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Militantes do Hezbollah com um cartaz do secretário-geral do grupo, Hassan Nasrallah

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Militantes do Hezbollah com um cartaz do secretário-geral do grupo, Hassan Nasrallah

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Como Nasrallah tornou o Hezbollah um dos maiores inimigos de Israel e semeou o caos no Líbano

Criado no decorrer de guerra civil, o Hezbollah foi ganhando poder dentro do Líbano e já funciona como um "Estado dentro do Estado" no país. Morte de Nasrallah, no poder há 32 anos, é "duro golpe".

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Já tinham surgido vários avisos. Nos últimos dias, vários dirigentes de topo do Hezbollah tinham sido assassinados pelas Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês). Esta sexta-feira, com o recurso a um esquadrão de caças F15I munidos de bombas antibunkers, Telavive lançou um “ataque preciso” e matou Hassan Nasrallah, o principal rosto e secretário-geral do grupo xiita libanês há 32 anos.

Hezbollah confirma morte do líder, Hassan Nasrallah, em ataque israelita. Irão diz que “destino será determinado por forças de resistência”

Durante as mais de três décadas que esteve à frente do Hezbollah, Nasrallah transformou um grupo de resistência contra a ocupação de Israel no sul do Líbano numa potência regional com um ramo político e um poderoso braço armado. No discurso na Assembleia-geral das Nações Unidas, esta semana, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, definiu a organização islâmica xiita como “terrorista por excelência” e cujos “tentáculos se expandem por todos os continentes”: “Matou mais norte-americanos e franceses do que qualquer grupo, exceto Bin Laden.”

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Para isso, o secretário-geral contou com um precioso aliado: o Irão. E também se aproveitou de um Estado que muitos consideram como falhado: o Líbano. Com quase seis milhões de habitantes, coexistem no país xiitas, sunitas, alauitas, maronitas (uma Igreja Católica oriental em comunhão com a Santa Sé), ortodoxos e protestantes. Esta diversidade religiosa reflete-se no sistema político sectário, implementado desde que o país conquistou a independência de França em meados dos anos 40 do século passado, em que representantes de diferentes credos têm cargos específicos previstos pela Constituição. O Presidente tem de ser maronita, o chefe do governo sunita e o chefe do parlamento xiita.

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Destruição do subúrbio de Beirute onde estaria Hassan Nasrallah

AFP via Getty Images

Mas este sistema tornou-se também um terreno fértil para que surjam tensões entre os diferentes ramos religiosos e políticos. Exemplo disso foi uma sangrenta guerra civil que durou desde 1975 até 1990 entre várias fações e alianças. A meio deste conflito, Israel invadiu o sul do Líbano no final dos anos 70. E a situação, já de si precária, complicou-se ainda mais. Foi neste contexto de caos que surgiu o Hezbollah — o “partido de Deus”, em árabe —, fortemente apoiado pela Guarda Revolucionária Iraniana.

Na data da sua fundação, em 1982, o Hezbollah tinha dois objetivos. O primeiro consistia em expulsar as tropas israelitas do sul de Líbano; o segundo era a luta pelos direitos políticos dos xiitas no país. Mas foi-se expandido ao longo das décadas, tornando-se uma força a ter em consideração nas dinâmicas do Médio Oriente.

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Líbano em 1982

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O manifesto de 1985 que tem como inimigos “Israel, França e Estados Unidos”

No manifesto do grupo político e militar, datado de 1985, o Hezbollah jura a sua lealdade ao “líder sábio e justo”: o aiatola. Além disso, os membros do “partido de Deus” definem perfeitamente os “seus maiores inimigos no Médio Oriente”: “Israel, França e os Estados Unidos”. Por isso, um dos seus objetivos consistia em “expulsar qualquer entidade colonialista das suas terras”. E há um capítulo do documento que prevê mesmo a “destruição de Israel”, uma vez que o Estado judaico “é agressivo e foi construído em terras expropriadas aos seus donos, à custa dos direitos do povo muçulmano”.

Ao longo dos anos, o Hezbollah passou por várias fases distintas. Enquanto as forças de Telavive permaneceram no sul do Líbano durante quase três décadas, o “partido de Deus” ganhou contornos de um movimento de resistência. Tudo mudou a partir de 2000, quando as Forças de Defesa de Israel abandonaram as “zonas de segurança” que mantinham no país vizinho.

A partir daí, o Hezbollah fortaleceu o controlo em certas regiões sul do Líbano, onde instalou bases militares, bunkers e túneis. Em 2006, o grupo xiita envolveu-se numa guerra contra Israel que durou 34 dias. Após o cessar-fogo, a tensão entre a organização islâmica e Telavive manteve-se; prova disso, foram os ocasionais disparos de rockets. Os dois lados estiveram sempre longe de enterrar definitivamente o machado de guerra e o “partido de Deus” foi reafirmando que não desistira da finalidade de levar avante o seu plano de “destruir Israel”.

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Beirute e as consequências na guerra entre Israel e o Líbano em 2006

AFP via Getty Images

Após o dia 7 de outubro do ano passado, a guerra entre o Hamas e Israel provocou uma reação imediata do Hezbollah, que tentou dificultar a resposta israelita ao Hamas ao disparar rockets para o norte do território israelita. Quase um ano depois desde o início do conflito na Faixa de Gaza, uma invasão terrestre israelita no sul do Líbano parece estar iminente. A confirmar-se, Telavive vai enfrentar o “partido de Deus”. — mas já sem contar com o seu poderoso líder, Hassan Nasrallah.

Os palestinianos e o manifesto: os antecedentes e a formação do Hezbollah

A guerra dos Seis Dias, em 1967, mudou por completo a configuração do Médio Oriente. Israel controlou várias partes daquela região e obrigou a que as atividades da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) tivessem de se centrar na Jordânia. Porém, o Rei jordano Hussein, em 1970, e após três anos de conivência, expulsou aquele movimento do país.

Após ter perdido influência em território jordano, a OLP mudou-se para o Líbano em 1971. Segundo explica o think tank Council on Foreign Relations, muitos refugiados da Palestina — de maioria sunita — que estavam na Jordânia mudaram-se para território libanês.

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Palestinianos em Beirute em 1982

ARCHIVES/AFP via Getty Images

Como indica a Enciclopédia Britânica, os “muçulmanos libaneses” apoiavam a causa da OLP e procuravam diminuir o poder dos cristãos no Líbano. Estes, por sua vez, tentavam manter o domínio político em território libanês e queriam expulsar a Organização da Libertação da Palestina do país — o que deu origem a um conflito fratricida, que durou quinze anos.

Pelo meio, Israel também entrou no conflito. Invadiu o sul do Líbano para deter as operações subversivas da OLP no final dos anos 70 e para fortalecer o poder da elite cristã. Criou “zonas de segurança” e tentou derrotar a organização palestiniana. Mas este esforço criou anticorpos contra Telavive, quer de sunitas, quer de xiitas.

Quase em simultâneo, ocorreu revolução iraniana. Teerão cortou relações com o Ocidente e passou a encarar Israel como um dos principais inimigos. Aproveitando-se do caos decorrente da guerra civil no Líbano, o Irão decidiu ajudar os combatentes xiitas na guerra civil. Como escreve o Council on Foreign Relations, “vendo uma oportunidade para expandir a sua influência em estado árabes, a guarda revolucionária islâmica e o Irão providenciaram fundos e treinaram uma milícia, que adotou o nome ‘Partido de Deus’”.

Revolução islâmica no Irão ajudou a fundar Hezbollah

AFP/Getty Images

Nascido nos subúrbios de Beirute em agosto de 1970, Hassan Nasrallah deixou-se influenciar pela revolução islâmica no Irão, tal como muitos outros jovens libaneses e xiitas da altura, como conta o Times of Israel. Ainda adolescente, associou-se ao Hezbollah e combateu pelo grupo contra o Estado judaico no sul do Líbano.

Nos primeiros anos, o Hezbollah era especialmente uma milícia bem treinada. A consolidação enquanto movimento político materializou-se com a publicação do manifesto em 1985. Para além da expulsão de todas as potências ocidentais do Líbano, a organização xiita ambicionava a criação de um estado de cariz islâmico, ainda que ressalvasse que outros libaneses não muçulmanos podiam viver no país. Entre todos, deveriam escolher a “forma de governação desejada”.

A participação em eleições até ser o Estado dentro de um Estado: a institucionalização do Hezbollah

Durante os anos 80, e enquanto se mantinha a guerra civil libanesa, o Hezbollah era conhecido pela sua brutalidade e extremismo. Num Líbano dividido e controlado por milícias, a organização xiita, com o apoio iraniano e a tolerância síria, tornou-se “sinónimo de ataques extremistas”, como escreve o think tank norte-americano Wilson Center. Nesta época, o “partido de Deus” atacou duas embaixadas dos Estados Unidos e levava a cabo sequestros violentos.

Ao longo dos anos, o Hezbollah foi-se instalando particularmente no sul do Líbano e dominava a resistência contra Israel naquela região. A influência que ia ganhando fez com que os sunitas desconfiassem das suas intenções — e, na reta final da guerra civil libanesa, grupos pertencentes aos dois ramos do islamismo entraram em conflito. A animosidade mantém-se até hoje.

Atuais bases militares do Hezbollah, principalmente no sul do Líbano

A guerra civil do Líbano terminou em 1990 com a assinatura dos acordos de Taife. Várias fações, entre sunitas e cristãs, que estiveram em conflito durante quinze anos, entregaram as armas e prometeram respeitar um cessar-fogo. Com uma exceção: o Hezbollah. O grupo xiita pôde manter o seu arsenal, o que lhe conferiu uma posição privilegiada no país após o fim do conflito.

O Hezbollah foi-se institucionalizando, entrando no panorama político. Para isso contou com a figura forte do primeiro líder do movimento xiita, o clérigo Abbas al-Musawi, que foi assassinado por Israel em 1992. O seu sucessor, como secretário-geral, foi Hassan Nasrallah. 

Foi com Hassan Nasrallah que o Hezbollah participou pela primeira vez nas eleições gerais do Líbano em 1992, elegendo oito deputados para a Assembleia Nacional libanesa. Numa entrevista citada pelo Wilson Center, o secretário-geral assegurava que a participação eleitoral “não alterava o facto” de que o grupo era um “partido de resistência”. “Devemos tornar o Líbano num país de resistência e o Estado num Estado de resistência”, afirmava Nasrallah, que descartava, na altura, a implementação de uma “república islâmica”.

"Devemos tornar o Líbano num país de resistência e o Estado num estado de resistência"
Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah

Desde essas eleições, o movimento xiita é presença assídua na Assembleia Nacional libanesa. Ao longo dos anos, tornou-se uma peça fundamental no jogo político, deixando cair governos ou mesmo ficando com pastas importantes em alguns executivos. As relações com organizações sunitas ou cristãs foram, contudo, sempre complicadas. Mas o grupo liderado durante 32 anos por Hassan Nasrallah soube, em algumas ocasiões, ser pragmático e deixar de lado as desavenças para alcançar objetivos políticos.

Para além da participação política, o Hezbollah exerce a sua influência em várias regiões no Líbano, nomeadamente no sul do país, em bairros do sul da capital Beirute e no Vale do Beca. Como escreve o Council on Foreign Relations, a organização xiita é única que governa diretamente aquelas regiões — e as decisões da Assembleia Nacional raramente chegam lá.

O Hezbollah, prossegue o think tank, “gere uma vasta rede de serviços sociais, que incluem infraestruturas, cuidados de saúde, escolas e programas juvenis”, angariando, por isso, alguns apoios quer entre xiitas e até entre sunitas. Numa reportagem da CNN internacional em 2006, Amal Saad-Ghorayeb, especialista na política do Líbano, explicava que o “partido de Deus” conseguiu “preencher o vazio deixado pelo Estado e pelas forças armadas” em várias partes do país.

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Hezbollah gere uma vasta rede de serviços sociais que incluem infraestruturas, cuidados de saúde, escolas e programas juvenis

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A especialista dá um exemplo. Após a guerra contra Israel em 2006, vários jovens militantes do Hezbollah voluntariaram-se para ir para o sul do Líbano para reparar casas que tinham sido danificadas. “Eles carregam os camiões com janelas e todos os tipos de ferramentas. Eles vão casa a casa e perguntam ‘quer que arranjem as janelas ou as portas?’”

Politicamente, devido ao seu sistema sectário e à corrupção, o Líbano enfrentou várias crises políticas nos últimos anos. Devido às divergências de diferentes grupos religiosos e à dificuldade para chegarem a acordo, o país não consegue dar muitas vezes resposta aos problemas das populações. Vários analistas internacionais consideram mesmo o Líbano um “Estado falhado”.

Num relatório elaborado por Olivier De Schutter, enviado da Organização das Nações Unidas para no Líbano, leem-se duras críticas à liderança política libanesa. “Estão completamente fora da realidade, [tendo criado] desespero na vida das pessoas. O Líbano é também um dos países mais desiguais no mundo, apesar de a elite não conhecer essa realidade ou, no pior dos cenários, estar confortável com isso”, lê-se no documento publicado em 2022. 

O governo do Líbano não tem conseguido dado resposta às necessidade da população

AFP via Getty Images

Neste contexto, o Hezbollah substituiu a função do Estado e tornou-se, assim, um Estado dentro do Estado, concedendo serviços básicos à população. Ainda assim, a organização xiita não convence a maioria da população — e muitos libaneses reconhecem que não é uma boa alternativa para governar o país. Um barómetro realizado em agosto de 2024 mostra que “relativamente poucos libaneses apoiam o Hezbollah, embora possua influência significativa em todo o país”.

A “destruição de Israel” como objetivo máximo e as alianças

O Hezbollah nunca escondeu que é um grupo extremista que quer destruição de Israel. Para o alcançar, a organização xiita não tem pudor em usar métodos brutais e envolver-se em crimes económicos para sustentar o seu funcionamento.

Por tudo isto, mais de 60 países designaram o Hezbollah (mais que não seja o seu braço armado) como um grupo terrorista. Em termos geopolíticos, é ainda dependente do Irão e é o principal ator no eixo de resistência em que também estão incluídos os Houthis do Iémen, o Hamas ou grupos xiitas no Iraque ou na Síria. E também encontrou um aliado no regime sírio de Bashar al-Assad.

Mísseis balísticos, drones e 50 mil homens. As capacidades militares do Hezbollah, um “inimigo formidável” no campo de batalha

Em 2000, a saída de tropas israelitas do sul do Líbano foi encarada como uma vitória para o Hezbollah, que cumpriu a função para que parcialmente tinha sido criado. Seis anos depois, envolveu-se novamente num conflito contra Israel durante 34 dias, após a morte de oito soldados. Deste conflito, as duas partes reclamaram vitória. Mas a tensão entre a organização xiita e Telavive nunca diminuiu verdadeiramente.

Fundado numa altura conturbada durante uma guerra civil, o Hezbollah foi ganhando poder e espaço no Líbano, um país marcado por fortes divisões religiosas e pela governação ineficiente. Num futuro próximo, a organização xiita pode vir a enfrentar o seu eterno inimigo. Ainda na passada quinta-feira, Herzi Halevi, chefe das Forças de Defesa israelitas, reconheceu que é “preciso continuar a atacar o Hezbollah” e “há anos” que Telavive “espera por uma oportunidade como esta” — de infligir duros golpes ao grupo pró-Irão.

Um desses “duros golpes” teve lugar esta sexta-feira com a morte do líder do Hezbollah. Como realça Lina Khatib ao Times of Israel, membro do think tank Chatham House, a morte de Hassan Nasrallah vai diminuir a “moral” do grupo e revela a “superioridade militar” das Forças de Defesa israelitas. Mas a organização xiita com 44 anos de existência vai saber adaptar-se e tem recursos suficientes para “não colapsar”.

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