A revolução na NBA vai ter de esperar pelo menos mais um ano – a vitória dos Golden State Warriors sobre os Boston Celtics (ao perfazerem 4-2 em 6 jogos) põe em pausa a mudança geracional que se supôs estar em curso desde que, no passado, os Bucks conquistaram o título. Esta ainda é a era das super estrelas. Mas não da maneira que se pensava – nem com as super estrelas esperadas.
Há uns anos um super verão viu quase todas as super-estrelas em free agency (o nome dado ao estatuto dos jogadores cujo contrato acabou). No fim do mercado surgiram novas super equipas, repletas de super estrelas: os Lakers reuniram LeBron James e Anthony Davis, os Nets sacaram Kyrie Irving, James Harden e Durant (que deixou Golden State), os Clippers emparelharam Paul George e Kawhi Leonard.
Estes plantéis não foram propriamente construídos pelos diretores desportivos das equipas – foram os jogadores free agents que se uniram aos jogadores que mais gostavam. Uma nova era nascia, dizia-se, a do poder total das super estrelas.
No primeiro ano os Lakers conquistaram o título, parecendo confirmar a ideia de que juntar o maior número de super estrelas possível, rodeando-as de veteranos em salários mínimos, era a tática correta para aspirar ao título.
Nesse ano, os Golden State, já sem Durant e com Klay Thompson lesionado (condição na qual passou quase 900 dias, sim, leram bem, 900 dias) nem aos playoff chegariam. O ano passado o destino de Golden State repetiu-se e ficaram de fora do playoff. Parecia que os dias de domínio do trio composto por Steph Curry, Klay Thompson e Draymond Green chegara ao fim.
Estes três estão juntos desde 2012 e juntos haviam levado a equipa a três títulos, embora com ajuda extra nos dois últimos. Depois de uma derrota nas finais para os Cleveland de LeBron e, acima de tudo, depois de terem estado a ganhar 3-1 para acabarem a perder, criou-se uma certa suspeição em torno dos três: que talvez não fossem realmente super estrelas, apenas muito bons lançadores de três.
Nos dois títulos que conquistaram depois a estrela foi Kevin Durant, no que constituiu uma mudança de estratégia dos GS: Curry, Thompson e Green haviam sido todos recrutados no draft, nenhum em posições muito altas (foram 7o, 11o e 35o, respetivamente). A ascensão de cada um foi old school: uma organização, uma equipa técnica a trabalhar para melhorar cada aspeto do jogo de miúdos inexperientes. A chegada de Durant, que já era uma super estrela, foi vista como uma admissão de que o modelo de auto-sustentabilidade dos GS falhara. A Durant foi atribuído, pelo menos em termos mediáticos, o papel de principal figura da equipa – e o trio que era o core da equipa deu um passo atrás, fugindo aos focos dos fotógrafos.
Mas depois do verão de todas as trocas vieram as lesões: Durant foi para os Nets lesionado e assim passou um ano, LeBron e Davis passam tanto na enfermaria como no campo, Kawhi não jogou este ano, etc. As super-estrelas, vistas de perto, estão velhas e com caruncho.
Foi neste cenário que os Bucks emergiram o ano passado, guiados por um Giannis que parece mais uma invenção divina que um ser humano. Com o seu poder físico, a sua vontade inquebrável, deu cabo (com a ajuda de Jrue Holiday e Middleton) dos Suns, cuja super estrela era um base de 1,80m e 36 anos, Chris Paul.
De súbito a lista de super estrelas tinha aumentado: ninguém teve a coragem de dizer que a era de LeBron, Durant e Westbrook acabou (embora tenha acabado) mas outros nomes foram adicionados: Giannis, claro, mas também Booker e Ayton (dos Suns), Tatum e Brown (dos Celtics), Doncic (dos Mavericks), Trae Young (de Atlanta) e, este ano, Ja Morant (Grizzlies).
De certo modo pode dizer-se que houve uma corrida à nova super estrela: analistas, comentadores e antigos jogadores digladiaram-se, exibindo estatísticas e contra-argumentos para provar que o seu jogador preferido é ou vai ser uma super estrela e ‘a aposta do meu amigo está errada, eu é que tenho razão’.
Depois acontece o que se viu nesta finais: Jason Tatum, apodado de nova super-estrela e O Futuro da NBA, não conseguiu nunca estar à altura do desafio (esteva abaixo do seu colega Jaylen Brown, por exemplo).
Perante uma defesa de Golden State extraordinária a rodar e nas ajudas, os Celtics, que tinham a vantagem da juventude, da altura e da força, nunca conseguiram penetrar e acabaram uma parte dos jogos a lançar triplos forçados. A equipa denotou uma enorme falta de criatividade – a falta de um jogador capaz não só de criar o seu tiro, como de gerir os tiros do resto da equipa.
E do outro lado? Stephen Curry, que havia sido colocado prematuramente no estatuto de ex-super estrela da NBA carregou a equipa às costas nos três primeiros jogos da final. Ainda assim Golden State perdia por 1-2. Ao quarto jogo Curry arrancou monumentais 43 pontos – mas também aconteceu uma coisa extraordinária: Poole e Wiggins marcaram na casa das dezenas, Klay voltou a despejar triplos.
Poole está na terceira época e explodiu este ano, graças ao tempo de jogo que teve enquanto Klay recuperava das lesões. Mas Wiggins é o caso mais extraordinário: um ex-número 1 do draft, que nunca esteve à altura das expectativas e que, quando Golden State o foi buscar, ninguém queria. Mas tal como havia feito com Curry, Thompson e Green, a organização de GS acreditou que com o treino certo poderiam elevar Wiggins ao estatuto que a sua posição no draft fizera antever anos antes.
Alto, forte, ágil, com bom drible, lançamento longo e uma enorme facilidade a entrar para o cesto, Wiggins sempre foi visto como um jogador cheio de potencial mas preguiçoso. Mas se calhar bastava colocarem-no ao lado de vencedores natos e nos palcos mais iluminados para que o seu brio viesse ao de cima: na defesa, Wiggins parou tudo o que lhe apareceu pela frente, secando Tatum com uma facilidade impressionante; no ataque foi (enquanto Poole e Thompson não descobriram o lançamento) o parceiro de eleição de Curry, retirando algum peso à necessidade deste marcar massivamente.
Nos últimos três jogos Wiggins fez médias de 15 pontos e 15 ressaltos, números brutais que anteveem um futuro brilhante a um jogador que, aos 27 anos, parece ter encontrado finalmente o seu melhor jogo. E se Poole continuar a crescer, talvez os Golden State tenham já o futuro assegurado.
A vitória de Golden State atrasa a mudança geracional em curso na NBA mas é um prémio justo para a equipa que melhor soube adaptar-se aos adversários, para a equipa que sempre acreditou no processo old school de fazer crescer jogadores em vez de aliciar jogadores adversários. Golden State é uma super equipa de super estrelas porque faz um super trabalho de melhorar jogadores e jogar basquetebol da maneira certa. É isso que explica que só agora Curry tenha conseguido ser o MVP das finais: podem ser super estrelas mas são-no a favor do coletivo.
Nesse sentido, mais que atrasar a revolução, Golden State voltou a dar uma lição de como construir e desenvolver uma equipa. Sem super estrelas, só jogadores que trabalham muito para a equipa.
Cc: senhor Tatum.