A Ucrânia fez bandeira de uma ofensiva musculada no sul do país para, afinal, conseguir vencer os militares russos em Kharkiv. A contraofensiva silenciosa resultou de uma estratégia ucraniana, ao difundir informações falsas ao longo de vários dias — e que foram mesmo difundidas pelos órgãos de comunicação social em todo o mundo — enquanto orquestrava um plano e o punha em prática para surpreender os militares russos no ponto oposto da região. A informação é avançada pelo The Guardian que cita fontes das forças especiais da Ucrânia. Com a surpresa, as forças ucranianas conseguiram recuperar mais de um terço da região ocupada em Kharkiv em apenas três dias.
O próprio ministério da Defesa russo já confirmou que saiu de algumas zonas de Kharkiv, embora alegue que se trata apenas de um “reagrupar” dos militares russos. Poderá este golpe estratégico da Ucrânia ser uma peça chave para o fim da invasão russa?
Russos admitem saída de cidade-bastião no nordeste da Ucrânia, mas dizem que é “reagrupar” de forças
Zelensky alertou, este sábado no Fórum Internacional anual Yalta European Strategy, que o “inverno pode tornar-se um ponto de viragem e levar à rápida desocupação dos territórios ucranianos”, mas que para isso “precisa de armas mais poderosas”.
E como é que nos últimos dias os militares ucranianos conseguiram recuperar território tão rapidamente? Ao The Guardian, o ex-assessor de segurança nacional (que agora é assessor de imprensa de uma das brigadas das forças especiais ucranianas), Taras Berezovets diz que tudo começou com “uma grande operação especial de desinformação”.
“[A Rússia] pensou que seria a sul e movimentou os equipamentos. Então, em vez de ser a sul, a ofensiva aconteceu onde menos esperavam. Entraram em pânico e fugiram”, explica o especialista.
A bem sucedida campanha de desinformação, que se espalhou pelos meios de comunicação social de todo o mundo, terá começado a 29 de agosto. No dia seguinte, dia 30, o Observador citava a CNN que dava conta de uma fonte militar ucraniana que garantia que quatro aldeias perto de Kherson teriam sido tomadas: Pravdyne, Novodmytrivka, Tomyna Balka e Arkhanhelske. Havia, conforme reportava o Observador, “silêncio” em torno da contraofensiva, mas afinal o anúncio da conquista dessas quatro localidades mais não era do que uma peça no puzzle estratégico para enganar os militares russos.
A conquista dessas localidades não era sinónimo de um grande avanço, conforme foi badalada internacionalmente, fez parte apenas do plano, para que parecesse efetivamente que os militares ucranianos estavam a conseguir grandes avanços.
A porta-voz do comando militar ucraniano no sul do país, Natalia Humeniuk, remeteu-se ao silêncio e impediu os jornalistas durante algum tempo de se deslocarem às linhas da frente em Kherson. Assim, os ucranianos conseguiram iludir toda a gente criando a ideia de que estavam a avançar de forma musculada a sul. Se o invasor do Kremlin queria segurar o território já invadido tinha que reforçar posições. Ora, para reforçar de um lado… facilitou do outro, — onde os ucranianos tinham, de facto, preparado os homens para avançar.
Enquanto os militares de Putin reforçavam os meios em Kherson, os ucranianos “recebiam as melhores armas ocidentais em Kharkiv”, explica o especialista Taras Berezovets.
Armas enviadas pelos norte-americanos terão sido essenciais na contraofensiva
As armas enviadas pelos norte-americanos terão sido essenciais na contraofensiva em Kharkiv que resultou na recuperação de um terço do território aos russos. “[Os informadores] foram completamente enganados. Eram principalmente civis ucranianos, mas havia agentes russos disfarçados. Os russos não faziam ideia do que estava a acontecer”, explica Berezovets.
A recuperação do território de Izium pode ser encarada como um dos principais e mais importantes sucessos dos militares ucranianos na saga de reconquista do território às tropas do Kremlin. Segundo Serhiy Kuzan, especialista militar do Centro de Segurança e Cooperação da Ucrânia, também ouvido pelo The Guardian, se a Izium os ucranianos conseguirem somar Kupiansk isso poderá significar o corte das linhas de “abastecimento aos militares russos que controlam a área”.
O ministério da Defesa britânico estima que as forças de Kyiv tenham avançado um total de 50 quilómetros na linha da frente, retomando ou cercando várias cidades até aqui sob controlo russo.
“A frente defensiva russa está sob pressão a norte e a sul”, diz o especialista Serhiy Kuzan que diz que a contraofensiva foi realizada “à velocidade da luz”.
“Na verdade estamos surpreendidos com o quão mal os russos recuaram. Retirar faz parte da arte da guerra. Quando recuamos garantimos que eles sofriam perdas à medida que avançavam e fizemo-lo para garantir que avançavam apenas 1, 2 ou 3 quilómetros”, diz acrescentando que “estavam tão confiantes que não prepararam as defesas.”
“Isto mostrou que a única vantagem que têm está no número de peças da artilharia e equipamento pesado. Logo, tudo o que precisamos é a mesma quantidade de armamento”, diz o especialista. Nas localidades que vão sendo recuperadas pelos ucranianos, os russos deixam ficar material para trás e as iniciais que identificam os russos são substituídas por abreviaturas ucranianas, sinal da atual presença de forças de Kyiv e da retirada dos russos.
Zelensky diz que já foram libertados “dois mil quilómetros desde início de setembro” e pede mais armas
Em consonância, depois de já ter sido tornado público o golpe de contrainformação levado a cabo por Kyiv e, em resultado, os avanços dos militares ucranianos, Zelensky voltou a apelar ao reforço do armamento ao longo dos próximos meses.
Na sessão anual do Fórum Internacional no Yalta European Strategy, Zelensky fez questão de frisar que a recuperação de um terço do território de Kharkiv só foi possível graças ao armamento americano recebido para defender o país dos russos.
Garantindo que o único objetivo do avanço dos militares ucranianos é a recuperação de território ucraniano ocupado pelos russos, Zelensky diz que os militares “estão sempre prontos para defender a terra”.
O presidente ucraniano diz que a 24 de fevereiro começou “uma espécie de contraofensiva ucraniana” com a “união de toda a sociedade na luta contra o inimigo”. Zelensky diz que o “contra-ataque” é “defender a Ucrânia e sobreviver”.
“Todos acreditamos na vitória mais que eles [russos] e isso é o mais importante. A nossa principal arma é acreditar, saber, sentir a vitória”, disse Zelensky no Fórum.
“Desde início de setembro cerca de 2 mil quilómetros da Ucrânia já foram libertados”, garantiu Zelensky que assegurou: “Toda a Donetsk será livre”
Também este domingo, no seu habitual discurso em vídeo, Zelensky reclamou “dois mil quilómetros de território recuperados” desde o início deste mês. No comunicado, Zelensky deu os parabéns “às duas belas e fortes cidades pelo dia”, referindo-se a Lyman e Dnipro, que os russos já reconheceram terem voltado às mãos dos ucranianos, alegando contudo tratar-se de um “reagrupamento” dos militares russos.
“Lyman, na região de Donetsk, ainda espera a nossa bandeira, mas é inevitável, a Ucrânia regressa sempre“, disse Zelensky que garantiu que “toda a Donetsk ficará livre, segura e feliz novamente”.
“Haverá paz. A paz caminha com a bandeira ucraniana, com os nossos militares”, afirmou Zelensky, que aproveitou também a declaração para agradecer diretamente aos moradores de Dnipro. “A vossa cidade fez tanto pela defesa ucraniana desde 2014 e, agora, desde 24 de fevereiro que a história da nossa vitória é também a história de Dnipro”, disse o presidente ucraniano acrescentando ainda que “foram salvas milhares de vidas de soldados ucranianos”.
“O movimento dos nossos soldados em diferentes direções na frente de combate vai continuar. Desde início de setembro cerca de 2 mil quilómetros do nosso território já foram libertados“, garantiu Zelensky que ironizou ainda com aquilo que é o melhor do exército russo e que agora é visível: “As costas”.