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A nova secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, durante a cerimónia de tomada de posse no palácio de São Bento, em Lisboa, 02 de dezembro de 2022. TIAGO PETINGA/LUSA
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Alexandra Reis assumiu a função de secretária de Estado do Tesouro no final de novembro

TIAGO PETINGA/LUSA

Alexandra Reis assumiu a função de secretária de Estado do Tesouro no final de novembro

TIAGO PETINGA/LUSA

Compensação da TAP a Alexandra Reis fura o estatuto do gestor público, mas há dúvidas sobre quadro jurídico aplicado

Se tivesse sido demitida com base no estatuto do gestor público, Alexandra Reis teria direito a uma compensação menor. Mas há dúvidas sobre o quadro legal e o Governo chuta respostas para a TAP.

O valor da compensação pela saída de Alexandra Reis, atual secretária de Estado do Tesouro, da administração da TAP em fevereiro de 2022 é superior ao que teria sido atribuído ao abrigo do estatuto do gestor público. Isto caso se confirmem os 500 mil euros noticiados pelo Correio da Manhã e validados pelas declarações do Presidente da República sobre o caso, mas que na única declaração feita pela gestora, agora secretária de Estado, não é referida. Mas há toda uma complexidade jurídica à volta do assunto. A TAP não esclarece. Alexandra Reis diz pouco. E o Governo chuta para a TAP a responsabilidade por dar informações.

Quando passou a ser uma empresa controlada por capitais públicos, após a compra da participação de David Neeleman em julho de 2020, um diploma do Governo aprovou um regime de exceção para a TAP e para os seus gestores em algumas das matérias reguladas pelo decreto-lei de 2007 que estabelece o estatuto do gestor público. Entre essas exceções estão os requisitos exigidos a um gestor e o processo de nomeação, para além do valor dos vencimentos a pagar à administração que por razões de mercado podem furar os limites previstos na lei. Mas não abre qualquer exceção às regras aplicáveis na cessação de função de administradores antes do final do mandato, que seja feita “por conveniência”.

Não sendo claro que a este caso se aplica o estatuto de gestor público, é o próprio Governo, no esclarecimento conjunto divulgado esta segunda-feira à tarde pelos ministérios das Infraestruturas e Finanças, que o refere.

Neste despacho assinado por Pedro Nuno Santos e Fernando Medina são solicitadas ao conselho de administração da TAP “informação sobre o enquadramento jurídico do acordo celebrado no âmbito da cessação de funções como vogal da respetiva Comissão Executiva, de Alexandra Margarida Vieira Reis, incluindo sobre o montante indemnizatório atribuído”. Dizendo que o fazem “considerando os regimes legais aplicáveis à mencionada empresa pública, designadamente o Regime Jurídico do Setor Público Empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, e o Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março”. Ou seja, são os próprios ministérios que consideram que a TAP está abrangida pelo estatuto do gestor público.

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Ou seja, o despacho remete para o que diz serem os regimes legais aplicáveis à TAP, designadamente o regime jurídico do setor público empresarial e o estatuto do gestor público. O pedido à TAP é para que seja entregue um relatório fundamentado, desde a base jurídica às opções tomadas.

No capítulo sobre a dissolução e demissão por mera conveniência, o estatuto estabelece que um gestor público pode ser “livremente demitido”. E que nesse cenário tem direito “a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de um ano”. Tendo Alexandra Reis sido nomeada em junho de 2021 para um mandato de quatro anos e tendo terminado a sua relação contratual em fevereiro de 2022, o valor de referência para uma indemnização por demissão sem justa causa seria o valor remanescente ao cumprimento do mandato com o limite de 12 meses de salário, o que tendo por base a remuneração anual de 2021 seria de 241 mil euros. Praticamente metade do que terá sido atribuído, os tais 500 mil euros noticiados pelo Correio da Manhã.

Quem decidiu a saída de Alexandra Reis da TAP?

O estatuto do gestor público também prevê que esta cessação de funções compete ao órgão de eleição ou nomeação, o que no caso da TAP será a assembleia-geral sob proposta dos acionistas que, neste caso, é a Direção-Geral do Tesouro do Ministério das Finanças que, com o Ministério das Infraestruturas, desempenha a tutela conjunta da TAP.

E esta é mais uma dúvida sobre o que foi efetivamente feito. Não terá havido cessação de funções decidida pelos acionistas, nem seria, aliás, essa a pretensão da tutela.

A gestora estava na TAP desde 2017 por convite de David Pedrosa (administrador da TAP e filho do então acionista Humberto Pedrosa) e era diretora de compras quando subiu à comissão executiva da TAP em 2020. Tal como Ramiro Sequeira — que desempenhou funções de presidente executivo interino após a saída de Antonoaldo Neves — Alexandra Reis acompanhou a elaboração e negociação do plano de reestruturação da TAP, tendo sido nomeada para um novo mandato de quatro anos em julho 2021, por iniciativa do Estado.

Com a passagem da transportadora aérea totalmente para a esfera pública, no final de 2021, Humberto Pedrosa deixou de ter uma participação direta na TAP SA, ficando apenas na SGPS, de onde entretanto também saiu com a diluição da posição por via do aumento de capital que o Estado fez. Alexandra Reis terá, depois do final do ano passado, colocado o lugar à disposição, segundo informações obtidas pelo Observador.

Saiu em fevereiro. A sua saída do cargo oito meses depois de ter sido nomeada terá acabado por acontecer por opção da presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, por ter havido alguma incompatibilidade entre as duas.

Bastariam quatro meses desde que saiu da TAP para ser nomeada para a presidência da NAV, empresa de controlo aéreo que também é tutelada por Pedro Nuno Santos. Segundo as mesmas informações, a escolha de Alexandra Reis para a NAV terá sido, mesmo, escolha do ministro da tutela. Na recente remodelação e cinco meses depois de ter assumido funções, Alexandra Reis foi puxada para a secretaria de Estado do Tesouro onde pode vir a ter a tutela da TAP por delegação de competências da parte do ministro das Finanças que ainda não foi feita.

Publicamente as informações sobre a decisão da saída da TAP não são claras. Por um lado, nas únicas declarações de Alexandra Reis, agora secretária de Estado do Tesouro, os termos da sua saída do cargo de administradora das empresas do universo TAP e da revogação do seu contrato de trabalho com a TAP foram “ambas solicitadas pela TAP” — ou seja não foi uma iniciativa da própria, tendo a revogação sido “acordada entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais”.

Há ainda a possibilidade do pacote do acordo contemplar uma compensação pelo facto de Alexandra Reis ser funcionária da TAP desde 2017.

Em fevereiro deste ano (quando Alexandra Reis saiu), a diretora jurídica da TAP era Stéphanie Sá da Silva. No entanto, a mulher de Fernando Medina estava de licença de maternidade quando Alexandra Reis saiu da TAP. A companhia foi assessorada juridicamente por um advogado da sociedade SRS, cujo managing partner é Pedro Rebelo de Sousa.

Medina já fez uma baixa. Mulher deixa de ser diretora jurídica da TAP

Se Alexandra Reis diz agora que a saída da TAP foi solicitada pela transportadora e acordada entre as duas partes, a TAP no relatório e contas declara que a gestora “apresentou, por carta dirigida à Sociedade no dia 4 de fevereiro de 2022, renúncia ao cargo. Nos termos da referida renúncia, a mesma produziu efeitos no dia 28 de fevereiro de 2022”.

No comunicado, na altura, à CMVM até foi mais longe: “Tendo sido nomeada pelos anteriores acionistas, e na sequência da alteração da estrutura societária da TAP, Alexandra Reis, vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da TAP, apresentou hoje [4 de fevereiro] renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios. Nos termos da referida renúncia, a mesma produzirá efeitos no dia 28 de fevereiro de 2022. A TAP agradece-lhe todo o serviço prestado, numa altura particularmente desafiante para a Companhia, e deseja-lhe as maiores felicidades pessoais e profissionais para o futuro.”

À Lusa, Alexandra Reis garantiu esta segunda-feira que terá recebido apenas o que lhe era devido. “Nunca aceitei — e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga — qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei”, sublinhou, garantindo que “esse princípio se aplica também aos termos” da sua “cessação de funções na TAP”.

Pedro Nuno Santos e Fernando Medina assinaram um despacho conjunto esta segunda a pedir explicações à TAP

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pela informação disponível, o valor da compensação negociada neste acordo — os tais 500 mil euros — é no entanto superior ao que resultaria da demissão nos termos previstos no estatuto do gestor público. O valor só pode ser superior, ao abrigo deste estatuto, se for um regime especial de cessação, mas aí terá de ser aprovado pelo Ministério das Finanças e pelo ministério da tutela, neste caso as Infraestruturas.

“Nos casos em que se estipularem objetivos de gestão de exigência acrescida, o contrato de gestão pode ainda, excecionalmente, mediante despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área das finanças e do membro do Governo responsável pelo respetivo sector de atividade, estabelecer um regime específico de indemnização por cessação de funções”, lê-se na lei. Na altura os responsáveis dessas áreas eram João Leão e Pedro Nuno Santos.

O Observador questionou tanto a TAP como os dois ministérios sobre se tinha havido alguma aprovação nesse sentido mas nenhuma das partes deu qualquer resposta.

Devolver o dinheiro da indemnização?

A aplicação a este caso do estatuto de gestor público poderia ter outra consequência. É que este diploma estipula a devolução de parte da indemnização se o gestor que a recebeu for para outra função pública. E foi isso mesmo que aconteceu neste caso. Alexandra Reis deixou a TAP em fevereiro e em junho do mesmo ano foi nomeada para a NAV.

Nesses casos, “a indemnização eventualmente devida é reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga.”

Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro a falar da possibilidade de devolução da indemnização. Na primeira declaração sobre o assunto, o Presidente da República declarou que, na medida em que Alexandra Reis está a exercer uma função pública, “há quem pense que era bonito prescindir disso [da indemnização], atendendo a que está noutra função”. Alexandra Reis saiu da NAV para assumir, em novembro, um cargo ao lado de Fernando Medina, enquanto secretária de Estado do Tesouro que tem a tutela de várias empresas públicas, nomeadamente as duas por onde passou.

Na declaração à Lusa, Alexandra Reis não fala da eventualidade de devolução de montantes e diz mesmo que recebeu o que lhe era devido. “Nunca aceitei — e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga — qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei”.

As certezas de Marcelo que afinal são dúvidas

O Presidente da República acabou por se tornar num dos protagonistas do caso Alexandra Reis. Não só como comentador, mas como fonte de informação. Três vezes Marcelo falou sobre o tema, três vezes mudou o discurso. Ainda no dia 24 à tarde, quando a notícia fez manchete no Correio da Manhã, o Presidente escusou-se a fazer comentários ao caso “concreto”, remetendo para mais tarde possíveis achegas. “Verei se faz sentido ou não comentar o caso em abstrato”, afirmou.

Vinte e quatro horas depois, não foi em abstrato que Marcelo Rebelo de Sousa interveio. Foi, pelo contrário, bastante preciso, adiantando informação que, até agora, não foi confirmada por nenhuma outra fonte. Segundo declarações citadas pela Lusa, o Presidente terá apurado tratar-se “de uma situação de rescisão por parte da empresa onde exercia funções de administração a meio do mandato, o que daria lugar a uma indemnização completa”, revelou.

Marcelo: “há quem pense” que era “bonito” secretária de Estado abdicar de indemnização da TAP

No entanto, disse, “foi negociado um terço dessa indemnização”. “A indemnização completa seria três vezes superior. Saiu com essa indemnização por decisão da própria empresa e não por iniciativa própria”, detalhou. Acrescentaria ainda que, “como pensam muitos portugueses”, na medida em que Alexandra Reis está a exercer uma função pública, “há quem pense que era bonito prescindir disso, atendendo a que está noutra função”.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, despede-se dos populares no final da visita à tradicional ginjinha de Natal do Barreiro, 24 de dezembro de 2022. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Marcelo falou três vezes sobre a TAP — e foi mudando o discurso

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Mas as aparentes certezas do Presidente não passaram do dia de Natal. Já esta segunda-feira, Marcelo voltou a manifestar-se, após os ministérios das Infraestruturas e Finanças terem pedido esclarecimentos à TAP e antes de conhecidas as declarações da própria Alexandra Reis. Agora, Marcelo também os quer: “Se os dois ministros pedem esclarecimentos, é porque, aparentemente, sentem que é fundamental para o esclarecimento dos portugueses o perceber-se aquilo que aconteceu efetivamente”. E os “portugueses” incluem o Presidente. “Quer dizer, eu nomeei-a há cerca de um mês secretária de Estado no Ministério das Finanças. Penso que é importante para todos. Para quem nomeia, para quem é nomeado, para os portugueses, esclarecer efetivamente o que se passou nessa pré-história, isto é, na carreira profissional da pessoa”.

O que para o Presidente este domingo era líquido, é agora um mar de dúvidas. “Vale a pena verificar duas coisas. Primeiro, porque é que terminou efetivamente aquela ligação. Correu mal? Incompatibilidades? Deve haver ‘n’ razões funcionais. Em segundo lugar, qual foi o critério seguido para dar aquela indemnização? Porquê o pagamento daquela quantia, naquelas circunstâncias, naquele acordo?”, questionou o Presidente.

Perguntas que ecoam não só na mente de Marcelo, mas também dos vários partidos, da esquerda à direita, que já pediram ao Governo e à TAP explicações “urgentes” sobre o caso, que classificam com adjetivos que vão de “escândalo” a “desrespeito pelos contribuintes”. Bloco de Esquerda, Chega, Iniciativa Liberal, PSD e PAN querem ouvir no Parlamento os protagonistas do mais recente “gate” a abalar o Governo socialista.

Polémicas da “pré-história”

Esta não é a primeira controvérsia em que o nome de Alexandra Reis se cruza com o da TAP. Em 2019, foi conhecida uma lista de prémios, no valor total de 1,17 milhões de euros, que a companhia distribuiu a 180 diretores e gestores como recompensa pelo desempenho. Isso apesar de a empresa ter registado prejuízos de 118 milhões de euros em 2018, ano ao qual os prémios diziam respeito.

Alexandra Reis foi uma das premiadas, com um bónus de 42 mil euros. Essa lista era encimada por Abílio Martins, que, entre outras funções, era responsável pela Cateringpor, e por Elton D’Souza, da área financeira, que receberam 110 mil euros cada. Mário Faria, responsável pela área tecnológica, teve direito a 88 mil euros e o CEO da TAP Cargo, Miguel Paiva Gomes, a 50 mil. Antonoaldo Neves, então CEO da TAP, chegou a dizer no Parlamento que não era a primeira vez que a companhia o fazia, e que o objetivo era estender os prémios a todos os funcionários.

Mais tarde, em 2020, deram ainda que falar os salários do Conselho de Administração que liderado por Ramiro Sequeira, e do qual Alexandra Reis passou a fazer parte, depois de ter estado desde 2017 como diretora com a responsabilidade das compras, tendo tido de acumular a pasta financeira numa altura muito delicada da negociação do plano de reestruturação devido à saída de vários gestores e à demora na nomeação de uma nova equipa de gestão. Com a passagem de diretora a gestora, o salário subiu, de 14 mil euros para 25 mil euros por mês. Mas já em 2021, com Christine Ormière-Widener ao leme, a administração terá levado um corte nos vencimentos de 30%, ao abrigo da aplicação do plano de reestruturação.

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Na mesma ocasião em que Ramiro Sequeira e Alexandra Reis tiveram esse salto salarial por conta da mudança de funções, também o então presidente do conselho de administração, Miguel Frasquilho, iria ter um acréscimo remuneratório, mas decidiu abdicar desse diferencial salarial a que teria direito na sequência de ter passado a acumular as funções de presidente da Portugália.

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