As conversas nos corredores da esquerda prosseguem, embora a passo lento. E se em Lisboa a ideia de uma coligação que junte pelo menos PS, Bloco de Esquerda e Livre com o objetivo de derrotar Carlos Moedas parece estar mais bem encaminhada, os partidos à esquerda do PS querem replicar o mesmo modelo no Porto — mas contam com resistências maiores do lado socialista, que empurra conversas concretas sobre o assunto para depois do verão, enquanto vão surgindo reservas no que toca a possíveis candidatos.
Para já, as conversas sobre uma eventual coligação no Porto acontecem sobretudo a nível local, não tendo sido abordadas pelos líderes dos partidos na ronda de conversas à esquerda que o Bloco de Esquerda promoveu em março (estão a decorrer agora as reuniões pedidas pelo Livre, já com o objetivo de construir coligações autárquicas na mira, mas ainda falta agendar o encontro com o PS). E, se do lado mais à esquerda são vistas várias vantagens numa frente eleitoral para retirar “executivos de direita do poder” — neste caso, aproveitando o fim de ciclo de Rui Moreira –, da parte do PS a porta fica aberta, mas ainda há dúvidas sobre os benefícios que o acordo traria.
As explicações aparecem em várias frentes. Por um lado, o PS acabou de eleger as novas direções das suas concelhias e ainda vai fazer o mesmo com as federações distritais, em setembro, pelo que está “a arrumar a casa”, como explica fonte socialista: “Vamos empurrar mais para a frente, até setembro é difícil estabilizar uma orientação”.
Por outro lado, e numa altura em que não se fecham portas a possíveis entendimentos, no PS frisa-se que as realidades de Lisboa e Porto são diferentes, na medida em que a força da esquerda à esquerda do PS é menor na cidade governada por Rui Moreira e o seu movimento. “A força deles é muito mais reduzida no Porto, em Lisboa estão mais consolidados”, nota fonte socialista, registando que é preciso analisar dados concretos e perceber se o ganho aritmético conseguido com uma soma de forças à esquerda compensaria face a possíveis cedências que o PS tivesse de fazer na escolha do seu candidato ou candidata, para agradar aos eventuais parceiros.
Além disso, é notado que o PCP já se “colocou de fora” de conversas a este nível, o que “não é despiciendo” nestas contas, uma vez que “historicamente” o partido tem mais votação do que os vizinhos no Porto. “Tem de se estudar”, remata fonte socialista, garantindo que a opção não está excluída mas que é preciso ter em conta que os “ganhos relativos” seriam, por comparação com um acordo em Lisboa, menores.
A outra complicação surge quando se fala em nomes. “Caberá sempre ao PS decidir o candidato”, dispara um dirigente socialista, para começo de conversa. Isto porque nos bastidores já vão surgindo nomes e preferências que Bloco de Esquerda e Livre apontariam em cenários de coligação — e figuras do PS que poderiam inviabilizar que avançassem com uma frente eleitoral.
Pizarro é o nome mais falado, mas esquerda tem dúvidas
Por esta altura, nos corredores do PS o nome mais falado para a corrida ao Porto continua a ser Manuel Pizarro, que foi candidato em 2013 e 2017 mas perdeu contra Rui Moreira — com quem chegou a estar pensada uma coligação pré-eleitoral em 2017, acordo que Moreira acabou por romper. E é precisamente esse o historial que não agrada a parte da esquerda, que preferiria num nome que se posicionasse mais claramente do lado esquerdo do espectro político. “Não creio que o percurso recente de Pizarro o qualifique para ser intérprete desse projeto”, afirma um dirigente bloquista.
Também há, nos setores da esquerda mais favoráveis a um acordo, quem atire outras hipóteses: um dos nomes falados é o de Elisa Ferreira, que abandona agora o cargo de comissária europeia e foi, em 2009, candidata à Câmara Municipal do Porto (na altura, perdeu contra Rui Rio, com 35% dos votos). À esquerda há quem relembre o trabalho que a ex-ministra e ex-eurodeputada independente foi desempenhando com facilidade junto de eurodeputados do resto da esquerda, em Bruxelas, assim como a sua dedicação aos temas do “desenvolvimento local e regional”.
Ainda assim, admite-se que possa continuar a contar, no Porto, a crítica ao timing que foi feita, na altura, à sua candidatura ao mesmo tempo que era eurodeputada. No resto da esquerda, também se vai lançando a necessidade de pensar em nomes independentes, menos vinculados à política partidária, e que pudessem representar uma escolha “inovadora” e vinda da “sociedade civil” do Porto.
Existem, assim, várias opções teóricas em cima da mesa, numa altura em que as conversas ainda não estão “consolidadas” e em que cada partido faz as suas contas: o PS tenta perceber se os alinhamentos à esquerda compensam, em termos aritméticos e políticos; o Bloco de Esquerda incentiva a ideia das candidaturas conjuntas, embora torça o nariz a candidatos colados à governação anterior da cidade; e o Livre acredita que precisa de experiência municipal para crescer, imitando o crescimento, a partir da experiência local, de partidos irmãos nos Verdes europeus.
Bloco e Livre disponíveis, PCP nem por isso
No caso do Bloco de Esquerda, a ideia não é nova: o partido já tinha organizado, em março, uma ronda de conversas à esquerda e declarou a sua disponibilidade para debater coligações nas autárquicas após ter sofrido mais um rombo eleitoral nas europeias. Numa reunião da Mesa Nacional do partido, o Bloco marcou uma Conferência Nacional para o fim do ano e prometeu até lá “debater a sua intervenção nas eleições autárquicas, incluindo a sua política de alianças”, concretizando: “Debaterá também as convergências e alianças à esquerda necessárias para substituir executivos de direita”.
Um dos exemplos dados foi, desde logo, o de Lisboa, onde pelo menos desde o verão do ano passado já iam decorrendo conversas de bastidores sobre uma “megacoligação” que era apoiada por Marta Temido, na altura presidente da concelhia lisboeta, como contava aqui o Observador. A convicção era, já na altura, que Carlos Moedas seria um candidato difícil de derrotar e que talvez a sua vitória pudesse ter sido evitada se a esquerda se tivesse juntado logo à partida.
Marta Temido vê com bons olhos megacoligação para enfrentar Moedas. Esquerda dividida
Também o Livre se mostrou disponível para chegar a acordos neste plano, versão 2025, depois de nas últimas autárquicas se ter coligado com Fernando Medina. Se no seu congresso pré-europeias o partido já tinha deixado clara a necessidade de se preparar para as autárquicas e para uma fase de maior implementação no território nacional, no mesmo dia da reunião do órgão bloquista anunciou que convidara o resto dos partidos “progressistas” para uma ronda de reuniões sobre convergências, incluindo nas autárquicas.
Entretanto, o Livre já se reuniu com Bloco de Esquerda e PAN, tendo reunião com o PCP marcada para dia 15 de julho — o PS também aceitou o convite, mas o encontro continua por marcar, por “questões de agenda”. Ao Observador, um dirigente socialista dizia que o PS tomaria a iniciativa quando quisesse iniciar diálogos sobre convergências à esquerda.
Quem se afastou deste cenário foi o PCP, com o secretário-geral do partido, Paulo Raimundo, a reagir rejeitando alianças com os socialistas: “É criar uma ideia que não tem nenhuma concretização e, até digo mais, não terá nenhuma concretização, não terá nenhuma possibilidade”, atirou, defendendo que “não precisamos de criar, nem de entregar autarquias ao PS”, cujo projeto autárquico será “incompatível” com o do PCP e do parceiro PEV.
No jornal Avante desta semana, o dirigente João Ferreira explorava o assunto, numa crónica intitulada “Alguns apontamentos sobre convergência e unidade”, recusando “diluir” o partido: “O PCP é elemento dinamizador e agregador da convergência e da unidade efectivamente necessárias e não elemento diluível em falsas alternativas, que alimentam falsas expectativas e branqueiam responsabilidades políticas pelo estado actual do país”. Os comunistas parecem não ter vontade de repetir o cenário que já os juntou aos socialistas na autarquia de Lisboa, então liderados por Jorge Sampaio. Os tempos são outros.