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ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

Como comprar um peixinho de aquário pode ajudar a salvar a floresta amazónica

“Compre um peixe, salve uma árvore” é o lema do projeto que o Oceanário de Lisboa começou a apoiar. O objetivo é promover a pesca sustentável de peixes ornamentais na Amazónia.

As águas do rio Negro, o maior afluente do Amazonas, são escuras, mas escondem um tesouro bem mais colorido: pequenos peixes de cores vibrantes que são comercializados em todo o mundo como peixes ornamentais. Quando os investigadores da Universidade do Amazonas e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia chegaram a esta região queriam estudar as comunidades de peixes, mas depressa perceberam que não o podiam fazer sem incluir também as pessoas que ali habitavam. Agora é o Oceanário de Lisboa que se junta a este projeto.

Mergulhando no interior da floresta amazónica, os investigadores queriam, em 1989, estudar os peixes das zonas alagadas da bacia do rio Negro, no noroeste do Brasil, mas uma das primeiras conclusões a que chegaram é que peixes e humanos tinham um forte impacto na vida um dos outros. Dois anos depois nascia o projeto Piaba, um projeto de conservação da natureza que promove a captura destes pequenos peixes ornamentais.

A ideia até pode parecer contraditória à primeira vista: apanhar peixes para garantir a conservação do ambiente. Os mentores do projeto lembram que 60% dos rendimentos do município de Barcelos, no estado do Amazonas, dependem da captura e venda destes peixes. Quando esta atividade deixa de ser suficiente para a sobrevivência das comunidades locais, as atividades alternativas escolhidas têm um impacto ambiental muito superior: abate de árvores, criação de gado, exploração mineira de ouro e até migração para zonas urbanas.

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“Compre um peixe, salve uma árvore”, é o lema do projeto Piaba que apoia a captura de peixes ornamentais pelos pescadores tradicionais da região - os piabeiros.

A região alimentada pelas águas do rio Negro mantém uma floresta ainda muito protegida, em parte porque os solos são muito pouco férteis para a agricultura, mas também porque as comunidades locais conseguem tirar rendimentos suficientes da pesca de peixes ornamentais – um negócio que teve início nos anos 1950 – e do aproveitamento das fibras da palmeira Leopoldina piassaba, usadas, por exemplo, para fazer vassouras.

Mas à medida que os vendedores de peixes ornamentais se tornaram mais exigentes em relação ao estado de saúde e aspeto geral dos peixes — e que os compradores começaram a ter mais preocupações com a origem dos mesmos — a aquacultura passou a ser o grande fornecedor deste recurso: 90% dos peixes vendidos para aquários domésticos em todo o mundo, refere o projeto. Esta produção, ainda que tenha impactos positivos na conservação das espécies, acontece longe dos locais de origem, obrigando os piabeiros a procurar outras fontes de rendimento.

O rio Negro, afluente do Amazonas, passa no município de Barcelos (assinalado a vermelho) - Google Maps

O rio Negro, afluente do Amazonas, passa no município de Barcelos (assinalado a vermelho) – Google Maps

Agora o projeto Piaba quer concentrar-se na formação dos piabeiros, para que possam melhorar o trabalho que já fazem e possam competir com o negócio da aquacultura. É importante rever os materiais que utilizam, a manutenção dos peixes desde a captura até ao destino final – tendo atenção redobrada ao transporte -, ensiná-los a identificar doenças e parasitas, “de modo a que, no final, as taxas de mortalidade sejam o mais reduzidas possível e para que os peixes estejam nas melhores condições para serem vendidos”, explica ao Observador Núria Baylina, curadora do Oceanário de Lisboa.

O papel do Oceanário no projeto é apoiar a formação dos formadores que ensinarão aos piabeiros um leque de boas práticas que promovam a sobrevivência dos animais desde a captura até à venda. O Oceanário justifica a sua participação pela ligação à exposição temporária “Florestas Submersas by Takashi Amano”, que tem cerca de 40 espécies ornamentais de peixes de água doce, incluindo uma das mais pescadas pelos piabeiros, o tetra-cardinal (Paracheirodon axelrodi).

O tetra-cardinal representa 80% de todas as pescas e exportação na comunidade de piabeiros do rio Negro.

E pescar estes peixes não tem um impacto negativo nas espécies?

Na estação das chuvas, os leitos do rio Negro galgam as margens e entram floresta adentro, levando consigo as espécies que nele habitam, mas, quando as chuvas diminuem e as águas recolhem, muitos animais ficam aprisionados em pequenos lagos nesta região. Este é um dos locais preferenciais para capturar os peixes ornamentais, porque os peixes que não forem apanhados acabam por morrer, quando as poças onde ficaram aprisionados secarem.

As espécies sujeitas a estes ritmos de cheias e familiarizadas com elevadas taxas de mortalidade, mesmo sem a ação do homem, arranjaram uma estratégia de sobrevivência: produzir muita descendência. Portanto, entre os que ficam presos durante a estação seca e os que são capturados pelos piabeiros, as comunidades de peixes conseguem manter populações com número suficiente, concluem os estudos desenvolvidos no âmbito do projeto Piaba.

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Todos os anos, o projeto Piaba permite que estudantes, especialistas em peixes, pessoas ligadas ao negócio, biólogos ligados a aquários públicos – como o Oceanário – ou aficionados dos peixes ornamentais possam participar em expedições aos locais onde os piabeiros trabalham. Desde 1994, o projeto promove o Festival do Peixe Ornamental de Barcelos, o maior evento do povo barcelense, que tem como objetivo divulgar a cultura e os produtos regionais, nomeadamente o peixe ornamental. O município de Barcelos é mesmo apelidado de “Cidade do Peixe Ornamental”.

Ainda que a atividade seja antiga e que tenha uma enorme importância na economia da região, os piabeiros continuam a desenvolvê-la de forma tradicional e, com a ajuda do projeto Piaba, de forma sustentável. Os pescadores pescam com as próprias mãos e devolvem imediatamente à água todos os animais que não preencham os seus interesses. Até que sejam transportados, os animais são conservados no rio.

O projeto Piaba conta com o apoio de associações de conservação da natureza, como a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), entre outras instituições. Além disso, a pesca sustentável de peixes ornamentais no rio Negro é a primeira atividade de captura de animais vivos a receber a certificação da União Europeia de Indicação Geográfica Protegida – uma certificação de produção regional equivalente à dos Ovos-moles de Aveiro.

Qual o papel do Oceanário de Lisboa?

Tanto com a exposição temporária “Florestas Submersas by Takashi Amano” como com a exposição permanente, o Oceanário tem um objetivo principal: “que as pessoas fiquem a conhecer estes ambientes, que conheçam as espécies e que tenham vontade de conhecer mais”, refere Núria Baylina.

“Não funcionamos tanto por muitas mensagens de conservação, funcionamos mais pela ligação emocional que as pessoas acabam por ter quando visitam as nossas exposições”, diz a curadora. “A envolvência, o aquário, a música, o ambiente, toda a parte sonora, tudo isto tem um efeito nas pessoas que as torna mais abertas a receber este tipo de mensagens e a querer realmente que este tipo de ambientes continuem a existir.”

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Um novo elemento para o reforço desta ligação dos visitantes aos animais aquáticos, é o cardume de seis mantas da espécie Mobula hypostoma (diabo-do-mar-do-Atlântico) recém-chegado. Esta espécie que se desloca em cardume, e que se adapta bem ao ambiente em aquários, trouxe uma nova dinâmica ao aquário central do Oceanário. Estes animais são ainda privilegiados por despertarem a curiosidade dos visitantes.

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O Shark-Tag é promovido pelo Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR) e pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Mas, além de promover uma ligação emocional com os visitantes, o Oceanário também apoia financeiramente projetos de conservação desde 2007. São já 14 os projetos apoiados, como o projeto de conservação de uma espécie de tubarão-martelo, alvo de captura acidental por pescadores que procuram apanhar outros peixes. O projeto Piaba é um dos apoios mais recentes dados pelo Oceanário.

Antes da despedida, Núria Baylina deixa alguns conselhos a todas as pessoas que queiram comprar peixes ornamentais para ter em casa: “É muito importante que as pessoas entendam o que estão a comprar, de onde vem, como é que chega até nós e quanto é que o animal vai crescer.” A curadora lembra que alguns animais são comprados com poucos centímetros, mas podem crescer muito. Para alguns donos, este tamanho torna-se incompatível com o espaço que têm em casa e deitam-nos no rio ou lago mais próximo, mas ao introduzir espécies exóticas nos nossos habitats estamos a colocar em risco as espécies nativas.

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