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Assunção Cristas era a ministra com a pasta do arrendamento quando o regime foi alterado em 2012.
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Assunção Cristas era a ministra com a pasta do arrendamento quando o regime foi alterado em 2012.

RICARDO GRACA/LUSA

Assunção Cristas era a ministra com a pasta do arrendamento quando o regime foi alterado em 2012.

RICARDO GRACA/LUSA

Como Cavaco, Costa e Cristas foram moldando a lei das rendas até se chegar ao Mais Habitação

Lei Cristas. Assim ficou conhecida a mudança no arrendamento feita em 2012. Uma lei que volta agora a ser notícia. Mas vem de trás a tentativa de terminar com contratos antigos. Sem sucesso.

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“Leis perfeitas não existem. No contexto, acho que a lei ficou muito equilibrada e protegeu situações de maior fragilidade económica e social, nomeadamente o caso dos idosos, que ficaram protegidos”. Assunção Cristas era, em 2018, presidente do CDS e ainda respondia pela lei que acabou conhecida pelo seu apelido — lei Cristas — da qual tinha sido a autora enquanto ministra do Ambiente e Ordenamento do Território no governo de Pedro Passos Coelho. E é essa lei que continua a ser atacada pela esquerda e que trouxe para o debate eleitoral o caso da avó de Mariana Mortágua.

Num primeiro momento, no debate com Luís Montenegro, a coordenadora do Bloco de Esquerda atacou o governo anterior do PSD para culpar a lei Cristas, que apelidou de lei dos despejos (como aliás tinha sido catalogada quando foi anunciada em 2012), dizendo que atuou sobre a oferta de habitação aumentando o número de casas disponíveis e “fê-lo como? Expulsando os idosos. Eu lembro-me de uma lei das rendas em que os idosos recebiam uma carta e, se não respondessem durante 30 dias, a renda aumentava para qualquer valor e podiam ser expulsos. Eu vi idosos a serem expulsos. Eu conheço idosos, eu conheço o pânico que era receber uma carta do senhorio, eu vi o sobressalto da minha avó ao receber cartas do senhorio porque não sabia o que lhe ia acontecer”. Uns dias mais tarde, em debate com André Ventura, a coordenadora do Bloco especificou que a avó “tinha 80 anos quando ficou a saber que aos 85 a renda podia saltar”.

E foi com estas afirmações de Mariana Mortágua que o tema sobre a lei Cristas voltou. É um dos marcos na lei sobre o arrendamento em Portugal, tendo muito dos seus preceitos sido revogado ao longo dos Governos socialistas, primeiro com a geringonça, e agora, mais recentemente, com o Mais Habitação. Os contratos anteriores a 1990 eram invioláveis e voltam a ser. Mas a proteção aos idosos foi sendo sempre, legalmente, garantida. Por Cavaco Silva, António Costa, Assunção Cristas, os 3C’s que ajudaram a moldar a lei do arrendamento até se chegar à versão mais recente que voltou a ter Costa, e a sua ministra da Habitação, Marina Gonçalves, como protagonistas.

Como a lei de Cavaco Silva, de 1990, cria o regime de arrendamento (RAU)

O regime do arrendamento urbano foi criado em 1990, num governo de Cavaco Silva, então primeiro-ministro. Uma lei que possibilitou, pela primeira vez no regime republicano, fazer contratos de arrendamento com um prazo estabelecido, no mínimo de cinco anos, que podiam ser denunciados pelo senhorio com um aviso prévio de um ano, e renovados  automaticamente por períodos mínimos de três anos.

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Em 1990 o Governo de Cavaco Silva publicava a nova lei assumindo, no seu preâmbulo, que, “ao procurar reunir num único diploma, elaborado em consonância com os ditames da ciência do direito, diversas soluções esparsas ao sabor de contingências ocorridas em décadas de evolução tumultuosa, o legislador deparou com lacunas, desarmonias, duplicações, contradições e mesmo inconstitucionalidades que antes tinham passado despercebidas ou apenas parcialmente haviam sido referenciadas. Há que corrigi-las”.

E assim nasceu o regime de arrendamento urbano (RAU) que permitiu a fixação de prazos para novos contratos de arrendamento com uma atualização anual das rendas consoante o coeficiente a fixar pelo Governo. “Os coeficientes aprovados podem ser iguais ou diferentes para cada tipo de arrendamento ou regime de renda, devendo ser fixados entre três quartos e a totalidade da variação do índice de preços no consumidor, sem habitação, e correspondente aos últimos 12 meses para os quais existam valores disponíveis à data de 31 de Agosto, determinados pelo Instituto Nacional de Estatística”, lê-se na lei de 1990.

Ou seja, esta foi a primeira liberalização do mercado de arrendamento. Até então os contratos eram vinculísticos, o mesmo é dizer que só o inquilino poderia decidir pela cessação do contrato de arrendamento, o que o tornava um contrato ilimitado no tempo. Em 1990, recorda João Fitas, associado principal no departamento de corporate imobiliário e turismo da sociedade de advogados Morais Leitão, “tentou criar-se um regime de contratos com prazo certo, de duração limitada”, mas, recorda, “nem todos os que foram celebrados desde 1990, e até 2006, eram celebrados de acordo com os requisitos previstos na lei para serem de duração limitada e, por isso, até existem alguns contratos depois de 1990 que adotaram o modelo vinculístico”. Os anteriores a 1990, mesmo com a publicação do RAU, mantiveram-se renováveis automaticamente sem possibilidade de o senhorio denunciá-los livremente.

O resultado desta lei de Cavaco Silva é que passou a haver, na prática, dois regimes. O dos contratos posteriores a 1990 e os anteriores a 1990, cujas rendas ficaram congeladas e os contratos permaneceram vitalícios. E assim continuaram com a lei de 2006 que alterou o RAU, criando o NRAU — o novo regime de arrendamento urbano.

Cavaco Silva era primeiro-ministro quando o regime de arrendamento urbano foi aprovado

ANTONIO COTRIM/LUSA

Quando António Costa defendia a sua lei das rendas e era acusado pelo Bloco de recorrer “a valores do salazarismo”

O debate no Parlamento em outubro de 2005 colocava António Costa, ministro da Administração Interna com a tutela do arrendamento, e Eduardo Cabrita, seu secretário de Estado, do primeiro Governo de José Sócrates, a defenderem a proposta para o novo regime de arrendamento urbano, que merecia críticas à direita e à esquerda. “Uma reforma indispensável, que se quer dinamizadora do mercado habitacional mas marcada por significativas preocupações sociais”, dizia Eduardo Cabrita, explicando que a proposta de lei assentava na “autonomia das partes e liberdade contratual nos novos arrendamentos; convergência gradual com os preços de mercado das rendas anteriores a 1990; prioridade à requalificação urbana; agilização dos mecanismos processuais para exercício de direitos por proprietários e por inquilinos; lançamento de um programa de ação legislativa no domínio da política de habitação a desenvolver ao longo da legislatura”.

“Os novos arrendamentos habitacionais ou comerciais devem ter por princípio básico a liberdade de contratar e a salvaguarda do direito à atempada revisão das condições contratuais. São igualmente reconhecidos os problemas específicos do arrendamento não habitacional, designadamente comercial, para restauração ou turismo, permitindo a repartição das obrigações relativas à manutenção do edificado. É igualmente adotada, como princípio geral, a flexibilidade nos prazos de celebração dos novos contratos”, continuava, explicando que se criava um regime de convergência das rendas antigas ao longo de cinco anos, que podiam chegar aos 10 anos para inquilinos idosos, com rendimentos baixos ou portadores de deficiência, mas que podia ser cortado para dois anos para os outros casos. E, previa-se, ainda, a atribuição de um subsídio de renda a inquilinos carenciados.

Em 2006 possibilitou-se, para os contratos antigos, a atualização da renda em 4% do VPT (Valor Patrimonial Tributário) e desde que o estado de conservação do imóvel o permitisse. Abre-se a porta à atualização da renda, o que, no entanto, segundo João Fitas, “não teve um impacto muito grande no mercado”.

Das bancadas à esquerda, em particular do Bloco de Esquerda, ouviram, pela voz da então deputada Alda Macedo, que a convergência “das rendas anteriores a 1990 com o mercado” “só” tem “um significado, o do brutal aumento do valor das rendas anteriores a 1990“. E vai mais longe: “A grande ‘pedra de toque’ ideológico tem a ver com as condições de resolução dos contratos. É extraordinário que o Governo do Partido Socialista recorra aos valores do salazarismo para admitir como condições de resolução de contratos práticas que são contrárias aos bons costumes e à ordem pública”.

Ouvidos os argumentos, António Costa tomou a palavra: “Devo confessar-vos que me senti aqui esta tarde numa posição, não direi desconfortável, mas original, que foi como que a de um magistrado num tribunal ouvindo duas versões radicalmente diversas sobre os mesmos factos”. Explicava, de seguida, o argumento: “A mesma proposta de lei foi aqui classificada, com grande emotividade, grande determinação e grande convicção, como uma proposta de lei absolutamente horrível para os senhorios e, com a mesma convicção e a mesma determinação, igualmente horrível para os inquilinos. Porém, ao longo da tarde, fui-me convencendo e reforçando a minha convicção de que esta proposta de lei é, de facto, equilibrada e não está ao serviço de nenhuma das partes, mas tão-só da reanimação urbana e da reanimação do mercado de arrendamento.”

Argumentava que um imóvel tinha de ter o mesmo valor para o mercado, para o fisco e para a garantia bancária; que o inquilino que tinha de ser protegido era o carenciado (“o importante não é proteger o inquilino antigo e não proteger o inquilino novo; o importante é proteger o inquilino carenciado”, dizia). Advogava que se pretendia, ainda, com a lei “assegurar um regime de transição para os arrendamentos antigos”.

Mas também falou para os senhorios. “Da parte do senhorio, por seu lado, é evidente que há que pôr fim a este ciclo, em que o Estado delegou nos senhorios o custo social da proteção das rendas. Por isso, a proposta de lei estabelece que ao longo do período de transição — esse período de transição é como que uma menos-valia, que desvaloriza o imóvel — haverá um menor valor a pagar em sede de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis)”. Ou seja, quanto maior fosse o período de transição, menos imposto o proprietário pagaria; quanto menor fosse mais imposto havia.

E contrapôs a sua proposta com a anterior do governo PSD/CDS, que também tinha sido catalogada como lei dos despejos. António Costa lembrou isso mesmo nessa ocasião: “Abandonámos aquele princípio inaceitável da proposta de lei do anterior Governo de que a falta de acordo entre senhorio e inquilino quanto ao valor da nova renda dava lugar ao despejo do inquilino”, considerando que era “um modelo de despejo e não de renovação de contrato de arrendamento”. O despejo foi agilizado, no caso da lei de 2006, quando havia falta de pagamento de rendas.

"A grande 'pedra de toque' ideológico tem a ver com as condições de resolução dos contratos. É extraordinário que o Governo do Partido Socialista recorra aos valores do salazarismo para admitir como condições de resolução de contratos práticas que são contrárias aos bons costumes e à ordem pública".
Alda Macedo, deputada do Bloco de Esquerda em 2005

A discussão ainda seria travada na especialidade e a lei foi efetivamente publicada a 27 de fevereiro de 2006. Nascia o NRAU. José Sócrates tinha conquistado a maioria parlamentar, nas eleições de 2005, depois de Jorge Sampaio ter dissolvido a Assembleia da República, pondo fim ao governo de Santana Lopes.

Denúncias dos contratos pelo senhorio? Possível… mas e os idosos?

A resolução por parte dos senhorios dos contratos anteriores a 1990 ficou, desde sempre, limitada. Só podiam ser denunciados quando o senhorio necessitasse do prédio para habitação sua (ou dos descendentes), ou para nele construir a sua residência e também quando se propunha ampliar o prédio ou construir novos edifícios para aumentar locais arrendáveis. Mesmo neste caso havia limites à denúncia.

Já se estipulava que não havia direito à denúncia se o arrendatário tivesse “65 ou mais anos de idade ou, independentemente desta, se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho“, ou até se o inquilino estivesse “no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade”. Abria-se a porta a uma única exceção — no caso em que o senhorio “pretenda regressar ou tenha regressado há menos de um ano ao país, depois de ter estado emigrado durante, pelo menos, 10 anos”.

Esta proteção, nomeadamente aos inquilinos com 65 anos, manteve-se no NRAU, de 2006.

Chegados a 2012… o que aconteceu?

Parte da história é conhecida. Com Portugal a braços com uma crise soberana, o Governo de José Sócrates viu chumbado no Parlamento o seu plano de austeridade traduzido no PEC IV. Com o chumbo veio a queda do Executivo, uma chamada de ajuda externa (com a troika integrando Comissão Europeia, BCE e FMI a entrar no país), um programa de ajustamento negociado com a troika e um novo Governo. Passos Coelho, rosto da coligação PSD/CDS, ganhou as eleições de 2011 e assumiu o Governo.

O memorando de entendimento negociado com a troika pelo governo do PS ia ser aplicado pelo PSD/CDS, que assumiria ao longo do mandato mais medidas adicionais de austeridade. Mas o que dizia o memorando em relação ao mercado de arrendamento?

“O Governo apresentará medidas para alterar a nova Lei do Arrendamento Urbano, a lei n.º 6/2006, a fim de garantir obrigações e direitos equilibrados de senhorios e inquilinos, tendo em conta os grupos mais vulneráveis”, isto no terceiro trimestre de 2011, para no trimestre seguinte apresentar uma proposta de legislação à Assembleia da República. Impunha-se que o plano de reforma introduzisse medidas destinadas:

  • a ampliar as condições ao abrigo das quais pode ser efetuada a renegociação de arrendamentos habitacionais sem prazo, incluindo a limitação da possibilidade de transmissão do contrato para familiares em primeiro grau;
  • introduzir um enquadramento para aumentar o acesso das famílias à habitação, eliminando gradualmente os mecanismos de controlo de rendas, tendo em conta os grupos mais vulneráveis;
  • reduzir o pré‐aviso de rescisão de arrendamento para os senhorios;
  • prever um procedimento de despejo extrajudicial por violação de contrato, com o objetivo de encurtar o prazo de despejo para três meses;
  • e reforçar a utilização dos processos extrajudiciais existentes para ações de partilha de imóveis herdados.

Em paralelo ainda se determinava a revisão do quadro de avaliação fiscal dos imóveis para “assegurar que, até finais de 2012, o valor patrimonial tributável de todos os bens imóveis se aproxima do valor de mercado e que a avaliação de bens imóveis é atualizada periodicamente (todos os anos para imóveis para fins comerciais e de três em três anos para imóveis destinados à habitação, nos termos previstos na lei)” — o que levou ao aumento do IMI. E ainda em matéria de impostos, o memorando com a troika estabeleceu a imposição de o Governo mudar a tributação dos imóveis “com vista a nivelar os incentivos ao arrendamento com os de aquisição de habitação própria” através:

  • da limitação da dedução em matéria de imposto sobre o rendimento dos encargos com rendas e com juros dos empréstimos à habitação a partir de 1 de janeiro de 2012, exceto para famílias de baixos rendimentos. “Os encargos com as amortizações de capital relativas a empréstimos à habitação não serão dedutíveis a partir de 1 de janeiro de 2012;
  • do reequilíbrio gradual dos impostos sobre imóveis existentes, “dando primazia aos recursos a obter através do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) em detrimento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), tendo em conta os grupos mais vulneráveis”. “As isenções temporárias do IMI para habitação própria e permanente serão reduzidas consideravelmente e o custo fiscal inerente à propriedade de imóveis devolutos ou não arrendados será aumentado significativamente”.

Estabelecidas as imposições da troika, o Governo de Passos Coelho alterou o NRAU. E surgiu a lei Cristas. Assunção Cristas era a ministra do governo de coligação com a pasta do arrendamento.

António Costa defendeu o novo regime de arrendamento urbano

ANDRE KOSTERS/LUSA

O que mudou a lei Cristas?

A lei de 2012 visava pôr fim ao regime antigo que determinou o congelamento das rendas em contratos anteriores a 1990, com a intenção de que mesmo esses contratos passassem para o NRAU, e, como tal, ficassem sujeitos às novas regras, incluindo a cessação do contrato que, chegados aqui, não tinha sido possível.

Esta transição começava com uma comunicação do senhorio ao inquilino, indicando o valor da renda, o tipo e duração do contrato, dando um prazo de 30 dias para responder. É aqui que entra a carta que Mariana Mortágua disse ter criado o pânico aos idosos.

“A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos n.os 1 e 2 [carta para inquilino e sua resposta]”, escrevia-se na lei de 2012.

Só que havia duas circunstâncias que podiam determinar o travão a esta transferência para as regras novas:

  • o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar ser inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), ou seja, cerca de 2.900 euros por mês (cinco RMNA era, na altura, 33.950 euros anuais);
  • e ter idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.

Ou seja, mesmo aqui quem tivesse 65 anos estava protegido, só que tinha de dar essa informação ao proprietário. “Caso o arrendatário invoque e comprove que tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes”. E aí o valor da renda era proposto pelo senhorio, tendo o inquilino de aceitar ou contrapor. Caso não chegassem a acordo sobre o valor, “o contrato mantém-se em vigor sem alteração do regime que lhe é aplicável”, sendo a renda um limite máximo correspondente a um quinzeavos do valor do imóvel. Caso invocasse, simultaneamente, carência económica a atualização seria por um valor inferior e por 10 anos.

Após esta lei, muitas notícias, na altura, revelavam casos de inquilinos que tinham recebido cartas e que não tinham respondido em 30 dias. Regina Santos Pereira, sócia da SRS Legal, recorda ao Observador que, a propósito destas questões, em 2014 a lei voltou a ser mudada para reforçar o que era necessário. “A carta tinha de ser quase um livro em que o senhorio funcionava como se fosse advogado do inquilino”, salienta a mesma advogada, explicando que a carta tinha de ser mais assertiva e eram clarificadas as consequências, tendo de indicar:

  • Proposta de nova renda (já previsto em 2012);
  • Proposta de tipo e duração do contrato (previsto em 2012);
  • Cópia da caderneta predial (previsto em 2012);
  • Indicação do valor do locado (previsto em 2012);
  • Indicar que o prazo de resposta é de 30 dias (novo em 2014);
  • Indicar quais os sentidos possíveis da resposta (novo em 2014);
  • Indicar quais os regimes de exceção e os documentos que o inquilino deve juntar com a resposta (novo em 2014);
  • Indicar quais as consequências da falta de resposta e da falta de invocação dos regimes de exceção (novo em 2014).

Em 2019 houve nova alteração estendendo-se a possibilidade de não transição para o NRAU dos contratos antigos para quem residisse há mais de 15 anos na habitação.

Em 2012, acabaria por ser Cavaco Silva a promulgar a lei Cristas, fazendo-o com uma indicação: “O Presidente da República, tendo tomado conhecimento do comunicado divulgado pelo Governo na passada sexta-feira, dia 27, esclarecendo vários aspetos relativos ao Decreto da Assembleia da República que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano – nomeadamente quanto à garantia de que será assegurada a estabilidade contratual e a proteção social dos arrendatários em situação de maior vulnerabilidade –, decidiu promulgar como Lei o referido diploma”.

O comunicado do Governo, contava uma notícia do Público, citando a Lusa, afirmava a “estabilidade contratual dos arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60% e baixos rendimentos (…) mesmo após o decurso do período de cinco anos de proteção previsto na lei”. O Governo assegurava, ainda, “a proteção social dos arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência grau de incapacidade superior a 60% e baixos rendimentos uma vez decorrido o referido período de cinco anos, designadamente garantindo a diferença eventualmente apurada entre o valor da renda devida em função do rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar e a que resultará, após o decurso do prazo, da indexação ao valor patrimonial tributário do prédio”.

Regina Santos Pereira recorda que, embora possa ter havido inquilinos idosos que não responderam a tempo, não há números que atestem o impacto que a lei de 2012 teve nessa camada da população. “O que posso partilhar da minha experiência é que a situação das pessoas que receberam as cartas e não responderam não está apurada, não se sabe quantas foram, nem se sabe o universo”.

Houve recursos para tribunal que, em boa parte dos casos, deu razão aos inquilinos. E ainda houve uma decisão do Tribunal Constitucional a considerar inconstitucional a transição para o NRAU para quem não juntou cópia do cartão do cidadão para provar a idade.

De resto, fora estas exceções previa-se a mudança para o NRAU de forma faseada. A melhor forma para explicar o processo é, segundo Regina Santos Pereira, separar caminho entre a renda e o contrato. Assim:

  • se um inquilino tivesse rendimentos de até 2.900 euros mensais e tivesse 65 anos a renda era estabelecida com base no rendimento e o contrato não acabava;
  • se um inquilino tivesse rendimento baixo mas não tivesse 65 anos, havia a possibilidade de ao fim de cinco anos (mais dois) terminar o contrato;
  • se não tivesse carência económica mas tivesse 65 anos a renda podia subir, mas o contrato não acabava.

Significa isto que só os contratos de pessoas com menos de 65 anos poderiam entrar no período transitório previsto no NRAU de 2012 (período que passou de 5 para 7 e mais tarde para 10 anos). E mesmo esses, no caso de inquilinos com carência económica, foram sendo prolongados até que o Mais Habitação veio pôr fim a essa possibilidade. No diploma que entrou em vigor em 2023, estabelece-se que “caso o arrendatário invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA [agora em 53.200 euros anuais], o contrato não transita para o NRAU”.

Os contratos anteriores a 1990 vão continuar a ter regras especiais, em paralelo com os novos contratos. Já se estabeleceu, entretanto, a possibilidade de, a partir de julho, os senhorios (que já têm isenção de IRS e IMI) com estes contratos antigos poderem pedir uma compensação. Existem cerca de 150 mil contratos anteriores a 1990.

Senhorios com contratos de arrendamento anteriores a 1990 podem pedir compensação a partir de julho

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