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Joana Araújo, formadora no serviço educativo da Casa da Música, no Porto, na "sala de aulas" do Village Underground
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Joana Araújo, formadora no serviço educativo da Casa da Música, no Porto, na "sala de aulas" do Village Underground

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Joana Araújo, formadora no serviço educativo da Casa da Música, no Porto, na "sala de aulas" do Village Underground

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Cinco dias fora dos bairros para aprender a dar um concerto

Vivem na Buraca, na Cova da Moura, no Zambujal, no Bairro da Serafina. Com o projeto Acorde Maior, passaram as férias da Páscoa a aprender música no Village Underground. Há concerto esta sexta às 17h.

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João tem 9 anos e mora na Amadora. O que mais gosta de fazer é jogar futebol. Mayra tem 23, é angolana e vive no bairro de Campolide. Adora música, sobretudo hip hop português. Mingo é o mais velho. Tem 23 anos, é cabo-verdiano, mora na Buraca (Amadora) e diz que há poucas coisas que o deixem tão feliz quanto estar com crianças (fica “um pouco mais animado e mais aliviado com algumas coisas”). Os três fazem parte de um grupo de 26 jovens, a maioria dos quais carenciados, que nos últimos dias passaram umas férias da Páscoa diferentes no Village Underground, em Alcântara, Lisboa. E o resultado pode ser visto e ouvido esta sexta feira no VU às 17h.

O que os juntou ali foi o Acorde Maior, um novo projeto de solidariedade social que coloca estes jovens a aprender música, tocando instrumentos musicais e colaborando uns com os outros, com a orientação de três professores e formadores portugueses (Duarte Cardoso, Joana Araújo e Teresa Campos) habituados a desenvolver projetos educativos através da música. “Estão aqui jovens que nunca teriam a oportunidade de conhecer o Village Underground nesta dimensão de estarem aqui livremente, passarem aqui uma semana inteira a aprender com estes professores incríveis”, explica Mariana Duarte Silva, fundadora e gestora do espaço. “Às vezes sou capaz de estar cinco ou seis meses à procura de um patrocinador ou de um apoio para fazer um evento e acabo por receber uma resposta negativa muito em cima. Desta vez foi o contrário.”

Esta é a primeira vez que o espaço de coworking destinado a agentes das indústrias criativas — que está prestes a celebrar o quarto aniversário — acolhe um projeto de ação social para crianças e jovens. “Sempre tivemos a vontade de trabalhar mais com a comunidade aqui de Alcântara e também com outros bairros perto de nós. O Village Underground londrino já fazia isto, também. Conhecemos o José Crespo, que trabalha no Barbican Center em Londres, onde faz projetos destes. Está a tirar uma sabática em Portugal e queria fazer projetos com o Village Underground daqui”, conta Mariana Duarte Silva.

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Numa conversa informal entre José e Mariana surgiu a ideia: “Porque não juntar esta minha vontade de fazer projetos com miúdos e com música com a experiência que ele tem? Juntámos as duas coisas e só faltava um apoio financeiro. Felizmente conseguimos e assim nasceu a primeira edição do Acorde Maior. Quando há um projeto com objetivos muito definidos e com participantes já com experiência comprovada, é mais fácil convencer uma marca a apoiar. E depois, como é óbvio, o conteúdo do projeto em si é só por ele nobre”, diz a responsável.

“Queremos abrir-lhes os olhos e os ouvidos”

“Entrevistámos um entrevistador”, ri-se o grupo de Mingo Furtado com entusiasmo. No segundo dia do projeto — terça-feira, 3 de abril –, uma das tarefas que Duarte Cardoso, Joana Araújo e Teresa Campos deram aos jovens que o Acorde Maior levou ao Village Underground foi passearem pelo espaço (situado no antigo museu da Carris) em grupos e recolherem imagens, sons, textos e conversas que encontrem e tenham pelo caminho. Os próprios repórteres presentes não escapam a uma entrevista — daí a primeira frase.

Os alunos do Acorde Maior ensaiam canto e rimas ao som do piano do professor Duarte Cardoso © João Porfírio/Observador

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“Nestes primeiros dois dias estamos a testar muita coisa. A algumas eles reagiram melhor, a outras pior”, conta Joana Araújo. O objetivo é que “eles sintam que fizeram parte de uma coisa que é muito maior do que eles” (diz Duarte Cardoso), que “sintam que o que construíram nesta semana veio deles, diz-lhes alguma coisa” (refere Joana ) e que os formadores lhes consigam “estimular a criatividade para serem pessoas atentas e despertas, curiosas, que são capazes de olhar para uma pedra e ver a forma, a cor, a textura, o som. Abrir-lhes os olhos e os ouvidos e misturá-los, porque queremos que eles se conheçam uns aos outros” (diz Teresa Campos).

A abordagem que os três professores — que já se conhecem bem, já trabalharam juntos (os três fizeram aliás um mestrado em projetos educativos em Londres) e até gostavam de trabalhar mais — seguem tem muito a ver com a estimulação da criação individual. “Muito deste processo depende do que os miúdos trazem, daquilo com que eles se identificam, de coisas que nos rodeiam”, refere Teresa Campos. “Tem a ver com a abordagem do [compositor canadiano e especialista em educação musical] Murray Schafer, de trabalharmos a paisagem sonora, de termos uma abordagem pelos sentidos, de trabalharmos a audição. E para nós também é muito importante a psicogeografia, isto é, deixar que o ambiente influencie a arte que nós estamos a criar”, acrescenta Duarte Cardoso. Daí a recolha de matéria-prima (sonora, visual, textual) ao ar livre.

“Encontrei pessoas angolanas, pessoal que dança…”

Outra das tarefas que os 26 jovens tiveram de cumprir foi selecionarem (cada um deles) um excerto de cinco segundos de uma música de que gostassem. Houve quem escolhesse temas de Ana Moura, D.A.M.A. e Anjos e houve quem escolhesse canções de rap (por exemplo, de Rafa G, que faz rap crioulo).

Mayra é uma das várias jovens que gosta de hip hop. Tem 20 anos, veio de Angola para Portugal com três anos e trabalha com música numa associação do seu bairro. Quando o Observador a encontrou, estava a gostar da ideia de poder recolher sons e manipulá-los depois numa máquina chamada loopstation. “A Teresa [Teresa Campos, professora] estava a usar isso e dá muito jeito para concertos, perguntei-lhe logo o nome quando ela estava a usá-lo, é mesmo interessante”, diz a fã de Slow J, Valete, NBC, Mundo Segundo e Sam the Kid, também satisfeita por ter encontrado “pessoas angolanas, pessoal que dança…”.

Teresa Campos é compositora, licenciada em educação e tirou mestrado em música - leadership. © João Porfírio/Observador

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Enquanto João, com nove anos e a camisola do Benfica vestida, vai correndo com uma bola de futebol debaixo do braço, enquanto outros miúdos dançam e sobem e descem o skate park do Village Underground no intervalo das aulas-ensaios, Mingo, o mais velho dos membros do grupo, vai contando a sua história.

“Se eu não estivesse aqui, estaria na Academia do Johnson, onde acompanho miúdos e sou treinador. Estaria lá, a ajudar, porque temos muitos miúdos lá, uns 70”, diz ele. E acrescenta: “Gosto de estar com eles a apoiar e a ensinar um pouco daquilo que eu sei e daquilo que já passei. São lições de vida, que lhes conto para eles mais à frente não passarem ou não cometerem tantos erros como os que eu cometi. Ou, talvez, como eu vi os mais velhos cometerem.”

A academia do Johnson, que trabalha com jovens carenciados em vários bairros de Lisboa (da Cova da Moura e Boavista à Buraca, onde Mingo mora), pode estar a sentir a sua falta mas Mingo está contente com as experiências que tem tido nestas férias. “Está a ser engraçado, estamos a aprender coisas novas”, diz, acrescentando: “Quando vim para aqui, pensei que ia encontrar pessoas mais velhas mas também gosto de estar com crianças. Chego aqui e encontro um monte de crianças, é a minha área, é a área que eu gosto. Estando ao pé deles sinto-me um pouco mais animado também com algumas coisas…”

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“Há aqui miúdos que dançam, há rappers, há beatboxers”

“Eles se calhar nunca vinham cá se não fosse esta semana”, desabafa Mariana Duarte Silva, enquanto vê os alunos brincarem nos seus 15 minutos de intervalo. “A única exigência, vá, que nós fizemos foi que viessem jovens da junta de freguesia de Alcântara, que vivessem aqui no nosso bairro. Acabaram por vir também jovens do projeto Aldeias de Crianças SOS.”

Os restantes alunos foram escolhidos a partir dos contactos pessoais de Mariana Duarte Silva com instituições. “Trouxe crianças do bairro do Zambujal e da Cova da Moura, onde há uma instituição chamada Ajuda-me a Ajudar que faz projetos maravilhosos. Também vieram cinco jovens do programa Escolhas, de uma instituição chamada Soma e Segue que fica aqui no bairro da Serafina e que combate o abandono escolar e convidei cinco filhos de funcionários da Carris, porque faz todo o sentido — estou aqui nas instalações da Carris, são miúdos que até já têm alguma experiência musical e fazia todo o sentido estarem neste grupo”.

Teresa Campos, uma das professoras, explica que conhecer os alunos foi um dos passos fundamentais para perceber o que de melhor podiam preparar para a apresentação pública que os alunos vão fazer na sexta-feira, às 17 horas: “Há aqui miúdos que dançam, há rappers, há beatboxers. No fundo queríamos aproveitar o que cada um tivesse — mas claro que precisamos de ter truques na manga para o caso de eles não se sentirem confortáveis a partilhar coisas com os outros”.

Misturar é preciso

Um dos desafios foi misturar jovens vindos de bairros diferentes, pô-los em contacto uns aos outros. “A maior preocupação de início, acho que é a de qualquer formador, é que o jovem se sinta integrado no grupo — não só no grupo com que veio, mas no grupo inteiro. Manter a motivação deles é um desafio, temos de nos adaptar a eles em vez de acontecer o contrário. Quando lhes começamos a dizer que vamos formar grupos e que não vão ficar com o amigo que já conhecem… nem sempre corre como nós planeamos, mas a experiência diz-nos que normalmente vai correr bem, porque eles são obrigados a falar uns com os outros, exploram o espaço e ganham com isso. Estamos sempre a tentar criar estratégias que os obriguem a misturar-se, hoje foi o segundo almoço e já vimos algumas dinâmicas novas.”

Eis as letras que os alunos foram convidados a escrever no segundo dia do projeto Acorde Maior. © João Porfírio/Observador

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As características do espaço também moldam a forma dos professores trabalharem — e dos alunos aprenderem. O grande espaço ao ar livre existente entre o Village Underground e os portões de entrada do Museu da Carris (do qual os alunos estavam proibidos de transpor) potenciou as dinâmicas, por ser “suficientemente seguro e suficientemente ao ar livre”. Acrescenta Joana Araújo: “Quando chegámos cá foi evidente que tínhamos de fazer este tipo de trabalho [no exterior]. E quando vimos que o que eles traziam era eles mesmos só três é que tocam instrumentos, alguns têm aulas de dança mas não têm experiência musical  mais natural nos pareceu que eles recorressem ao que tinham: os olhos, os ouvidos… estamos numa parte engraçada do processo em que eles ainda não percebem bem no que vai resultar esta recolha, estes primeiros dias”.

A seguir aos primeiros dias (onde os jovens foram ainda instados a criar uma letra e a cantar e rimar), conta Teresa Campos, virá “uma fase mais de montagem”, em que formandos e formadores vão percebendo juntos “se há materiais que nós criámos separadamente que se podem juntar, em que vamos decidir um bocado a forma [da apresentação]. Mas em cinco dias… só no último, mesmo no fim, é que há realmente uma imagem definitiva do que vai sair [na apresentação]. E quando eles apresentam estão com aquele nervoso miudinho.” Há também uma conversa com Pedro Coquenão (do projeto Batida), artista residente do Village Underground que vai trocar impressões e experiências com os alunos — e contar como é ser um músico adulto. Os mais novos, esses querem quase todos ser coisas diferentes. José, Joana, Duarte, Teresa e Mariana, só querem que esta semana não lhes saia da memória.

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