Havia PS marcado para um topo, o da Praça da Batalha, e a partir das 19h, a marcha pelo clima no outro topo. Quem estava por Santa Catarina, no Porto, foi atropelado nos dois sentidos e o ambiente foi louco. Não se cruzaram, mas António Costa não deixou de se aliar à causa. “Isso é que está na ordem do dia”. Até porque o outro tema da tal “ordem do dia” traz dióxido de carbono a mais à sua candidatura — Tancos — e o socialista anseia que possa desaparecer rapidamente do foco. Tal como desapareceu da arruada o elemento que podia tornar Tancos (ainda mais) incontornável numa tarde que Costa queria que fosse de glória na terra de Rui Rio, a quem convidou para “regressar à campanha eleitoral”.
Tiago Barbosa Ribeiro, o deputado pelo Porto e recandidato ao cargo, foi apanhado pela investigação ao caso Tancos numa troca de SMS com Azeredo Lopes e essa prova tornou-se central na acusação. Mas não esteve na arruada com o líder socialista, foi escalado para representar o PS-Porto na marcha pelo clima, onde acabou por estar com a líder da JS e também um dos diretores da campanha de António Costa, Duarte Cordeiro. Aliás, o próprio deputado fez questão de o mostrar no Twiter:
Fintou-se o tema, ainda que na comitiva socialista se garanta que “aquele SMS não é confissão de crime, para se andar aí a dizer que o Tiago tinha de o denunciar”, argumenta fonte do partido ao Observador. O candidato pelo Porto ficou de fora da arruada socialista e quem desfilou (ou foi esmagado) com António Costa em Santa Catarina foi o cabeça de lista, Alexandre Quintanilha, o ministro do Ambiente (que seria alvo da manifestação que vinha do outro lado, mas com a qual o PS já não se cruzou), Matos Fernandes, Manuel Pizarro, José Luís Carneiro e também o presidente do partido Carlos César. Veio direto dos Açores e Rosa Mota — habituée nas passagens do PS pelo Porto — metia-se com ele mesmo antes da arruada começar: “Então, gosta da minha terra?”
A campeã olímpica e mundial na maratona não falha as ações de campanha do PS que passam na cidade e a organização só deu ordem para o carro de Costa se aproximar da Praça da Batalha quando a atleta chegou ao local. A primeira iniciativa do dia do candidato era esta arruada e estava prevista para as 17 horas, começou com uma hora de atraso, tempo suficiente para a praça se compor para a descida, no caso, compôs-se muito além da conta. Era quase impossível ver o candidato no meio da turba de repórteres de imagem. Até ao cruzamento com a Passos Manuel foi quase de pés no ar que se fez esta descida tradicional das campanhas, com muita gente a tentar furar a bolha para chegar ao candidato — que também foi tentando fazer o mesmo.
“Matéria perigosa do lado esquerdo”: Pardal Henriques
Aí apareceu um cordão de camisolas amarelas. Eram os jotas que vinham dar um apoio à arruada? Sim, mas para evitar um encontro desagradável. “Matéria perigosa do lado esquerdo”, gritava-lhes um elemento da organização. Era Pardal Henriques, o advogado que liderou as greves dos motoristas de matérias perigosas.
Estava encostado a um poste, a acompanhar um pequeno grupo de manifestantes frequentes dos lesados do BES. Gritaram “gatuno”, “mentiroso”, a Costa quando a caravana socialista passou. Pardal Henriques explicou aos jornalistas que foram os lesados que foram falar com ele “para defender também a causa deles. Eu sou solidário com todas as causas”, rematou. E por ali ficou, sem se mexer ou acompanhar os gritos daqueles que apoiava. No meio do caos, Costa nem deu por isso.
“Caramba, nem no Chiado!”, exclamava-se na comitiva. E Manuel Pizarro, um dos principais entusiastas no grito “PS”, ia preocupado: “É preciso ter calma, pá! Ainda se magoa alguém”. Entre os que conseguiram chegar a Costa estava um senhor que lhe gritou ao ouvido: “Vamos ganhar ao Rio?”. Foi seu autarca, não tinha o seu voto? “Não gostava dele. Não gosto nada de laranja. Nasci socialista”, respondeu de seguida ao Observador.
Tancos: “Agora já conhecemos a acusação, é tempo de ouvir a defesa”
Na terra do principal adversário nesta campanha — e aquele com quem no dia anterior se tinha confrontado por causa do caso Tancos — o socialista teve ali uma demonstração de força. Mas recusou confrontá-lo nisto. “O Porto foi sempre muito generoso comigo. A melhor resposta é o que as pessoas querem, que é que os políticos se concentrem nas coisas que querem e deixarem a quem de direito o que só os tribunais podem julgar”, respondeu quando questionado sobre se esta era uma boa resposta a Rio que o atacara na noite anterior.
Sobre o assunto Tancos, em declarações aos jornalistas — e entre tentativas sucessivas de selfie e apertões que não pararam nem nesta altura — o secretário-geral do PS garantiu já ter “respondido a todas as perguntas” na comissão parlamentar de inquérito sobre o caso “há muitos meses”. “Agora já conhecemos a acusação, é tempo de ouvir a defesa”, disse sem responder diretamente à questão se continuava a acreditar na inocência do seu ministro.
Por isso, o socialista dá um chega para lá no tema pelo qual o PS não morre, compreensivelmente, de amores dado o potencial de estrago que tem. “É o tempo da justiça” e “na vida de jurista”, o líder do PS sublinha, ironicamente, que não optou pela “magistratura”, pelo que não lhe “compete fazer julgamentos”. Costa garante que sabe “o que os portugueses querem” e não é ouvir falar de Tancos, mas sim saber “como vamos manter o ritmo de crescimento económico, continuar a criar empregos, melhorar salários, pensões e condições de vida”.
E aproveitou a deixa para fazer um convite ao adversário: “Convido o Dr Rui Rio a voltar à campanha eleitoral, respondendo aos portugueses o que é que ele pretende fazer nos próximos quatro anos.”
No fim da arruada subiu a um pequeno palanque, gritou Porto e quem ali estava respondeu: “O Porto vai votar e o PS vai ganhar” — nada que Costa não tivesse já ouvido em 2015, sem grande sucesso. As filas para uma selfie com o primeiro-ministro seguiram-no até subir ao palco e, depois, até entrar no carro e rumar a Viana do Castelo para o comício da noite. Não sem antes ouvir uma senhora gritar-lhe: “Desta vez é que vai ser, senhor Presidente! Senhor primeiro-ministro… ahahah… enganei-me. Isto é que vai ser uma vitoria, caraças. É que nem quero ver, a Cristas não vai aparecer durante uns anos!”.