Em toda a história da NBA só sete equipas conseguiram ser campeãs com pelo menos 80 vitórias e menos de 20 derrotas na época toda: os Celtics (em 1986), os Lakers (em 1972 e 1987), os Bulls (1996 e 1997) e os Golden State Warriors (em 2015 e 2017). É uma espécie de classe de super-vencedores, de turma de brilhantismo extra, e os Celtics de 2024 quase se juntaram a eles: quando venciam por 3-0 as Finals o seu recorde da temporada estava em 79-20 mas Dallas rebelou-se, ganhou o jogo 4, evitando a chamada vassourada, o que impediu os Celtics de entrar no mencionado clube. Não evitou que os de Boston vencessem a época de 2023/2024 da NBA e levantassem o troféu Larry O’Brien, o que aconteceu esta madrugada, graças à vitória por 106-88, entrando num clube ainda mais exclusivo: o de equipa com mais títulos na NBA, 18, ultrapassando os eternos rivais Lakers, que seguem com 17. E Neemias Queta, que já alcançara o feito de ser o primeiro português a jogar na NBA, tornou-se o primeiro português a vencer a NBA.
Os Celtics são o sexto vencedor consecutivo diferente da NBA, seguindo-se a Toronto Raptors (2019), Los Angeles Lakers (2020), Milwaukee Bucks (2021), Golden State (2022) e a Denver Nuggets (2023), no que constitui uma rara janela de alternância nas vitórias – não é comum, na NBA, haver um período tão alargado sem que nenhuma equipa volte a conquistar um título. A ausência de campeões repetidos simboliza o quão difícil é ser-se campeão da NBA hoje, mais ainda manter esse nível e criar uma dinastia.
The @celtics are the 2023-24 NBA Champions! pic.twitter.com/UrZtUG0jwY
— NBA (@NBA) June 18, 2024
Dos seis campeões anteriores, três não alcançarão o troféu tão cedo. Raptors, Lakers e Golden State estão ou em processo de reconstrução ou a atravessar mudanças geracionais. Já Bucks, Nuggets e Celtics podem conseguir novo título mas talvez ninguém esteja tão bem posicionado para isso como os próprios Celtics: têm os jogadores e, acima de tudo, a quantidade de jogadores certos e na idade certa, o que significa que têm profundidade de plantel, facto que foi essencial na vitória deste ano.
É irónico que os Bucks tenham piorado depois da saída de Jrue Holiday, que trouxe o muito desejado Damian Lillard para o clube – só que Jrue acabou nos Celtics, compondo um 5 titular sem comparação na NBA. Jrue, Derrick White, Porzingis, Tatum e Jaylen Brown (que foi o MVP da final, apesar da exibição monumental de Tatum no último jogo), são todos jogadores com triplo, capazes de criar o seu próprio lançamento, capazes de entrar para o cesto e sem qualquer problema em defenderem seja quem for. Esta versatilidade conferiu-lhes sempre uma vantagem extra sobre os adversários: no ataque tinham espaço, porque cada um deles é uma ameaça e é quase impossível defender simultaneamente cinco jogadores com capacidade de lançar dos três pontos; na defesa não tinham de complicar, porque os dotes defensivos do seu cinco titular permitiram sempre anular senão as estrelas adversárias, pelo menos os jogadores de rotação oponentes.
A vitória de Dallas surgiu num dos jogos em que Porzingis ficou de fora por lesão, acentuando a velha premissa de que uma boa campanha nos playoffs da NBA depende da sorte e do azar com as lesões – os Celtics só tiveram problemas com Porzingis, mantendo razoavelmente intacto o seu 5 inicial a maior parte do tempo. O mesmo não se pode dizer dos seus oponentes: os Heat, na primeira ronda, perderam Jimmy Butler e Tyler Herro; os Cavaliers apresentaram-se sem Jarrett Allen; os Pacers ficaram sem Tyrese Haliburton, a sua principal estrela. Estas ausências levaram a que alguns qualificassem as vitórias dos Celtics como feitos menores.
???? BRACKET COMPLETE ????
The @celtics are champions for an NBA-leading 18th time in the franchise's history! ☘️ pic.twitter.com/BNfG8M0Azb
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À entrada para a final havia uma certa desconfiança em relação aos Celtics – uma das narrativas mais proeminentes era de que ainda não haviam sido verdadeiramente testados, de que as suas vitórias nas eliminatórias precedentes haviam sido alcançadas face a adversários menores ou desprovidos das suas maiores estrelas. Mas os Celtics enfrentaram este tipo de desconfiança a época toda: apesar de ao longo da regular season terem, à medida que amealharam vitórias, liderado as bolsas de apostas, nos playoffs estiveram sempre atrás dos Nuggets, pelo menos até estes serem eliminados pelos Timberwolves, nas meias-finais da Conferência Oeste. E ainda há quem defenda que tanto os Nuggets como os Timberwolves estariam mais bem preparados para enfrentar os Celtics (o que é teoricamente verdade, mas impossível de aferir).
Tudo isto diminui o que tem sido o percurso dos Celtics desde que Jayson Tatum se juntou à equipa, através do draft: em 2018 chegaram às finais da conferência Este, perdendo 4-3 para os Cavaliers; no ano seguinte foram às meias-finais de conferência, perdendo 4-1 para os Bucks; em 2020 voltaram às finais de conferência, perdendo 4-2 para os Heat; em 2021 ficaram-se pela primeira ronda, numa derrota para os Nets por 4-1; em 2022 foram às NBA Finals, perdendo 4-2 para os Warriors, enquanto o ano passado perderam, surpreendentemente, para os Heat, por 4-3, na final da conferência. São muitos anos a andar ali por perto, a rondar, a estar a uns jogos de erguer o troféu.
A equipa tem sido construída em torno de Tatum e Jaylen Brown, tendo este último conquistado surpreendentemente o MVP das finais de conferência – Tatum tem sido sempre considerado o melhor dos dois e é a grande esperança americana para o título de MVP da fase regular, há anos na posse de europeus. À sua volta foram sendo adicionados jogadores capazes de criar no ataque e notórios pela sua resiliência na defesa: primeiro Derrick White, depois Jrue Holiday e Porzingis. A troca que envolveu a chegada de Jrue Holiday levou à saída do base Marcus Smart, que era considerado o líder do balneário e o melhor defensor da equipa – mas Holiday é um jogador superior e, talvez, o melhor defesa da NBA.
Olhando para a idade do cinco inicial dos Celtics, é possível que o feito se repita – só Jrue Holiday, com 34 anos, está numa fase avançada da carreira. Todos os outros estão ou no seu apogeu ou perto disso: Tatum tem apenas 26 anos, Brown 27, Porzingis 28 e White 29. Há um núcleo central que ainda tem bastantes anos pela frente, pese embora o sexto homem, Al Horford, esteja quase com 39, o que significa que os Celtics têm de continuar a trabalhar o plantel, até porque a equipa é mais fraca quando Porzingis se lesiona e Porzingis lesiona-se com regularidade.
Drafted 39th overall out of Utah State in 2021 and now NBA CHAMPION in Year 3… Neemias Queta! pic.twitter.com/oWdNhdqkBS
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Mas essa é a NBA atual, em que as multas são tão elevadas para os donos quando gastam muito em salários que a maior parte das equipas não consegue reter todo o talento que tem – depois basta uma lesão e a época vai à vida. Este foi o problema que os Nuggets enfrentaram esta época: não conseguiram segurar Bruce Brown devido às regras financeiras que regulam a folha salarial das equipas da NBA, a rotação tornou-se curta e, quando chegou o momento da verdade, faltou um terceiro homem que se pudesse juntar a Jokic e Jamal Murray na arte de colocar a bola no cesto (em anos anteriores as lesões de Murray também impediram os Nuggets de chegar mais longe).
É este o cenário que os Celtics querem evitar, mas mesmo mantendo toda a equipa não será fácil repetir a façanha: no ano que vem dificilmente veremos Giannis (dos Milwaukee Bucks) e Embiid (dos Philadelphia 76ers) lesionados em simultâneo durante os playoffs, sentados no banco, à civil, impotentes para travar a eliminação das respetivas equipas (o que, defendem muitos, facilitou o caminho dos Celtics na conferência Este).
A new generation raises one to some storied rafters. pic.twitter.com/sBiHEGHK6P
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Do outro lado, na Conferência Oeste, é de prever ainda maiores dificuldades: os Mavs estarão certamente mais fortes, tendo em conta que a equipa foi montada durante este ano, graças a trocas, e agora tem experiência de finais, os Nuggets estão a uma peça de serem candidatos, Oklahoma City Thunder e Minnesota Timberwolves só irão crescer.
A quantidade de jogadores de verde em idade ainda jovem diz-nos que é possível que os Celtics repitam o feito; a quantidade e qualidade dos oponentes faz pensar que é possível que a alternância que marcou os últimos seis anos se mantenha por mais uma época. Tudo isto é especulação mas o que se segue é um facto e um facto que já ninguém lhes tira: os Boston Celtics (e Neemias Queta) são os novos campeões da NBA.