeiro fala em “marco histórico“, a segunda em “dia histórico“. Para finalizar a conquista, Rosa Mota deu uma volta olímpica no Palácio de Cristal no Porto, onde decorre o Conselho Europeu, com a bandeira da União Europeia.

Afinal o que é histórico e o que foi aprovado no Porto? Já existia um plano de ação social com três metas muito concretas, que agora são assumidas por patrões, sindicatos e pelas instituições comunitárias: “Pelo menos 78 % da população entre os 20 e os 64 anos devem ter emprego; pelo menos 60 % de todos os adultos devem participar anualmente em ações de formação; o número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social deve diminuir pelo menos 15 milhões, incluindo, pelo menos, 5 milhões de crianças.”

Juntar todos estes parceiros é aquilo que, noutros tempos, Augusto Santos Silva diria que só seria possível com um grande negociador de “feira de gado”. Essa frase, que um dia se tornou polémica por ser dita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, teve um destinatário que também foi muito elogiado e responsabilizado por este desfecho: “José António Vieira da Silva”. Que, ficou a saber-se pela voz de Costa, também é um exímio negociador junto dos parceiros sociais europeus.

Voltando ao Compromisso Social do Porto, as metas não eram vinculativas antes do Porto e não passam a ser. No entanto, António Costa considera que o facto de ter sido assinado por parceiros sociais e instituições europeias com este nível de ambição é importante porque existe, desde logo, uma responsabilidade política. O primeiro-ministro dizia, na derradeira vez que falou esta sexta-feira, que “o facto deste plano de ação não descrever só ações mas ter metas de resultado a alcançar, é muito importante.” Além disso, como as metas foram definidas em 2019, tornam-se ainda “mais exigentes do que seriam no ano passado”, já que “têm por referência 2019”, um ano anterior à pandemia, o que torna estas metas “muitíssimo mais exigentes.”

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António Costa pôs a última assinatura e entregou o compromisso numa pasta negra ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. Pela manhã já tinham todos visitados a câmara do Porto, também na companhia de Ursula Von der Leyen e, ao contrário da Turquia, houve sofá para todos. É o fragilizado Michel que tem de pressionar o Conselho Europeu (os Estados-membros, quem manda verdadeiramente) a aprovar ações concretas para chegar a essas metas.

Por isso é que Costa avisava logo ao início da tarde: ainda falta o “passo seguinte”, o conselho europeu deste sábado. O compromisso faz esse apelo: “Solicitamos aos Estados-Membros que estabeleçam metas nacionais ambiciosas que, tendo em devida conta a posição inicial de cada país, constituam um contributo adequado para a realização das metas europeias.”

Rosseau com sotaque do Porto

“Porreiro, pá”. Foi assim que terminou a última presidência portuguesa da União Europeia, que havia de consagrar o Tratado de Lisboa. Desta vez, a conquista vem com sotaque do norte e há quem lhe chame “Declaração do Porto”, que deverá sair este sábado do Conselho Europeu. António Costa era ambicioso na abertura: “Estamos aqui para renovar o contrato social europeu”. A ideia de um novo contrato social é algo que está na agenda dos socialistas europeus desde o congresso de 2018 e que era defendido pelo candidato dos S&D à presidência da Comissão, Frans Timmermans. Costa secundava a ideia e Von der Leyen acabou por absorver muitas das ideias dos socialistas para passar no crivo do Parlamento Europeu.

Ainda assim faltava o mais importante em matérias sociais: passar das palavras aos atos. Se Costa o diz, Von der Leyen repete-o. “Se Gotemburgo [local da última cimeira social] foi sobre princípios, o Porto é ação”. A presidente da Comissão Europeia disse ainda, na abertura da cimeira e enquanto se dirigia ao primeiro-ministro português: “É isto que nos traz aqui ao Porto. Estamos aqui para construir uma Europa social que esteja à altura dos nossos dias, que seja capaz de concretizar as nossas ambições, por isso obrigada António [Costa] pela liderança para convocar esta Cimeira Social”.

Von der Leyen lembrou ainda uma carta que recebeu de uma enfermeira portuguesa chamada Vitória, que encaixa que nem uma luva na narrativa que queria contar. “Enquanto me preparava para esta cimeira, recebi uma carta de uma jovem enfermeira portuguesa. O seu nome é Vitória e ela escreveu-me porque pôde encontrar um emprego graças a um dos programas sociais da nossa União”. A presidente da comissão europeia acrescentou que, na mesma carta, a jovem escrevia que estava “grata por ter nascido num país que pertence à União Europeia.”

António Costa, por sua vez, defendeu que “chegou o momento de pôr rapidamente em marcha a recuperação económica e social com base nos motores das transições climática e digital”. Por outro lado, acrescentou, “esta recuperação só será sustentável e bem sucedida se for justa e se for inclusiva”. Ou seja: “A União Europeia não pode esquecer o outro lado da moeda destas transições”. Isto, porque as transições climática e digital “geram oportunidades, mas geram também grandes angústias e muita ansiedade”.

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Orbán e a identidade de género

Uma das cláusulas do novo Compromisso Social assinado no Porto fala da entidade género. O ponto compromisso — que pode também ser vertido na “Declaraçaõ do Porto” firmada no sábado pelo Conselho — é “promover a igualdade de género”, incluindo acabar com as desigualdades salariais que existem entre homens e mulheres. Quem não gosta desta referência é o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que fez questão de o dizer logo que chegou à cimeira. “Propusemos, em vez de dizer igualdade de género, utilizar a igualdade entre homens e mulheres, mas [isso] é sempre rejeitado. Eles não gostam da abordagem cristã, é essa a razão pela qual a rejeitam sempre”, lamentou Viktor Orbán.

Para o primeiro-ministro húngaro, “homens e mulheres devem ser tratados de forma igual, é fácil para nós porque esse é o nosso princípio”. Orbán acrescentou ainda: “A única dificuldade é usar o termo género porque nós cristãos consideramos o género como uma expressão de motivação ideológica, cujo significado não é de todo esclarecido.” Mas também garantia que não era por aí que ia borregar o acordo: “Não, não me parece. Conseguimo-lo sempre. Temos algumas divergências e, depois, encontramos a solução”.

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Jantar? Arroz de patentes

Do menu culinário pouco se sabe, mas o menu político já começou a ser servido. Augusto Santos Silva antecipava ao Observador que o levantamento das patentes ia ser um assunto no jantar informal de líderes da União Europeia, mas alguns líderes europeus não esperaram pelo prato principal e começaram a falar logo nas entradas: o chamado doorstep da cimeira social do Porto. Como dizia fonte diplomática ao Observador, “o jantar informal vai ser arroz de patentes”.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchéz, aplaude a proposta de suspensão das patentes das vacinas, mas avisa que é preciso mais: “Saudamos a proposta do [Presidente dos EUA, Joe] Biden de suspender as patentes, mas achamos que não é suficiente e que temos de ser muito mais ambiciosos”.

Emmanuel Macron, também à entrada da cimeira, manifestou a abertura para discutir o tema do levantamento das patentes, mas retirou os louros da proposta a Washington. O presidente francês diz que a União Europeia já “luta há um ano para que a vacina se torne num bem público mundial”. No entanto, adverte que não é esse o principal problema em cima da mesa: “O ponto não é a propriedade intelectual. Pode dar-se a propriedade intelectual a laboratórios que não sabem produzir [a vacina], que não a irão produzir amanhã”. Macron diz ainda que, entre os vários blocos mundiais, a UE tem hoje os países “mais generosos no grupo de países desenvolvidos” e que, por isso, deve, por um lado, “estar orgulhosa” e, por outro, “saber avançar”.

Para Macron, a fórmula deve ser: doar doses, não bloquear os compostos da vacinas e, por fim, haver uma transferência de tecnologia que ajude a aumentar a produção, para que chegue aos países menos desenvolvidos.

Angela Merkel, que participará no jantar por videoconferência, já se manifestou contra o levantamento das patentes, alegando que “o que tem limitado o fabrico de vacinas são as capacidades físicas de produção, não as patentes”. A chanceler alemã diz que “a proteção à propriedade intelectual é a fonte de inovação e deve continuar a sê-lo no futuro”.

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A opinião parece secundada pelo governo português. Augusto Santos Silva, em entrevista ao Observador, disse que “o problema não é nas patentes, é na falta de capacidade produtiva a nível mundial”. “Quem tem a capacidade de produzir — e a Europa tem — deve colocá-la à disposição de todos”. Santos Silva lembrou que a UE produziu “500 milhões de doses”, das quais “200 milhões foram exportadas e 300 milhões foram para o mercado interno”. Já quanto às produzidas nos EUA, lembra o governante português, a exportação foi zero.

A posição do Governo português é a de seguir a decisão comum de Bruxelas, que tem sempre como motor principal o eixo franco-alemão. E Emmanuel Macron vem explicar que não está em dessintonia com a Angela Merkel: “Estamos trabalhar de mãos dadas com a chanceler alemã e com a Comissão Europeia”.

E afinal o que pensa a Comissão? Está, de facto, alinhada com Macron e Merkel. Na conferência final da Cimeira Social, Ursula Von der Leyen disse que é preciso Bruxelas estar “aberta a esse debate”, mas disse que é preciso também “uma visão de 360 graus”, já que “são precisas as vacinas já” e “para todo o mundo”. A melhor fórmula, defende, é a “partilha de vacinas, exportação de vacinas e mais investimento”. Lembrando que a Europa exporta uma boa parte das vacinas que produz, Von der Leyen envia um recado a Joe Biden: “Os que se comprometem com esse debate [do levantamento das patentes vacinas], também têm de se comprometer como todos nós com o resto [partilha e exportação de vacinas]”.

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