Nas horas que antecederam a descoberta do pequeno Noah, e à medida que iam sendo encontradas peças de roupa que podiam pertencer à criança, o drone da GNR que sobrevoava a zona de Proença-a-Velha foi acionado para localizar o pai por três vezes. Era a forma de a Polícia Judiciária o encontrar no meio do mato — para que identificasse o que ia sendo recuperado. Ninguém imaginava que pouco depois, 36 horas após o desaparecimento, o menino iria ser encontrado com vida quase a dez quilómetros de casa.
“Ele está bem! Ele está bem! Não está nada ferido, mandaram-me uma fotografia dele de pé, embrulhado a um casaco e a beber uma garrafa de água”, dizia, esta quinta-feira, na berma da EN239 um amigo da família, de corpo franzino e cansado, que assegurava a quem passava e a quem telefonava que tudo tinha acabado bem. Na estrada, enquanto os carros passavam a buzinar em forma de festejo, o homem acenava e sorria como uma criança feliz.
Junto a este amigo da família de Noah, iam-se juntando outros. “É um menino muito forte”, dizia uma amiga, que nunca esperou outro desfecho que não este. Não foram os únicos nas buscas. Além deles, dezenas de desconhecidos tinham-se juntado a mais de uma centena de elementos da polícia e da Proteção Civil e varreram os terrenos entre a casa de Noah, perto do centro de Proença-a-Velha, e Idanha-a-Velha — num trajeto que implica mesmo passar o curso de um rio, o Rio Torto.
Eram 8h00 de quarta-feira, quando a família do menino telefonou para a GNR a dar conta do seu desaparecimento. Segundo a mãe, nessa noite Noah tinha dormido com ela, mas quando acordou nem ele nem a cadela da família, Melina, estavam em casa. Ele teria calçado as suas galochas para procurar o pai a um terreno que ele cultiva, como já teria feito outras vezes. Horas depois, Melina era encontrada a 1 quilómetro de casa, em direção ao rio. Sem encontrar a criança, a mãe colocaria uma publicação na rede social Facebook, em inglês e português, que gerou uma verdadeira onda de solidariedade. Dezenas de pessoas juntaram-se nas buscas por Noah horas a fio.
Segundo uma fonte da GNR, desde o início das operações de busca o pai de Noah não largou o terreno. Terá mesmo palmilhado mais de 100 quilómetros a pé, interrompendo apenas quando a Polícia Judiciária precisava falar com ele. A cadela Melina, que nunca aparentou qualquer comportamento estranho com o desaparecimento da criança, acabou por acompanhar as buscas. Foram pelo menos três as vezes que a GNR se viu obrigada a localizar o pai de Noah através de um drone, um dos meios usados nas buscas pelo menino — além de meios cinotécnicos (cão/guarda) e de mergulhadores da GNR –, para depois o levar à Polícia Judiciária para ser inquirido.
Nessas três vezes, a PJ tinha encontrado vestígios e precisava de confirmar se teriam ligação a Noah. Primeiro uma t-shirt, que seria a que ele tinha usado para dormir, depois uns calções, uma bota e até uma fralda, encontrada entre a casa e a margem do rio, num local descrito ao Observador como quase “inacessível”. Nesta fase, quem procurava a criança começava a estranhar a forma aleatória como iam aparecendo objetos. Ao Observador, uma fonte da PJ explicava que se Noah tivesse caído ao rio, as suas roupas podiam ter-se soltado e, eventualmente, serem levadas para sítios dispersos pela força da água do rio ou mesmo por animais. Reforçava assim a tese de um possível acidente, embora mantendo todas as hipóteses em aberto, incluindo a de crime.
Nesta altura estavam mergulhadores da GNR nas águas do rio Torto, mas no terreno multiplicavam-se as equipas de buscas. Havia também quem se concentrasse em pontos estratégicos para fornecer comida e bebida a quem ajudava, enquanto se esperava por melhores notícias. Um desses pontos estava localizado na outra margem do rio, a cerca de quatro quilómetros de casa. Foi aqui que, ainda durante a noite, acabaram por ser encontradas meia dúzia de pegadas impregnadas numa poça já em lama.
As pegadas pareciam ser de dois pés de criança descalços. As duas primeiras marcas mostravam-nas como que a entrar na poça enlameada, as seguintes estavam já viradas em direção à aldeia de Medelim, onde Noah acabaria por ser encontrado às 20h00. Segundo o porta-voz da GNR, o capitão Massano, a criança terá percorrido cerca de dez quilómetros.
Os minutos que se seguiram foram de euforia misturados com alguma confusão. Na estrada nacional viam-se carros da GNR e da Proteção civil ora num sentido, ora noutro, sem conseguir localizar o verdadeiro ponto onde a criança se encontrava — no terreno há muitos locais onde falha a rede móvel e é difícil precisar a localização.
Noah estaria num terreno junto a um barracão e foi levado depois para um pequeno centro de saúde na aldeia histórica de Idanha-a-Velha. Daí seguiu de ambulância para o Hospital de Castelo Branco, onde chegou “estável” e acabou por ser observado pelo Serviço de Urgências. Já de madrugada o hospital informou que se encontrava consciente, lúcido e bem-disposto e que ia ficar internado por “precaução” e “para estabilizar um quadro de desidratação”.
Fazendo as contas, o percurso do pequeno Noah terá sido de cerca de dez quilómetros a pé, mas para muitos populares esse parece ser um feito impossível. Ao Correio da Manha, o coordenador da PJ da Guarda, José Monteiro, dizia já na noite desta quinta-feira que pelo que conheciam do caso até ao momento “a possibilidade de ter havido uma intervenção de terceiros no desaparecimento da criança” é “praticamente inexistente”.
No entanto, ressalvou, nas últimas 36 horas a prioridade era a busca e o salvamento e encontrar a criança com vida — numa operação coordenada pela GNR que contou com a Proteção e os bombeiros de várias corporações, enquanto a PJ se dedica à investigação. Agora, numa fase “mais serena”, terão de ser reapreciados “todos os elementos do caso”, tal como a informação recolhida juntos dos familiares e da população. “Numa situação desta natureza estamos como no início: a tentar fechar o cabal esclarecimento da situação”, disse o coordenador.
Horas antes do final feliz da história do desaparecimento de Noah, o raio de distância estabelecido pelas autoridades para as buscas tinha sido alargado de quatro para 20 quilómetros. Foi exatamente no perímetro dos quatro quilómetros, onde foram encontradas as pegadas, que Tiago Pedro, 37 anos, e Bárbara Monteiro, de 35, terminaram um percurso de cerca de quatro horas a procurar Noah.
Há cerca de três meses a viverem a meia hora de Proença-a-Velha depois de uma vida passada em Lisboa, este casal identificou-se com a história de Noah e, mal viu o apelo num grupo de Penamacor no Facebook, juntou-se às buscas. É que há alguns dias eles próprios viveram um episódio semelhante com o filho mais novo, da mesma idade. Também ele desapareceu de casa com o cão da família. Na quinta onde vivem há quatro acessos, todos eles estavam abertos. “Acabámos por encontrá-lo ao fim de uns minutos”, disse Tiago ao Observador.
Também o pais de Noah vivem há pouco mais de seis meses numa moradia arrendada a um belga perto da igreja de Proença-a-Velha, no concelho de Idanha-a-Nova, onde nestas 36 horas foi montado o posto de comando das operações — e onde a GNR ia prestando amiúde informações aos jornalistas.
No jardim da moradia, que ao final da tarde desta quinta-feira estava fechada e de estores corridos, vê-se um trampolim. A casa está vedada, mas no exterior existe uma estreita estrada de laterais bem fundas. É, aliás, numa delas que se encontra ainda o jipe do pai de Noah, como mostram as imagens — tudo indica que se terá despistado quando soube do desaparecimento.
O pai de Noah chegou a ser cozinheiro em Lisboa, como contam alguns vizinhos sem grandes certezas, e a mãe é produtora. Há anos que ambos tinham deixado a vida na capital e o negócio de um restaurante em troca de uma vida mais calma em Proença, onde vivem muitos estrangeiros, também à procura de uma maior tranquilidade e ligação à natureza. Em plena pandemia os pais de Noah seguiram-lhes os passos. Mas na aldeia são ainda pouco conhecidos. Ainda assim, no centro recreativo muitos vizinhos não arredaram pé enquanto não souberam o desfecho do caso, que levou dezenas de pessoas à aldeia. “Deus é grande”, ouviu-se em forma de suspiro da boca da empregada, mal se soube que Noah estava vivo.